COMUNICADO RESPONDE "CEBOLAS" A PERGUNTA SOBRE "ALHOS"
Silêncio ensurdecedor e comprometedor. O director da CMTV, Carlos Rodrigues, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) remetem-se ao silêncio sobre os polémicos contratos do canal de televisão da Cofina e 10 autarquias, que envolveram o pagamento de entrevistas e reportagens de promoção dos municípios em noticiários, com jornalistas como Francisco Penim a servirem de mestres-de-cerimónias. Apenas o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas reagiu, acabando por emitir um comunicado. Mas fala em "cebolas", quando se perguntou por "alhos".
À pergunta sobre "alhos", o Conselho Deontológico dos Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) deu uma resposta sobre "cebolas".
Se em abono da verdade botânica, cebolas e alhos até pertencem à mesma família (Alliaceae) – sendo ambos bulbosos subterrâneos comestíveis –, a resposta da estrutura sindical que aborda as questões éticas dos jornalistas acabou por não responder ao PÁGINA UM sobre se iria debruçar-se sobre os contratos da Cofina com autarquias que resultaram em alinhamentos em programas de informação e com jornalistas a servirem de mestre-de-cerimónias de promoção dos municípios.
E optou antes, "em resposta às perguntas" do PÁGINA UM, por emitir um comunicado público em que, afinal, se debruça somente nas deliberações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que identificou 14 jornalistas comerciais e instaurou sete processos de contra-ordenação a empresas de media. Recorde-se que as deliberações da ERC foram divulgadas pelo PÁGINA UM no passado dia 3, ou seja, há mais de duas semanas.
No decurso da investigação do PÁGINA UM ao contratos entre 10 autarquias e a Cofina – que colocou os municípios a interferirem até nos alinhamentos noticiosos da CMTV, com jornalistas (como Francisco Penim, antigo director de programas da SIC) a publicitarem os concelhos e a entrevistarem autarcas –, foram colocadas questões às três entidades com poderes de regulação: ERC, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e CD-SJ. Somente a estrutura sindical dedicada à deontologia reagiu até agora, mas começou por fazer considerações genéricas sobre os deveres dos jornalistas.
Convidada ontem a explicitar se, em concreto, no caso dos contratos entre os municípios e a Cofina, "o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer", o CD-SJ respondeu esta manhã informando que "relativamente à sua pergunta de ontem, o CD vai emitir esta manhã, via site do Sindicato, uma posição, que enviamos desde já em anexo."
O comunicado, entretanto publicado, é, contudo, completamente omisso em relação aos contratos entre a Cofina e a CMTV, nem se debruça sobre eventuais medidas contra os jornalistas envolvidos na execução de parcerias comerciais que envolveram entrevistas pagas e alinhamentos de telejornais.
Nesse comentário, sem nomear qualquer órgão de comunicação social e muito menos qualquer jornalista, o CD-SJ remete para as deliberações da ERC, divulgadas há duas semanas pelo PÁGINA UM, questiona-se se "ainda estamos a falar de jornalismo" nas situações em que "os temas das notícias são definidos em primeiro lugar por critérios comerciais" e também se verifica, "como tem sido noticiado, a definição prévia de perguntas e de entrevistados".
Na sua posição, o CD-SJ reconhece que a criação de notícias pagas "parece cada vez mais comum em muitas redações", repudiou a "tendência crescente de as empresas jornalísticas transformarem os jornalistas em produtores de conteúdos, num processo que compromete um modelo de negócio que tem por base a credibilidade dos seus profissionais e da informação que divulgam".
O comunicado também "sublinha o papel de diretores e editores de informação", a quem cabe "em primeira instância a responsabilidade de não permitir que estes tipos de solicitações sejam feitas dentro das redações que dirigem". No entanto, mostra-se claro que são os próprios directores de diversas publicações que participam activamente em eventos comerciais, não ignorando, pelo contrário, que há cobertura noticiosa sem aviso aos leitores de se tratar afinal de publicidade redigida.
O tom geral do comunicado do CD-SJ acaba por ser, na verdade, extremamente genérico sobre os perigos do "jornalismo comercial", a precariedade dos jornalistas e a situação financeira complexa dos órgãos de comunicação social e de recomendações à resistência, salientando que "o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional".
Porém, em termos de acção concreta, para além do inócuo comunicado, nada o CD-SJ adianta. O PÁGINA UM reiterou ao CD-SJ que a pergunta que lhe foi colocada era muito específica e "não foi respondida", acrescentando que " o vosso comunicado nada tem a ver com a 'pergunta de ontem'" sobre a Cofina e a CMTV.
E, por isso, o PÁGINA UM insistiu, no início desta tarde, na pergunta: "face a esta situação em concreto (contratos da Cofina com autarquias, com alinhamento de noticiário e indicação de entrevistados pelo adjudicante, e sua execução por jornalistas da CMTV), o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer?". E acrescentava-se que a pergunta era "simples, a aceita três tipos de resposta, todas noticiáveis: sim, não e silêncio."
Até agora, o silêncio do CD-SJ é a resposta.
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