Infelizmente, não basta detectar os problemas — é preciso encontrar soluções sensatas para os resolver.
A deputada do PSD Mónica Quintela respondeu ao meu artigo “Um forte candidato ao Óscar de ideia mais parva de sempre”, sobre as novas e demenciais regras de distribuição electrónica de processos em tribunal, com um artigo no PÚBLICO onde se propõe “esclarecer” aqui este vosso criado sobre a necessidade da nova lei. É logo o primeiro equívoco: nunca coloquei em causa a necessidade de melhorar a transparência do processo de distribuição dos juízes. Aquilo que disse — e reafirmo — é que esta é uma maneira extremamente palerma de o fazer. A ideia é boa. A lei é estúpida. O que não é uma novidade: o que mais há por aí (outro exemplo: a obtusa lei dos sefarditas) é legislação cheia de boas intenções e de péssimos efeitos. Esta é mais uma delas.
Mónica Quintela escreveu no diário As Beiras que “a Operação Lex permitiu que viesse a público a falta de fiabilidade” do sistema de escolha de juízes, e que não é por acaso que o Ministério Público exigiu “assistir à distribuição do processo Marquês por temer que o sorteio fosse manipulado”. No seu entender, essa “é uma possibilidade bem real”. Está certo. Outras ideias com as quais concordo: a falta de sindicância do famoso algoritmo é um problema grave, tal como é um problema que a gestão e administração do sistema informático Citius esteja na dependência do Ministério da Justiça, logo, do Governo.
Infelizmente, não basta detectar os problemas — é preciso encontrar soluções sensatas para os resolver. Ora, na sua resposta, Mónica Quintela começa por garantir que juízes, procuradores e advogados não estão convocados apenas para ver um oficial de justiça teclar e clicar num computador, para logo de seguida explicar que eles estão convocados precisamente para ver um oficial de justiça teclar e clicar num computador. O suposto desmentido de Quintela é, afinal, uma confirmação do que escrevi.
As palavras são suas: “A fiscalização da distribuição impõe-se, desde logo, para assegurar que todos os nomes dos juízes daquele tribunal sejam inseridos no sistema, e não apenas alguns.” Se o oficial de justiça “só introduzir um nome no sorteio, é esse nome que é sorteado e o juiz escolhido. Além disso, pode o funcionário fazer os sorteios que entender até sair determinado nome e sem que alguém saiba. E para que isso não suceda é necessária a tal ‘burocracia’”.
Só que não é. Mónica Quintela exemplificou a sua tese com os sorteios de antigamente, feitos com esferas. Antes do sorteio, certa esfera era aquecida ou congelada para o responsável pelo sorteio saber qual tirar. “Os operadores judiciais não vão só assistir ao tirar a esfera do saco”, explica a advogada do PSD. “Vão ver se todas as esferas foram postas no saco para garantir que todos os juízes são sorteados.”
Esta explicação é abracadabrante em 2023. A deputada Mónica Quintela não tem de perceber de computadores, mas deve saber que já não vivemos no tempo das esferas. Para cada problema que colocou, uma equipa de engenheiros informáticos minimamente competente encontrará soluções infinitamente mais eficientes do que desperdiçar centenas de horas de trabalho inútil de agentes judiciais. É tudo uma questão de programação, de registos de entrada e de inventariação dos vários passos do sorteio, para futura sindicância. Será que não há assessores no Parlamento? Não há informáticos? A não ser que Mónica Quintela ainda se desloque de coche para a Assembleia da República, os seus argumentos são incompreensíveis.
João Miguel Tavares
O autor é colunista do PÚBLICO
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