domingo, 28 de maio de 2023

Quem conta uma moeda de 5 euros

Lembra-se das notas de conto? Se não se lembrar, não se atire já para um poço.


Miguel Esteves Cardoso, Publico.


Quem conta uma moeda de 5 euros

Sabe porque é que a nova moeda de 5 euros tem um dinossauro? É uma homenagem às criaturas como eu que roncam: “É pá, isso é um conto de réis!”

Lembra-se das notas de conto? Se não se lembrar, não se atire já para um poço. Eu vou explicar, para que a moeda de 5 euros lhe pese mais um agradável bocadinho no bolso. Se é que consente que uma moeda lhe estrague a linha das calças.

A Dona Maria era os anos 60 em Portugal. Era com uma destas que se comprava o Sgt. Pepper’s dos Beatles e ainda se ficava com dinheiro para jantar como um lorde, ir ao Van Gogo e pernoitar num hotel do Guincho.

Os anciões gostam de fingir que, nesses tempos, tudo era muito certinho e bem contado, que um escudo era um escudo e que cem escudos era uma fortuna. Cem escudos eram 50 cêntimos em dinheiro de hoje.

Mas havia um erro terrível que só agora, graças à moeda de 5 euros, se pode começar a esquecer.

O mal deve-se ao facto de o escudo ser uma moeda muito efémera. Os portugueses, que não gostam nada de alterações passageiras, continuaram a falar em reis.

100 mil reis eram cem escudos. O truque, já se viu, é juntar “mil reis” ao número de escudos. 1 euro são 200 escudos e logo 200 mil reis. 50 escudos são 50 mil reis e 500 escudos são 500 mil reis.

Já está a ver o problema? É que 1000 escudos não são um conto de reis. São um milhão de reis.

Aquilo que ocultaram é que, antes da tolice dos escudos, um conto era um milhar de reis. Dois contos de reis eram dois mil reis, ou seja, 2 míseros escudos ou 1 ainda mais mísero cêntimo de euro.

É espectacular que, no mundo dos escudos, o povo tenha chamado “um conto de reis”, que correspondia apenas a mil reis (1 escudo), a um milhão de reis (1000 escudos).

É uma redução muito mais violenta do que aquela que tornou 200 mil reis (200 escudos) num só euro.

Do ponto de vista psicanalítico, a culpa desta mentira, deste roubo semântico, emerge depois para amaldiçoar o euro e fingir amor ao desamado escudo.

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