terça-feira, 12 de março de 2024

O FABULOSO ELIPSOIDE DE INÉRCIA

Por: António Franco Preto 



Por favor não se assustem com o título do artigo que, na realidade, é só mais uma 'historieta da vida real', das muitas que todos nós temos. Esta, tem mais de 55 anos de idade (mas por vezes parece que aconteceu 'ontem').

Como todas as 'historietas' que se prezam, podia começar com: 'Era uma vez…'

Mas não. Talvez fique melhor: 'Então foi assim…'

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Circunstâncias da vida levaram-me a, no início da década de 1960 e depois de concluir o 3º ano da licenciatura em Engenharia Químico-Industrial no IST - Instituto Superior Técnico (onde todas as licenciaturas eram de 6 anos) transferir-me para a Faculdade de Ciências de Lisboa para obter a licenciatura em Ciências Físico-Químicas, que tinha a duração de 4 anos (como todas as licenciaturas dessa Faculdade).

Para isso, tive de fazer 7 'cadeiras' que estavam distribuídas pelo 1º, 3º e 4º anos dessa licenciatura[1].  

A associação de estudantes era o único local de reunião, estudo (e almoço) de grande parte dos estudantes da Faculdade de Ciências

Nessa associação, um grupo de três amigas (a Carmo, a Manuela e a Maria José) estudavam por vezes – e em conjunto – Mecânica Racional, que era considerada a 'cadeira' mais difícil do 3º ano da licenciatura (e que eu já tinha feito no IST, onde por sinal era mais complexa).

Como tinha algumas 'cadeiras' em comum com elas, estabelecemos laços de relacionamento compreensíveis e eu tinha a oportunidade de, quando tal me era pedido, as ajudar a encontrar a solução de alguns problemas.

 Quando já relativamente perto dos exames finais lhes apareceu a preocupação de 'que tipo de perguntas' nos poderão aparecer no exame oral (pois a prova escrita era de resolução de problemas) começaram a pedir-me que lhes colocasse perguntas passíveis de saírem nesse exame oral.

Aconteceu que um dia eu coloquei a seguinte pergunta: Qual é o conceito físico do elipsoide de inércia?

Como nenhuma das três conseguiu responder satisfatoriamente eu dei a resposta à pergunta feita (o que demorava – se tanto – uns dois minutos).

E esse conceito físico passou a ser a exigência que eu a partir daí fazia, sempre que me pediam ajuda: primeiro expliquem-me o conceito físico do elipsoide de inércia e depois eu ajudo.

Barafustavam, mas nada feito. Tinham de me ouvir a repetir 'à exaustão' o conceito físico do elipsoide de inércia, antes de receberem a ajuda pedida. Por vezes, quase zangadas, mas era o preço que - por qualquer motivo inexplicável – eu tinha colocado.

Chegamos então aos exames.

A Manuela era a última a ser examinada numa quentíssima tarde de finais de Junho (a Carmo e a Maria José faziam a prova oral noutro dia).

A certa altura, durante o primeiro dos exames orais, o professor saiu-se com a pergunta: Qual é o conceito físico do elipsoide de inércia?

Não tenho recebido uma resposta minimamente satisfatória, deu o exame por terminado com uma reprovação do examinando.

O conceito físico do elipsoide de inércia passou a partir daí a ser a pergunta inicial feita a todos os examinandos dessa tarde.

Pergunta inicial e …final.

Nunca obtendo resposta satisfatória, os exames eram dados por terminados com uma reprovação, após um ou dois minutos (em vez da meia hora que cada prova oral demorava normalmente)[2].

Quando chegou a vez da Manuela (umas duas ou três horas antes da hora prevista), ela parecia um 'papagaio' a recitar com toda a confiança e à vontade o tal conceito físico, tendo sido o único examinando com aprovação final nessa tarde.

Quando eu a felicitei no final pelo 'brilhantismo', obtive a seguinte resposta:

Gostaste?! Pois não percebi nada do que disse!

Fiquei sem resposta perante este exemplo de 'vingança' feminina. 

Tinham de facto algo de aleatório os resultados dos exames universitários no início da década de 1960, mas, ao fim e ao cabo, preparavam-nos para a vida real, que – como fomos aprendendo ao longo dela – tem situações tão inesperadas e tão fora do controle pessoal que, olhando para trás no tempo, fazem parecer os anos da universidade uma brincadeira de crianças.

 

 

O FABULOSO ELIPSOIDE DE INÉRCIA!

Terminada esta 'historieta da vida real' – e exclusivamente para os que ficaram minimamente interessados no dito elipsoide de inércia – vou escrever algo sobre ele.

A Mecânica Racional é a área da Física que estuda os movimentos dos corpos (ou sistemas) gerados por forças específicas (enquanto a Estática analisa as forças aplicadas a um sistema que está em equilíbrio).

A análise matemática utilizada na Mecânica Racional tem a capacidade de representar a geração das trajectórias dos corpos (ou sistemas) em movimento (enquanto a Geometria estuda as trajectórias havidas quando os corpos ou sistemas estão estáticos).

A primeira lei do movimento de Newton é sobre o Princípio da Inércia:

 "Um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento."

Então, conclui-se que um corpo só altera seu estado de inércia se alguém ou alguma coisa aplicar nele uma força diferente de zero.

Definições:

·         O momento de inércia de um corpo está relacionado com a sua massa e com a distribuição dessa massa – que quase nunca é uniforme – através de todo o corpo (dois corpos com a mesma massa podem, pois, ter diferentes momentos de inércia).

·         O valor do momento de inércia I dum ponto com a massa m com um movimento de rotação à volta de um eixo, é definido por    
   (em que r é a distância entre esse ponto e o eixo de rotação)

·         Superfície exterior dum elipsoide: é o lugar geométrico de todos os pontos do espaço para os quais a soma das distâncias de cada um deles a dois pontos fixos (chamados focos) é igual.

Considerando que a superfície exterior de um elipsoide é o resultado da rotação de uma elipse à volta do seu eixo principal, o facto do conjunto dos pontos do espaço que representam o momento de inércia de um dado corpo rodando à volta de um dado eixo ser um elipsoide, fornece importantes informações sobre a distribuição da massa do corpo e a sua dinâmica.

E mais não digo… (mas com esta explicação demasiado simplista, certamente 'chumbaria' a Mecânica Racional, naquela quentíssima tarde de finais de Junho do início da década de 1960…)

 

                                                                                       



[1] Uns dois meses após a obtenção dessa licenciatura iniciei a minha vida profissional na indústria química do petróleo donde, após 6 anos de actividade profissional, me 'transferi' para a área da informática (marketing), onde permaneci – trabalhando para 3 empresas diferentes - até à obtenção da merecida reforma (39 anos depois de ter começado a trabalhar).

[2] Os tempos eram de facto, outros.

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