Estes são dias de aprendizagem:
1. assistimos recentemente a maneiras novas de exercer a dignidade das funções de Estado, em que os jornalistas que fazem o seu trabalho, que é fazer perguntas e dar notícias, são repreendidos por um ministro (Eduardo Cabrita) que tem a ironia de pedir responsabilidade enquanto bate no microfone de um desses repórteres - este vídeo diz muito sobre as virtudes de escrutinar e as debilidades dos escrutinados;
2. vamos aprender em breve como funciona mesmo uma das leis de Portugal, o primeiro-ministro pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) um parecer que clarifique a legalidade dos contractos entre familiares de governantes e o Estado - este texto que explica tudo diz muito sobre a precisão das notícias e a imprecisão das leis.
O caso das golas inflamáveis fez o país discutir inicialmente a segurança do que a Protecção Civil distribui pelas aldeias e depois os jornalistas descobriram controvérsias maiores sobre contractos entre Estado e privados: "Demitiu-se o adjunto do secretário de Estado da Protecção Civil", leu-se segunda-feira, "Empresa desmente Protecção Civil e diz que nunca foi convidada para fazer as golas inflamáveis", avançou o Expresso, "Filho do secretário de Estado da Protecção Civil fez contractos com o Estado. Lei prevê demissão", escreveu terça-feira o "Observador", "A norma da lei que pressiona o secretário de Estado vai deixar de existir", dizia o "Público", "Secretário de Estado admitiu há um ano à SIC que golas eram inflamáveis", prosseguia o Expresso, "Ministério Público abre inquérito à compra das golas inflamáveis", soube-se a meio da tarde, Governo segura Secretário de Estado da Protecção Civil" é manchete do Expresso Diário às 18h, à noite António Costa pedia os já mencionados esclarecimentos à PGR e o "Observador" mudava a manchete para "Pai de Pedro Nuno Santos também fez negócios com o Estado com o filho no Governo".
Há diferentes interpretações da lei sobre a qual a PGR vai ter de se pronunciar, a demissão do secretário de Estado da Protecção Civil que era inevitável passou a discutível ao longo de terça-feira, já se escreveu muito no passado sobre a falta de clareza de alguma legislação redigida em Portugal e a consequência é esta, é possível tudo e o seu oposto. Facto é que o tema das teias familiares é manchete de jornais desta quarta-feira e matéria inevitável das edições digitais e o que começou com um artigo do "Jornal de Notícias" e envolveu vias de facto do ministro Cabrita com material jornalístico tornou-se um debate sobre a legalidade dos negócios que familiares de governantes fazem com o Estado. Nada mal para um jornalismo "irresponsável".
Germano Oliveira - Expresso