terça-feira, 18 de julho de 2023

Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media

Contratos comerciais assinados por jornalistas, como Domingos de Andrade (director da TSF), e conteúdos patrocinados ou contratualizados mas executados por profissionais acreditados, levam entidade a averiguar alegadas incompatibilidades. A entidade que regula e disciplina os jornalistas manifesta-se preocupada com "as formas de promoção comercial disfarçadas de jornalismo", mas defende sigilo das suas diligências.


Entre outros casos, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) anunciou hoje a abertura de um processo de averiguação ao director da TSF, Domingos de Andrade, por este jornalista assinar contratos comerciais como administrador da Global Media, detentora de periódicos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias. Em causa estará o regime de incompatibilidade previsto pelo Estatuto do Jornalista. A sua violação poderá levar à cassação do título profissional e à aplicação de uma coima até 5.000 euros.

Em resposta a um conjunto de situações anómalas, e documentadas, que o PÁGINA UM tem detectado, a CCPJ – o organismo independente de acreditação e de disciplina dos jornalistas – informou estar "a analisar as situações descritas sobre o Público, a Global Media e Domingos Andrade para avaliar os pontos que são da sua competência e quais os que, não sendo, justificam a participação à ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social]". E acrescenta ter já iniciado "também processos de questionamento aos referidos responsáveis".

De acordo com o regime de incompatibilidades, previsto em lei desde 1999, os jornalistas – como Domingos de Andrade, detentor da carteira profissional número 1723, e que também acumula o cargo de diretor-geral editorial da Global Media – estão impedidos de exercer "funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais". A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de "planificação, orientação e execução de estratégias comerciais".

O PÁGINA UM detectou já, pelo menos, dois contratos comerciais assinados este ano por Domingos de Andrade como administrador da Global Media, designadamente com a Câmara Municipal de Valongo (para a produção de reportagens, no valor de 74.000 euros) e com a Comunidade Intermunicipal da Beira Alta (para aquisição de serviços de publicidade e divulgação turística para o período do Verão de 2021, no valor de 25.000 euros).

Domingos de Andrade não está, obviamente, impedido de assinar contratos, mas deveria ter suspendido a sua carteira profissional, além de as suas funções de direcção editorial ficarem assim feridas do ponto de vista deontológico.

Domingos de Andrade não será o único jornalista a ser agora escrutinado pela CCPJ – o organismo com tutela disciplinar desta profissão especialmente regulada.

Também o director do Público, Manuel Carvalho, e os directores das diversas publicações da Global Media, nomeadamente Rosália Amorim (Diário de Notícias) e Inês Cardoso (Jornal de Notícias), serão investigados por suspeita da existência de contratos comerciais, sobretudo com autarquias, para a encomenda de conteúdos patrocinados, mas que são escritos por jornalistas – algo estritamente proibido pelo estatuto e pelo código deontológico.

Além disto, poderão ainda ser escrutinadas as suas participações activas, como jornalistas e directoras de órgãos de comunicação social, em eventos comerciais contratualizados entre autarquias e a Global Media.

Na esmagadora maioria dos casos da escrita de conteúdos patrocinados, o PÁGINA UM sabe que os jornalistas chegam a ser forçados a escrever sob anonimato pelas chefias ou administração. O PÁGINA UM já detectou diversos "conteúdos patrocinados" não assinados, e que surgem, depois, republicados integralmente nas secções editoriais já assinados por jornalistas com carteira profissional. Ou seja, os textos originalmente patrocinados foram escritos por jornalistas, constituindo uma violação legal.

A própria CCPJ afirmou ao PÁGINA UM que "tem sido crescente o número de denúncias generalizadas sobre jornalistas obrigados a elaborar conteúdos patrocinados sob anonimato ou sem sequer saberem que os conteúdos que lhes eram encomendados tinham na sua origem contratos comerciais ou de marketing do respetivo órgão de comunicação social."

E acrescentou ainda que tem tomado diligências nos últimos anos, nomeadamente a elaboração de uma directiva sobre conteúdos patrocinados, a solicitação de um estudo à OberCom – Observatório da Comunicação, e a realização de reuniões de sensibilização junto dos directores dos principais órgãos de comunicação social.

Também Afonso Camões – antigo director do Jornal de Notícias e actual director-geral de conteúdos da Global Media – estará eventualmente sob a alçada disciplinar da CCPJ. Apesar de sempre ter mantido a carteira profissional de jornalista (CP 308), Camões também assinou contratos comerciais.

Por exemplo, em Agosto do ano passado, Afonso Camões apôs a sua assinatura no contrato de aquisição de publicidade institucional no âmbito da pandemia entre a Global Media e a Direcção-Geral da Saúde, no valor de 401.485 euros.

Este jornalista, que tem actualmente colunas de opinião regulares no Jornal de Notícias e no Diário de Notícias, escreve com frequência sobre questões relacionadas com a gestão política da actual crise sanitária.

No caso do Público, a situação em concreto, agora em averiguação pela CCPJ, refere-se sobretudo à assinatura de um contrato com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), no valor de 44.135 euros.

Assinado em Outubro passado, esse contrato tinha por objecto a prestação de serviços de "criatividade e marketing no âmbito das Comemorações dos 20 anos da classificação do Douro Património", de publicidade e de "Parceria Editorial com o Jornal Público". Na semana passada, como desfecho deste contrato comercial sob a forma de alegada "parceria editorial", o Público editou uma revista contendo artigos assinados por jornalistas e um editorial do director Manuel Carvalho, fazendo alusão a ser um conteúdo apoiado.

Saliente-se que em aditamento ao seu Livro de Estilo – feito em 2017 pelo então director David Dinis –, o Público considera que os conteúdos apoiados não são comerciais, porque são "editorialmente independentes e produzidos de forma autónoma pela redacção".

Porém, neste caso estamos perante não um conteúdo apoiado por publicidade, como habitualmente, mas sim pago por contrato comercial de prestação de serviços.

Ademais, a revista contém, logo na página 5, um texto do presidente da entidade adjudicante (CCDR-N), António Cunha.

Apesar das anunciadas promessas de fazer diligências para questionar os jornalistas do Público e das publicações da Global Media, o Secretariado da CCPJ promete já que "irá preservar o sigilo sobre as conclusões" destes inquéritos, bem como "eventuais procedimentos que se entendam por convenientes".

A CCPJ alega o sigilo a que os seus membros estão abrangidos por um decreto-lei de 2008. Contudo, sobreposta a esse diploma (decreto-lei) está juridicamente a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, a qual abrange os documentos também emanados pela CCPJ.

Deste modo, o PÁGINA UM irá solicitar, a seu tempo, o acesso às eventuais diligências prometidas pela CCPJ aos jornalistas visados.

Nota: Leonete Botelho, presidente da CCPJ, promete investigar jornalistas por incompatibilidades, incluindo o seu director no Público, mas defende sigilo sobre as conclusões.

https://paginaum.pt/2021/12/22/comissao-da-carteira-profissional-de-jornalista-abre-processos-a-directores-editoriais-do-publico-e-da-global-media/


sábado, 15 de julho de 2023

Teste

Teste que faltava!

O caso de Nilsen Arias e de como Portugal lhe escancarou as portas.

 


Um alto-funcionário da petrolífera estatal Petroecuador, Nilsen Arias, acusado de corrupção e branqueamento de capitais nos Estados Unidos e a ser investigado no Equador, canalizou para Portugal vários milhões de euros em compras de imóveis e obteve a nacionalidade portuguesa para um dos seus filhos. Como ex-responsável pelo comércio internacional da Petroecuador, Arias tinha um estatuto de Pessoa Politicamente Exposta (PEP), o que deveria obrigar a um cuidado redobrado com a origem do dinheiro por parte de bancos, advogados, agências imobiliárias e autoridades, mas aparentemente ninguém lhe levantou problemas.

Uma investigação do Expresso com o jornal equatoriano “El Universo” permitiu apurar que, entre 2015 e 2021, Nilsen Arias, a mulher e os seus dois filhos compraram 13 apartamentos e uma loja em Lisboa, além de uma moradia de luxo na Quinta da Marinha, em Cascais. Alguns desses imóveis foram entretanto revendidos, mas nove apartamentos continuam a ser detidos pela esposa e pelo filho mais velho de Arias, Juan.

Ao todo, a família fez aquisições de €8 milhões em património imobiliário em Portugal ao longo de seis anos. Parte desse dinheiro corresponde a mais-valias realizadas e reinvestidas em novos imóveis, sendo que Arias chegou a recorrer a empréstimos bancários.

Nilsen Arias foi indiciado em janeiro de 2022 por lavagem de dinheiro nos EUA, ao abrigo da lei sobre práticas de corrupção no estrangeiro, por haver bancos e cúmplices norte-americanos implicados num esquema em que empresas internacionais de comércio de petróleo pagaram subornos a Arias e a outros funcionários para serem beneficiadas com contratos e condições especiais por parte da Petroecuador. Um segundo inquérito-crime foi aberto no Equador.

Arias esteve preso em Nova Iorque, mas declarou-se culpado e saiu da cadeia depois de ter pago uma caução, passando a colaborar com a justiça norte-americana. No Equador, as autoridades acreditam que o esquema na petrolífera estatal tenha envolvido subornos de 22 milhões de dólares.

Segundo a acusação norte-americana, Arias trabalhou para a Petroecuador entre 2010 e maio de 2017, mas continuou implicado no esquema de corrupção até agosto de 2021.

Um conjunto de escrituras públicas obtidas pelo Expresso mostram que Arias começou a canalizar dinheiro para Portugal em março de 2015, quando era ainda alto-funcionário da petrolífera. A mulher dele, Patrícia Romero, comprou nessa altura dois apartamentos — um T1 e um T2 — num condomínio do Paço do Lumiar, em Lisboa, por €605 mil. O suficiente para o casal poder concorrer ao programa de vistos gold.

COMO SURFAR A LEI

Embora nem Arias nem o escritório português de advogados (EDGE) contratado para ajudar na compra dos imóveis em Lisboa e Cascais tenham respondido aos pedidos de esclarecimento do Expresso e do “El Universo”, o facto de um dos filhos dele, Nilsen Andres Arias, atualmente com 21 anos, surgir numa informação de 2021 do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) como tendo nacionalidade portuguesa é uma indicação de que o pai aderiu aos vistos gold.

Este regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) esteve aberto a estrangeiros que comprassem imóveis no valor de meio milhão de euros em Portugal e abrangia os cônjuges e filhos, sendo possível requerer a nacionalidade portuguesa ao fim de seis anos. No caso de Arias, esse prazo foi atingido em 2021.

Também um irmão de Arias, Cristian, obteve nacionalidade portuguesa, segundo uma informação do RCBE em que ele aparece como sócio dos sobrinhos numa empresa de comércio de produtos saudáveis em Rio de Mouro, a Kinoha.

Os investimentos a sério em Portugal só começaram, no entanto, em 2018, depois de Arias sair da Petroecuador. A lei de branqueamento de capitais então em vigor em Portugal (a lei 83/2017) determinava que o estatuto de Pessoa Politicamente Exposta deixava de se aplicar ao fim de 12 meses depois de se abandonar o cargo.

Em junho de 2018, 13 meses depois de Arias sair da Petroecuador e já não ser formalmente um PEP em Portugal, a mulher dele comprou seis apartamentos num edifício da rua de São José, perto da Avenida da Liberdade, em Lisboa, por um milhão de euros. Essa aquisição foi feita por uma estrutura complexa montada com a ajuda dos advogados da EDGE.

Os seis imóveis foram comprados pela Falcon Pyramid — Investimentos Imobiliários, LDA, uma empresa com sede em Lisboa, detida por uma firma na Madeira, a Million Signs S.A., por sua vez controlada por Patricia Romero através de uma companhia em Singapura, a Asiapt Consultancy PTE. LTD. Em novembro de 2019, todos os apartamentos foram revendidos por 1,9 milhões de euros a outra empresa portuguesa, a Delicate Constellation, Lda., controlada pelo filho mais velho de Arias, Juan.

A compra mais cara foi feita pouco depois, em outubro de 2018, desta vez em nome pessoal e recorrendo a um empréstimo de €1,5 milhões do Novo Banco. Ao todo, Nilsen e Patrícia deram €2,75 milhões por uma moradia com três pisos e um jardim de 1300 m2, incluindo uma piscina, na Quinta da Marinha, numa área deste condomínio mais próxima da praia do Guincho. A casa foi revendida por €4,35 milhões em março do ano passado. O casal desfez-se também em 2021 e 2022 dos dois apartamentos comprados em 2015 no Paço do Lumiar, obtendo uma mais-valia de €147 mil.

Pelo meio, entre 2018 e 2021, Patrícia Romero comprou cinco apartamentos e uma loja num prédio perto do Jardim da Estrela, em Lisboa, por €1,7 milhões, e revendeu três dos imóveis por €1,267 milhões. Hoje mantém ainda três apartamentos nesse edifício, a que se juntam os outros seis andares da rua de São José que estão em nome de Juan.

TEXTO MICAEL PEREIRA E PAUL MENA JORNALISTA DO “EL UNIVERSO”

Expresso

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Construção do Extremely Large Telescope avança a bom ritmo. Metade do telescópio já está concluída

 


Espantoso!

O Observatório Europeu do Sul prevê que a construção dos restantes 50% do Extremely Large Telescope decorra mais rapidamente do que a primeira metade, apontando para um prazo de cerca de cinco anos.

Ver aqui :

https://tek.sapo.pt/noticias/ciencia/artigos/construcao-do-extremely-large-telescope-avanca-a-bom-ritmo-metade-do-telescopio-ja-esta-concluido


sábado, 8 de julho de 2023

Holanda: Número de escolas consideradas 'muito fracas' aumentou no ano passado: Trouw

O número de escolas julgadas pelas inspeções como “muito fracas” aumentou no ano passado de 13 para 39, de acordo com Trouw .

O jornal relata que, especialmente na educação primária, há preocupações com a qualidade e os inspetores intensificaram suas visitas.

Normalmente, há cerca de 100 visitas a cerca de 6.545 escolas primárias financiadas pelo estado, mas no ano passado foram 250, em parte com base em relatórios de preocupações e uma “análise de risco”.

Uma pesquisa internacional em maio sugeriu que os padrões de leitura entre as crianças primárias na Holanda caíram drasticamente e as crianças estão gostando menos da leitura.

Os inspetores pediram medidas para interromper o declínio nos padrões de leitura e aritmética no ano passado, e foram levantadas preocupações sobre o impacto da educação domiciliar durante a pandemia, principalmente para grupos vulneráveis.

Pesquisas repetidas de grupos e organizações de campanha, incluindo o CPB e o SER, sugerem que o sistema educacional holandês, que seleciona aos 11 anos de idade, está aumentando a desigualdade de oportunidades em geral. Alguns especialistas acreditam que um sistema exigido pelo governo para rastrear o desempenho dos alunos a partir dos seis anos de idade simplesmente aumenta a quantidade de testes em vez de apoiar os objetivos educacionais.

Outros estudos mostram que os níveis de estresse entre algumas das crianças mais felizes do mundo aumentaram dramaticamente nos últimos anos e, na semana passada, a Holanda caiu do 4º para o 20º lugar em um ranking mundial de respeito aos direitos da criança.

https://www.dutchnews.nl/2023/07/number-of-schools-judged-very-weak-rose-in-past-year-trouw/

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Criminosos, terroristas e aproveitadores: como os migrantes são retratados na mídia europeia.

O naufrágio de um barco ao largo da costa da Grécia transformou o Dia Mundial do Refugiado, celebrado a 20 de junho, num dia de luto. Havia cerca de 750 pessoas a bordo, 70 foram confirmadas como mortas e apenas 104 foram resgatadas dos destroços - deixando muitas desaparecidas.

Em março, outro naufrágio, desta vez na costa da Itália, deixou quase 100 mortos . Em quase todos os casos, são pessoas que fogem da violência, da guerra e da miséria.

Um relatório recente da ONU indica que o número de pessoas deslocadas à força no mundo atingiu um recorde de 108 milhões em 2022 , dos quais mais de 35 milhões são refugiados em outros países.

Os números, impulsionados em parte pela guerra na Ucrânia, superam até os da crise dos refugiados no Mediterrâneo entre 2015 e 2016. Naquela época, a crise migratória alcançou uma presença na mídia raramente vista antes. Basta lembrar a imagem de Aylan Kurdi , o menino sírio que se afogou em uma praia turca em setembro de 2015, que se tornou um símbolo do drama migratório.

Migração no sul da Europa

Tal como aconteceu este ano com os naufrágios acima referidos, o foco desta crise foi o sul da Europa. Para ser preciso, o maior volume de chegadas deslocou-se da Grécia (Mediterrâneo oriental, em 2015), para a Itália (Mediterrâneo central, 2016 e 2017) e, finalmente, para a Espanha (Mediterrâneo ocidental, em 2018). Em junho daquele ano, na Espanha, a chegada do barco Aquarius marcou uma virada.

Estes países são as principais portas de entrada de migrantes na União Europeia. Uma das reivindicações destes países, e que está precisamente na origem da declaração de emergência migratória em Itália, é a necessidade de uma gestão migratória a nível europeu, uma vez que o ónus da gestão das chegadas recai quase exclusivamente sobre as autoridades nacionais, quando é um desafio europeu.

Isso é agravado pela situação econômica desses três países. Aquando da crise humanitária dos refugiados a partir de 2014, estes países ainda se recuperavam das duras medidas de ajustamento resultantes da crise económica e financeira iniciada em 2008. Os seus desafios são, por isso, particularmente complexos.

ódio na mídia

Essa realidade migratória coincidiu – não por acaso – com o surgimento de discursos de rejeição. Esses discursos foram popularizados através das redes sociais e estão intimamente relacionados à ascensão ao poder de partidos abertamente anti-imigração, como o Vox na Espanha ou o Lega de Matteo Salvini e o Fratelli d'Italia de Giorgia Meloni na Itália.

Mas o fenômeno do racismo e da rejeição aos migrantes é muito complexo e muitas vezes está relacionado à representação dessas pessoas na mídia. Isso é algo que a pesquisa acadêmica vem analisando há muito tempo, tendo observado que essa representação tende a ser estereotipada, negativa e insuficiente.

Com essas premissas, uma equipe do Observatório de Conteúdos Audiovisuais da Universidade de Salamanca liderou um consórcio com pesquisadores da Universidade de Milão (Itália) e da Universidade Aristotélica de Thessaloniki (Grécia), para entender a realidade da representação midiática da migração nesses países, prestando atenção especial ao discurso de ódio que os migrantes e refugiados recebem. Este projeto resultou recentemente em um livro, intitulado Migrantes e Refugiados no Sul da Europa Além das Notícias: Fotografias, Ódio e Percepções dos Jornalistas .

Nele, o foco é colocado em três questões principais: as fotografias usadas pela grande mídia ao cobrir fenômenos migratórios, a presença de discursos de ódio racistas e xenófobos no Twitter e no YouTube e as opiniões de jornalistas especializados em migração.

Observações preocupantes

Em primeiro lugar, foram identificados os quatro quadros predominantes de representação dos migrantes na grande mídia no sul da Europa: normalização, vitimização, carga social e ameaça.

Verificou-se que a grande mídia nos países mediterrâneos é dominada por quadros que retratam os migrantes como vítimas ou como um fardo. Além disso, os quadros negativos (tanto os que retratam os migrantes como um fardo quanto os que os identificam como uma ameaça) cresceram significativamente entre 2014 e 2019. Embora o padrão seja compartilhado nos três países, é a mídia grega que faz uma representação substancialmente mais negativa de migração através de seus quadros.

Por outro lado, a presença de discurso de ódio no Twitter e no YouTube, medida por meio de técnicas computacionais, parece ser pequena em termos absolutos, não sendo observado um aumento muito significativo nos últimos anos.

No entanto, uma análise atenta dos temas subjacentes a essas mensagens mostra que o ódio aos migrantes é principalmente argumentado por meio de sua associação com criminalidade, terrorismo e gastos sociais. Por exemplo, notícias falsas ou furos incorretos que declaram – antes de verificar – que o autor de um crime é de origem estrangeira, ou artigos que indicam que os migrantes têm mais chances de obter mais benefícios sociais do que os locais. Essas narrativas são frequentemente apoiadas por essas informações e circulam online, alimentando medos infundados, mas profundamente enraizados.

Diante desse cenário, os jornalistas especializados na área estão preocupados. Embora defendam a sua atuação e o seu profissionalismo, também reconhecem que existem más práticas e limitações, como a precariedade ou a falta de tempo, que impedem uma cobertura mais objetiva, precisa e humana dos fenómenos migratórios. Existe uma certa divisão entre aqueles que colocam a prática jornalística acima de tudo e aqueles que defendem a humanidade e os direitos humanos dos migrantes e refugiados como valores prioritários.

Um último elemento que ajuda a compreender os efeitos reais dessas representações é que os crimes de ódio registrados nos últimos anos estão aumentando constantemente nesses três países, mas também na maioria dos países ocidentais, como indicam dados coletados pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa .

Como reverter essa situação

Para alcançar uma representação mais humana da migração na mídia, propomos três estratégias:

  1. Maior consciência e sensibilização sobre estas questões por parte de diferentes atores, tanto jornalistas e profissionais de comunicação social como audiências, incluindo utilizadores de plataformas sociais.

  2. Mais jornalismo baseado em evidências, mais verificação e reportagens mais aprofundadas.

  3. Mais histórias pessoais, mais participação dos protagonistas, dos próprios deslocados, e mais narrativas que procuram identificar-se com essas pessoas, evitando a sua estigmatização.

Isso é necessário para contar toda a história, para não limitar os migrantes a uma massa diante de nossas fronteiras. A crise migratória provocada pela invasão russa da Ucrânia mostra que existe outra forma não só de representar os migrantes e refugiados, mas também de responder a nível institucional e humano. Que possamos aprender lições para melhores respostas aos desafios migratórios atuais e futuros.

https://theconversation.com/

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Princípios dos Povos Andinos

PRINCÍPIOS Andinos (quechuas)

pachamama


YACHAY

Se aprendes alguma coisa, aprenda bem. E depois a ensine com alegria e honestidade, dialogando e escutando.

MUNAY

Se amas, ama bem. Compartilha com carinho e humildade

LLANK’AY Se faz, faça bem. Com sabedoria, alegria e energia. Trabalha por tua família, tua comunidade, pela humanidade e pela Terra. Se errares, corriga-te e siga diante com firmeza.

KAWSAY

Ama, respeita e protege a vida com a tua vida. Honre e agredeça a nossos antepassados que te deixaram como herança o que agora podes desfrutar. Lega aos nossos descendentes um mundo harmonioso, com bem-estar e abundância para todos.

AYLLU

Reconheça-te nos demais, que são você mesmo. Cria e deixe-se criar. Respeite as diferenças com tolerância, em integração e complementaridade.

AYNI Partilhe com todos os seres que te rodeiam. Lembre-se que para receber, primeiro tens que dar.

K’INTU Ofereça o melhor de ti mesmo, de teu entendimento, de teu sentimento, de teus antos, de teus conselhos.

CHEQA Reconheça a realidade para além da tua verdade e entenda a verdade dos outros sem pretender impor a tua. Esses são os princípios pelos quais os povos originários andinos pautam sua vida!

Esses são os princípios pelos quais os povos originários andinos pautam sua vida!

Fonte: http://hernehunter.blogspot.com.br/

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Apropriaram-se de 22 terrenos por usucapião e acabaram a contas com a Justiça

Tirando todos os restantes casos por esse país fora..

Em apenas três anos, 22 prédios mudaram de dono sem que os legítimos proprietários se tivessem apercebido de terem perdido o direito à propriedade. A maioria das transacções fraudulentas ocorreu nos concelhos de Olhão, Faro e Tavira entre 2018 e 2021. A figura central do processo em julgamento, que decorre no Tribunal de Faro, onde nesta quarta-feira decorrem as alegações finais, é João Pereira, um antigo vereador da Câmara de Olhão, eleito pelo Bloco de Esquerda mas que foi entretanto expulso do partido quando alegadamente se envolveu em actividades criminosas. A acusação aponta crimes que vão desde a burla qualificada à falsificação de declarações e de documentos. Há 38 arguidos.

A figura jurídica “usucapião” – que reconhece o direito de propriedade sobre um bem pelo seu uso continuado (15 a 20 anos) sem contestação – foi o instrumento que permitiu criar a aparência de legalidade para registar terrenos e depois os vender. A acusação, com cerca de 200 páginas, além de visar João Pereira, Ex-empresário da construção civil e Ex-vereador do BE no município de Olhão entre 2009 e 2013, envolve o notário António Miquelino, bem como os intermediários do negócio das vendas imobiliárias.

Os queixosos do crime por usurpação são, principalmente, filhos e netos de antigos lavradores, emigrantes ou residentes fora da região. Os imóveis, para efeitos de escritura por usucapião, eram referenciados como sendo “doados” ou “comprados” apenas de “forma verbal”, referências confirmadas por testemunhas.

João Pereira é o único arguido que se encontra em prisão preventiva desde 2021, altura em que foi detido pela PJ. Sobre ele recai a suspeita de ter tido “um papel preponderante” na localização de terrenos e obtenção de documentação para posterior venda. Tudo começa com a criação de uma associação cívica, o Movimento “Somos Olhão”, através do qual desenvolveu actividade de apoio à comunidade cigana, ajudando a resolver problemas (preenchimento de formulários relacionados com a Segurança Social) e apoio jurídico para contestar multas de trânsito e outras infracções.

Por influência da dinâmica social criada, consegue apoio para ser eleito vereador da câmara de Olhão em 2009 pelo Bloco de Esquerda. A meio do mandato é expulso do partido na sequência de denúncias sobre a actividade que desenvolvia e por ter ocultado processos judiciais em que estava envolvido. Chegou a ser condenado por procuradoria ilícita, mas em 2013 volta a candidatar-se, como independente, não sendo eleito.

Liliana Nóbrega, psicóloga, na altura mulher de João Pereira, trabalhava como administrativa da associação cívica criada pelo marido e é também arguida. No processo existe ainda um outro elemento preponderante a ligar as várias peças do puzzle: um pastor de ovelhas. “Senhor Aníbal”, de seu nome. “Tinha vários terrenos”, disse Liliana Nóbrega, acrescentando que o acompanhou às repartições públicas para registar propriedades. “Não sabe ler”, justificou. Ambos estão acusados de atestar factos em escritura pública que não correspondiam à verdade e de angariação de imóveis, promoção e venda a terceiros.

Entre os 38 arguidos acusados de se apropriarem de propriedades que não lhes pertenciam estão, na sua maioria, membros da comunidade cigana. Acresce ainda um cidadão alemão, Ralph Ponher, reformado, que também está a responder na justiça por ter ocupado um terreno alheio usando, igualmente, a figura do usucapião. Em 1998, Ponher comprou uma casa em ruínas em Santa Bárbara de Nexe. Após reconstruir a habitação, decidiu começar a ocupar a propriedade do vizinho. “Comecei a limpar o terreno porque tinha lá uma lixeira”, declarou, em sede de julgamento. Porém, não se limitou a cuidar do espaço, mandou depois colocar uma vedação. O juiz António Marques da Silva, durante a audiência, quis saber donde lhe terá surgiu a ideia de se fazer dono de um terreno que sabia não lhe pertencer. “Falei com o presidente da junta de freguesia, Dr. Leonardo [Abreu], e ele disse que existia uma lei em Portugal que permitia: quando alguém cuida dos terrenos, pode ficar com eles.” O magistrado, que preside ao colectivo de juízes, insistiu: “Mas sabia que o terreno não era seu?” O arguido fez uma pausa e respondeu de forma indirecta: “O meu filho comprou um terreno na Falfosa [concelho de Faro] a um senhor que o tinha adquirido por usucapião e não teve problemas.”

Ralph Ponher afirmou ter pedido “ajuda” a João Pereira, a quem disse ter pago 1500 euros para tratar dos procedimentos burocráticos. “Porque é que achou que era dono do terreno ao fim de cinco anos [de ocupação]?”, insistiu o juiz. “Dono de sentimento e emoção”, respondeu, justificando que, antes de praticar o acto, tentara, sem êxito, encontrar o verdadeiro proprietário.

Mentir é possível

A João Pereira, Ralph Ponher pediu para facilitar o registo da propriedade, adquirida por alegada compra verbal, que sabia não corresponder à verdade. “É assim que se faz, em Portugal, disse o Dr. Miquelino”, declarou o alemão, após o pedido de esclarecimento do magistrado. “Acha normal que se minta no notário?”, insistiu o juiz. “Não é normal, mas não é impossível”, retorquiu o arguido. De novo, o juiz questionou: “E acha que as regras do notário aqui, em Portugal, são diferentes da Alemanha?” “Na Alemanha não é possível [mentir]”, admitiu, mas não soube explicar porque, mesmo achando “esquisito” o que ouviu do notário sobre as alegadas regras portuguesas, tinha assinado a escritura.

Por seu lado, António Miquelino negou qualquer envolvimento directo com as testemunhas das escrituras justificativas nem desconfiou que pudessem faltar à verdade. De resto, enfatizou, só “ficou alerta” para o que se estava a passar no seu próprio cartório quando viu uma reportagem na SIC dando conta de apropriação de terrenos nas zonas de Santa Bárbara de Nexe, Conceição de Faro e Estói (concelho de Faro).

Nos concelhos de Loulé, São Brás de Alportel e Tavira, onde ainda não existe cadastro homologado, é ainda maior o espaço para aquisições fraudulentas. O registo predial só passou a ser obrigatório em 2007. Até esta data, por ser facultativo, nestes três municípios existem milhares de propriedades sem dono conhecido.

Damião dos Reis é outro dos arguidos a responder pelo facto de se ter apropriado de um terreno alheio, no sítio dos Gorjões. Na década de 1980 declarou ter conhecido um alemão que acabaria por ser o seu benfeitor: “Fiquei com a chave do cadeado [portão], para lhe entregar quando voltasse [da Alemanha], e até hoje não apareceu.” A partir dessa altura, revelou, começou “a apanhar as alfarrobas e a limpar o terreno”. Mais tarde, tentou fazer uma escritura por usucapião, que acabaria por não se realizar. Uma das testemunhas, disse, foi o seu primo Romão, pastor evangélico.


Publico

IDÁLIO REVEZ

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Por que o livro de Enoque não é considerado um cânone da Bíblia?

O livro de Enoque foi editado em meados do século III a.C  e não considera-se que nenhuma das Sagradas Escrituras canónicas judaicas ou cristãs – do Antigo Testamento – tenham sido a inspiração desse livro. A única vertente que admite o livro de Enoque em suas escrituras mais remotas é a dos coptas – que são os cristãos egípcios com sua própria denominação ortodoxa.

Mesmo que nos escritos judaicos até o fim do século I d.C. não tenham menções ao livro de Enoque, acredita-se que exista uma certa influência dele, devido à existência de anjos caídos e gigantes. Dentre os judeus, existia um grupo denominado Quram, que detinha diversos escritos bíblicos, inclusive, o livro de Enoque.  No entanto, ainda se discute a validade dos documentos desse grupo como autênticos ou não, já que eles contam com influência de outras culturas, como fariseus e caduceus.

A maior ‘evidência’ da legitimidade do livro de Enoque está na epístola de Judas (versículos 14-15): “Para estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com os seus milhares de santos, para executar juízo sobre todos e convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram.”

Mas mesmo com essa ‘documentação’ ainda não existe uma comprovação, visto que isso não significa necessariamente que o livro tenha sido escrito por meio da inspiração divina.

sexta-feira, 30 de junho de 2023

São Vicente: os estranhos negócios da junta do PS

Ser do PS e estar de bem com a direcção, é uma maravilha…


"Na junta presidida por uma Ex-inspectora, há contractos com o NIF de outra junta, adjudicações a empresas-mistério, ou acabadas de criar, ou que pertencem ao mesmo dono, ou a marido e mulher.
A história dos contractos da Junta de Freguesia de São Vicente com Carlos Madaleno entre 2017 e 2020 tem vários contornos polémicos. Empresário ligado à construção civil, amigo de José Afonso Dias, o tesoureiro da junta na altura (os dois foram, inclusive, à Polónia buscar refugiados ucranianos, tendo aparecido na televisão), Carlos Madaleno teve dois contractos consecutivos com a junta para “trabalhos diversos” e “realização de pequenas reparações”, um de €75.000 em nome individual (2017) e outro de €150.000 pela sua empresa, a JC Madaleno (2018).
Após esses contractos, em Maio de 2020 a mulher de Carlos Madaleno (Sónia Brito João) criou a Anamazeti, uma empresa com o mesmo objecto social da do marido (construção) e poucos meses depois, em Setembro, a junta adjudicou-lhe mais €150 mil para um ano de “trabalhos diversos”.

Carlos Madaleno prestou declarações à SÁBADO por telefone, mas anulou-as depois, pedindo que tudo se passasse por escrito. Por email, não respondeu a várias perguntas que tinha respondido ao telefone, nomeadamente a razão das várias empresas, incluindo a da mulher, como eram geridos os contractos, quanto gastou efectivamente dos montantes adjudicados e pagos pela junta e quão amigo era do tesoureiro, Afonso Dias.

Por escrito, respondeu apenas: “Executei vários trabalhos de construção civil para a Junta de Freguesia de São Vicente, à semelhança do que fazia para a extinta freguesia da Graça. Os valores pagos correspondem efectivamente a trabalhos realizados, sendo os preços ajustados ao valor do mercado. Refuto ter celebrado vários contractos em infracção de quaisquer regras que fossem aplicadas no momento da sua formação ou celebração.”
A existência de várias empresas que têm o mesmo dono a concorrerem entre si não é novidade na adjudicação pública em Portugal, mas este caso de São Vicente tem talvez um detalhe pioneiro. Nos três contractos, o NIF que aparece como sendo o da Junta de Freguesia de São Vicente é o 510 857 043, que é na verdade o NIF de outra freguesia de Lisboa, a de Santa Maria Maior. As duas freguesias são vizinhas e lideradas pelo mesmo partido desde 2013, o PS.

"Desconhecemos por completo o motivo pelo qual se verifica a inserção do NIPC da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior num contracto assinado pela Junta de Freguesia de São Vicente - facto que só podemos atribuir a um lapso involuntário", justificou-nos Miguel Coelho, presidente da junta de Santa Maria Maior.

A junta de São Vicente respondeu que a questão do NIF foi “um lapso”. Quanto à sobreposição de contractos com Carlos Madaleno, diz não poder “confirmar essa informação”. “Estamos a desenvolver diligências para confirmar a sustentabilidade legal das contratações em causa.” Mas acrescenta que “as contratações para esse tipo de serviço foram precedidas de procedimentos concorrenciais. O valor em causa era adequado às necessidades de contratação de trabalhos de construção civil”.

Onde não houve respostas da junta foi para um contracto feito a 15 de Outubro de 2020, de €29.963, a uma empresa chamada Rute Isabel Lopes Nunes Pereira, Construções, Lda. para “obras públicas para remodelação de espaço para Centro de Convívio da Junta de Freguesia de São Vicente”.

As festas populares Nem o nome da empresa, o NIF, ou o nome da proprietária aparecem nas bases de dados empresariais ou no Portal da Justiça. O contracto foi assinado pela presidente da junta e por Rute Isabel Nunes Pereira, como “sócia-gerente”. Não há também registo de qualquer empresa na morada da mesma (Quinta São João da Cordiceira, 2660-233, Santo António dos Cavaleiros). A empresa não tem qualquer outro contracto no Base além deste.

A junta respondeu-nos apenas que a empresa foi “consultada e selecionada para executar a empreitada com base numa indagação preliminar ao mercado”. Mas que experiência tinha a empresa, quando foi criada e quem é exactamente Rute Pereira? “Apenas a conhecemos enquanto gerente da empresa”, respondeu a junta, que adianta que esta lhe foi “indicada por outras empresas” quando estavam a “indagar o mercado para este tipo de empreendimentos”.

Outro caso relativo a adjudicações nesta junta de Lisboa passa-se com a organização das festas populares de Junho, que têm estado desde 2014 a cargo do empresário Joaquim Silva através de duas empresas de que é proprietário: a Feeders e a Jofosi. Esta última, por exemplo, foi constituída a 23 de agosto de 2018, poucos meses antes do primeiro contrato. Pelo meio, entre os contratos destas duas empresas, apareceu um contrato de uma empresa da mulher de Joaquim Silva, a Insiders, também para organizar o arraial (no caso, o de 2019). Meses depois, a Insiders foi fechada. Quanto ao preço do serviço, tem aumentado ao longo dos anos. Em 2014, a “Gestão das Festas Populares” custou €15.405 e em 2023 foi adjudicada por €74.960.

Joaquim Silva respondeu à SÁBADO por email que “a alternância de empresas ao longo dos anos é claramente uma validação do bom serviço prestado pela minha pessoa e profissionais que me rodeiam e consequente relação qualidade-preço”. “Com certeza a junta de freguesia avaliou as diferentes possibilidades entre os contratos celebrados através de consultas prévias e quis garantir que o padrão de qualidade estabelecido nas experiências anteriores não ficaria comprometido.” Sobre o aumento do preço, diz que acompanha “o crescimento exponencial do evento em contraponto com o orçamento atribuído.”

A junta diz-nos que não há simulação de concorrência, garantindo que auscultou outras empresas no mercado, mas que só as de Joaquim Silva e da mulher responderam. “Salienta-se que o procedimento apresenta a limitação orçamental existente para a consulta prévia (€74.999+IVA), o que leva a que nem todas as empresas tenham interesse em apresentar-se a concurso para a estrutura atual do Arraial, num período em que há muitos outros eventos e cujas condicionantes são menores e poderão oferecer maior rentabilidade.”

Recorde-se que em 2022, São Vicente foi uma das três juntas (com Santa Maria Maior e Misericórdia) que foram alvo de buscas da PJ por suspeitas de “crimes de recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócio” em contratos de consultoria. EMEL, Gebalis e Assembleia Municipal de Lisboa também são suspeitas.

Defesa esconde conteúdo da assessoria de cinco dias contratada por €61 mil a secretário de Estado.

Não é um comportamento criminoso?

Expresso

"Ministério de Helena Carreiras não revela nem detalha que tipo de trabalho foi realizado por Marco Capitão Ferreira — secretário de Estado da Defesa desde Março de 2022 — para este ter recebido o equivalente a €12 mil por dia, ao longo de cinco dias, no âmbito de um contracto de assessoria que assinou com a Direcção-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) há quatro anos. O contracto, que antevia um pagamento total de €61 mil (incluindo IVA), tem data de 25 de Março de 2019 e previa um prazo de execução de 60 dias (o que daria cerca de €1000 diários), mas durou apenas uma semana, cessando a 29 de Março do mesmo ano, com o pagamento integral daquele montante ao futuro membro do Governo.

Segundo o objecto desse contracto com a DGRDN — assinado pelo então director-geral Alberto Coelho, hoje um dos arguidos por alegada corrupção no processo Tempestade Perfeita —, a assessoria de Capitão Ferreira implicava “a elaboração de pareceres e outros trabalhos especializados no âmbito da Lei de Programação Militar (LPM), bem como integrar e apoiar as equipas de negociação e elaborar notas de suporte ao processo decisório” no âmbito dos contractos de manutenção dos helicópteros EH-101, de busca e salvamento. No entanto, questionado pelo Expresso sobre que “pareceres e outros trabalhos especializados” foram entregues e em que data por Capitão Ferreira, que equipas de negociação integrou e em que reuniões participou, o gabinete da ministra da Defesa não respondeu. A governante também não respondeu à questão sobre se “já avaliou os trabalhos feitos no âmbito deste contracto” e se acha esta “uma situação recomendável”.

A resposta enviada pela Defesa ao Expresso vem da parte do secretário de Estado, e não da ministra: “O objecto principal do contracto era acompanhamento e assessoria à equipa de negociação dos contractos relativos aos EH-101”, tendo Capitão Ferreira “contribuído para o desenvolvimento de diversas peças”. Mas não especifica os contributos nem deu acesso a essas peças, como o Expresso solicitou. “Essa negociação cessou com o envio do processo, pela DGRDN, para visto prévio do Tribunal de Contas nos termos da lei em vigor, a 29 de Março de 2019”, explica o secretário de Estado. A resposta é idêntica à enviada ao “Correio da Manhã”, que deu a notícia há uma semana, o que motivou um requerimento da IL a pedir “todos os relatórios, pareceres e outros documentos decorrentes do trabalho realizado”, bem como a “cópia da autorização de pagamento e troca de correspondência relevante entre a DGRDN e Capitão Ferreira”.

RISCO DE ILEGALIDADE

O fim do contracto, porém, não cessou a relação de Capitão Ferreira com o dossiê a que prestara assessoria: a 29 de Abril de 2019, um mês depois de o contracto com a DGRDN ter acabado, o jurista foi nomeado pelo então ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, como presidente da Comissão Liquidatária da Empordef, a empresa que detinha as participações das empresas da Defesa. No âmbito dessas funções, o jurista passava a ter responsabilidades directas sobre a renegociação dos contractos de manutenção dos helicópteros EH-101, que eram da responsabilidade da Defloc, uma das empresas que Capitão Ferreira tinha como função liquidar.

Prova disso são dois despachos de Gomes Cravinho, com data de 10 de Outubro de 2019: um revoga o contracto de manutenção dos EH-101 com a Defloc, que era a empresa veículo para pagar o leasing e a manutenção das aeronaves; o outro, com a mesma data, inicia os procedimentos para um contracto de manutenção dos motores. Capitão Ferreira é um dos três destinatários desses despachos, por agora ter responsabilidades directas na área em que prestara assessoria.

“Julgo que algo não está a ser contado com verdade”, avalia ao Expresso o advogado Paulo Saragoça da Matta, especialista em direito administrativo. Para o jurista, o “acompanhamento e assessoria de cinco dias não faria sentido, pois na data da assinatura do contracto já tinha de ‘estar à vista’ o seu termo quase imediato”. Uma possibilidade é o trabalho ter sido feito antes do contracto, o que é ilegal: “Em alternativa”, especula o advogado “a assessoria foi prestada durante todo o processo, mas só formalizada junto ao final, uma prática não desejada pela lei, mas, infelizmente, muito comum na Administração Pública, sempre pouco ágil na formalização atempada dos procedimentos”.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Os verdadeiros interesses instalados de um país na Ordem.

Portugal é um país pequeno e as Ordens encolhem-no mais. O seu poder não tem paralelo na Europa. Onde o sindicalismo defende os direitos dos trabalhadores perante o poder do patrão, as Ordens defendem os associados perante a chegada de novos colegas. “Reforma estrutural” tem sido tirar poder aos mais fracos. Para os “interesses instalados” nunca sobram forças. Seria bom que fosse desta

Portugal é um país pequeno. As ordens profissionais encolhem-no ainda mais. O corporativismo é sintoma e causa do nosso atraso. O seu poder, sem paralelo na Europa, é um entrave à mobilidade social e condiciona o acesso a profissões relevantes. Partindo do poder que lhes era delegado pelo Estado, de autorregulação de actividades liberais, foram crescendo em número e ambição política, tomando conta de poderes de fiscalização do Estado e funções sindicais que nunca foram as suas. Onde o sindicalismo clássico defende os direitos dos trabalhadores perante a relação assimétrica com o patronato, as Ordens defendem os seus associados perante a pressão de novos colegas.

Veja-se a força exercida pela Ordem dos Médicos, nos anos 80 e 90 do século passado, para limitar as vagas nos cursos de medicina. À medida que o país foi massificando o acesso ao ensino superior, a Ordem pressionava o poder político para seguir em contraciclo. Em 1986, com Cavaco Silva (começou a cair no início dos anos 80), entraram apenas 160 estudantes em todas as faculdades de medicina do país, 20% dos cerca de 800 dos anos 70. Só na viragem do século, uma década e meia depois do país ter aderido à União Europeia, voltámos a formar o mesmo número de médicos dos últimos anos do Estado Novo.

Estamos a pagar o preço dessa escolha agora, quando nos encontramos na cova da curva e temos uma geração de médicos especialistas à beira da reforma. A situação melhorará, só não sabemos se a tempo de salvar o SNS. A decisão foi do poder político, mas, sem a pressão da Ordem, que desejava reduzir a oferta para aumentar o seu valor, isto dificilmente teria acontecido.

A forma desproporcionada como várias Ordens têm reagido à proposta do Governo para alterar o estatuto de doze, debitando informação não corresponde ao que é proposto, nada tem a ver com a regulação das profissões. É uma luta por poder. A Ordem dos Advogados, mais contundente nas críticas, tem-se centrado nos estágios remunerados e na abertura da consultoria jurídica a licenciados em Direito não inscritos na Ordem.

O trabalho deve ser remunerado e os estágios profissionais, ainda mais quando duram 18 meses, são trabalho. Sei o que aconteceu ao jornalismo quando começou a usar e abusar da presença de estagiários não remunerados. Em estágios de ano e meio, como é o caso da advocacia, os jovens licenciados assumem uma parte significativa do trabalho menos nobre, mas ainda assim indispensável. Um ano e meio sem receber, mas que é indispensável para o acesso à Ordem e à profissão, é uma poderosa forma de selecção social ao exercício da advocacia.

Diz a Ordem dos Advogados que há muitos patronos que não podem pagar os 950 euros propostos pelo Governo e que esta medida foi feita a pensar nos grandes escritórios de Lisboa. Que para a maioria dos advogados em nome individual ou em pequenos escritórios a presença de um estagiário é um acto de formação que aceitam com prejuízo individual. Tendo de pagar vão desistir de os receber. Para garantir que o estágio não fica circunscrito a quem tem contactos em grandes escritórios, talvez se tenha de encontrar uma solução para pagar 25% acima do salário mínimo a quem tem cinco anos de formação numa Faculdade de Direito, mas não deixa de ser curioso ser a mesma Ordem dos Advogados que nos apresenta os estagiários como um acto caritativo dos patronos a criticar a sua redução de 18 para 12 meses.

A segunda frente da Ordem dos Advogados é contra a abertura das consultas jurídicas a licenciados em Direito, sem que precisem de pertencer à Ordem dos Advogados. Como sempre, a “qualidade” da formação é o engodo para a restrição à concorrência. A formação de jurista é feita pelas Faculdades, não pela Ordem, como se pode ver ao olhar para o perfil da sua formação muito mais centrada no Direito processual. Manter este monopólio absurdo é manter o poder de selecção da Ordem e assim restringir o acesso às melhores remunerações.

Não é por acaso que uma das medidas propostas pelo Governo é a presença de membros exteriores à Ordem na avaliação final do estágio. O número absurdo de chumbos nos exames de acesso à Ordem, sem qualquer relação com o que se passa nas faculdades, prova que o condicionamento do número de profissionais habilitados a exercer e assinar é o propósito deste tipo de entraves.

A crise do sindicalismo tem alimentado o crescimento exponencial das ordens profissionais. Vamos em dezoito, fazendo do nosso país um caso único na Europa, em actividades cada vez menos liberais e mais dependentes da negociação com o Estado. Não é por acaso. É aí, muitas vezes exercendo a força negocial de terem o capacidade de definirem as regras de acesso e de exercício da profissão, que o seu poder fica mais evidente.

A Ordem dos Advogados não é caso único. Trinta anos depois do disparate do numerus clausus, a Ordem dos Médicos consegue, na prática, controlar o acesso às especialidades. Pior, de forma ilegal (no entender do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República), é quem define a constituição de equipas médicas nos serviços de urgência, levantando exigências no sector público que nada têm a ver com as do privado. Com a conivência de quase todos, as ordens profissionais tornaram-se um Estado dentro do Estado, contribuindo para uma posição concorrencialmente desfavorável do Estado face aos privados.

Não deixa de ser sintomático que o governo de Passos Coelho, tão lesto a retirar direitos laborais e a cortar apoios sociais por imposição da troika, tenha deixado na gaveta as recomendações para aumentar a concorrência em atividades fechadas pelos entraves criados pelas ordens profissionais. “Reformas estruturais” nunca foram mais do que o nome de código para tirar poder aos mais fracos, flexibilizando leis laborais e reduzindo direitos sociais. Para os verdadeiros “interesses instalados”, nunca sobram forças para mudar seja o que for.

Daniel Oliveira

Expresso

quinta-feira, 22 de junho de 2023

A tese de Boaventura é uma treta. Não é uma questão de gerações. É uma questão de poder e de carácter

Se BSS fosse um simpatizante do PSD ou do CDS, já teria sido despedido, processado, e quem sabe o que mais o PCP e o BE lhe teria feito ou pedido para fazer! Os jornais afectos e as TV’s do regime então

Quando as primeiras notícias sobre o assédio no Centro de Estudos Sociais surgiram, Boaventura de Sousa Santos ameaçou as queixosas com processos judiciais e declarou-se vítima de uma acusação “vergonhosa e vil”.


Escreveu inclusivamente um artigo intitulado Diário de uma Difamação, onde falava em “assassinato de carácter” por parte de Ex-alunas que confundiam (com “perversidade”) aquilo que era “uma convivência no mais puro espírito académico” com “manipulações de consciência” e “rituais de Fidelidade”.
Passado mês e meio, eis que surge no Expresso um novo Boaventura, agora em modo contrito e lamentoso, no artigo Uma reflexão autocrítica: um compromisso para o futuro. Sousa Santos deixa claro que não se trata de admitir “a prática de actos graves que me têm vindo a ser imputados” — esses, continua a negá-los —, mas sim de assumir que se trata de um senhor idoso, “nascido em 1940”, e que, por isso, pertence a “uma geração em que comportamentos inapropriados, se não mesmo machistas, eram aceites pela sociedade”.
Porque é velhinho, Boaventura de Sousa Santos admite que “em determinados momentos” ele possa “ter sido protagonista de alguns desses comportamentos”, pois não é fácil, nem para um “intelectual” tão vanguardista, escapar aos “modos de dominação moderna”, entre os quais o “heteropatriarcado”. Felizmente, Boaventura promete, a partir de agora, “ser cada vez mais vigilante”, não só ao nível “epistemológico”, mas também na “prática, emocional e interpessoal”, de forma a evitar “gerar opressão em qualquer eixo de dominação”.
Ora, tendo em conta que eu me senti deveras oprimido pelo seu artigo naquele eixo em que a decência domina, é bom começar por sublinhar um facto muito básico: o assédio sexual não era uma actividade aceitável em 1940.
Nem em 1840. Nem em 1740. Os homens abusadores poderiam ter a sua vida mais facilitada, mas é errado hoje como era errado há 300 anos. O heteropatriarcado tem as costas largas. E o assédio sexual é um derivado do abuso de poder, que é o problema central dos Boaventuras de Sousas Santos deste mundo — gente com o ego insufladíssimo que cria uma corte de aduladores e que, do alto dos seus altares, não consegue controlar os impulsos típicos de macho alfa. Leiam o que Naomi Wolf escreveu sobre o professor Harold Bloom em 2004. É exactamente a mesma história do CES e de Boaventura, só que em Yale.
Embrulhar isto numa conversa geracional desculpabilizadora, apontando o dedo a um qualquer
machismo estrutural, é patético.
Convém defender a honra dos velhinhos nascidos em 1940, ou até há mais tempo. Um senhor de 83 anos pode participar menos nas tarefas domésticas do que um de
33, e pode pedir mais vezes à esposa para ir buscar uma cerveja ao frigorifico enquanto vê a bola – mas não, não há qualquer razão para assediar com mais entusiasmo uma jovem mulher. A tese de Boaventura é uma treta. Não é uma questão de gerações. É uma questão de poder e de carácter.
A ideia de que isto é um hábito de pessoas idosas com “comportamentos inapropriados”
é mentirosa e é perigosa. Numa instituição profundamente endogâmica como é o caso da universidade portuguesa, cheia de gente em situação precária e com senhores professores doutores todo-poderosos, não há milagres.
Onde há excesso de poder há abusos, e onde há abusos há assédio, seja ele sexual ou laboral.
O problema de Boaventura não é ser velho — é ser o guru de uma seita que durante décadas esteve à sua inteira disposição.

SERGIO AZENHA