sábado, 15 de julho de 2023

O caso de Nilsen Arias e de como Portugal lhe escancarou as portas.

 


Um alto-funcionário da petrolífera estatal Petroecuador, Nilsen Arias, acusado de corrupção e branqueamento de capitais nos Estados Unidos e a ser investigado no Equador, canalizou para Portugal vários milhões de euros em compras de imóveis e obteve a nacionalidade portuguesa para um dos seus filhos. Como ex-responsável pelo comércio internacional da Petroecuador, Arias tinha um estatuto de Pessoa Politicamente Exposta (PEP), o que deveria obrigar a um cuidado redobrado com a origem do dinheiro por parte de bancos, advogados, agências imobiliárias e autoridades, mas aparentemente ninguém lhe levantou problemas.

Uma investigação do Expresso com o jornal equatoriano “El Universo” permitiu apurar que, entre 2015 e 2021, Nilsen Arias, a mulher e os seus dois filhos compraram 13 apartamentos e uma loja em Lisboa, além de uma moradia de luxo na Quinta da Marinha, em Cascais. Alguns desses imóveis foram entretanto revendidos, mas nove apartamentos continuam a ser detidos pela esposa e pelo filho mais velho de Arias, Juan.

Ao todo, a família fez aquisições de €8 milhões em património imobiliário em Portugal ao longo de seis anos. Parte desse dinheiro corresponde a mais-valias realizadas e reinvestidas em novos imóveis, sendo que Arias chegou a recorrer a empréstimos bancários.

Nilsen Arias foi indiciado em janeiro de 2022 por lavagem de dinheiro nos EUA, ao abrigo da lei sobre práticas de corrupção no estrangeiro, por haver bancos e cúmplices norte-americanos implicados num esquema em que empresas internacionais de comércio de petróleo pagaram subornos a Arias e a outros funcionários para serem beneficiadas com contratos e condições especiais por parte da Petroecuador. Um segundo inquérito-crime foi aberto no Equador.

Arias esteve preso em Nova Iorque, mas declarou-se culpado e saiu da cadeia depois de ter pago uma caução, passando a colaborar com a justiça norte-americana. No Equador, as autoridades acreditam que o esquema na petrolífera estatal tenha envolvido subornos de 22 milhões de dólares.

Segundo a acusação norte-americana, Arias trabalhou para a Petroecuador entre 2010 e maio de 2017, mas continuou implicado no esquema de corrupção até agosto de 2021.

Um conjunto de escrituras públicas obtidas pelo Expresso mostram que Arias começou a canalizar dinheiro para Portugal em março de 2015, quando era ainda alto-funcionário da petrolífera. A mulher dele, Patrícia Romero, comprou nessa altura dois apartamentos — um T1 e um T2 — num condomínio do Paço do Lumiar, em Lisboa, por €605 mil. O suficiente para o casal poder concorrer ao programa de vistos gold.

COMO SURFAR A LEI

Embora nem Arias nem o escritório português de advogados (EDGE) contratado para ajudar na compra dos imóveis em Lisboa e Cascais tenham respondido aos pedidos de esclarecimento do Expresso e do “El Universo”, o facto de um dos filhos dele, Nilsen Andres Arias, atualmente com 21 anos, surgir numa informação de 2021 do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) como tendo nacionalidade portuguesa é uma indicação de que o pai aderiu aos vistos gold.

Este regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) esteve aberto a estrangeiros que comprassem imóveis no valor de meio milhão de euros em Portugal e abrangia os cônjuges e filhos, sendo possível requerer a nacionalidade portuguesa ao fim de seis anos. No caso de Arias, esse prazo foi atingido em 2021.

Também um irmão de Arias, Cristian, obteve nacionalidade portuguesa, segundo uma informação do RCBE em que ele aparece como sócio dos sobrinhos numa empresa de comércio de produtos saudáveis em Rio de Mouro, a Kinoha.

Os investimentos a sério em Portugal só começaram, no entanto, em 2018, depois de Arias sair da Petroecuador. A lei de branqueamento de capitais então em vigor em Portugal (a lei 83/2017) determinava que o estatuto de Pessoa Politicamente Exposta deixava de se aplicar ao fim de 12 meses depois de se abandonar o cargo.

Em junho de 2018, 13 meses depois de Arias sair da Petroecuador e já não ser formalmente um PEP em Portugal, a mulher dele comprou seis apartamentos num edifício da rua de São José, perto da Avenida da Liberdade, em Lisboa, por um milhão de euros. Essa aquisição foi feita por uma estrutura complexa montada com a ajuda dos advogados da EDGE.

Os seis imóveis foram comprados pela Falcon Pyramid — Investimentos Imobiliários, LDA, uma empresa com sede em Lisboa, detida por uma firma na Madeira, a Million Signs S.A., por sua vez controlada por Patricia Romero através de uma companhia em Singapura, a Asiapt Consultancy PTE. LTD. Em novembro de 2019, todos os apartamentos foram revendidos por 1,9 milhões de euros a outra empresa portuguesa, a Delicate Constellation, Lda., controlada pelo filho mais velho de Arias, Juan.

A compra mais cara foi feita pouco depois, em outubro de 2018, desta vez em nome pessoal e recorrendo a um empréstimo de €1,5 milhões do Novo Banco. Ao todo, Nilsen e Patrícia deram €2,75 milhões por uma moradia com três pisos e um jardim de 1300 m2, incluindo uma piscina, na Quinta da Marinha, numa área deste condomínio mais próxima da praia do Guincho. A casa foi revendida por €4,35 milhões em março do ano passado. O casal desfez-se também em 2021 e 2022 dos dois apartamentos comprados em 2015 no Paço do Lumiar, obtendo uma mais-valia de €147 mil.

Pelo meio, entre 2018 e 2021, Patrícia Romero comprou cinco apartamentos e uma loja num prédio perto do Jardim da Estrela, em Lisboa, por €1,7 milhões, e revendeu três dos imóveis por €1,267 milhões. Hoje mantém ainda três apartamentos nesse edifício, a que se juntam os outros seis andares da rua de São José que estão em nome de Juan.

TEXTO MICAEL PEREIRA E PAUL MENA JORNALISTA DO “EL UNIVERSO”

Expresso

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