sábado, 9 de janeiro de 2021

Os “portugueses de bem” que se chegaram ao Chega 

Será verdade, que estas pessoas estão ligadas ao Chega?

Quem são os “portugueses de bem” que se chegaram ao Chega:

1) João Maria Bravo – Dono do Grupo Sodarca. Lidera o fornecimento de armas, munições, tecnologia e equipamento militar ao Estado, forças Aramadas e Segurança.

2) Paulo Corte-Real Mirpuri – Empresário que liderou a Air Luxor (que acabou sufocada em dívidas, tendo os bens desaparecido misteriosamente), filantropo.

3) Francisco Sá Nogueira, gerente da área turística da Helibravo. Ex-presidente da antiga holding do Grupo Espirito Santo para as atividades de agencias de viagens e operador turístico, a Espirito Santo Viagens.

4) Jorge Ortigão Costa – Empresário e produtor agricola, amante de touradas (coudelaria com o mesmo nome), cujo nome consta no Panama Papers

5) Francisco Cruz Martins – Advogado, padrinho de casamento de Ventura, também citado no Panama Papers, administrador de imobiliárias pertencentes à Breteuil Strategies (sediada no Chipre, reconhecido paraíso fiscal).

6) Salvador Posser de Andrade – Co-administrador da antiga empresa imobiliária do Grupo Espirito Santo, e administrador da Coporgest.

7) Jaime Nogueira Pinto – histórico militante fascista, “o grande pai da extrema-direita portuguesa desde o fim da ditadura salazarista” (Steven Forti)

8) Eduardo Amaral Neto – Empresário com ligações à Chamusca. Dono da sociedade de consultoria Gavião Real.

9) César do Paço – empresário, ex-consul honorário de Portugal na Florida (cargo do qual foi exonerado), dono da multinacional Sumit Nutritionals, fanático da Defesa. Pelo Codigo Penal de André Ventura, hoje seria “maneta” porque roubou um relógio de 7.500€.

10) Helder Fragueiro Antunes – Empresário, Engenheiro, ex-piloto de corridas. CEO da Global Data Sentinel. Parceiro de Cesar do Paço em alguns negócios, primo de Miguel Frasquilho (chairman da TAP).

11) Pedro Pessanha – Militar na Reserva, gestor imobiliário. Assessorou vários negócios do BES Angola (BESA), hoje Banco Económico.

12) Fernando Jorge Serra Rodrigues – Empresário Textil (sofás). Salazarista devoto, defensor da ditadura fascista do Estado Novo e divulgador de propaganda nas redes sociais. É o famoso autor da saudação Nazi no jantar de apoio a André Ventura no Porto.

13) Igreja Maná (de Jorge Tadeu) – detentora dos canais de televisão Kuriakos TV, TV Maná e ManáSat 1, tem dado especial destaque a André Ventura nos seus canais promovendo-o como “defensor da moral e dos bons costumes cristãos contra gays e outras modernices antinatureza e antifamilias”.

14) Luis Filipe Graça- sócio na mediadora Elegantalfabeto. Foi angariador imobiliário no segmento premium. Ex-dirigente do PNR e do Movimento de Oposição Nacional, embrião dos neonazis da Nova Ordem Social, tendo aparecido em vídeos com skinheads em protestos.

15) Cristina Vieira – Cartomante na TVI, antiga diretora de Operações da LibertaGia, sociedade que a partir das Bahamas terá lesado perto de 2 milhões de clientes através de um esquema fraudulento de pirâmide.

16) José Lourenço – Consultor Imobiliário. VP na “Fundação” dePaço. Acusado pelo ex-dirigente Nacional do Chega (Miguel Tristão) de fazer entrar dinheiro de formas “estranhas” no partido. O seu nome consta da lista publica de devedores fiscais em Portugal. Amigo do espião Silva Carvalho “com muito gosto”.

17) António Tanger Correia – ex-diplomata, adjunto de Freitas do Amaral durante o governo de Sá Carneiro. Suspenso de várias funções devido a VÁRIAS irregularidades na gestão da embaixada em Vilnius: lesou o Estado em 348.270€ em IVA mais 411.181€/ano em despesas pessoais

18) Paulo Lalanda de Castro – Empresário. Referenciado nos Panama Papers, Operação Marquês e nos Vistos Gold. Acusado de corrupção no processo Máfia do Sangues. Dono da Intelligent Life Solutions, empresa que André Ventura ajudou a ilibar no pagamento de mais de 1 milhão de Euros em IVA, enquanto Inspetor Tributário.

19) Armando Batista – Comandante da Delegação da Cruz Vermelha da Amadora. Defende a criminalização e deportação de imigrantes ilegais. Promoveu petições contra o Pacto de Migração e Asilo da CE, mas afirma não ser xenófobo. Ligação às forças e aos serviços de Segurança.

20) Arlindo Fernandes – Empresário, admirador de Salazar, ex-dirigente e breve deputado do CDS. Acusado em 2019 pelo MP de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais em negócios imobiliários. Ameaçou de morte João Ferreira, outro dirigente do Chega.

21) Manuel de Carvalho – O “Miterrand” de Armamar. Empresário, consul honorário da Costa do Marfim, antigo deputado e ex-vereador do CDS (Viseu). Em 2012 foi declaro insolvente por dividas à banca, tendo cumprido o prazo da exoneração do passivo.

22) Diogo Pacheco de Amorim – antigo ideólogo do PND.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Os exércitos da direita

Por Aris Roussinos

Por dentro das milícias extremistas da Ucrânia

o lado de fora dos escritórios do conselho municipal no distrito de Obolon, em Kiev, Andriy Biletsky estava prestes a fazer um discurso. Era um dia de primavera em 2019, e voluntários do grupo de extrema direita de Biletsky, o movimento Azov, estavam ociosos sob o sol ao lado do edifício sombrio da era soviética, enquanto outros circulavam à sombra das bétulas e tílias de um parque próximo, quase superando os membros do público. Os voluntários vestiram camisetas justas e pesadas botas militares, e estavam prontos para gravar o processo com telefones celulares e câmeras de vídeo. Os espectadores, em sua maioria aposentados, agarravam sacolas plásticas de compras e fofocavam entre si.

Azov foi estabelecido em 2014 como uma milícia voluntária e foi elogiado por sua intervenção heróica na campanha extenuante da Ucrânia contra os separatistas apoiados pela Rússia no leste. Desde aquelas primeiras vitórias, no entanto, Azov expandiu seu escopo, conseguindo se integrar às forças armadas, à polícia e a outras estruturas do estado ucraniano. Estabeleceu seu próprio partido político, o Corpo Nacional. Biletsky, que comandou as forças militares de Azov contra a Rússia, é o líder do partido. …

https://harpers.org/archive/2021/01/the-armies-of-the-right-ukraine-militias/

The Souvenir Museum

Por Elizabeth McCracken

Talvez ela devesse saber que iria encontrar seu amor perdido - seu marido viking, desaparecido há tantos anos - em Sydesgaard, na ilha de Funen, na aldeia de seu povo. Dormindo na cabana da curandeira, consolada pela curandeira, amada pela curandeira, que era (descobriu-se) uma podólogo de Aarhus chamada Flora. A própria aldeia era um local educacional e um local de férias onde, se você quisesse, poderia usar uma fantasia e fiar lã para se divertir. Quanto a Aksel - ele era o ex-marido ou ex-marido de Joanna em união estável? Onze anos atrás, eles se separaram depois de viverem juntos por dez. “Terminada” - um verão Aksel partiu para a Dinamarca, e ela nunca mais teve notícias dele.

Não nunca mais. Ele enviou um cartão postal de desculpas de Londres. Mas nunca depois disso, nada por onze anos. Ela se casou, se tornou mãe, perdeu a mãe, se divorciou legalmente e finalmente ficou órfã com a morte do pai . Seu pai, que ficou inconsolável quando Aksel desapareceu, por seu próprio bem. Quem mais tomaria o café da manhã com ele com vinho branco e ostras? Quem iria discutir as complexidades das tortas saborosas: porco, rim, a empanada versus o pastel da Cornualha? Eles se adoravam. Enormes e barbudos, condescendentes e afetuosos, vorazes, de olhos tristes, os dois. Mortificante, quando Joanna pensava nisso, como eles eram parecidos - seus amigos comentaram sobre isso. Foi o pai dela quem se referiu a Aksel como um marido de união estável, quando ele era em todos os sentidos um namorado, incluindo a maneira como ela pensava nele anos depois: com uma lascívia intocada por ter que se desembaraçar legalmente. …

Miniatura do Museu de Lembranças

https://harpers.org/archive/2021/01/the-souvenir-museum-elizabeth-mccracken/

Poema aos homens constipados - António Lobo Antunes

Pachos na testa, terço na mão,

Uma botija, chá de limão,

Zaragatoas, vinho com mel,

Três aspirinas, creme na pele

Grito de medo, chamo a mulher.

Ai Lurdes que vou morrer.

Mede-me a febre, olha-me a goela,

Cala os miúdos, fecha a janela,

Não quero canja, nem a salada,

Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.

Se tu sonhasses como me sinto,

Já vejo a morte nunca te minto,

Já vejo o inferno, chamas, diabos,

Anjos estranhos, cornos e rabos,

Vejo demónios nas suas danças

Tigres sem listras, bodes sem tranças

Choros de coruja, risos de grilo

Ai Lurdes, Lurdes fica comigo

Não é o pingo de uma torneira,

Põe-me a Santinha à cabeceira,

Compõe-me a colcha,

Fala ao prior,

Pousa o Jesus no cobertor.

Chama o Doutor, passa a chamada,

Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.

Faz-me tisana e pão de ló,

Não te levantes que fico só,

Aqui sozinho a apodrecer,

Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer

POEMA: o Cerco


Cantor Pedro Barroso confessa que não consegue ser “gay”… mas que se sente bem assim




Venho aqui pedir desculpa

de não ser evoluído,

apesar destas campanhas

na rádio, na televisão,

em toda a parte, insistindo

na urgência do assunto…

Eu não consigo gostar;

- não consigo mesmo, pronto.

Sei que pertence ser gay,

toda a gente deve ser.

Mas eu, lamentavelmente

não sou como toda a gente;

Como aconteceu… não sei,

peço desculpa por isso,

mas confesso: sou… diferente.

Sei que vos pode ofender

esta minha enfermidade,

pois um gajo que assim pensa

hoje em dia, não tem nexo;

deveria ser banido,

expulso da comunidade.

É uma vergonha indecente

Gostar de mulher, ter filhos

Casar, afagar, perder-se

Com pessoa doutro sexo!

Uma nojeira repelente;

Dar-lhe, até, beijos na boca

em público! E declarar

Esta sua preferência

Que eu nem sei classificar!

Tenho uma vergonha louca

E desejo penitência

por tal desconformidade,

retardamento, machismo,

doença, fatalidade!

Já tentei tudo: - inscrevi-me

em saunas, aulas de dança

cursos de perfumaria

origami, greco romana,

ioga - para ter ousadia

boxe - p’ra ganhar confiança...

Mas quando chega o momento

De optar… sou… decadente,

Recorrente e insistente.

Opróbrio raro e demente,

Ver uma mulher seduz-me,

Faz-me vibrar, deslumbro.

Vê-la falar, elegante;

Vê-la deslizar, sensual

Como vestal, deslumbrante

Seu peito assim, saltitante

Sua graça embriagante

olho com gosto, caramba,

lamento ser tão ...normal.

Mas eu confesso que sinto

- neste corpo tão cansado

Que da vida já viu tanto...

Ainda sinto um desejo

Que m’ envergonha bastante

Por ser já tão deslocado

tão antigo, assim tão fora

do mais moderno critério.

Valia mais estar calado

Mas amigos, já agora

Assumo completamente:

- Tenho esse problema sério.

Nunca integrarei partidos

Onde não sou desejado.

No planeta das tais cores

não tenho dia aprazado,

nem bandeira, nem veado,

nem “orgulho” especial!

Sou mesmo do “outro lado”

dito “heterossexual”

e já me chateia um bocado

Ter que dizer, embaçado,

que me atrai o feminino

e sou apenas “normal”!

- e, portanto, avariado.

Mas… mesmo assim, - saudosista,

imensamente atrasado,

terrivelmente cercado,

conservador nesse ponto,

foleiro, desajustado...

perdoai-me tal pecado

- Não me sinto ...assim tão mal!

1ª semana, 1º escândalo. O 2021 do Governo promete.

O Governo não enganou ninguém, só não terá esclarecido que, neste caso, CV não era a habitual abreviatura da expressão latina “curriculum vitae”, mas a mais lusitana sigla para “Cunha da Van Dunem”.

E na primeira semana de 2021, tempo de assistir ao primeiro escândalo do ano envolvendo o Governo. Nada mau. A manter-se esta média modesta de uma trafulhice semanal, 2021 pode revelar-se, por comparação com 2020, até bem tranquilo para o executivo de António Costa. O cardápio de trafulhices para os próximos 12 meses abriu com uma clássica marosca documental. O currículo do magistrado proposto pelo Governo para o cargo de Procurador Europeu, José Guerra, foi todo ele martelado, de molde a ultrapassar Ana Mendes de Almeida, primeira classificada na escolha do Comité de Seleção Internacional, que avaliou os pretendentes ao cargo. Ou foi isto, ou estamos perante um caso de pura má fé jornalística. Na verdade, o Governo não enganou ninguém ao dizer que enviou o CV de José Guerra lá para a Europa. Só não terá esclarecido que, neste caso, CV não era a habitual abreviatura da expressão latina “curriculum vitae”, mas a mais lusitana sigla para “Cunha da Van Dunem”.

À boleia deste episódio, precipitados indivíduos não só clamaram incompetência por banda da Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, como trouxeram à liça o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o caso do cidadão ucraniano morto nas instalações do SEF. Tudo para insinuar um hipotético padrão de inépcia deste Governo. Pasmo perante o grotesco de tal sugestão. É que estes dois casos não são apenas distintos, são diametralmente opostos. Se no caso do procurador José Guerra estamos perante um funcionário público que garante ter feito muito mais do que realmente fez, já no caso do SEF estamos perante funcionários públicos que garantem não ter feito coisa rigorosamente nenhuma.

O que é indiscutível é que esta situação do procurador José Guerra indicia um padrão de comportamento de António Costa. Pura e simplesmente, o nosso Primeiro-Ministro não tolera ficar em segundo lugar. Ficou em segundo nas eleições de 2015, pumba!, trata de inventar a geringonça para passar para primeiro lugar. Agora, o seu candidato ficou em segundo na eleição para Procurador Europeu, tumba!, trata de inventar uma moscambilha para o passar para primeiro lugar. Não tolera ficar em segundo lugar, António Costa. A não ser, claro, em rankings europeus de PIB per capita, ou de investimento público, ou de crescimento económico, ou assim. Aí, tudo bem.

Bom, no meio destas polémicas, terá escapado à generalidade dos analistas, mas não ao olho de falcão — com 2,75 dioptrias na vista direita e 2 dioptrias na esquerda ~- deste analista, o facto da produtividade/hora da função pública em Portugal ter crescido de forma exponencial nestas semanas. Nos últimos tempos, houve quem se tenha fartado de teclar no seu computador por essas repartições públicas fora. Como se não bastasse a extensa informação que teve de ser adicionada para produzir o imaginário currículo do magistrado José Guerra, ainda tivemos o caso dos boletins de voto para as eleições presidenciais, nos quais foi introduzido o nome e a fotografia de um candidato que, afinal, nem sequer pode concorrer. Isto, sim, é dar tudo para que o país não avance.

A propósito das eleições para a Presidência da República, o candidato em destaque, nas entrevistas e nos primeiros 37 de 159 debates, foi, claramente, Vitorino Silva. Num primeiro instante, Tino de Rans esteve impecável ao afirmar, com a autoridade de quem deu ao mundo o êxito “Pão, Pão, Fiambre, Fiambre”, que “O nosso Presidente apalhaçou um bocadinho a função de Presidente da República”. Já num segundo momento, o fundador do partido RIR não foi tão bem sucedido. No debate com André Ventura, Tino decidiu fazer uma metáfora sobre a tolerância racial e étnica, mostrando umas pedras de várias cores que apanhou na praia e que depois ofereceu ao líder do Chega. O meu receio agora é que, assim que se cruze com um cigano na rua, André Ventura lhe mande uma calhoada com uma dessas pedras da tolerância.

Tiago Dores

Miguel Romão. "Caso UGT foi relembrado pela ministra Francisca Van Dunem"

Luís Rosa

Ex-diretor-geral garante que foi Van Dunem quem invocou a participação de José Guerra no caso UGT para dar força ao seu nome para procurador europeu. Observador revela todos os pormenores deste caso.

É mais um episódio do caso do procurador europeu — e que envolve diretamente a ministra da Justiça. O ex-diretor-geral da Política de Justiça Miguel Romão, que deixou o cargo esta semana na sequência da polémica dos dados curriculares falsos, garante em declarações exclusivas ao Observador que foi Francisca Van Dunem quem decidiu defender a escolha do procurador José Guerra junto do Conselho da União Europeia (UE) através de uma nota enviada pelo Governo. A decisão foi tomada numa reunião ocorrida a 26 de novembro de 2019, cinco dias depois de o painel de peritos daquele órgão ter escolhido a procuradora Ana Carla Almeida como o magistrado “mais adequado para exercer as funções de procurador europeu no Ministério Público Europeu” em nome de Portugal.

Mais: o facto de José Guerra ter participado no caso UGT “foi relembrado pela senhora ministra da Justiça”, garante Miguel Romão, como um dos argumentos que deveriam ser usados pela Direção-Geral de Política de Justiça na carta que Van Dunem decidiu que tinha de ser enviada para o Conselho da UE através da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. Miguel Romão anotou estas declarações da ministra e diz que outras pessoas ouviram o mesmo.

Questionado sobre se Francisca Van Dunem aludiu ao caso UGT para enfatizar a experiência de José Guerra na investigação de casos criminais relacionados com desvio de fundos europeus, o ex-diretor geral, que se demitiu na sequência da polémica, respondeu: “Creio que sim. Apenas posso dizer que cumpri instruções e cumpri o que era devido, tendo assumido os erros factuais do meu serviço”.

O Observador confrontou o gabinete de Francisca Van Dunem com estas declarações mas não obteve nenhuma resposta até ao momento.

Recorde-se que a alegada participação de José Guerra na investigação do caso UGT foi um dos factos falsos que o Ministério da Justiça admitiu esta semana que constavam da nota oficial, tendo o mesmo sido alvo de correção junto do União Europeia porque o magistrado apenas participou na fase julgamento. Sendo a Procuradoria Europeia um órgão investigatório e acusatório, trata-se de um facto falso relevante.

Esta é só um dos vários detalhes de um processo em que o Governo tinha, segundo o regulamento europeu, toda a legitimidade para discordar da seleção feita pelo comité de peritos do Conselho da União Europeia e intervir  politicamente a favor da seleção do nome de José Guerra feita pelo Conselho Superior do Ministério Público.

O Observador reuniu um conjunto de documentação do Ministério da Justiça (disponibilizada publicamente no dia 14 de outubro de 2020), do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e do Conselho da União Europeia sobre o processo de nomeação do procurador nacional para a Procuradoria Europeia e revela todos os pormenores deste caso polémico.

Miguel Romão: “Cumpri instruções e cumpri o que era devido, tendo assumido os erros”

Miguel Romão pôs esta segunda-feira à disposição da ministra o seu cargo de diretor-geral da Política de Justiça, o órgão do Ministério da Justiça responsável pelas relações externas, depois de assumir a responsabilidade pelos factos falsos curriculares do procurador José Guerra contidos numa carta enviada a 29 de novembro de 2019 para o Conselho da UE. E a ministra aceitou a sua demissão.

Em declarações ao Observador, Miguel Romão conta que tudo começou 10 dias antes do envio da missiva para Bruxelas. O comité de peritos do Conselho da UE tinha analisado os nomes dos três procuradores portugueses enviados pelo Ministério da Justiça (Ana Carla Almeida, José Guerra e João Conde) e tinha decidido que a procuradora do DCIAP era o nome “mais adequado para exercer as funções de procurador europeu no Ministério Público Europeu”, segundo a decisão escrita datada de 19 de novembro a que o Observador teve acesso.

Francisca Van Dunem convocou então uma reunião no Ministério da Justiça, a 26 de novembro, com o seu chefe de gabinete, Henrique Rosa Antunes, com mo diretor-geral Miguel Romão e com outros técnicos. Num encontro que terá durado trinta minutos, a ministra da Justiça anunciou que o Governo não se poderia conformar com a escolha do painel europeu, por a mesma entrar em confronto com a seleção de José Guerra feita pelo Conselho Superior do Ministério Público a 28 de fevereiro de 2019 — e decidiu enviar uma nota para o Conselho da UE a defender o nome do antigo coordenador da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa em detrimento de Ana Carla Almeida.

“Essa reunião com a senhora ministra da Justiça decorreu efetivamente e serviu para remeter informação à REPER com carácter de urgência, com conhecimento subsequente ao gabinete da senhora ministra da Justiça“, afirma Miguel Romão ao Observador.

A informação foi, de facto, preparada pela Direção-Geral da Política de Justiça e enviada pelo Ministério da Justiça para a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, tendo o embaixador Nuno Brito remetido, no mesmo dia 29 de novembro de 2019, a informação do Governo português para o secretário-geral do Conselho da União Europeia, Jeppe Tranholm-Mikkelsen.

Nessa missiva, o embaixador informou o Conselho de que a “referida classificação” estabelecida pelo painel de peritos “não merece a concordância do Governo português”, por este “considerar que o candidato colocado em segundo lugar (José Eduardo Moreira Alves D’Oliveira Guerra) é merecedor de posição cimeira”, lê-se na carta que foi revelada em primeira mão pelo Expresso.

Contudo, e tal como o Ministério da Justiça já admitiu esta segunda-feira, a missiva invoca factos falsos, já que garante que José Guerra participou no caso UGT “numa posição de liderança investigatória e acusatória”, o que “testemunha a sua capacidade para lidar com processos de elevada complexidade em sede de crimes PIF [crimes contra os interesses financeiros da União Europeia]”, lê-se na carta. Na realidade, Guerra apenas participou na fase de julgamento do caso UGT e apenas durante algum tempo.

Questionado pelo Observador, Miguel Romão afirmou o seguinte: “O caso UGT foi relembrado pela senhora ministra da Justiça. Os meus serviços tentaram reconstruir a história e, nitidamente, não correu bem. Assumi a narrativa”.

Perguntado sobre se Francisca Van Dunem aludiu ao caso UGT para enfatizar a experiência de José Guerra na investigação de casos criminais relacionados com desvio de fundos europeus, Romão respondeu: “Creio que sim. Mas não tenho, neste momento, indicações mais precisas. Apenas posso dizer que cumpri instruções e cumpri o que era devido, tendo assumido os erros factuais do meu serviço“.

O Observador insistiu e questionou o ex-diretor-geral sobre tinha a certeza de que o caso UGT tinha sido recordado por Van Dunem, o ex-diretor-geral repetiu: “Sim, é factual. Eu recordo, outros colegas também e tenho anotado.

O professor da Faculdade de Direito de Lisboa nega, contudo, que tenha recebido “qualquer informação do senhor chefe de gabinete da senhora ministra da Justiça” para escrever a nota enviada para a REPER. Garante, por outro lado, que enviou o documento para Henrique Rosa Antunes no mesmo dia (29 de novembro) em que seguiu para Bruxelas.  “Não recebi” do chefe de gabinete de Van Dunem “qualquer resposta do que lhe enviei”, afirmou Miguel Romão.

O ex-diretor-geral não esclarece se enviou a nota para o chefe de gabinete de Van Dunem antes ou depois de enviar para a REPER mas repete o que já tinha afirmado no comunicado que emitiu no dia da sua demissão: enviou o documento para Henrique Rosa Antunes e não recebeu qualquer retificação do gabinete de Van Dunem.

Os argumentos dos peritos europeus

E quais foram os argumentos invocados pelo painel de especialistas internacionais composto por antigos juízes do Tribunal de Justiça da UE e do Tribunal de Contas Europeu, assim como ex-juízes conselheiros nacionais e outros juristas, para a escolha de Ana Carla Almeida?

Tendo em conta que a Procuradoria Europeia visa essencialmente investigar e acusar crimes relacionados com os interesses financeiros da UE, o painel considerou os “28 anos de experiência enquanto procuradora” responsável pela “investigação e acusação de crimes financeiros relevantes e crimes transfronteiriços, incluindo os crimes que afectam os interesses financeiros da União Europeia”, lê-se na decisão de 19 de novembro de 2019 a que o Observador teve acesso.

A Procuradoria Europeia vai investigar e acusar casos de desvios de fundos europeus ou de outros apoios financeiros comunitários, assim como de crimes conexos, como corrupção ou fraude fiscal transfronteiriça de IVA superior a 10 milhões de euros.

Do ponto de vista prático, os peritos do Conselho da UE deram relevância à experiência de Ana Carla Almeida na investigação dos crimes de fraude com fundos europeus. “Ao longo da sua carreira, ganhou valor e experiência especializada (…) com coordenadora nacional de investigação [no DCIAP] dos crimes relacionados com os interesses financeiros da UE, assim como experiência relevante como conselheira judicial e legal da OLAF [Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude da Comissão Europeia]”, lê-se no relatório do comité de peritos a que o Observador teve acesso.

Ou seja, os peritos europeus valorizaram a comissão de serviço de Ana Carla Almeida na OLAF — Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude da Comissão Europeia e desvalorizaram a passagem de José Guerra pelo Eurojust – o organismo europeu de cooperação judiciária.

Isto porque a OLAF acaba por estar na origem da Procuradoria Europeia. Com uma grande diferença: enquanto que a OLAF era um organismo administrativo que se limitava a enviar as suas suspeitas para os titulares da ação penal de cada Estado-Membro, nada mais tendo a dizer, a Procuradoria Europeia vai ter poderes para avocar inquéritos criminais ao Ministério Público de cada um dos países que participam naquele órgão independente europeu.

Em suma, os peritos europeus “apreciaram em particular a dinâmica, ambição, lado prático, excelente capacidade de comunicação e prontidão operacional” de Ana Carla Almeida, que terá também mostrado consciência da importância de a Procuradoria Europeia respeitar os “direitos fundamentais” dos cidadãos da União.

Governo tem legitimidade para alterar seleção de painel de peritos porque decisão é política

A ministra Francisca Van Dunem, contudo, discordou desta decisão do painel europeu porque o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) tinha chegado a uma conclusão diferente a 28 de fevereiro de 2019: o procurador com o perfil mais adequado, segundo o CSMP, era José Guerra — e não Ana Carla Almeida.

E foi precisamente essa seleção que Van Dunem quis impor no Conselho da UE — sendo bem sucedida. Aliás, José Guerra tomou logo posse em setembro de 2020 e já está no Luxemburgo, país que acolhe a sede do novo organismo europeu.

Há uma dúvida importante: o Governo português tinha legitimidade para tomar esta decisão? A resposta encontra-se na documentação do Conselho da UE a que o Observador teve acesso e não poderia ser mais clara: sim.

Depois de o embaixador Nuno Brito ter informado o Conselho da UE, a 29 de novembro de 2019, de que o Governo português não concordava com a classificação do comité de peritos, foram acionados os respetivos mecanismos diplomáticos e o assunto foi discutido pelos comités técnicos que apoiam as decisão do Conselho da UE, antes de este se pronunciar e decidir sobre quem seriam os procuradores europeus.

Assim, a oposição de Portugal foi levada ao Antici Group — um comité técnico que deve o nome ao seu primeiro líder italiano, Paolo M. Antici, e que reúne os diplomatas das várias representações permanentes dos Estados-membros. Nesta caso concreto, o Antici Group consensualizou a 9 de julho de 2020 que, de acordo com o regulamento que deu origem aos concursos para a Procuradoria Europeia, a “seleção expressa pelo painel de peritos só é vinculativa para o Conselho no caso de o painel detetar uma candidatura não elegível. A ordem de preferência dos candidatos expressa pelo painel relativa aos candidatos elegíveis não é vinculativa”, lê-se no documento que foi tornado público.

O comité limitou-se a seguir o número 2 do artigo 16.º do regulamento interno da UE, onde pode ler-se que a decisão final pertence ao Conselho da UE e que este órgão só fica vinculado ao parecer técnico “se o comité de seleção considerar que um candidato não preenche as condições exigidas para desempenhar as funções de procurador europeu”. O que não era o caso português.

Foi precisamente esse entendimento que este comité recomendou ao COREPER II — o comité que reúne todos os embaixadores das representações permanentes em Bruxelas para tratar dos chamados temas políticos, como os Assuntos Exteriores, Finança/Orçamento ou Agricultura e que determina a agenda e a forma como os assuntos serão discutidos pelo Conselho da UE. Na prática, ficou decidido nessa reunião do COREPER II que Portugal, Bélgica e Bulgária teriam direito a alterar o parecer do painel de especialistas, o que veio a ser aprovado pelo Conselho da UE que reuniu a 27 de julho de 2020.

Os argumentos do Conselho Superior do Ministério Público

A ministra Francisca Van Dunem nunca quis assumir esta decisão como uma questão política — mesmo tendo legitimidade para o fazer, a partir do momento em que o parecer do painel europeu não era vinculativo. Pelo contrário: negou sempre qualquer intervenção política e refugiou-se na argumentação de que o concurso nacional tinha sido aberto ao Ministério Público e aos juízes e que foram os respetivos conselhos de gestão das duas magistraturas a gerir e seleccionar os respetivos candidatos.

Se no caso dos juízes só houve um candidato (o desembargador José Rodrigues da Cunha), que foi excluído e está a tentar anular o concurso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, já no caso do Conselho Superior do Ministério Público o processo foi bem mais complexo — e com uma decisão diametralmente oposta à dos peritos europeus.

Para começar, o CSMP não respeitou os prazos do concurso aberto pelo Ministério da Justiça.  O aviso do concurso publicado em Diário da República é claro: os conselhos superiores têm até ao dia 15 de fevereiro de 2019 para concluírem os respetivos procedimentos de seleção, mas o órgão de gestão do Ministério Público só concluiu o processo a 28 de fevereiro de 2019, com a aprovação de três nomes propostos pelo júri do concurso.

Além disso, é preciso olhar para a forma como o júri do concurso avaliou e selecionou os cinco candidatos que se apresentaram, ficando José Guerra como o primeiro classificado (com 95 pontos), João Conde como segundo (com 89 pontos) e Ana Carla Almeida na terceira e última posição dos procuradores elegíveis (com 81 pontos). Houve mais dois procuradores (Helena Leitão e José Fonseca) que foram eliminados.

E por que razão Ana Carla Almeida ficou em terceiro lugar — e a uma grande distância de José Guerra — quando, meses mais tarde, os peritos europeus entenderam que a magistrada do DCIAP era claramente a mais bem posicionada?

A explicação é simples: porque o júri do concurso do CSMP criou uma série de ponderações e requisitos complexos, enquanto os peritos europeus só se concentraram em saber quem era o procurador com mais experiência na investigação de crimes relacionados com fundos europeus, quem tinha tido contacto com a OLAF e o conhecimento da arquitetura jurídica da União Europeia. Pelo menos, é isso que evidenciado pelos peritos no relatório emitido a 19 de novembro de 2019, ao qual o Observador teve acesso.

De acordo com as atas do júri português do concurso e das deliberações do CSMP, eis os factos:

  • Entre critérios de ponderação e de seleção, o júri liderado pelo vice-procurador-geral João Monteiro e do qual faziam parte Magalhães e Silva (advogado eleito pelo Parlamento por indicação do PS), Maria João Antunes (jurista próxima de Francisca Van Dunem, por si nomeada para coordenar a Estratégia Nacional Contra a Corrupção), Raquel Almeida Ferreira (Procuradora Regional do Porto) e Alexandra Chicaro das Neves (Procuradora da República) determinou catorze critérios.
  • O júri decidiu dar maior preponderância à “experiência em cooperação judiciária internacional em matéria penal” (pontuação mais elevada de 10 pontos) do que à “experiência na investigação de crimes contra os interesses financeiros da UE” (pontuação máxima de seis pontos) — quando este último é o principal objetivo da Procuradoria Europeia. Ou seja, na prática valorizou mais a participação no Eurojust (por onde José Guerra passou) do que uma comissão de serviço na OLAF ou a investigação de inquéritos criminais relativos a fundos europeus (os dois pontos fortes do curriculum vitae de Ana Carla Almeida).
  • E decidiu ainda estabelecer critérios teóricos, como “trabalhos científicos nas áreas de investigação e do processo penal de crimes de natureza financeira e de outra natureza”, ou como a “atividade no âmbito do ensino jurídico” — que valiam os mesmos seis pontos máximos da investigação a crimes contra os interesses financeiros da UE.
  • E ainda transformou um requisito eliminatório do regulamento do concurso aberto pelo Ministério da Justiça (experiência mínima de 20 anos) num facto de avaliação, determinando que uma antiguidade superior a 10 anos teria uma pontuação máxima de 10 pontos.

Conclusão: seguindo estes critérios, só nos items da antiguidade, trabalhos científicos, sobrevalorização da cooperação judiciária (o que favoreceu José Guerra que tinha estado no Eurojust) e subvalorização da investigação de crimes europeus (onde Ana Carla Almeida era mais forte), a magistrada do DCIAP perdeu para José Guerra um total de oito pontos. Mais: Ana Carla Almeida ficou mesmo atrás de João Conde, que algumas fontes do Ministério Público classificam como um teórico e que ficou recentemente conhecido como o autor dos pareceres do Conselho Consultivo que permitiram a Lucília Gago criar a diretiva que reforçou os poderes hierárquicos para intervir nas investigações.

Amadeu Guerra censura fixação de critérios após a apresentação de candidaturas

Há ainda um dado adicional que está a merecer críticas: estes critérios portugueses só foram fixados a 22 de janeiro, depois de o júri conhecer os candidatos que se apresentaram a concurso até 15 de janeiro. Este facto provocou uma polémica na reunião do CSMP que veio a apreciar estas conclusões do júri do concurso, liderado pelo vice-procurador-geral João Monteiro. Apesar de a proposta do júri ter sido aprovada, houve três votos contra (de Magalhães e Silva, de Luís Martins e de David Aguilar) e duas abstenções (de Amadeu Guerra e de Barradas Leitão).

Se os três primeiros votaram contra por uma questão relacionada com a antiguidade (acabou por prevalecer a ideia de que a antiguidade começava a contar a partir da entrada no Centro de Estudos Judiciários), já as duas abstenções foram mais relevantes, nomeadamente a de Amadeu Guerra, que fez questão de apresentar uma declaração de voto onde censurou exatamente o facto de os critérios terem sido definidos após a apresentação das candidaturas.

Apesar de a mesma não ter sido publicada, como é habitual, no Boletim do CSMP, o Observador teve acesso à declaração e pôde constatar as fortes críticas do então procurador-geral distrital de Lisboa, hoje jubilado. Sem pôr em causa a imparcialidade do júri, Amadeu Guerra escreveu que “foram preteridas formalidades que, em consciência” o ex-diretor do DCIAP não podia deixar passar e considerou que o facto de os “critérios valorativos terem sido fixados depois de conhecidos os concorrentes” poderia violar o Código de Procedimento Administrativo (CPA).

Acresce, segundo Amadeu Guerra, que foi em tempos diretor do DCIAP, que a “a simples classificação com base em atribuição de notas valorativas não satisfaz suficientemente a obrigação de fundamentação”. Ou seja, “os elementos constantes da ata que graduou os candidatos” — remetendo apenas para a grelha classificativa — não asseguram o dever de fundamentação estabelecido no artigo 153.º do Código de Procedimento Administrativo. Amadeu Guerra fundamentou a sua crítica invocando um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que defendia exatamente o mesmo.

https://observador.pt/

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Portugal e a CE

Portugal, que tem, infelizmente, a presidência da União Europeia neste período historicamente difícil, vai ter um papel relevante no processo político e administrativo de aplicação do Plano de Resiliência e Retoma europeu. Aliás, a execução europeia deste plano vai mesmo ditar a avaliação da presidência portuguesa.

Estes dois fatores vão ficar claros nos primeiros seis meses do ano, e vão condicionar como é que vai ser o ano de 2021.

O contexto político em que Portugal está não ajuda: O Governo vai gerir uma negociação difícil com o PCP -- e  vai tentar recuperar o BE para a geringonça -- e isso impede qualquer medida relevante para acelerar a recuperação económica que, segundo algumas previsões, só vai recuperar para os níveis de 2019 só em 2024 ou 2025. A manutenção da capacidade instalada, nos próximos meses, e o incentivo ao investimento e a atração de investimento estrangeiro logo a seguir, são fatores críticos para chegarmos a 2022 noutras circunstâncias.

Ha dois pontos positivos do ponto de vista internacional que podem ajudar países como Portugal: Por um lado, a eleição de Joe Biden e o regresso a uma normalidade geopolítica internacional, com programas económicas e o Green Deal, por outro lado, a União Europeia acelerou um acordo de investimento com a China, o que pressiona a outro, semelhante, com os EUA. Masd também há um ponto muito negativo: Depois da saída do Reino Unido, vai sair Angela Merkel no segundo semestre e isso abre um vazio de liderança europeia (que poderá ser substituído, ironicamente, por outra alemã, Ursula van der Leyen).

Na melhor das hipóteses, a economia portuguesa vai recuperar parcialmente da recessão profunda de 2020, mas não vai mudar nada de estrutural. Dificilmente haverá crise política em 2021, Marcelo Rebelo de Sousa, o mais do que provável 'novo' Presidente, já disse que tudo fará para a evitar, e desde logo porque se houvesse eleições, provavelmente os resultados seriam os mesmos de 2019 (com a diferença do Chega): O PS ganharia sem maioria absoluta, a esquerda teria mais votos e a direita, mais fragmentada, teria um PSD fragilizado e um Chega fortalecido, os liberais consistentes e o CDS a desaparecer. Portanto, os problemas de produtividade, de competitividade, de inovação, estão para ficar, ou para piorar. Vamos continuar a ter a TAP e o Novo Banco a dominar a agenda mediática, política e económica, vamos ter as autárquicas em outubro, e assim se vai passar o 2021.

Os fundos comunitários

Os fundos comunitários serão um balão de oxigénio, e se começarem a ser executados até ao final do primeiro semestre, poderão significar apoios relevantes à economia e às empresas. Os fundos, historicamente, tem servido essencialmente para vivermos à conta, mudaram pouco, ou, no mínimo, muito menos do que o que sucedeu noutros países. Mas no estado em que o país está, não temos outro remédio no curto prazo (além de esperar que, desta vez, seja diferente).

Como será 2021?

Há um ano, quando se previa o que seria 2020, ninguém antecipava o que veio efectivamente a ser a pandemia e um novo normal, que mudou as nossas vidas, em algumas dimensões para sempre. É claro que uma pandemia não aparece todos os anos, mas serve de exemplo para a imprevisibilidade em que vivemos. E este ano de 2021 vai ter de ser em dois. O que se fizer até Junho ditará o que vier a ser o segundo semestre, mais ou menos, mau ou muito mau.

As previsões económicas para Portugal de diferentes instituições, como o Governo, o Banco de Portugal e a OCDE, apontam para valores abaixo dos 2% e os quase 6%, em função de pressupostos que são incertos. O ano de 2021 em Portugal vai depender do que se vier a passar na economia internacional e, particularmente, de dois factores internos (e um terceiro que depende especialmente de um deles): A vacinação e a entrada de fundos comunitários ao abrigo do Plano de Resiliência e Retoma europeu e, finalmente, a recuperação mais ou menos forte do turismo.

Sobrinho Simões, a opinião de um português inteligente

O empobrecimento das famílias entristece-o.

A desgovernação do país tira-o do sério.

    Manuel Sobrinho Simões, médico, investigador e professor universitário, diz que Portugal continua a ser vítima do conflito de interesses que grassa entre as conveniências dos partidos e dos políticos e as necessidades do país e dos portugueses. Uma análise interessada para ajudar a sair da crise e a permanecer no euro. Nem que tenhamos de fazer o pino.

    Em três semanas tivemos quatro dias de descanso extra. Ele foi a tolerância de ponto para Lisboa, a greve geral, um feriado civil e na próxima quarta-feira teremos um religioso. Como é que avalia a nossa relação com o trabalho?

     -No nosso país, uma pessoa que trabalhe todos os dias e que tenha de assinar ponto é visto como um falhado. Quando me tornei professor catedrático até os meus amigos de Arouca ficaram decepcionados quando perceberam que a minha vida ia continuar a fazer-se das mesmas rotinas. E mais recentemente, no Hospital de São João (Porto), a maior parte dos professores da Faculdade de Medicina foram contra a fiscalização do horário de trabalho dos médicos através da leitura da impressão digital - o dedómetro - mas eu fui a favor. É humilhante? É. Sobretudo para quem tem funções de direcção. Mas tem de ser assim, porque infelizmente muitos de nós não cumprimos. Caricaturando a coisa, pode dizer-se que em Portugal só quem não sabe fazer mais nada é que trabalha, isto é, tem uma rotina, cumpre horários, produz e presta contas.

     Esses traços são distintivos só dos portugueses?

     -Não, este problema não é só nosso. A Europa conseguiu garantir boas condições de vida aos seus cidadãos à custa da exploração dos povos e dos países da Ásia, da América Latina e de África. Uma boa parte do Estado Providência assentou na exploração das matérias-primas e do trabalho daqueles países. Com o aparecimento de economias emergentes muito competitivas e a deslocalização das fábricas, a Europa começou a criar menos riqueza e as dificuldades em conseguir manter o chamado estado social começaram a aparecer. Não é por acaso que a França tem de mudar a idade da reforma. É um sintoma.

     Prenúncio do fim do Estado social?

     - Com o crescimento da Índia, da China e do Brasil, a Europa ressentiu-se e as pessoas começaram a perceber que vão ter de mudar de vida, que o tempo das mordomias já passou.

     Mas para nós, portugueses, esse tempo mal começou...

     -Pois é, mas para nós vai ser ainda pior. Os portugueses, além de europeus, são culturalmente mediterrânicos, o que não nos afasta muito dos gregos, dos italianos e dos espanhóis do Sul, com todas as influências que são ditadas pela geografia, pelo clima e pela religião. Sermos judaico-cristãos é muito diferente de sermos calvinistas e protestantes. Além disso nunca corremos o risco de morrer de frio e estamos na periferia, não tivemos guerras e ninguém nos chateou. Na verdade, somos muito individualistas e estamos mais próximos dos norte-africanos do que dos povos do Norte da Europa.

     Somos um país mais mediterrânico do que atlântico, com todas as implicações que isso tem até na nossa produtividade.

     Então a diferença entre nós e o resto da Europa, sobretudo os nórdicos, não está nos genes?

     -Claro que não. A diferença entre nós e os nórdicos não está nos genes, é fruto da cultura e da educação, da geografia, do clima e da religião. Eles tinham frio, era-lhes difícil cultivar cereais e não tinham vinho. Para sobreviverem tiveram de estimular a inovação e a cooperação. Ao contrário de nós, que tínhamos um bom clima, uma agricultura fértil e peixe com fartura. E depois tivemos África, a seguir o Brasil e logo os emigrantes. Não precisámos de nos organizar e não precisámos de nos esforçar. Não era preciso. Não planeávamos, desenrascávamos. Continuamos assim, gostamos de resolver catástrofes.

     É sindicalizado?

     -Não.

     Fez greve?

     -Sim, eu e a maioria dos professores de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina. Fizemos greve e estamos furiosos mas assegurámos o serviço no hospital e demos aulas na Faculdade, onde também não  faltámos  por causa dos alunos. É uma questão de respeito.

     Estão furiosos com quê?

     -Com a desgovernação. Não é só com a desgovernação do actual governo, é com o desnorte dos últimos vinte e tal anos. O que nos está a acontecer não resulta apenas da desorientação dos últimos dois anos, já há muito que gastamos acima do que podíamos e devíamos. E o mais grave é que demos sinais errados às pessoas. Agora, vamos ter de evoluir de novo para uma sociedade com capacidade de produção real, com agricultura e pesca.

     Mas todos temos na memória os subsídios que foram concedidos aos agricultores para não produzirem.

     -Foi terrível. E para piorar as coisas, muitos ficaram deprimidíssimos e frequentemente alcoólicos. Destruíram as vinhas, a sua âncora, que lhes dava prestígio e dignidade pessoal nas suas comunidades, e começaram a passar os dias na taberna. Isto aconteceu em todo o Minho. E no Alentejo também.

     Podemos dizer que o nosso super-Estado tem descurado as necessidades reais dos cidadãos e da sociedade?

     -Desde o tempo do Dr. Salazar que o Estado faz questão de proteger os seus e nós temos aprovado esse amparo. Mas os nossos cidadãos não têm grandes conhecimentos e perguntam pouco, até temos aquela afirmação extraordinária que é «se não sabes porque perguntas?». Ora quando temos dúvidas é que devemos perguntar. Por estas e por outras, nas últimas décadas, dominado por ciclos eleitorais curtos, o Estado passou a viver acima das suas possibilidades e a substituir-se à realidade. E, de repente, a realidade caiu em cima do povo.

     Os portugueses têm razões para se sentirem enganados ou não quiseram ver a realidade?

     -As duas são verdade. Podemos ofuscar o real durante algum tempo, mas não para sempre. As imagens da Grécia, com reformas aos 55 anos ou até mais cedo para as chamadas profissões de desgaste rápido, permitiram-nos perceber que se eles tinham entrado em colapso também nós corríamos o risco de vir a acontecer-nos o mesmo. Até essa altura, creio que muitas pessoas acreditavam, lá no seu íntimo, que nem os países, nem a segurança social, nem o Serviço Nacional de Saúde (SNS), nem as câmaras municipais podiam entrar em bancarrota. Agora já perceberam que isto pode mesmo entrar em ruptura. Para já reduziram até dez por cento o ordenado dos funcionários públicos, mas no ano que vem pode vir a ser necessário chegar aos vinte por cento. E que é que adianta andar a papaguear que é inconstitucional e que mexe com os direitos adquiridos? Se não há dinheiro o que é que se faz? Esta questão é que tem de ser respondida.

     Não há dinheiro para o Estado social mas tem havido para obras e infra-estruturas. O que pensa disto?

     -Eu não sei o suficiente para perceber quando é que é necessário um novo aeroporto em Lisboa ou em Beja. Mas como sou um prático, penso que se não é preciso no imediato e temos falta de dinheiro, então temos de investir na criação de riqueza e de emprego e não em obras que têm um retorno mais longínquo.

     Não quer um TGV para o Porto?

     -Eu não. O que quero é que a TAP faça voos mais baratos. Um bilhete Porto-Lisboa-Porto custa 283 euros, o mesmo que gasto para ir a Oslo. O comboio que temos, o Alfa e o Intercidades, já é muito cómodo mas para ir a Lisboa não é prático, ou nos levantamos de madrugada ou perdemos metade de um dia. O que também necessitamos é de nos ligar à Galiza com mais eficiência porque o aeroporto do Porto tem condições para ser o grande aeroporto do Noroeste peninsular. 

     Se fosse governante imagina-se a discutir tantas vezes os mesmos assuntos?

     -Não. Falta-me experiência política, não tenho treino de negociação. Mas assusta-me saber que há tantas dúvidas sobre investimentos monstruosos. Não consigo perceber porque se continua a discutir a ligação de Lisboa a Madrid por TGV quando aquilo não tem hipótese nenhuma de ser sustentável.

     Os impactes da crise económico-financeira foram durante muito tempo menosprezados pelos governantes. O que pensa disso?

     -O que senti e sinto é que se não fosse este governo, se fosse outro, teria sido exactamente a mesma coisa. Temos uma crise económico-financeira, mas também temos uma crise de líderes - os políticos portugueses gritam muito contra o estado das coisas e, depois, para ganharem eleições adoptam um discurso demasiado optimista. A primeira coisa que todos os que venceram eleições nos últimos anos fizeram foi, uma vez eleitos, dizer que isto estava uma tragédia. E toda a gente sabe que a maquilhagem do défice foi feita à custa de receitas extraordinárias quer por governos do PS quer do PSD.

     Somos ingovernáveis?

     -Os nossos líderes e os seus partidos vivem mais para ganhar eleições do que para servir o país e os interesses da nação. Na administração pública até os directores-gerais cessam funções quando há mudança de governo. Ora é óbvio que, assim, qualquer um quer que o seu partido continue no governo, se não corre o risco de ir para a  rua. O nosso individualismo militante e a fragilidade organizativa contribuem também para a ingovernabilidade.

     O Estado é refém da administração pública?

     -O Estado deixou desenvolver, no seu seio, várias corporações, cada uma mais egoísta do que a outra - juízes, médicos, professores, militares, etc. Além disto, partidarizou a administração pública e passou a fazer concessões despudoradas aos chamados novos poderes, aos construtores, à banca, à comunicação social. Isto já não é culpa do Dr. Salazar.

     _O FMI vem aí?

     -Todos os tipos em quem eu confio dizem que sim, por isso acredito que sim, que está no vir. Ainda há dias estive numa reunião com João Cravinho, António Barreto e Rui Rio e esse foi um dos temas da conversa. A conclusão foi de que a vinda do FMI será provavelmente inevitável.

     Sente o orgulho beliscado por ter de ser o FMI a pôr ordem na nossa casa?

     -Não, de todo. Mas não sei o suficiente de economia para perceber o que é que a intervenção do FMI vai implicar. Vão mudar o sistema das reformas, as pensões, os impostos? Nós já temos uma carga fiscal enorme, tenho assistido com muita tristeza ao empobrecimento da classe média portuguesa. Se a intervenção do FMI empobrecer ainda mais a nossa classe média e as famílias mais desfavorecidos ficarei muito triste.

     Pensa que esta crise vai ser pior do que as outras?

     -Penso, infelizmente sim. E quando ouço os economistas falarem ainda fico espantado. Como é que eles não se aperceberam de que aumentando progressivamente o défice tínhamos uma receita para o desastre? Sei que vamos ter de mudar de vida. Se tivermos de o fazer num contexto de protecção da Europa e do euro prefiro a solução FMI a ter de saltar do euro e ir para soluções do domínio da magia, com a desvalorização da moeda, altivos e sós.

     Afirmou várias vezes que o que de melhor nos aconteceu foi a entrada no euro. Foi uma oportunidade perdida?

     -Foi uma oportunidade muito mal aproveitada, mas teria sido muito pior para o país e para os portugueses se não tivéssemos entrado. Desbaratámos as vantagens da entrada no euro sem que os cidadãos tenham sido alertados para as fragilidades que vieram com a moeda única. Limitámo-nos a ser os recipientes líquidos de uma quantidade enorme de dinheiro em vez de aproveitar esses fundos para desenvolver e inovar. Não é por acaso que temos automóveis de luxo, iates e terceiras casas numa quantidade que é obscena relativamente ao nível de vida da população.

     Ainda assim, defendo que, se for preciso, devemos fazer o pino para nos mantermos no euro. Prefiro ficar sob o domínio da Europa do que ficar apenas entregue aos jogos políticos portugueses. Estamos na pontinha da Europa, se isso acontecesse, connosco sozinhos e em roda livre, seria mortal.

     Acha que os países europeus mais fortes, nomeadamente a Alemanha, vão continuar a tolerar os nossos esquemas?

     -Não. Vão ser implacáveis porque é a Europa e o projecto União Europeia que estão em causa. Este ano, só a Índia vai pôr no mercado mais engenheiros do que todos os 27 países da Europa. O que é que a França ou a Alemanha representam na competição com a Índia? As pessoas não têm consciência da nossa dimensão. Eu dou aulas na China, em Chengchow, uma cidade que ninguém conhece a sul do rio Amarelo, na província de Henan, onde fica o templo de Shaolin. Só esta província tem cem milhões de habitantes e a cidade de Chengchow tem sete milhões. É outra escala. O campus universitário de Chengchow, onde estão sempre uns guardas de metralhadora em riste, é simplesmente enorme. Os hospitais não são apenas maiores, são melhores do que o São João, aqui no Porto, ou o Santa Maria, em Lisboa. Não estamos a falar de Xangai, de Hong Kong ou de Pequim, essas são cidades extraordinárias. Estamos a falar de uma cidade de que não se ouve falar mas que tem uma universidade que é uma coisa de um mundo que já não é o nosso. Isto para dizer que a Europa ou se enxerga ou desaparece.

     O estado a que isto chegou era evitável?

     -Fomos sempre muito bons a avaliar meios, mas nunca quisemos avaliar os resultados. Nos hospitais vejo muita gente preocupada em discutir o número dos médicos, enfermeiros, consultas e exames realizados. E não se discute o mais importante que é a frequência das complicações e da mortalidade dos doentes, os reinternamentos, a sobrevida dos doentes com cancro aos 5 anos, etc. O que precisamos de conhecer é a quantidade e a qualidade de vida dos doentes que são tratados em cada um dos nossos hospitais, mais do que avaliar os meios. O mesmo sobre os blindados da PSP. Não quero saber se comprámos dois ou seis. O que precisamos de saber é como e quanto é que a eficiência da PSP aumenta com os ditos blindados. Nós fugimos aos «finalmente». Não temos cultura de avaliação.

     Entretanto as universidades formaram muitos jovens. Eles não têm lugar em Portugal?

     -Pois não. Nesta altura não há espaço para os jovens. Os muito bons vão logo para fora e os outros também vão, ou como bolseiros ou já como profissionais. E eu acho que é uma boa solução para o país - por exemplo, entre enfermeiros, médicos e médicos dentistas temos uma leva de emigrantes diferenciados em Inglaterra de que nos devemos orgulhar.

     Precisamos dos povos do Sul ou temos de rumar para sul?

     -África oferece imensas oportunidades mas ainda tem problemas com a segurança, a política, a organização. Há muitas oportunidades de negócio no retalho, na construção, nas energias, até na saúde, um sector que não tem um retorno tão imediato mas que também é rentável e socialmente muito importante. A América do Sul também é um destino a equacionar, embora os estados do Sul do Brasil sejam muito desenvolvidos e também tenham jovens com muito boa formação universitária.

     Se fosse governante o que é que mudava?

     Melhorava a educação, mas fazia-o com seriedade. Temos os miúdos na escola, e bem, mas não acautelámos a qualidade do ensino. Vejam-se os resultados dos estudos PISA, onde os nossos alunos, comparados com outros da mesma idade e de outros países da OCDE, revelam competências muito baixas nos conhecimentos da língua materna, da matemática e das ciências, três instrumentos básicos. Isto é um problema gravíssimo.

     Defraudámos as expectativas das famílias?

     Completamente. Há muitas famílias cujos pais fizeram sacrifícios enormes para custear os estudos dos filhos, inscritos em universidades privadas e em cursos que não têm saída. As pessoas não entendem. Disseram-lhes que o diploma era importante. Por outro lado, não faz sentido que tenhamos 28 cursos de arquitectura em Portugal. E outros tantos de tecnologias da saúde. Aqui no Porto, em instituições privadas, os enfermeiros estão a ganhar cerca de quatro euros por hora.

     Já os seus alunos têm boas perspectivas, pois faltam médicos.

     -Os alunos de medicina também estão assustados com o futuro. Já não sabem se vão poder fazer a especialidade que gostariam, ou se serão forçados a adaptar-se às vagas que existirem e às condições de trabalho e de remuneração que lhes forem impostas.

     O SNS está ameaçado?

     -Em termos de sustentabilidade, está. Mas o último relatório do Tribunal de Contas vem dizer que as soluções de gestão que foram introduzidas nos hospitais-empresa, muitas vezes à revelia dos profissionais, não funcionaram. A saúde é um bem imaterial, não é um bem que se venda a retalho. Como a educação. Os serviços assistenciais também vivem da manutenção do respeito pelos pares, e as hierarquias não são apenas funcionais, são também de competência.

     Ainda defende a regionalização?

     -Sim.

     E não teme que sirva sobretudo para criar mais uma casta de burocratas?

     -Defendo-a mas confesso que tenho muito medo, precisamente por causa disso.

     E defende a criação de mais estruturas, para além das que existem?

     -Não, isso não. Para já defendo que se avance com as regiões que temos e à experiência, com líderes e profissionais que já deram provas e sem cargos de confiança política. As regiões precisam de autonomia e não podem ser extensões de outros poderes. Sou a favor da regionalização dos serviços de saúde e de ensino, incluindo as universidades.

     Com a crise corremos o risco de nos tornar um país mais desigual?

     Em relação à Europa já somos dos piores e agora a desigualdade vai agravar-se. Quer o número de pobres, quer a diferença entre eles e os muito ricos, não cessam de aumentar. Vamos ter de criar alguns mecanismos de suporte para ajudar as pessoas que estão aflitas e eu tendo a valorizar os mecanismos da sociedade civil, por exemplo o papel das misericórdias. A filantropia social está desaproveitada - há muito boa gente com competências, vontade e redes sociais a funcionarem bem. Não podemos deixar pessoas morrer à fome e ao frio e não podemos deixar de dar leite às crianças.

     Taxar mais a riqueza pode fazer parte da solução?

     -Taxar mais a riqueza não resolve nada, primeiro porque calculo que os poucos milhares de muito ricos que temos em Portugal não têm cá a massa e, se tiverem, não serão facilmente taxáveis. Mais impostos também não. Para aumentar a produtividade temos de ser mais competitivos e receio que, a curto prazo, com ou sem FMI, tenhamos de baixar ainda mais os salários. Uma coisa é certa: temos de pagar as nossas dívidas porque se não o fizermos ninguém nos empresta dinheiro.

     Contacta com muitos cientistas e investigadores estrangeiros. Como é que eles nos vêem?

     -Na ciência não há grandes diferenças entre nós e eles. Em algumas especialidades médicas também não. Por exemplo, os patologistas que conheço têm vidas muito parecidas com a minha, não há grandes diferenças sociais. Já um reumatologista ou um cirurgião português que tenha actividade privada ganha bastante mais do que um colega do centro da Europa.

     E na sociedade?

     -Na sociedade há bastantes diferenças. Nós não fomos eficientes em criar riqueza, nem conseguimos deixar de gastar mais do que produzimos. Há mais de trinta anos que vou com frequência à Noruega e lembro-me de eles serem relativamente pobres quando nós éramos razoavelmente ricos. Um médico norueguês vivia pior do que um médico português, um advogado também. Nunca conheci um casal norueguês da classe média que tivesse dois carros e muito menos uma empregada de limpeza.Eles agora vivem com algum conforto mas nunca gastaram mais do que aquilo que produzem.As receitas das reservas de petróleo e de gás estão aplicadas num Fundo, não estão a ser gastas e muito menos ao desbarato.

     Enquanto nós desperdiçamos o que pedimos emprestado...

     -Nós somos mal governados em parte por culpa própria, em parte pela escassez de líderes exemplares. Gosto muito dos países nórdicos, aprendi imenso lá, toda a minha família aprendeu. Na Noruega, na Suécia, na Finlândia, não corremos o risco de ser atropelados quando atravessamos a rua. Eles quando bebem não conduzem, vão para casa de táxi. E um ou outro que o faça é alvo de medidas sérias de repreensão económica e social e vai para a prisão. Nos países nórdicos, o exemplo conta e quem não é exemplar é punido socialmente.

     Os portugueses são condescendentes?

     -Pior, nós admiramos o sucesso do aldrabão. Em Portugal não há censura social para a esperteza saloia nem para a corrupção a que passámos a chamar informalidade. Pelo contrário, admiramos os esquemas, os expedientes. Vivemos deles.

     Mas depois queixamo-nos.

     -A nossa tragédia é que somos um povo pré-moderno. Não perguntamos, não responsabilizamos, não exigimos nem prestamos contas. Não temos a literacia nem a numeracia necessárias. Outro problema é a falta de transparência,  a opacidade. Olhe o que se passou com o BPP e com o BPN, histórias tão mal contadas.

     A evasão e a fraude fiscal são duas das grandes marcas nacionais. A corrupção é outro crime sem castigo.

     -Não metemos ninguém na cadeia, deixamos os problemas eternizarem-se sem punições, mas também não recompensamos ninguém. O Estado é burocrático, não nos deixa avançar, mas dá-nos segurança. A nossa tradição é empurrar os problemas com a barriga esperando que se resolvam por si. Quando as coisas dão para o torto somos injustos ou por excesso ou por defeito. Quem tem muito poder económico pode recorrer a  expedientes e a mecanismos dilatórios que são usados de maneira desproporcionada. Quem não tem esse poder é totalmente vulnerável. Somos demasiado tolerantes, somos condescendentes, no mau sentido, aderimos mais ao tipo que viola a lei do que ao polícia. Temos afecto pelo fulano que faz umas pequenas aldrabices, admiramos secretamente os grandes aldrabões, não punimos os prevaricadores. Na verdade somos contra a autoridade.

     Tem 63 anos e é funcionário público. Já meteu os papéis para a reforma?

     -Não, não sei fazer mais nada além de trabalhar. E fui sempre funcionário público, não me imagino a trabalhar numa actividade privada. O meu pavor é pensar que um dia talvez não possa trabalhar. Às vezes sinto-me um pouco desconfortável por ter de responder a tantas solicitações burocráticas no dia-a-dia, mas pior será quando deixar de trabalhar.

     Continua a ser leitor compulsivo de jornais?

     -Fico nervoso se não tiver jornais. Leio muitos, sobretudo semanários e estrangeiros. Infelizmente gasto cada vez mais horas diárias a ler revistas científicas. Não tenho tempo para ler literatura de novo isto é, quase só releio. A falta de tempo é o meu maior problema.

     O que é que o faz perder a paciência?

     -A irresponsabilidade e a incompetência, não sei o que é pior. Sou um exaltado mas já não tenho idade para fazer fitas. Disfarço melhor, mas se sou apanhado de surpresa é tramado.

     E o que é que o faz dar uma boa gargalhada?

     -Sorrio mais do que rio e acho uma graça especial aos meus netos.

    BI

     Médico, investigador, professor, contador de histórias. O Norte e o Porto são o seu território, o Hospital de São João e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto a sua casa, o Ipatimup (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular) a sua ilha. Uma ilha que está ligada aos cinco continentes através da ciência e do ensino. Manuel Sobrinho Simões, 63 anos, prémio Pessoa em 2002, recebeu muitas outras distinções nacionais e internacionais e é um dos mais consagrados peritos do mundo em oncologia, sobretudo em cancro da tiróide. Sobrinho Simões é um português ao serviço da humanidade.

Boas razões para nos indignarmos

A hierarquia de valores de uma sociedade vê-se por aquilo com que se indigna. Temos hoje razões para nos envergonharmos. Com os valores que estamos a revelar.

Helena Garrido

Nos últimos tempos temos assistido com indiferença a casos que merecem indignação, mostrando como há quem se sinta impune ou que todos nós nos desumanizamos. Ou ainda expondo o estado dos nossos valores

Um deles é o que tem vindo a ser denunciado na TVI sobre o Hospital Conde de Ferreira  – “A vida no Conde Ferreira” e “Espera sem Fim” referido igualmente neste artigo de Sofia Florentino.

As reportagens são emocionalmente difíceis de ver, mas temos a obrigação de as enfrentar. Dando o benefício da dúvida a governantes e eleitos, admito que seja o choque emocional, que provocam, que esteja a impedir a indignação e as iniciativas parlamentares que casos menores geram. O que se passa naquele hospital, da responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia do Porto, é de uma atroz desumanidade. Seres humanos com doenças mentais são deixados ao abandono em espaços sem condições mínimas para alguém viver.

Não é fácil deixar de cair na tentação de comparar as indignações a que temos assistido, com a morte de animais ou a escolha de procuradores, e ver a indiferença com que os eleitos olham para o que se passa no hospital Conde Ferreira. Como não é fácil encontrar os argumentos emocionais que usam os líderes da Santa Casa do Porto para serem cúmplices de uma desumanização dessas. Acreditam no que vêm no site de apresentação do hospital e nos prémios que ali anunciam? Fecham os olhos para não verem?

Durante o último ano enfrentámos um dos mais graves casos de desumanidade que, entretanto, temos tentado corrigir. Foi a insistência dos órgãos de comunicação social, com especial relevo para o Diário de Notícias e o Público, evitou que um dos acontecimentos da nossa história recente que mais nos envergonha ficasse esquecida.  O que sofreu Ihor Homeniuk e sofre a sua família é indescritível. Hoje sabemos que em Portugal se torturam imigrantes e esperemos que a justiça faça justiça e que se adoptem as medidas para que nada disto se volte a repetir. Não queremos ver Portugal na lista de países que tratam os imigrantes como vemos tantas vezes nas notícias.

Não sou das que defende que o acontecimento do SEF deveria levar à demissão do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Todos levámos tempo demais, salvo honrosas excepções, para enfrentarmos o horror que foi o que se fez a Ihor Homeniuk. Ao ministro é preciso exigir que mude o SEF o mais depressa possível. Ao Governo que garanta o pagamento rápido da indemnização decidida pela Provedora de Justiça. Aos tribunais que façam justiça. A nós todos que nunca mais, enquanto cidadãos, permitamos que um caso destes se arraste sem que a nossa indignação se faça ouvir mais cedo e mail alto.

Também não sou das que defende que a ministra da Saúde, Graça Temido, deva ser responsabilizada pelo que se passa no Conde Ferreira. (Graça Temido, com os erros que obviamente era impossível não cometer numa situação tão difícil como a de uma pandemia, tem revelado uma resistência notável). Mas, não sendo razão para se responsabilizar politicamente, há razões para questionar porque nada fazem os seus serviços em relação ao que se passa naquele hospital.

A pandemia tem absorvido as energias de todos. Mas a desumanização a que temos assistido tem de nos obrigar a reflectir. Embora esta desumanização seja transversal à comunidade, estes dois casos reflectem um Estado sem capacidade de agir e com poderes que se sobrepõem ao poder.

Um hospital como nos é apresentado o Conde Ferreira teria sido imediatamente intervencionado logo na primeira reportagem que foi para o ar – repare-se que não há desmentidos, há silêncios. Não devia sequer ser necessária a actuação de um ministro, os diversos serviços do Estado com as mais variadas competências, tinham de ter margem para agir. Mas não agem. Porquê?

Observador

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FarmVille uma vez conquistou o Facebook. Agora tudo é FarmVille.

O meu jogo favorito!

O jogo, um fenômeno de uma década atrás, foi encerrado na véspera de Ano Novo. Mas seu legado - para melhor e para pior - vai além dos jogos.

O jogo FarmVille original. Depois de quinta-feira, você não poderá mais jogar no Facebook.

Daniel Victor

Por Daniel Victor

  • Publicado em 31 de dezembro de 2020 Atualizado em 1 de janeiro de 2021, 10:41 ET

No início de 2009, quando o Facebook ainda era incipiente em seus esforços para engolir o máximo possível da Internet, os jogos online ainda não eram o gigante que se tornariam.

Então, naquele mês de junho, veio FarmVille. Se você não estava entre as dezenas de milhões de pessoas cuidando de um pedaço de terra de desenho animado no Facebook todos os dias, acumulando um fluxo interminável de itens colecionáveis ​​fofos, ainda recebia muitos pedidos de ajuda de seus amigos. O jogo puxou os usuários do Facebook para uma obsessão ou persistentemente os lembrou de que eles estavam perdendo uma.

O jogo baseado em Flash criado pela Zynga, projetado para ser jogado no Facebook, foi encerrado na quinta-feira - sim, havia pessoas ainda jogando - embora suas sequências que podem ser jogadas através de aplicativos móveis sobreviverão. (Flash, o software que acionava o jogo, também foi encerrado no final do ano.)

Mas o FarmVille original vive nos comportamentos que instilou nos usuários diários da Internet e nas técnicas de growth hacking que aperfeiçoou, agora incorporado a praticamente todos os sites, serviços e aplicativos competindo por sua atenção.

Em seu pico, o jogo tinha 32 milhões de usuários ativos diariamente e quase 85 milhões de jogadores ao todo. Isso ajudou a transformar o Facebook de um lugar onde você ia para verificar as atualizações - principalmente em forma de texto - de amigos e familiares em um destino para comer o tempo.

“Nós pensamos nisso como uma nova dimensão em seu social, não apenas uma maneira de levar os jogos às pessoas”, disse Mark Pincus, que era presidente-executivo da Zynga na época e agora é presidente do conselho de administração. “Eu pensei: 'As pessoas estão apenas curtindo essas redes sociais como o Facebook, e eu quero dar a elas algo para fazerem juntas.'”

Mark Pincus, à esquerda, co-fundador da Zynga; David Wehner, centro, diretor financeiro do Facebook; e Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook e um de seus fundadores.

Mark Pincus, à esquerda, cofundador da Zynga; David Wehner, centro, diretor financeiro do Facebook; e Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook e um de seus fundadores. Crédito ... Drew Angerer / Getty Images

Isso foi conseguido em parte atraindo os jogadores para loops dos quais era difícil puxar. Se você não checasse todos os dias, suas safras murchariam e morreriam; alguns jogadores definiriam alarmes para que não se esquecessem. Se você precisar de ajuda, pode gastar dinheiro de verdade ou enviar pedidos aos seus amigos do Facebook - uma fonte de aborrecimento para os não jogadores que foram assediados com notificações e atualizações em seus feeds de notícias.

Ian Bogost, designer de jogos e professor da Georgia Tech, disse que os comportamentos normalizados pelo FarmVille o tornaram um carro-chefe para a economia da Internet nos anos 2010.

Ele não quis dizer isso como elogio.

O jogo incentivou as pessoas a atrair amigos como recursos para si mesmas e para o serviço que estavam usando, disse Bogost. Ele gamificou a atenção e encorajou loops de interação de uma forma que agora está sendo imitada por tudo, desde o Instagram ao QAnon, disse ele.

“A própria internet é um bazar de mundos obsessivos onde o objetivo é trazê-lo de volta a ela para fazer o que ela oferece, a fim de chamar sua atenção e veicular anúncios contra ela ou obter valor dessa atividade”, ele disse.

Enquanto outros jogos tentaram muitas das mesmas táticas - Mafia Wars foi o maior sucesso da Zynga na época - FarmVille foi o primeiro a se tornar um fenômeno mainstream. Pincus disse que costumava jantar com Mark Zuckerberg, um dos fundadores do Facebook, e que, no início de 2009, ele foi informado de que a plataforma em breve permitiria que os jogos postassem no feed de notícias de um usuário. Ele disse que Zuckerberg disse a ele que a Zynga deveria inundar a região com novos jogos e que o Facebook separaria os que tivessem ressonância.

Embora a agricultura estivesse longe de ser um gênero de jogos popular na época, o Sr. Pincus a via como uma atividade relaxante que atrairia um grande público, especialmente entre adultos e mulheres que nunca gastaram centenas de dólares em um console como o Xbox 360 , PlayStation 3 ou Nintendo Wii. Seria uma prévia do mercado prestes a explodir de jogos para celular, com os jogadores casuais deixando de usar o desktop à medida que os smartphones se instalaram.

A indústria de jogos foi sempre fria para FarmVille , apesar de seu sucesso. Um executivo da Zynga foi vaiado ao receber um prêmio na Game Developers Conference em 2010, e Pincus disse que teve dificuldade em recrutar desenvolvedores, que pensavam que seus colegas não os respeitariam por trabalharem no jogo.

Fazendeiros ingleses e suas ovelhas na Park Avenue em Nova York em comemoração ao primeiro grande lançamento FarmVille da Zynga em 2011.

Fazendeiros ingleses e suas ovelhas na Park Avenue em Nova York, em comemoração ao primeiro grande lançamento FarmVille da Zynga em 2011. Crédito ... Michael Loccisano / Getty Images

Em 2010, a revista Time nomeou FarmVille como uma das “ 50 piores invenções ”, reconhecendo o quão irresistível era, mas chamando-o de “apenas um jogo”.

Para muitos, o jogo será lembrado mais por sua presença no feed de notícias das pessoas do que pelo próprio jogo. O Facebook estava bem ciente das reclamações.

Depois de ouvir de não jogadores que o jogo era spam, o Facebook restringiu a quantidade de jogos que poderiam postar em feeds de notícias e enviar notificações. O Facebook agora pretende enviar menos notificações apenas quando houver maior probabilidade de causar impacto, disse Vivek Sharma, vice-presidente e chefe de jogos do Facebook.

Ele creditou a FarmVille por grande parte do crescimento dos jogos sociais e disse que a “saga” das notificações excessivas ensinou ao Facebook algumas lições importantes.

“Acho que as pessoas começaram a descobrir algumas coisas comportamentais mais profundas que precisavam ser ajustadas para que esses aplicativos fossem autossustentáveis ​​e saudáveis”, disse ele. “E acho que parte disso é a ideia de que na verdade as pessoas têm um limite, e esse limite muda com o tempo.”

Mesmo que as pessoas tenham ficado incomodadas com as notificações, há poucas dúvidas de que funcionaram. Scott Koenigsberg, diretor de produto da Zynga, observou que os pedidos foram enviados por jogadores que optaram por enviá-los.

“Todo mundo viu uma notificação de 'vaca solitária' em algum momento ou outro, mas todas estavam sendo compartilhadas por seus amigos que estavam jogando”, disse ele.

Mia Consalvo, professora de estudos e design de jogos na Concordia University, no Canadá, estava entre as pessoas que viam FarmVille constantemente à sua frente.

“Quando você entra no Facebook, é como, 'Oh, 12 dos meus amigos precisam de ajuda'”, disse ela.

Ela questionou o quão social o jogo realmente era, argumentando que ele não criava interações profundas ou sustentadas.

“O jogo em si não está promovendo uma conversa entre você e seus amigos, ou encorajando vocês a passarem tempo juntos no espaço do jogo”, disse ela. “É realmente apenas um mecanismo de clicar em um botão.”

Mas quem voltava todos os dias dizia que isso os mantinha em contato com amigos e conhecidos, dando-lhes o que conversar.

Maurie Sherman, 42, um produtor de rádio em Toronto, disse que ele e uma recepcionista tocaram juntos e que ele ia à mesa dela diariamente para conversar sobre isso. “Ela me contaria sobre a vaca rosa que ganhou”, disse ele.

Ele gostava disso como uma fuga, uma bola virtual contra o estresse e uma atividade relaxante que deixaria sua mente vagar. Ele disse que gastou mais de US $ 1.000 - isso é dinheiro de verdade - ao longo dos anos para melhorar sua fazenda ou para economizar tempo.

E ele era absolutamente culpado de enviar as notificações, disse ele - mas elas sempre conseguiam obter a ajuda que ele queria.

“Há pessoas que deixariam você emudecido ou desamparado só porque estavam cansadas de ouvir que você precisava de ajuda com suas vacas”, disse ele.

Jaime Tracy, 59, de Lancaster, Pensilvânia, disse que ela era “uma daquelas pessoas irritantes” que fazia pedidos frequentes de ajuda até que seus amigos e parentes lhe disseram para parar.

Mas ela adorava o jogo, que ela via como uma forma de meditação, e jogou por mais de cinco anos. Com os filhos crescidos e fora de casa, “não tinha mais nada para fazer”, disse ela.

“Você poderia simplesmente desligar sua mente e plantar algumas cenouras”, disse ela.

Daniel Victor é um repórter que mora em Londres e cobre uma ampla variedade de histórias com foco nas notícias de última hora. Ele ingressou no The Times em 2012 vindo da ProPublica. @ bydanielvictor