segunda-feira, 13 de junho de 2022

Turma de ilustres. Quando eles eram todos colegas.

Durão Barroso, Santana Lopes, Joana Marques Vidal, Lucília Gago, Manuela Moura Guedes, Fernando Seara e muitos outros entraram em 1973 para a turma-maravilha que viria a marcar os últimos 40 anos do País. Houve política, pancada e amor.

Os dedos ficam pretos ao avançar pelos arquivos. As cadernetas dos estudantes acumulam mais de quarenta anos de pó. Nesses ficheiros estão os registos académicos dos alunos que entraram para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1973. José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Joana Marques Vidal, Lucília Gago, Fernando Seara e Manuela Moura Guedes estão todos lá. Todos caloiros no ano lectivo que seria interrompido pela revolução. Todos testemunhas e protagonistas de uma época em que a Faculdade era conhecida como a República Popular de Direito e as discussões políticas acabavam muitas vezes com cadeiras partidas e barricadas nos corredores da Universidade.

Terá sido por acaso que tantos dos alunos desse ano acabaram por ser figuras com projecção nacional? Teresa Almeida, hoje juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, diz que o período da revolução foi "uma escola super-rápida e concentrada de resiliência e capacidade de iniciativa". E essa pode ser parte da explicação. "Havia RGA (Reuniões Gerais de Alunos) e assembleias-gerais na reitoria dia sim, dia não. Isso acabou por nos dar um sentido de justiça, uma necessidade de participação", diz.

Muitos outros que por lá andaram concordam. "Foram tempos muito marcantes, que apelavam à participação pública activa. Cada um de nós tinha a ideia de que tudo era possível e que podíamos fazer parte da mudança do mundo", acrescenta outra antiga aluna.

Os gorilas e o medo

Há um antes e um depois do 25 de Abril de 1974. O ambiente na Faculdade era pesado. O Ministério da Educação tinha contratado antigos militares da Guerra Colonial para conter os focos de contestação estudantil, que se tinham intensificado depois da crise académica de 1969. Estes "seguranças" eram conhecidos como "os gorilas" e temidos pelos estudantes.

"Lembro-me de os professores terem um botão debaixo da mesa, nos anfiteatros. Carregavam, discretamente, e gorilas apareciam e era aterrorizador. Abriam-se as portas e eles pescavam a pessoa que queriam", conta Manuela Moura Guedes, que aos 17 anos tinha saído de Torres Vedras para estudar em Lisboa e vivia numa casa de freiras na Fontes Pereira de Mello.

À entrada da faculdade, os "gorilas" faziam revista a quem entrava e intimidavam os estudantes. "Eram asquerosos para as mulheres. Diziam-nos obscenidades quando passávamos", relata Moura Guedes. Em alguns casos, recorriam à humilhação para controlar os mais subversivos. Um dos muitos alunos desse ano com quem a SÁBADO falou conta que chegou a ser levado para uma sala na cave, despido e humilhado por ter sido apanhado com um panfleto contra a Guerra Colonial, escondido entre as páginas do Código Civil.

A guerra do Ultramar estava, aliás, muito presente. Um dos caloiros de 1973 lembra-se de ter um colega que se atirava para o chão de cada vez que ouvia um avião a sobrevoar a Cidade Universitária. "Tinha estado na Guiné e o barulho lembrava os disparos." Todos os rapazes tinham medo de ser enviados para África.

Nesse ambiente de ditadura, o professor de Economia Política Soares Martínez era o mais odiado pela proximidade ao regime e pelo terror que impunha aos alunos. "Fazia exames com perguntas sobre as notas de rodapé", lembra outra aluna da época. Teresa Almeida recorda-se de, ainda antes da revolução, as aulas de Martínez começarem com o barulho dos alunos a bater com os assentos de madeira do anfiteatro, em protesto. "Ele começava a sussurrar e as pessoas iam parando."

Marcelo Rebelo de Sousa e Jorge Braga de Macedo eram os assistentes de Soares Martínez. Dois jovens, que se destacavam do cinzentismo reinante. "Marcelo dava Economia quase numa perspectiva marxista. Braga de Macedo vinha com os neokeynesianos e tinha um tipo de génio louco a escrever fórmulas no quadro", descreve Teresa Almeida.

A grande mudança desse ambiente cinzento e opressivo aconteceu a 25 de Abril. Manuela Moura Guedes acordou às 7h da manhã e apercebeu-se de que não tinha na mesa de cabeceira a telefonia em que ouvia as notícias. Alguém a tinha levado. "Andavam a ouvir o que se passava, mas a telefonia estava quase sem pilhas." Uma das freiras, a irmã Van Zeller, ia mandando as raparigas sair das janelas de onde se tinham pendurado para ver as movimentações. Manuela saiu à socapa e correu as ruas desertas à procura de pilhas. Nesse dia, tinha marcada uma frequência de Direito Civil, que já não aconteceu. "Foi um alívio." Mas não se livrou do sermão quando voltou da aventura.

Cabeçadas e cadeiras partidas

A revolução chegou rapidamente à Faculdade. Durante meses, não houve aulas. E, a 22 de Junho de 1974, os alunos decidiram em RGA abolir os exames. Foram instituídas as passagens administrativas, que só acabariam em 1977.

Havia pressa de mudar o mundo. "Começámos a usar ponchos. Eu andava com um amarelo. Tinha um ar mais revolucionário", brinca Manuela Moura Guedes. Por esses dias, a Faculdade dividiu-se entre a UEC (União de Estudantes Comunistas), onde estavam José Magalhães ou António Cluny, e o MRPP, por onde andavam Maria José Morgado, Ana Gomes e Saldanha Sanches.

Durão Barroso, que há muito frequentava as manifestações antirregime foi puxado para o MRPP por Maria José Morgado. Nunca se filiou, mas tornou-se líder da facção maoista da Faculdade. Era o melhor aluno do seu ano e tinha dotes de orador. Além disso, não lhe faltava a coragem física para as lutas que dividiam comunistas e maoistas.

"Havia violência", admite José Magalhães, que numa dessas refregas acabaria com a cabeça a sangrar, depois de uma luta feita com cadeiras partidas. Corria pela Faculdade que tinha sido Durão a dar-lhe uma cabeçada, mas Magalhães diz que "foi o Pedro Santana Lopes". Santana estava na altura no Movimento Independente de Direito, que era visto como de extrema-direita, mas que se aliava tacticamente ao MRPP.
Na linguagem da época, os comunistas eram os "social-fascistas". A ideia era, como explica uma Ex-aluna, que "os comunistas eram reformistas, não eram verdadeiramente revolucionários". Para o MRPP, o modelo era a China de Mao e não a URSS, que era encarada como um regime opressivo da classe operária.

Durão: do maoismo ao PPD

"Éramos todos contra o PCP", justifica Santana Lopes, que acabou por se aproximar de Durão Barroso. "No último ano do curso vivi em casa dele em Almada, na Cova da Piedade." Acabariam por se formar no mesmo dia, com a cadeira de Direito Processual Penal, Santana com um 16 e Durão com um 18.

Nessa altura, em 1978, José Manuel Durão Barroso já não estava ligado ao MRPP há um ano e tinha mesmo aproveitado a lei de 1977 para ir a exame a todas as cadeiras às quais tinha tido uma passagem administrativa. O dirigente associativo maoista que conquistou a Associação de Estudantes ao PCP com a defesa do fim dos exames e das notas de 0 a 20, acabaria o curso com uma impressionante média de 17 valores.

Quem o conheceu na época conta que a morte do pai, em 1977, contribuiu para isso. Durão vinha de uma família conservadora da burguesia do Douro e, numa viagem a Londres para acompanhar os tratamentos do pai, as ideias revolucionárias desvaneceram-se. "Visto à distância, Portugal parecia um caos ingovernável", conta uma fonte próxima do Ex-presidente da Comissão Europeia. Começou a aproximar-se do PPD-PSD e abandonou o maoismo.

Para trás tinham ficado os tempos em que namorava Teresa Almeida, "uma morena de olhos verdes", descrita por muitos como uma das raparigas mais bonitas da Faculdade, mas também das mais aguerridas politicamente. Manuela Moura Guedes lembra-se de ver Teresa e José Manuel "de alpergatas, calças chino e camisas de flanela" e sacas de pano a tiracolo, sempre muito juntos. Tinham começado a relação no liceu, em Almada, uma cidade onde Teresa já dava nas vistas. "Foi uma paixão total", garante quem os conheceu.

O momento era, aliás, de grandes paixões. "Era tudo muito intenso, muito politizado", admite Teresa Almeida que, entretanto, nunca mais falou com Durão.

Nessa época, Durão Barroso, que era conhecido como o líder da República Popular de Direito (pela forma como o maoismo dominava a Faculdade) era um orador inflamado, que arrebatava quem o ouvia. "O Durão era brilhante", garante Manuela Moura Guedes, que se lembra de ter dito em casa na altura que o maoista ainda ia chegar a primeiro-ministro. "Ninguém me ligou nenhuma", ri-se.

Enquanto líder estudantil, Durão Barroso era alvo de "operações de intelligence", como descreve José Magalhães, que conta que a UEC chegou a roubar uma pasta a Durão para apanhar os nomes de código que o MRPP usava mesmo depois da revolução.

A luta entre maoistas e comunistas era tão intensa que Otelo Saraiva de Carvalho emitiu mandados de captura que levaram à detenção de centenas de pessoas ligadas ao MRPP. Durão Barroso estava nessa lista e todos os dias dormia num sítio diferente para escapar à prisão. Mas, uma noite, foi apanhado em Alcântara e só não acabou em Caxias porque saltou do jipe em andamento, confiante de que os militares que o levaram não atirariam contra um homem de costas.

A primeira fila

Nem todos davam tantos nas vistas. Joana Marques Vidal ou Lucília Gago, por exemplo passavam mais despercebidas, mas eram ambas politizadas. Marques Vidal estava então à esquerda do PCP, embora sem militância, e Gago estava no MRPP. Mas as duas eram alunas discretas e Joana Marques Vidal acabaria por passar para o turno da noite, depois de começar a trabalhar em lojas durante o dia para se tornar independente do pai, magistrado.

Maria dos Prazeres Beleza, hoje juíza conselheira, sentava-se sempre na primeira fila, ao lado de Manuela Moura Guedes, e era das melhores aluna da turma, onde também estavam os agora procuradores Amadeu Guerra ou Natália Lima. "A Bebé [Maria dos Prazeres] e a Manuela eram muito bonitas e iam as duas pedir apontamentos ao Durão, que era o melhor da turma", conta um colega.

Além de Durão e de Bebé, Teresa Almeida estava entre as que mais se destacavam pelas boas notas. "Antes do 25 de Abril éramos excelentes alunos e estudávamos imenso. Até do ponto de vista da afirmação das ideias era importante sermos os melhores", frisa.

Maria dos Prazeres e Manuela conseguiram ficar à margem dos confrontos políticos, mas Moura Guedes ainda se lembra das tentativas da UEC para a recrutarem.

Todos se cruzavam no bar da Faculdade e nas RGA, que às vezes se prolongavam horas a fio sem que ninguém arredasse pé. A vida concentrava-se no debate político. E os alunos faziam parte da "Comissão de Gestão", que passou a decidir as cadeiras que eram leccionadas, os métodos de avaliação e até os professores que deviam ser saneados. "Era tudo decidido de braço no ar", explica Gonçalo Sampaio e Mello, o director do Arquivo da Faculdade de Direito, que também viveu esses tempos de "revolução cultural".

Nas RGA, chegava-se a debater "a moral revolucionária". E há quem recorde que até a relação amorosa entre uma aluna e um professor foi discutida numa dessas reuniões. "O MRPP era como uma seita", diz um antigo maoista. "Foi uma altura louca da vida de todos", resume Santana Lopes.

Entre a exigência académica dos primeiros meses antes da revolução e o confronto político constante depois do 25 de Abril, havia pouco tempo para vida social. "Não havia muita coisa. Havia um grupo dos cafés da Avenida de Roma e um grupo dos cafés da Estados Unidos da América. E ia-se para casa uns dos outros", diz Teresa Almeida, que também frequentava os cineclubes, onde, antes do 25 de Abril, era possível ver filmes proibidos pela censura.

Tantos anos passados, há quem nunca mais se tenha visto e quem faça questão de ir aos jantares de curso que se realizavam com alguma frequência antes da pandemia. Mas também há os que se cruzaram por força da profissão. Teresa Almeida, por exemplo, teve de ouvir Pedro Santana Lopes como testemunha quando era procuradora no Caso Bragaparques. Ultrapassadas as divergências do passado, não há ressentimentos.
"Vivemos a loucura da liberdade e o drama da divisão, mas ficámos todos a
dar-nos bem", garante um dos elementos da turma.
 

https://www.sabado.pt/

domingo, 12 de junho de 2022

Preço dos medicamentos em Portugal. Portaria n.º 280/2021

independentemente das dezenas de dec’s e portarias, o que tem mais significado, actualmente, é esta portaria: Portaria n.º 280/2021, de 3 de Dezembro.

“SUMÁRIO

Procede à manutenção, no ano de 2022, dos países de referência estabelecidos para o ano de 2021, para efeitos de autorização dos preços dos novos medicamentos, bem como para a revisão anual de preços dos medicamentos do mercado hospitalar e do mercado de ambulatório.”

Os preços dos medicamentos em Portugal são caros, porque existe uma ou alguma logica distorcida pelos governantes, que criaram uma formula curiosa, baseada, no principio da pescadinha de” rabo na boca”. Esta logica é aplicada em muitos outros países (tal como nos preços dos combustíveis).

Assim temos que os países de referência e sentem-se antes de ler:

"Acessibilidade Atribuição de preços Aprovação de preços - Mercado ambulatório Definição de preços - Mercado hospitalar Aprovação de preços dos medicamentos não genéricos A formação de preços de medicamentos não genéricos resulta da comparação com os preços, nos estádios de produção ou importação (PVA), em vigor nos países de referência para o mesmo medicamento ou, caso este não exista, para especialidades farmacêuticas idênticas ou essencialmente similares, ou seja, com a mesma substância activa, forma farmacêutica e dosagem (referenciação internacional). Os países de referência seleccionados para o ano de 2022 são Espanha, França, Itália e Eslovénia (Portaria n.º280/2021, de 3 de Dezembro). Da referida comparação resulta um PVA médio ao qual acresce as restantes variáveis (margens de comercialização, taxa de comercialização e o IVA) resultando o Preço de Venda ao Público (PVP) máximo a vigorar. As regras de formação de preços de medicamentos sujeitos a receita médica e medicamentos não…"

Muita da conversa que se ouve, principalmente por parte dos farmacêuticos e “associados” é dos prejuízos (coitaditos), na venda dos medicamentos e por isso quaisquer outro produtos, que não medicamentos, á venda numa farmácia custam o dobro e ás vezes mais do que em outros estabelecimentos.

Existem medicamentos de preço livre, nas farmácias e cada vez mais, porque o Infarmed, assim o entendeu…como serão calculados esse preços?!

Como as margens são baixas aqui está o que a lei determina, no Diário da República, 1.ª série — N.º 125 — 30 de Junho de 2015

“Margens de comercialização

Artigo 12.º

Margens máximas de comercialização

1 — As margens máximas de comercialização dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados e dos medicamentos sujeitos a receita médica, comparticipados ou não, são as seguintes:

a) PVA igual ou inferior a € 5:

Grossistas — 2,24 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 0,25;

Farmácias — 5,58 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 0,63;

b) PVA de € 5,01 a € 7:

Grossistas — 2,17 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 0,52;

Farmácias — 5,51 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 1,31;

c) PVA de €7,01 a €10:

Grossistas — 2,12 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 0,71;

Farmácias — 5,36 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 1,79;

d) PVA de € 10,01 a €20:

Grossistas — 2,00 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 1,12;

Farmácias — 5,05 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 2,80;

e) PVA de € 20,01 a € 50:

Grossistas — 1,84 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 2,20;

Farmácias — 4,49 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 5,32;

f) PVA superior a € 50:

Grossistas — 1,18 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 3,68;

Farmácias — 2,66 %, calculada sobre o PVA, acrescido de € 8,28.

Fazendo uns pequenos cálculos, e excluindo o IVA, teremos:

No a) um medicamento de 4€.

                 Preço   %      valor   taxa total a pagar

-grossista 4,00 € 2,24% 0,09 € 0,25 € 4,34 €

-farmácia 4,34 € 5,58% 0,24 € 0,63 € 5,21 €

Portanto neste exemplo o cliente já paga 5,21€ + IVA que faltam… ou seja mais 30,5%, do preço base PVA.

No b) um medicamento de 6€.

                  Preço    %     valor taxa    total a pagar

- grossista 6,00 € 2,17% 0,13 € 0,52 € 6,65 €

- farmácia 6,65 € 5,51% 0,37 € 1,31 € 8,33 €

Neste exemplo o cliente já paga 8,83€ + IVA’s que faltam… ou seja mais 2,33€, do preço base PVA.39%

No c) um medicamento de 9€.

                 Preço   %     valor    taxa  total a pagar

- grossista 9,00 € 2,12% 0,19 € 0,71 € 9,90 €

- farmácia 9,90 € 5,36% 0,53 € 1,79 € 12,22 €

Aqui o valor percentual baixa para 36%, mas são mais 3,22€

No d) um medicamento de 19€.

                  Preço   %     valor    taxa  total a pagar

- grossista 19,00 € 2,00% 0,38 € 1,12 € 20,50 €

- farmácia 20,50 € 5,05% 1,04 € 2,80 € 24,34 €

Neste exemplo a percentagem baixa para 28%, mas são mais 5,24€

No e) um medicamento de 49€.

                 Preço   %     valor    taxa  total a pagar

- grossista 49,00 € 1,84% 0,90 € 2,20 € 52,10 €

- farmácia 52,10 € 4,49% 2,34 € 5,32 € 59,76 €

Neste caso são 22% ou seja 10,76€

No f) um medicamento de 70€, que hoje já é muito vulgar….

                Preço   %     valor    taxa  total a pagar

- grossista 70,00 € 1,18% 0,83 € 3,68 € 74,51 €

- farmácia 74,51 € 2,66% 1,98 € 8,28 € 84,77 €

Neste ultimo caso temos uma percentagem de 21%, sendo 6% para o grossista e 14% para a farmácia, mas equivalente a 14,77€.

Passando a outro ponto curioso, é os países de referência: Espanha, França, Itália e Eslovénia

O que distingue estes países de outros com quem “nos” poderíamos comparar, tais como a Áustria, Rep Checa, Hungria, Grécia, Bélgica, Holanda, etc.? Estes em tamanho e em população são mais similares.

Elaborei um mapa, para ver se entendia a lógica, do legislador, mas não a  encontro…



.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

A vida das mulheres do Opus Dei.

As celibatárias vivem geralmente em centros da Obra, onde várias regras as mantêm afastadas dos homens. Até aos anos 90, não podiam usar calças. Entre as casadas, a maioria dos membros, há quem tenha 14 filhos. Rezam e vão à missa todos os dias.

Afila durava há mais de meia hora quando Sofia Alves foi discretamente encaminhada para fora do palco. Num dos auditórios da Universidade (a Católica, claro), dezenas de mulheres tinham esperado, de pé, por uma selfie e um abraço com a famosa actriz portuguesa. Nos corredores da sala, mesmo os que não tentavam aproximar-se especulavam sobre a sua proximidade ao Opus Dei. Afinal, Sofia Alves tinha acabado de apresentar a 24ª edição de Caminho, o livro do fundador da Obra, Josemaría Escrivá.

Visivelmente emocionada, a actriz revelou que é normal rezar o terço nos intervalos das gravações de novelas, falou do banco que a acompanha em todas as idas a Fátima, da carta que escreveu ao Papa Bento XVI e da resposta que recebeu do próprio. Nunca pediu admissão ao Opus Dei, garantiu à SÁBADO, mas é normal abrir e ler passagens do Caminho. E revelou que o desafio para apresentar a obra ao lado do cardeal Tolentino de Mendonça partiu de José Rafael Espírito Santo, líder do Opus Dei em Portugal.
A assistir estavam, no passado dia 31 de Março, algumas das mulheres mais poderosas da Obra. E muitas outras. Porque apesar de representarem a face menos visível e conhecida do Opus Dei, as mulheres são, na verdade, a maioria - em Portugal, há 1.027 membros do sexo feminino, 64% do total; no mundo, são mais de 50 mil e 57% dos que integram a Obra. "Ao contrário das primeiras décadas da história do Opus Dei, a partir dos anos 60 o crescimento é claramente impulsionado pelas mulheres", diz à SÁBADO Smitá Coissoró, 62 anos, uma das oito mulheres com mais responsabilidade em Portugal.

Smitá Coissoró, fotografada para a SÁBADO na casa do pai, nas Caldas da Rainha, é uma das oito mulheres no topo da hierarquia em Portugal

Smitá Coissoró, fotografada para a SÁBADO na casa do pai, nas Caldas da Rainha, é uma das oito mulheres no topo da hierarquia em PortugalCarlos Barroso

Faz parte da chamada assessoria regional feminina, que a par da masculina coordena todos os membros e actividades do Opus Dei. Acima de ambas está o vigário regional, que os estatutos da Obra exigem que seja um padre e, portanto, um homem - decide com o apoio destes dois conselhos, ambos formados apenas por numerários, membros que fazem voto de celibato.
A vida na sede da Obra
Sempre que Smitá está na sede central, na rua Esquerda 54, no Paço do Lumiar, em Lisboa, Amélia, 55 anos e também numerária, sabe disso. Na recepção do Opus Dei, onde atende o telefone público da Obra, os quadros na parede representam as três casas do complexo - uma primeira moradia habitada pelos homens, uma segunda onde vivem sete das oito mulheres da assessoria regional, e a última para os serviços de apoio, onde Amélia partilha casa com outras numerárias auxiliares, que se ocupam de tarefas como a limpeza e a preparação de refeições.

Dentro destes quadros, o nome de cada um dos membros tem uma luz associada: se a luz que lhes corresponde estiver acesa, Amélia sabe que estão em casa e que lhes pode passar uma chamada; se estiver apagada, é porque saíram. Quem acende e apaga as luzes? Depende. Os homens têm um quadro na sua moradia, que comunica com o da recepção, e são eles que sinalizam a saída da sede; já as mulheres avisam pessoalmente as recepcionistas. Amélia é uma das duas responsáveis por oito linhas telefónicas - atende cerca de 30 chamadas por dia, mais quando há aniversários importantes, como os do vigário regional.
Ali, na sede, as portuguesas no topo da hierarquia do Opus Dei vivem a mais de 100 metros dos homens. Há, além disso, várias outras medidas de separação entre celibatários, uma separação que se pratica em todos os centros da Obra, onde a maioria dos numerários vive. "Os horários de limpeza são fixos e estabelecidos de forma a que as casas fiquem vazias na zona onde se vão limpar. Geralmente há duas portas separadas por uns metros, que se fecham dos dois lados para que, quando as mulheres vão limpar, nenhum homem entre. Pode-se limpar anos a fio a casa dos homens e nunca lhes ver a cara, a não ser que se sirva à mesa. Se servir à mesa, serviço feito apenas por mulheres, como todo o serviço doméstico, só o director do centro lhes pode dirigir a palavra. E os pedidos são feitos por um telefone interno, usado por directores e directoras", explica Carla Almeida, que saiu do Opus Dei em 2014, ao fim de 23 anos como agregada (e, tal como as numerárias, também celibatária); responde à SÁBADO a partir da Suíça, para onde se mudou há cinco anos.

"Tinha para mim que não deveria fomentar relações individuais com raparigas, para evitar paixões", acrescenta à SÁBADO um Ex-numerário, de 30 anos, recém-casado. Nos centros de estudos e clubes que frequentou, havia muitas vezes um biombo a separar a cozinha da sala. "Quando as mulheres servem refeições, geralmente fazem-no antes de os homens entrarem. E não é normal ter fome e ir à cozinha buscar um pacote de bolachas, por exemplo. É uma forma de proteger o celibato", diz o mesmo antigo numerário.
Smitá Coissoró acha que é preciso desmistificar alguns destes temas. No que diz respeito às limpezas, garante que os procedimentos - que não detalha - asseguram "a autonomia das mulheres" que tratam destas tarefas. "Tem de haver um modo de fazer este trabalho com independência, profissionalismo e qualidade. Para isso há horários e não é suposto as pessoas estarem a usar as zonas enquanto são limpas. E isto acontece tanto nos centros onde vivem homens como nos centros onde vivem mulheres." De resto, acrescenta, "é muito curto o tempo em que as pessoas do Opus Dei estão em retiros, recoleções, aulas de vida cristã e outras actividades só de mulheres ou só de homens" e a Opus Dei "não é a única organização da Igreja que funciona assim".



Biombos separam mulheres
As numerárias auxiliares são uma categoria exclusivamente feminina e uma das principais fontes de polémica da Obra. "É uma vocação específica dentro das numerárias", defende Amélia, que antes de ser recepcionista assegurou outras tarefas e diz nunca se ter sentido discriminada. "Não tinha era muito jeito para a cozinha", confessa.
Dentro da Obra, há quem fale num dom especial feminino. Isabel Sánchez, 52 anos e desde 2010 secretária central da Assessoria do Opus Dei em Roma, o mais importante cargo de uma mulher na Obra, prefere colocar as coisas de outra forma. Para a espanhola que está no topo da hierarquia feminina, este "dom" é mais uma "expertise", diz à SÁBADO em Lisboa, onde esteve para apresentar a tradução do livro que lançou em 2020, Procurar o Norte num Bosque de Desafios (Aletheia). "Fazemos esses trabalhos há muito tempo, temos um património adquirido e podemos contagiar. E o meu sonho é que consigamos de facto contagiar", diz.

Aos homens também? "Aos homens também. Sigo uma conta no Instagram que se chama Soyamodecasa, e adoro a forma como aquele rapaz cuida da casa. Aprendo muito com ele. O que creio que vai acontecer é que muitos homens, incentivados pelo exemplo das numerárias auxiliares, vão escolher profissões ligadas ao cuidado ou vão optar por cuidar dos que mais gostam", afirma. Mas nem por isso é provável que, no futuro, os numerários auxiliares possam ser homens, admite a mulher que coordena cerca de 50 mil membros do sexo feminino em 70 países. "Não é o que viu o Fundador e não temos capacidade de acrescentar à fundação coisas que não se viram naquele momento."











Jardim Gonçalves e a mulher, Assunção, pediram a admissão à Obra ao mesmo tempo, como supranumerários

O primeiro centro de mulheres
Nem sempre foi assim, conta Smitá Coissoró. "Na primeira residência da Obra [que começou em Espanha, em 1928, e passou a admitir mulheres em 1930], o trabalho doméstico era feito por homens", recorda. "Era o fundador que fazia as camas. Tinham cozinheiros, homens que faziam as limpezas. Depois, o modelo era que esse trabalho fosse feito por homens nos centros de homens e por mulheres nos centros de mulheres. Mas o fundador percebeu que faltava alguma coisa para a Obra ser família. Começou a pedir ajuda à irmã e à mãe e viu uma diferença completa. Andava a rezar por isto e Deus fez-lhe ver que este trabalho não era só um trabalho funcional, mas era também um trabalho formativo, de criar família, que as mulheres tinham de liderar", detalha.

Em Portugal, o primeiro centro para mulheres abriu a 1 de Dezembro de 1951, na Rua Buenos Aires à Estrela, em Lisboa. "Lembro-me de, naquele tempo, termos tão poucas coisas que nem um faqueiro completo havia. Partilhávamos a única faca", contou Elina Morais Neves, que pediu a admissão à Obra em 1954, no livro Reação em Cadeia. Depois do centro fundaram uma residência universitária feminina, os Álamos.
Foi para essa residência que Ana Franco, que crescera em Ponta Delgada, nos Açores, se mudou nos anos 60, para estudar Belas Artes. "Gostei imenso. Estava num quarto com mais duas estudantes. Chamávamos-lhe ‘A Taberna’, porque como ficava no segundo piso, fazíamos uma vida mais à vontade. Tínhamos uma varanda e, quando estava muito calor, púnhamos as camas lá fora para dormir. Mas tínhamos que ter cuidado: se acordássemos tarde os meninos da residência em frente viam-nos de babydoll", conta à SÁBADO.
Durante mais de 20 anos, Ana Franco, hoje com 76, não teve dúvidas: ser numerária era a sua vocação, "uma chamada de Deus". Mudava de centro em função do local onde era colocada como professora do ensino secundário - ao longo da sua carreira deu aulas à cantora Carolina Deslandes e ao maestro Martim Sousa Tavares.
Voltaria a mudar de vida no dia em que a irmã mais velha lhe falou num amigo que parecia ter o mesmo nome do médico que aos 7 anos a curara de uma doença desconhecida. Depois de confirmar com os pais que era mesmo ele, quis agradecer. "Foi o meu marido [que morreu poucos dias depois de Ana dar esta entrevista à SÁBADO] que descobriu que eu tinha uma tuberculose renal", conta. "Entre os 3 e os 7 anos, passei muito tempo na cama. Por isso fui a casa dele para lhe agradecer ter-me salvo a vida. Quando saímos a minha irmã disse: ‘Tem cuidado que ele tem mais 20 anos que tu’", ri-se.
Tudo começou assim. Viram-se pela primeira vez em Dezembro e em Maio do ano seguinte estavam casados. No seu último dia no Opus Dei, foi Matilde Cabral, nessa altura uma das responsáveis máximas da Obra em Portugal, que lhe deu boleia, de carro, até à sua nova casa. "Sempre me senti livre. Livre para entrar e livre para sair", diz Ana Franco, que ainda assim aceitou tirar uns dias para meditar no assunto. "Pediram-me para pensar e eu disse logo que não valia a pena, que estava decididíssima. ‘Mas está bem, vou pensar 15 dias.’ Fui muito feliz na Obra."

Nem todas as saídas são, como a de Ana Franco, pacíficas. Em 2009, Carla Almeida entrou em "colapso" com uma depressão. Nessa altura, geria uma casa de retiros da Obra, no Caramulo. Foi aconselhada a ir a um psiquiatra, que assegura ser da Obra. "[Ele] Dizia-me que era uma prova de Deus, que devia rezar mais, dar uns passeios." Apesar de medicada, começou a ter pensamentos suicidas e a ser acompanhada em permanência por uma numerária, que assistia às consultas. "Até que o meu irmão interveio e me levou à psiquiatra que considero ter-me salvo a vida", diz. A seguir veio uma psicóloga e, em 2014, "depois de muita luta com o governo da Obra, de vencer medos e de enfrentar directores", saiu do Opus Dei. Porque é que não saiu antes? "O medo do castigo de Deus era aterrador e actuava para lá do que tentava racionalizar." "Lamento muito que alguma pessoa tenha passado por isso", diz Smitá Coissoró.
Carla Almeida acredita que esse medo era cultivado na formação e nas meditações. "A repetição exaustiva de frases para nunca seres infiel, os constantes actos de contrição. E outro sem-fim de técnicas que nos fazem estar sempre em alerta a detectar pecados, a sentir-se em culpa e a pedir perdão", conta. O antigo numerário de 30 anos que falou com a SÁBADO saiu pacificamente, mas não aconteceu o mesmo com uma Ex-namorada sua, que também abandonou o celibato e o Opus Dei: "Disseram-lhe que nunca ia ser feliz fora da Obra. Foi uma coisa que a marcou muito."


Os herdeiros Jardim Gonçalves
Carla Almeida foi uma das primeiras alunas do curso de Nutrição da Universidade de Navarra. Ao mesmo tempo, frequentou o centro de Estudos de Investigação em Ciências Domésticas, para perceber melhor como funcionavam os centros e espaços de retiros. "Pamplona foi a experiência mais aterradora que tive no Opus Dei. No ano em que cheguei existiam 66 centros da Obra ali, e foram crescendo. Dizia-se, a brincar, que quem apanhasse o autocarro naquela zona e não fosse da Obra, se não tivesse cuidado, seria o próximo."
Nos centros e clubes, as múltiplas actividades - clubes de leitura, montanhismo, culinária ou música clássica - alimentavam vocações. "Era patético as crises de ciúmes quando havia uma amiga em comum que metia na cabeça que deveria pedir admissão com uma e não com outra", diz. Uns tempos antes de escrever a carta a pedir a admissão ao Opus, a directora espiritual que a acompanhava fez-lhe, diz, "imensas perguntas para tentar saber se ainda era virgem". Também "tive de ir falar com uma médica da Obra e o tema era basicamente o mesmo".
No último ano que esteve em Pamplona, entrou pela primeira vez em depressão. Ao regressar a Portugal, queria trabalhar fora da Obra. Não aconteceu: "Alertaram-me para uma cláusula da bolsa de estudo que recebi para ir estudar para Navarra. Teria de trabalhar pelo menos 20 anos para uma casa do Opus Dei como governante ou pagar a bolsa. E eu nunca poderia pagar uma bolsa juntando dinheiro que entregava mensalmente ao Opus Dei e que deixava de me pertencer, a minha família não tinha nem eu iria pedir-lhes tal sacrifício." Por isso, um mês depois de regressar estava a gerir uma casa de retiros e convívios. "Gostei muito do meu trabalho ali, talvez porque a comparar com Pamplona era o paraíso. Tinha deixado para trás os maiores fanáticos da Obra que conheci em 25 anos", diz.

Foi em Espanha que Carla conheceu as primeiras famílias numerosas do Opus Dei, famílias com mais de 10 filhos, que enchiam os clubes e se transformavam em futuros numerários e supranumerários (membros não celibatários). Em Portugal, Sofia Jardim Gonçalves, filha do antigo banqueiro Jorge Jardim Gonçalves, é uma das supranumerárias com uma descendência mais numerosa - tem 14 filhos, sete rapazes e sete raparigas. Tantos que, a dada altura, a mãe, Assunção (que morreu em 2020) deixou de lhe dar os parabéns quando nascia mais um.
"Nos anos em Madrid, licenciada em Economia e com uma carreira promissora, nunca quis ser outra coisa do que mãe. E talvez Assunção não perceba o porquê de a filha arriscar a sua saúde e a estabilidade financeira dos filhos", escreveu Luís Osório na biografia Jorge Jardim Gonçalves - O Poder do Silêncio. Quando Sofia era miúda, tinha uma amiga com 19 irmãos, que fez questão de convidar para o seu casamento com João Teixeira Duarte, filho do patriarca Teixeira Duarte, uma das famílias ligadas à fundação do BCP.


O início dos colégios em Portugal
A ligação à Obra não era novidade na família. Os pais tinham regressado a Portugal em 1977, e enquanto Jardim Gonçalves trabalhava como administrador do Banco Português do Atlântico, Assunção liderava a implementação de quatro escolas ligadas ao Opus Dei - os primeiros colégios, o Planalto para rapazes e o Mira Rio para raparigas, abriram em 1979, em Lisboa. Seguiram-se dois no Porto.
A ideia surgiu em Espanha, quando não conseguiram vagas no ensino oficial para os cinco filhos, contou Assunção a José Freire Antunes, para o livro Opus Dei em Portugal - O Testemunho de 50 Homens e Mulheres. Apesar de haver 400 casais em lista de espera, obtiveram vaga nos colégios da Obra. "Considero a nossa ida para Espanha quase um chamamento, digamos assim, para conhecermos melhor o Opus Dei", lê-se no livro. Depois de dois retiros, o primeiro em Portugal, o segundo em Espanha, Assunção começou a frequentar um centro do Opus Dei. Jardim Gonçalves também já se tinha aproximado da Prelatura. "Quando me decidi por dentro, perguntei ao meu marido se achava bem que entrássemos os dois para a Obra. Respondeu-me: ‘Tenho estado à tua espera.’"

Em Portugal, os colégios que ajudaram a fundar mantêm até hoje a separação entre rapazes e raparigas. Mais: "A partir do primeiro ciclo só tive professores homens. Mulheres só havia funcionárias da limpeza e assistentes", recorda o Ex-numerário de 30 anos que falou com a SÁBADO em anonimato. Uma divisão que o antigo banqueiro Paulo Teixeira Pinto, durante 25 anos membro da Obra, nunca percebeu, contou na biografia De Que Cor É o Medo, de Sílvia de Oliveira. "Outra coisa que ainda hoje o incomoda é a separação que existe entre homens e mulheres. Nos colégios, nos retiros e até nas simples meditações. Esta desconfiança plena de que os homens e as mulheres não podem ter proximidade a não ser para constituir família é, na sua opinião, um absurdo.


A vida das supranumerárias
A maior parte das mulheres da Obra vive nas suas próprias casas, é casada e tem actividade profissional muito variada. São as chamadas supranumerárias, 70% dos membros do sexo feminino. "A função das mulheres do Opus Dei é na sociedade, no trabalho, na família, no bairro. É aí que cada uma constrói a sua vida", defende Smitá Coissoró. "O espírito da Obra é a santificação dos deveres quotidianos do cristão através do cumprimento do trabalho bem feito, da família. Pensar que estamos aqui para chegar ao céu", explica Mónica Cayolla Pinto, que teve o primeiro contacto com o Opus Dei aos 12 anos, quando entrou no colégio Mira Rio.
Não foi fácil, admite. "É a pior idade que pode existir para alguém passar de uma escola mista para o ensino diferenciado." Sobretudo numa época em que as numerárias da Obra não podiam sequer usar calças (só foi possível em 1997), mostrar os ombros era mal visto e usar roupa justa fortemente desaconselhado. "Quando entrei na Obra só se podia usar saias, mais tarde foram permitidas as calças, mas sem marcar demasiado o corpo", recorda Carla Almeida. Nessa altura, as melhores memórias de Mónica Cayolla Pinto eram as partidas que pregavam às professoras e os dias em que saltavam o portão do colégio, no Restelo, em Lisboa, para ir comer croissants ao Careca.
Já era casada quando, num retiro, diz ter sentido a chamada de Deus para pertencer ao Opus Dei. "O padre Pimentel, a quem eu transmiti a minha vontade, perguntou-me se eu frequentava algum centro e eu na altura nem sabia o que eram centros", conta. A partir daí, foi posta em contacto com uma numerária. "A Eduarda disse-me que tínhamos de ir com calma. Ir à missa, começar a rezar o terço todos os dias, depois dava-me livros espirituais para ler. Foi um processo moroso e muito difícil, sobretudo porque eu tenho um espírito muito impetuoso, estava muito decidida, e ela fez-me marinar desde maio até 8 de dezembro." A dada altura disse-lhe que não ia insistir mais: "Quando achares que estou pronta, tudo bem, dizes-me."

No dia em que escreveu a carta a pedir a admissão - todos os novos membros têm de o fazer - chorou "baba e ranho", conta divertida. "Cada um escreve o que quer e eu escrevi qualquer coisa do género: ‘Querido padre, é com imensa alegria que lhe peço para ser admitida na Obra.’" Depois da carta, que escreveu na salinha de uma igreja, é preciso ir ao Lumiar falar com uma das "big chefes", conta - nessa altura a responsável pela admissão era Paula Guedes. Quando a viu pela primeira vez, Mónica ficou surpreendida. "Tal como já me tinha acontecido com a Eduarda, tinha um aspeto muito diferente das numerárias que eu tinha no Mira Rio e da imagem das mulheres com saias evasé, cortadas abaixo do joelho."
A partir daí, passou a cumprir o chamado plano de vida. O primeiro momento do dia, o chamado minuto heroico, em que é suposto levantar-se de imediato da cama, "custa imenso", admite Mónica, finalista do chamado curso de Estudos da Obra, uma formação de três anos, com aulas de vários temas, para aprofundar a formação antropológica e teológica. Aulas em que, como em todas as formações e retiros, as mulheres estão separadas dos homens. "É bom para a formação das pessoas. Quando falamos de atividades de formação espiritual, [é preciso ter em conta que] o espírito feminino e o masculino têm as suas peculiaridades e as suas necessidades. Se está a correr bem, para quê mudar?", defende Isabel Sánchez.
Entretanto, as aulas já voltaram a ser presenciais, mas a pandemia também mudou os hábitos do Opus Dei: houve aulas por Zoom, por telemóvel e até por telefone fixo. Nos retiros, o habitual livro que se lê às refeições para evitar que as pessoas falem (é suposto manter-se o silêncio entre sexta e domingo ao almoço), também desapareceu - foi substituído por uma gravação áudio, para evitar que fossem os membros a ler presencialmente a Obra escolhida (há uma por encontro).
Todas as supranumerárias com quem a SÁBADO falou recorrem à chamada contraceção natural. "Não há qualquer indicação [da Obra] sobre o número de filhos, mas, à partida, cumprindo o catecismo da Igreja Católica e a moral conjugal, os meios contracetivos tradicionais são antinatura. Se em consciência vamos verdadeiramente seguir o que está na moral católica, temos que adotar uma postura de contracetivo natural", defende Mónica, mãe de oito filhos.
Mais um do que Paula Pimentel, também supranumerária. "Fiz vários cursos de planeamento familiar natural e todos os meus sete filhos foram planeados. Neste momento, moramos num T3 com seis, porque a mais velha já casou e saiu de casa. Vivemos sempre apertados, mas achámos sempre que cabia mais um. Agora fico contentíssima porque consigo comprar roupa para os mais novos, mas para os mais velhos nunca comprei. Gostava imenso de os ter posto nos colégios da Obra mas, com sete, não era financeiramente possível."

José Rafael Espírito Santo, 63 anos, é o vigário regional do Opus Dei em Portugal, o responsável máximo por todos os membros

Descobrir a vocação
Quando os miúdos eram mais pequenos, era mais fácil cumprir o seu plano espiritual. Rezava enquanto dava de mamar, levava-os à missa e, quando não tinha tempo para leituras espirituais, escolhia histórias religiosas e de santos para crianças - que lia aos filhos ao deitar. "As crianças pequenas até me ajudaram bastante a cumprir as normas", confessa.
Hoje, apesar de ser advogada, dedica-se profissionalmente a uma IPSS. Tudo começou em 1990, quando conheceu um miúdo que, aos 8 anos, desmaiou de fome numa aula de apoio. "Comecei a ficar amiga desta mãe, que vivia numa barraca sem casa de banho, e pensei: ‘Tenho de fazer alguma coisa.’" Estas aulas de apoio escolar, num bairro pobre de Lisboa, eram organizadas por uma residência universitária do Opus Dei. "Foi assim que me reaproximei de Deus. Digo sempre que a Obra me levou aos pobres e os pobres a Deus."
A entrada no Opus Dei seguiu-se a várias crises existenciais. Pensou ser numerária ou missionária, mas acabava sempre por se apaixonar. Até que o padre a quem se confessava lhe disse: "Agora fica combinado que durante três meses não te apaixonas por ninguém, senão não conseguimos perceber nada." Poucos dias depois, quando estava a fazer voluntariado com deficientes profundos, conheceu o futuro marido.

Nenhum dos dois cumpriu os 15 dias de voluntariado: as freiras que acompanhavam o grupo feminino descobriram o namoro, contaram ao padre que viajara com os rapazes, e o grupo masculino saiu de imediato de Fátima. "Não queria acreditar que se iam embora por minha causa e saí antes deles. Na altura deixei uma carta com a minha morada e o telefone fixo. Ele ainda veio atrás de mim, mas foi para o comboio e eu para o autocarro." Só depois de voltarem ambos às cidades de onde tinham partido, voltaram a reencontrar-se. Ele já era supranumerário, ela pediu a admissão pouco depois.
Casar a filha também era um dos sonhos dos pais de Smitá Coissoró. "Não ficaram nada contentes com a minha escolha. Tinham outros planos para mim", admite a filha de Narana Coissoró, antigo deputado do CDS. "Era filha única e o problema era não casar e ter filhos, mas depois tive uma irmã e o meu pai tem uns netos muito queridos", diz divertida. "Só fui viver para o centro quando os meus pais estiveram de acordo, no último ano de licenciatura. Pensava sempre: se fosse por um namorado, se calhar até fugia de casa, portanto até me estou a portar bem [risos]."
Viveu pela primeira vez numa residência da Obra em Londres. Hoje, passa metade da semana na casa do pai, perto das Caldas da Rainha, onde nasceu. "O local físico de trabalho da assessoria é no Lumiar, mas com as possibilidades de trabalho remoto isso também está a mudar. Há dois dias por semana em que trabalhamos mais em conjunto e depois cada uma vai para os seus sítios." Viver em centros ainda é o mais habitual entre numerários, mas há exceções.
"Vivi 20 anos em centros mas, neste momento, o centro mais próximo é a 30 quilómetros do meu trabalho e é mais conveniente estar numa casa alugada", explica à SÁBADO uma numerária, professora, que prefere não ser identificada. "Se não fosse por isso, o normal seria ter uma vida de família no centro. Senão é como ter o pai, a mãe e os filhos a viverem em casas diferentes."
Essa vida de família também implica falar sobre despesas comuns, sobretudo se alguém quiser gastar uma quantia mais alta, seja para a compra de um carro ou para um tratamento dentário, por exemplo. "Em casa dos meus pais havia um bolo comum para o qual todos contribuíam e que todos partilhavam. [Na Obra] cada um contribui com o que lhe sobra dos seus gastos para a sua vida pessoal. Pago as minhas despesas e obviamente não tenho a conta zeros, mas também não tenho o meu pé de meia pessoal. Para que é que vim para uma instituição maior e não constitui família?", questiona a mesma numerária.

Smitá concorda: "Quem tem mulher ou marido fará uma apreciação em conjunto para agir de comum acordo. Quem pertence a uma família sobrenatural, como é o Opus Dei, também pode encontrar quem dê essa ajuda." De resto, as pessoas que vivem em centros contribuem para várias despesas comuns, acrescenta: o sustento dos padres, a gasolina que gastam em deslocações, o apoio a ações de formação e a iniciativas noutros países. "A relação com os bens tem de ser uma relação saudável, a pessoa não pode viver para acumular bens materiais, tem de pensar nos pobres, nas pessoas que os rodeiam."


Restrições e mortificações
Quando entrou na Obra, Carla Almeida foi aconselhada a cumprir 10 a 15 pequenas mortificações por dia. Há uma exclusiva para mulheres: dormir sem colchão, com cobertores em cima de tábuas, prática aconselhada até aos 40 anos. São conselhos, defendem as responsáveis com quem falámos. Há quem não cumpra o minuto heroico porque tem tonturas, quem deixe de usar cilício por ter problemas de circulação e quem recuse dormir em tábuas porque assim não consegue descansar.
"As mortificações ‘obrigatórias’ na Igreja são o jejum e a abstinência, e mesmo essas já são geralmente muito personalizadas", diz Smitá. "Antigamente passava por não comer carne, agora é mais importante que seja uma coisa que realmente custe. Há pessoas que gostam muito mais de peixe." E porquê estes sacrifícios? "Misteriosamente Jesus salvou-nos através de uma cruz, podia ter salvo de uma maneira muito menos dolorosa, mas o certo é que o fez assim e de alguma forma mostrou-nos um caminho. Não foi sofrimento pelo sofrimento, foi por amor aos homens. E o nosso sofrimento não é por amor a sofrer, porque ninguém tem amor a sofrer, é por amor a Cristo. Quando encontramos o sofrimento, para nós é participar na cruz de Cristo e viver como ele viveu."
Uma das mortificações seguidas por Mónica passa por abster-se de comer chocolate. "Agora pergunta-me: nunca come? Também não é bem assim, há alturas em que não consigo", explica, dizendo que demorou muito tempo a perceber que ser do Opus Dei não é "ser perfeitinho e fazer tudo bem". Se num dia se falham normas, no dia seguinte tenta-se fazer melhor, defende. Para os mais novos as mortificações podem implicar desligar os smartphones ou não estar na Internet horas seguidas.

Apesar de Smitá defender que os concertos, idas ao cinema e a espetáculos não são proibidos, estas situações são, no geral, excecionais para as numerárias, que cultivam uma vida sóbria, raramente guiada pelo gosto. "Os numerários normalmente não ficam em festas, é uma espiritualidade rigorosa", explica um dos membros da Obra com quem falámos. Mas já não há televisões escondidas nos centros, garantem.
Amélia, por exemplo, gosta de ver um bom jogo de futebol na televisão da sala da casa onde vive. "Também já fui ao estádio da Luz fazer fotografias com a águia", diz. O livro da polémica Mesmo as leituras e os livros são aconselhados, diz Eugénia Tomaz, durante mais de 20 anos supranumerária. "Há orientações da direção espiritual" - ainda que muitas pessoas, como é o seu caso, nunca as tenham seguido.
Foram aliás os livros (tem nove publicados) uma das razões das divergências com a estrutura do Opus Dei. A primeira aconteceu em 2005, quando publicou A Arte - Na vida e nos ensinamentos de Josemaría Escrivá. "O livro teve que ir para avaliação crítica da cúpula. Demorou seis meses a ser avaliado e, quando me chegaram as críticas, se as respeitasse, tinha que o mudar todo", diz à SÁBADO a fisioterapeuta e artista plástica.
"É frequente que pessoas que escrevem sobre o Opus Dei, membros ou não, peçam sugestões" sobre esses textos, diz à SÁBADO Pedro Gil, diretor do gabinete de imprensa do Opus Dei. "Essas sugestões são feitas por algum colaborador ou colaboradora do vigário regional. Não é sempre a mesma pessoa. As recomendações que sejam feitas são isso: recomendações. O autor decide se as leva em linha de conta", acrescenta o responsável pela comunicação do Opus Dei. Eugénia não as seguiu.

Em 2016, depois de publicar o livro Opus Dei Profundo - Desconstrução de um Mito, o vigário regional e uma numerária decidiram que devia desvincular-se. Uma das pessoas com quem falou foi Pedro Gil. "O Pedro Gil leu e o PDF que me deu tinha mais de 300 alterações. Ou não tinha percebido ou era a mudança para uma linguagem padrão do Opus Dei. Avancei para a publicação e fui penalizada. Deixei de poder participar na formação interna dos membros do Opus Dei", conta Eugénia, que diz que os membros foram aconselhados a não ler o livro.
Para Pedro Gil, a sua resposta foi, diz, "uma opinião pessoal (...) No dia 21 de novembro de 2015 [a Eugénia Tomaz] pediu-me por email os meus comentários pessoais - não do Opus Dei - ao seu livro. Li o livro duas vezes, e respondi no dia 11 de janeiro de 2016 (...) Sobretudo levantei interrogações e dúvidas, e manifestei algumas discordâncias. Não pedi para fazer nenhuma alteração. Na altura em que publicou o livro, a autora já tinha tornado públicas muitas das suas ideias. O site do Opus Dei publicou uma nota sobre o livro onde também diz que a autora não continuou no Opus Dei pois as suas ideias pessoais, expressas por diversas vezes ao longo de vários anos, afastam-se em pontos importantes da proposta do Opus Dei tal como é definida nos documentos da Igreja." Nos últimos 10 anos o seu caso foi, assegura, o único em que a desvinculação da Obra não foi voluntária.
"Fui afastada porque disse que o Opus Dei tinha duas fases: a etapa fundacional, até 1982, e a institucional. Disseram-me que isso não era verdade, mas é. Aliás, o Papa está a retirar a excessiva hierarquização e institucionalização da Igreja. Está a implementar o Opus Dei na Igreja", defende Eugénia Tomaz, que durante três anos escreveu para o jornal do Vaticano. "Fui afastada mas continuo a ser Opus Dei. Vou à missa no Oratório, o meu sacerdote é da Obra, todos os dias abro o site do Vaticano e sei o que o Papa está a escrever. Isso não é válido?" Para Eugénia é. Por isso, no dia 19 de março, quando todos os membros que querem continuar a sê-lo telefonam aos seus diretores espirituais a renovar o vínculo, também renova os seus votos. "Vou à missa e digo: ‘Renovo a vocação à Obra de Deus, ao Opus Dei’", conta. "Não preciso de telefonar às diretoras."
No topo
Além de Smitá Coissoró, a assessoria regional femina é formada por Mariana Elói, Marta Lynce de Faria, Paula Guedes, Raquel Lamela, Isabel Líbano Monteiro, Susana Aires Pereira eIsabel Castro Pina
Quem é quem?
Há várias formas de fazer parte do Opus Dei
"Quando encontramos o sofrimento, para nós é participar na cruz de cristo e viver como ele viveu", diz Smitá coissoró
Numerárias Vivem em celibato, geralmente nos centros da Obra. Na Assessoria Central, em Roma, há desde 2017 uma portuguesa - Rosário Líbano Monteiro, irmã de Maria Isabel Líbano Monteiro, que está na assessoria regional em Portugal.
Supranumerárias São a maioria dos membros e geralmente são casadas.
Agregadas Também cumprem o celibato, mas não vivem em centros nem se ocupam do governo da Obra.
Cooperadoras Não pertencem ao Opus Dei e podem não ser católicas. Colaboram com orações, esmolas ou trabalho.
A primeira portuguesa
Maria Sofia Pacheco decidiu ser numerária em 1949
Namorava há seis anos e estava noiva quando, aos 25 anos e a trabalhar na Coats & Clark, uma companhia inglesa de linhas e tecidos, decidiu ser numerária e escreveu uma carta ao fundador do Opus Dei.
Tomou a decisão no dia 13 de março de 1949, enquanto atravessava a Rotunda da Boavista, no Porto. "Lembro-me que ia a atravessar a Rotunda, o jardim da Boavista, no Porto (...) e naquele momento vi: ‘Eu quero ser do Opus Dei. Eu tenho de ser do Opus Dei. Para sempre", disse ao jornal O Independente, em 1992.
Tinha sido o irmão, Mário Pacheco, professor de Filosofia e o primeiro numerário português, a falar-lhe pela primeira vez da Obra. Como ainda não havia mulheres em Portugal, foi para Santiago de Compostela receber formação.
Chegou a Lisboa em 1951 e fez parte do grupo de seis mulheres que começaram o 
trabalho feminino da Obra no País. Morreu em 2012, no quarto da casa onde vivia, no Porto, aos 87 anos, e depois de mais de 60 anos no Opus Dei.

https://www.sabado.pt/

quinta-feira, 9 de junho de 2022

OBRIGADINHO POR CELEBRAREM O DIA EM QUE BATI A BOTA

OPINIÃO

Por Luís Vaz de Camões

Meus caros filhos do heroico Luso e netos de ébrio Baco, os deuses reunidos no concílio do Olimpo informaram-me, através das asas rápidas de Hermes, que amanhã dedicam mais uma vez o feriado nacional à minha humilde pessoa e deixe-me que vos diga o agradecido que estou por esse povo, a cuja gesta dediquei toda a minha amargurada vida, ter resolvido homenagear-me celebrando o preciso dia em que bati as botas, perdendo assim a oportunidade de celebrarem, sei lá, outras datas merecedoras de euforia generalizada, como o dia em que um soldado otomano usou uma adaga para sacar-me o olho, ficando com a órbita vazia como as de uma sardinha assada na noite de São António. Obrigadinho também por juntarem o dia em festejam efusivamente a minha solitária morte à celebração das “comunidades portuguesas”, misturando assim o maior poeta da língua portuguesa com os milhões de luso-descendentes que passam as “vacanças” em Portugal e votam de quatro em quatro anos na Marine Le Pen. Isto, claro, partindo do pressuposto que misturarem o meu nome com as difusas e anónimas “comunidades portuguesas” não é uma maneira de celebrarem eu ter sido atirado, depois de morto, para uma vala comum, como um cão sarnoso. De qualquer maneira, deixo-vos outra data festiva em que se podem embebedar: o dia 16 de maio, quando, ainda na Índia, tomei liberdades com um macaco num templo hindu e contraí a varíola que me faria bater o balde um mês depois. Ou – p... da loucura! - o dia 13 de junho, quando, depois de supostamente quinar três dias antes, finalmente desisti de tentar sair do buraco para onde fui precipitada e negligentemente atirado ainda vivo. Não têm de quê. E, não se esqueçam, feliz 10 de junho! V.E.

Os 350 anos do nascimento de Pedro, o Grande, o czar que mudou a Rússia

Filho de Aleixo 1º com sua segunda esposa, Natália Naríchkina, o imperador Pedro 1º nasceu em Moscou em 9 de Junho de 1672. Membro da dinastia Romanov, ele foi um dos governantes mais proeminentes da história russa.


Embora tenha falecido aos 52 anos, Pedro 1º teve um dos reinados mais longos da história russa; no total, foram 42 anos e nove meses, de 1682 a 1725. Pedro, o Grande, como ficou mais conhecido, foi um o maior promotor de São Petersburgo, cidade que fundou em 1703 e que está intimamente ligada à sua história. Na época de sua construção, a nova capital foi erguida sobre um pântano do rio Nevá, sendo a intenção do tsar aproximar-se do Ocidente, ao abrir uma “janela para a Europa” (leia mais sobre o assunto aqui).

Durante as quatro décadas de mandato, promoveu muitas mudanças no país. A mais notável é que, em 1721, a Rússia se tornou o Império Russo, e o tsar Pedro se tornou o imperador Pedro, o Grande. Essa mudança ocorreu após a vitória na Guerra do Norte, que fez a Rússia ultrapassar a Suécia como a potência dominante na Europa Oriental. A conquista de grandes territórios na região do Báltico, o estabelecimento de uma fortaleza na região, a criação de um forte Exército e Marinha, transformaram a Rússia em uma nova força a ser reconhecida no chamado Velho Continente. A Guerra do Norte terminou em 1721, mas a chave foi a vitória na Batalha de Poltava, em 1709 – o conflito que fez da Rússia uma grande potência.

Pedro o Grande acabou se destacando sobretudo pela reorganização das fileiras do Exército russo, que ele renovou seguindo os padrões europeus da época e usando tecnologia ocidental. Foi ele também quem criou a Marinha Russa, com o sonho de tornar seu império uma potência marítima no mundo (leia mais sobre a origem da frota russa aqui).

Uma de suas características marcantes era o fascínio pelo Ocidente. Em 1697, Pedro empreendeu uma viagem de 18 meses com uma comitiva de 250 pessoas. A visita à Holanda foi a mais influente de todas. Ali adquiriu conhecimentos técnicos e aprendeu como viviam os europeus. Pedro tentou transferir os costumes ocidentais para a Rússia: obrigou homens a fazer a barba, trouxe arquitetos italianos para construir a capital e mudou a maneira de comer (veja aqui 5 mudanças que Pedro tentou aplicar na sociedade russa).

Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.

7 principais diferenças entre o catolicismo e o cristianismo ortodoxo.

    O Grande Cisma no ano de 1054 dividiu os cristãos em igrejas ortodoxa e católica. Aqui estão as principais diferenças entre esses dois segmentos do Cristianismo.


    “O que imediatamente chama a atenção ao entrar na maioria das igrejas ortodoxas é a abundância de ornamentos dourados, relíquias sagradas, ícones, afrescos”, diz o francês Erwann, que vive na Rússia. Mas não são apenas as decorações que ajudam a diferenciar as igrejas ortodoxas das católicas. “Depois, percebe-se a ausência de bancos, que nas igrejas católicas ocupam a maior parte do espaço. Nas igrejas russas, eles geralmente estão localizados apenas ao longo da parede perto da porta de saída”, continua Erwann.

    É interessante que os bancos nas igrejas católicas tenham a ver com algumas peculiaridades da missa na igreja católica – já na missa ortodoxa, os bancos seriam inconvenientes. Abaixo explicamos essa diferença e outras mais óbvias entre o catolicismo e o cristianismo ortodoxo.

    Actualmente, existem cerca de 1,34 bilhão de católicos baptizados em todo o mundo, segundo as estatísticas fornecidas pela Santa Sé, e cerca de 220 milhões de membros baptizados da Igreja Ortodoxa Oriental, de acordo com a BBC. No caso da última, a Igreja Ortodoxa Russa é a maior igreja autocéfala (autogovernada), que compreende mais de 112 milhões de membros em todo o mundo, perdendo apenas para a Igreja Católica Romana em termos de número de seguidores. Em 2021, o Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia (VTsIOM) estimou que 66% dos russos eram cristãos ortodoxos.


    1. Líder da Igreja

        Os cristãos ortodoxos consideram Jesus Cristo como o líder da Igreja, enquanto a Igreja Católica Romana é chefiada pelo Papa, sob o título de Vigário de Cristo. Isso se baseia na ideia de que o apóstolo Pedro recebeu autoridade plena e absoluta sobre toda a Igreja de Jesus Cristo. Em seguida, Pedro se tornou o primeiro bispo de Roma, transferindo esse poder para seus sucessores e discípulos – os bispos de Roma. O status do Papa está incorporado nos conceitos de primazia papal (sobre todos os outros bispos e suas sedes episcopais) e infalibilidade papal. A Igreja Ortodoxa, ao contrário, considera todos os bispos e arcebispos meros mortais vocacionados e ordenados para realizar cerimônias religiosas.


        1. Celibato para os sacerdotes

            Na Igreja Católica Romana, padres e bispos devem observar o celibato antes e depois da ordenação, enquanto os diáconos devem observá-lo apenas após a ordenação. Já na Igreja Ortodoxa Russa, os diáconos e sacerdotes devem observar o celibato somente após a ordenação, o que significa que eles podem se casar.

            No entanto, se suas esposas falecerem antes deles, diáconos e sacerdotes ortodoxos não podem se casar novamente. Também na Igreja Ortodoxa, os bispos devem ser monges, e por isso devem observar o celibato antes e depois de sua ordenação.


            1. Os padres ortodoxos usam barba

                Tradicionalmente, os padres ortodoxos usam barba, porque “os sacerdotes não raparão a cabeça, nem apararão as pontas da barba, nem farão cortes no corpo”, segundo Levítico, 21:5. Além disso, Jesus Cristo é retratado em todos os lugares como tendo cabelos compridos e barba, e todos os reis e profetas bíblicos usavam barba. Já os padres católicos não usam barba, porque o Papado está localizado em Roma, com sua cultura de barbearia.


                1. Sinal da cruz

                    Em 1570, o Papa Pio V definiu que os fiéis católicos deveriam fazer o sinal da cruz “da cabeça ao peito e do ombro esquerdo ao direito”. Além disso, o sinal é realizado com todos os cinco dedos da mão direita juntos – que simboliza os cinco estigmas de Jesus Cristo: dois nas mãos, dois nos pés e o quinto da Santa Lança (Lança Sagrada).

                    Os cristãos ortodoxos russos fazem o sinal da cruz com três dedos (polegar, indicador e médio) juntos para simbolizar a Santíssima Trindade e os dois outros dedos pressionados contra a palma para simbolizar a natureza dual (humana e divina) de Jesus. Além disso, o sinal da cruz ortodoxo é realizado do ombro direito para o esquerdo.


                    1. A Sagrada Comunhão

                        Na tradição ortodoxa, a Sagrada Comunhão é dada às crianças desde o momento do batismo. Isso se baseia em Mateus 19:14: “Deixai vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. Desde a infância e por volta dos sete anos, elas já podem comungar quantas vezes quiserem e sem confissão, porque acredita-se que até certa idade, as crianças não têm total responsabilidade por seus pensamentos e ações, mas ainda assim devem receber Comunhão. As crianças são levadas à confissão nas igrejas ortodoxas após os 7 ou 8 anos de idade.

                        Na Igreja Católica Romana, a primeira comunhão de uma criança geralmente acontece aos 8 ou 9 anos de idade. Os católicos acreditam que a criança não seja capaz de entender o significado do Sacramento mais cedo, não consegue distinguir o pão simples do eucarístico, nem consegue entender a diferença entre comida e comunhão.


                        1. O pão eucarístico

                            No catolicismo romano, a hóstia, pão ázimo, é usado como pão eucarístico na Sagrada Comunhão. Êxodo, 12-15:20, diz: “Não comereis nada feito com fermento. Onde quer que vivas, não deve comer pão sem fermento”.

                            Na Igreja Ortodoxa Russa, pão feito com fermento é oferecido durante a Divina Liturgia (Eucaristia), baseado em Levítico 7:13: “Juntamente com sua oferta de comunhão por gratidão, apresentará uma oferta que inclua pães com fermento”. A palavra grega para este pão, prosforon, significa “oferta”.


                            1. Diferentes interiores de igrejas

                                É possível dizer que se está em uma igreja católica ou ortodoxa apenas pelos bancos. Na tradição católica, o ajoelhamento prolongado é parte comum da oração, enquanto na tradição ortodoxa, as reverências ao chão são frequentemente feitas durante a missa. Por isso, bancos com prateleiras para ajoelhar estão presentes nos templos católicos, enquanto nas igrejas ortodoxas, o espaço central é deixado livre para que a paróquia possa fazer reverências quando necessário.

                                Também nos templos católicos, o altar fica situado na capela-mor, dividido da nave (salão, ou ala central, da igreja) por um biombo da capela-mor, mais ou menos aberto. O altar pode ser visto da nave. Nas igrejas ortodoxas, a área do santuário com o altar é separada da nave por uma iconóstase – parede de ícones e pinturas religiosas. O altar não pode ser visto da nave.

                                Caros leitores e leitoras,

                                Nosso site e nossas contas nas redes sociais estão sob ameaça de restrição ou banimento, devido às atuais circunstâncias. Portanto, para acompanhar o nosso conteúdo mais recente, basta fazer o seguinte:

                                Inscreva-se em nosso canal no Telegram t.me/russiabeyond_br

                                Em Portugal 30% das terras têm dono por definir.

                                Onde pára o cadastro?

                                O cadastro das propriedades rústicas permanece em grande parte por realizar a norte do Tejo. Apesar do impulso dado ao Sistema de Informação Cadastral Simplificado e do Balcão Único (BUPi), em 2020, ainda só se sabe a quem pertencem 44% das terras ocupadas por floresta, pastagens e agricultura no centro e norte do país. O objectivo é chegar a 90% em 2023. Iniciado em Novembro de 2017, o BUPi conseguiu registar até agora perto de 500 mil propriedades, pertencentes a 70 mil pessoas ou entidades nos 138 municípios aderentes. Parece pouco, mas o secretário de Estado da Justiça, Pedro Tavares, defende a evolução: “Só nos primeiros cinco meses de 2022 foram concluídos 242 mil processos de identificação, que nos permitem perceber o tipo de ocupação do solo. Equivale a uma média de 60 mil por mês.” E sublinha: “Não nos podemos esquecer de que estamos a falar de uma região em que a dimensão da propriedade é o minifúndio.”

                                A plataforma permite aos proprietários de áreas inferiores a 50 hectares identificar os seus prédios rústicos e mistos de forma simples e gratuita. O sistema cruza informação de várias entidades.

                                quarta-feira, 8 de junho de 2022

                                Portugal gasta mais com salários da Função Pública do que a média europeia

                                A Comissão Europeia alerta para o peso dos salários das Função Pública, mas também para o envelhecimento e para a falta de qualificações dos trabalhadores do Estado.

                                O montante gasto por Portugal com os salários dos trabalhadores da Administração Pública está acima da média europeia, nota o executivo comunitário, no relatório divulgado esta segunda-feira a propósito do Pacote de Primavera do Semestre Europeu. Nesse documento, o órgão liderado por Ursula von der Leyen apela, assim, à racionalização da despesa associada às remunerações e do nível de emprego.

                                “A força de trabalho público tem crescido consistentemente nos últimos anos, colocando pressão na despesa pública”, começa por sublinhar a Comissão Europeia. E acrescenta: “O número de trabalhadores das Administrações Públicas atingiu máximos de uma década, no último trimestre de 2021, resultando num aumento permanente da despesa pública”.

                                Segundo os dados da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, nos últimos três meses de 2021, o número de funcionários públicos situou-se em 733.495 postos de trabalho, mais 2% do que no período homólogo de 2020 e mais 1,3% do que no trimestre precedente. No início de 2022, esse número voltou a aumentar, atingindo, então, a marca dos 741.288 postos de trabalho.

                                Perante esta evolução, no relatório publicado esta segunda-feira, a Comissão Europeia salienta que a despesa de Portugal com os salários dos trabalhadores da Administração Pública ultrapassa a média europeia em mais de 1,3 pontos percentuais, isto é, por cá esses gastos equivalem a 11,8% do Produto Interno Bruto (PIB) enquanto a média do bloco comunitário é de 10,5%.

                                “Racionalizar a despesa com os salários dos trabalhadores públicos e os níveis de empregos, ao mesmo tempo que se assegura eficiência nos serviços públicos, é importante para salvaguardar a capacidade do Governo ajustar a despesa pública em linha com as mudanças de prioridades ou com as flutuações económicas”, defende o executivo comunitário.

                                Por outro lado, a Comissão Europeia alerta que o envelhecimento do emprego público e a insuficiência em termos de formação poderá colocar em risco as capacidades da Administração Pública.

                                “Portugal tem uma proporção inferior de trabalhadores públicos com ensino superior do que a média da União Europeia”, é realçado no relatório agora conhecido, que avisa também que há uma participação “comparativamente baixa” em acções de formação ao longo da vida.

                                O Governo tem tentado contrariar tanto o envelhecimento das Administrações Públicas, como a falta de competências, tendo prometido, por exemplo, valorizar o salário de entrada dos técnicos superiores, de modo a atrair jovens para esses cargos. Essa medida ainda não saiu, contudo, do papel.

                                https://jornaleconomico.pt/noticias/portugal-gasta-mais-com-salarios-da-funcao-publica-do-que-a-media-europeia-896520

                                segunda-feira, 6 de junho de 2022

                                Amnistia resgata refugiadas ucranianas por suspeitas de exploração laboral.

                                Em causa estão suspeitas de exploração de duas ucranianas e mais imigrantes numa fábrica no centro do país. PJ investiga casos de exploração laboral e sexual, ACT sem registo de abusos

                                “O horror era que
                                estávamos com
                                uma criança
                                pequena. Eles não
                                queriam saber
                                se estávamos num
                                país estrangeiro
                                sem saber a língua” Refugiada ucraniana

                                “Má-fé e dolo, diz Amnistia
                                Ao fim de cinco dias de trabalho, mandaram G. para casa por causa de um surto de Covid entre os trabalhadores.
                                Entretanto, ela não regressaria mais à fábrica. Através de uma amiga, conseguiu chegar à Amnistia Internacional, que resgatou a família, apoiou no alojamento e na sua deslocação para outras cidades. A AI diz que assistiu a conversas da tal cidadã ucraniana intermediária a insultar G. e a filha.
                                Relata ainda que segundo a sua tradutora, ela dizia que tinha gasto imenso dinheiro para as trazer e que “elas só queriam era viver à custa dos outros”.
                                Acusava-as ainda de virem para Portugal “viver do trabalho dos outros”.
                                Sobre o trabalho extraordinário, dizia que “era normal em todas as empresas terem de fazer horas extras”.
                                A AI entendeu assim que havia “credíveis e fundadas suspeitas, bem como fortes indícios de que se trata
                                de um caso em que os intervenientes agiram de má-fé e com dolo para com as refugiadas”; refere que a deslocação à Ucrânia “teria como objectivo final o resgate de cidadãos e cidadãs em estado de vulnerabilidade enorme com vista a uma eventual exploração laboral”. Esta organização internacional recomenda ainda a inspecção da empresa para veri ficar se existem “outras pessoas que possam estar a ser exploradas laboralmente”…

                                Público • Sábado, 4 de Junho de 2022

                                Benefícios fiscais para empresas: a grande máquina de queimar milhões.

                                Técnicos do FMI têm vindo a Portugal para ajudar a pôr cobro ao descontrolo nos mais de 400 benefícios fiscais para empresas. Em muitos, o Estado nem sabe quanto gasta.

                                Um grupo que opera funerárias que paga menos uns milhões em impostos ao abrigo de um benefício fiscal para quem está no sector financeiro. Dezenas de benefícios fiscais, concedidos a empresas, mas que ninguém – nem peritos contratados pelo Governo – sabe ao certo explicar para que servem. Centenas de empresas que poupam milhões de euros na sua factura fiscal graças a benefícios a que não têm direito, mas que ninguém verifica. “Nas empresas funciona como no caso das pessoas antes de a declaração de IRS vir pré-preenchida pelo Fisco – qualquer companhia pega no anexo dos benefícios fiscais e mete lá qualquer coisa”, explica um perito ouvido pela SÁBADO, conhecedor da realidade desta despesa fiscal, que preferiu o anonimato. “É assim porque ninguém avalia”, explica.

                                Todos os anos o Estado deixa de receber centenas de milhões de euros por causa de vantagens fiscais concedidas a empresas e particulares: os benefícios fiscais. Em 2020, ano de pandemia, foram 2,3 mil milhões de euros; em anos anteriores, com a economia a funcionar em pleno, o valor superou 3 mil milhões. A receita que o Estado deixa de ter quando concede um benefício fiscal – se, por exemplo, dá uma dedução fiscal a uma empresa que contrata jovens e desempregados de longa duração – não é um mal em si. “A receita perdida é o preço que o legislador aceita para ter um resultado positivo, extrafiscal, com aquele benefício”, explica o fiscalista João Espanha. “Para saber se esse resultado é positivo é preciso que exista a avaliação posterior sobre o efeito do benefício – no caso do incentivo ao emprego, por exemplo, são as empresas maiores e já com capacidade para contratar que o aproveitam”, diz.
                                O problema tem duas frentes: por um lado, a multiplicação de benefícios sem justificação, nem avaliação posterior; por outro, a ausência gritante de controlo sobre a sua execução no terreno. Um relatório publicado em 2019, a pedido do Governo, deu uma ideia mais precisa do descontrolo na primeira frente do problema: os peritos contabilizaram ao todo 542 tipos diferentes de benefícios fiscais (diminuíram desde então, mas continuam a ser perto de 500), espalhados por vários impostos. Além da quantidade de incentivos, que torna mais complexo o controlo da despesa fiscal, os peritos não conseguiram encontrar “função definida” para 127 benefícios – ou seja, não conseguiram perceber para que servia cerca de um quarto dos apoios em impostos concedidos pelo Estado. Entre os restantes que tinham uma função atribuída, a maior parte estava na categoria genérica “Assuntos Económicos – outros”.
                                Quatro anos depois de ter dito que queria rever este estado de coisas, o Ministério das Finanças diz que está mais perto de o conseguir fazer. A ajudar estão duas instituições que fizeram parte da troika: a Comissão Europeia, que tutela o financiamento a que Portugal se candidatou para fazer esta reforma; e o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujos técnicos estão a trabalhar com peritos dentro e fora da Autoridade Tributária para desenhar um modelo de avaliação e controlo dos benefícios fiscais. Os técnicos do FMI – que, segundo apurou a SÁBADO, ficaram surpreendidos com o grau de descontrolo existente – têm feito reuniões em Lisboa. “O FMI está a aprimorar o modelo de avaliação dos benefícios fiscais”, explica António Mendonça Mendes, que atribui à pandemia uma parte do atraso na reforma. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais indica à SÁBADO que até ao fim do ano haverá um modelo novo, assim como uma unidade técnica de política fiscal, que funcionará nas Finanças e que terá a missão de avaliar cada medida antes, durante e depois de ser atribuído o benefício.
                                A poupança é para devolver
                                Mendonça Mendes diz que o que o erário público conseguir poupar nesta despesa servirá para baixar impostos ou para reafectar em despesa em áreas carenciadas. Para já, os técnicos portugueses e os do FMI estão a olhar para três que incidem no imposto sobre os lucros das empresas (IRC), estando o Governo a recorrer a peritos do Centro de Estudos Fiscais e de universidades para avaliar os que vão sendo renovados e que foram “criados sem estudo e não tiveram avaliação posterior”, diz o secretário de Estado.
                                A julgar pelos estudos e documentos feitos sobre a matéria, a futura entidade de controlo terá, em conjunto com o Fisco, muito trabalho. Além da avaliação económica de cada benefício há a questão das falhas no controlo sobre quem recebe o quê. O relatório de 2019 apontava que o Estado não sabia, por exemplo, quanto gastava em quase 50% dos benefícios fiscais no IRC. O Tribunal de Contas, que todos os anos insiste na urgência de rever o modelo, aponta no parecer à Conta Geral do Estado de 2020 que não viu informação sobre o custo de quase metade dos benefícios fiscais.
                                Esta opacidade convive com a quase total falta de controlo. Numa auditoria feita em 2014 à despesa com benefícios fiscais, o Tribunal de Contas encontrou um volume de 490 milhões de euros por quantificar e irregularidades variadas (numa amostra aleatória superior a 300 milhões de euros as irregularidades valiam quase 13%).
                                Numa passagem do contraditório a que tem direito nestas auditorias, a Autoridade Tributária reconhecia que estava a quantificar a despesa fiscal de IRC com base “em montantes declarados pelos contribuintes [empresas] relativamente aos quais não é possível verificar a sua veracidade” – ou seja, com base no que as empresas diziam, sem verificar. Uma falta de controlo que, no caso dos contribuintes individuais, sujeitos a maior escrutínio, acabou há anos.

                                Bruno Faria Lopes

                                Sábado

                                quinta-feira, 2 de junho de 2022

                                Expulsão do talento jovem pela esquerda.

                                Desde o início do século já emigraram mais de um milhão de portugueses de todas as classes sociais, todos em idade produtiva e, sobretudo, jovens qualificados. No entanto, a nossa esquerda, gananciosa pelo esforço alheio, não aprende; insiste em aumentar impostos. Quer espantar ainda mais talento e capital humano de Portugal até não restar nenhum português da nova geração qualificada. Quer afugentar os filhos e netos de todos dos portugueses, até só cá ficarem, sozinhos e solitários, os avós que votam na esquerda, enganados pela comunicação social ao serviço dessa esquerda antifuturo e antijuventude. Qualquer dia, os avós, ludibriados além dos descendentes, até a sua reforma vêem voar, pois não fica cá ninguém disposto a trabalhar para pagar tanto imposto. A esquerda está a matar a galinha de ovos de ouros do capital humano e talento português. O PS e o seu professor ideólogo, o BE, estão a destruir Portugal esbanjando alegremente e aumentando irresponsavelmente os nossos impostos.

                                A expulsão de talento jovem português acontece, em parte significativa porque, em valores iguais de salário, a percentagem de impostos portugueses sobre o rendimento é o dobro da dos outros países europeus e com muito menos serviços do Estado em troca.  A maior parte das empresas bem-sucedidas esforça-se por atrair e reter talento e capital humano, porque sabe que isso leva ao aumento da eficiência e maiores ganhos financeiros. O mesmo se passa com os países bem-sucedidos, a América nunca prosperou tanto como quando importou talento qualificado. Por exemplo, no período da Segunda Guerra Mundial, em que muitos cientistas europeus vieram para os EUA. Pelo contrário, quando se perde talento e capital humano, os países, tal como as empresas, sofrem. Há historiadores económicos que argumentam que o declínio dos impérios português e espanhol aconteceu, em parte, porque estes países expulsaram os seus judeus no final do século XV. Ora, este era um grupo que, no geral, era muito qualificado e votado ao estudo de várias áreas técnicas. Em contraste, a Holanda que recebeu esse talento rejeitado e desaproveitado pelos países ibéricos, além de vindos de outros locais também menos tolerantes, começou a crescer muito por essa altura, inventando o capitalismo e as corporações modernas, tornando-se no país rico e bem-sucedido que ainda é hoje. Um país capitalista que, basicamente, sustenta países socialistas e bloquistas, mal sucedidos e mal governados que expulsam talento aumentando impostos. Portugal anda, assim, sempre de joelhos e mão estendida a pedir dinheiro à Holanda. Até ver, porque qualquer dia até a Holanda se cansa de enviar para cá esmolas. O custo de vida está a aumentar por toda a Europa e podem, por isso, cortar nas esmolas lusas.

                                Claro que nunca ouvimos estas verdades dolorosas, sobre como somos saqueados fiscalmente comparativamente aos outros povos europeus. No que toca a impostos ou outros assuntos, as televisões mentirosas, que cá dizem que são especialistas em verdades e são contra notícias falsas, estão povoadas de políticos e amigos de políticos. Estas põem notícias encomendadas a amigos a meio da noite, assim que há problema com qualquer governante ou deputado socialista e é preciso limpar a imagem de deputados, membros do Governo ou governantes. Da mesma maneira, arranjam maneira de torturar as estatísticas até estas dizerem que pagamos os mesmos impostos. Isto quando a realidade é que quem ganha cá 44 mil euros anuais paga 45% de taxa anual de IRS, enquanto no Reino Unido só pagaria 20%. Quem ganha pouco mais de 10 mil euros tem uma taxa normal de 23%, enquanto no Reino Unido esta é de 0%. Todos cá pagam muito mais que noutros países. Por isso os jovens fogem a sete pés.

                                O PS e o Bloco, tal povo unido, a partir de 2015 trouxeram de novo a festa socrática de 2005-2011. Esta nova festa socrática já dura agora há mais tempo que a outra durou. Reverteram todas as reformas económicas e éticas baseadas na meritocracia que nos fariam prosperar. Nos últimos sete anos voltámos aos vícios do nepotismo e cunhas por todo o lado e afundámo-nos ainda mais, em últimos da Europa em quase todos os índices do Eurostat, incluindo o poder de compra paritário. Por causa do socialismo e do bloquismo unidos, para não mencionar o comunismo, somos já mais pobres que os antigos países comunistas. Solução da nossa esquerda? Aumentar ainda mais os impostos para ficarmos, em relação aos outros europeus, com salários ainda mais baixos em termos líquidos do que já são em termos brutos.

                                Recentemente vimos num vídeo da Iniciativa Liberal, Mortágua, do BE, respondendo – parecendo-nos a espumar de inveja – dizendo que se Elon Musk vivesse cá taxava-o muitíssimo. Pelos vistos, fustigava-o alegre e pateticamente com ainda mais impostos do que ela já paga. Ora, este empreendedor americano só num ano pagou 10 mil milhões de euros em impostos nos EUA, além de lá criar muitas boas empresas, como a “Tesla”, “Space X” ou “PayPal”, com milhares de empregos qualificados e bem pagos. Isto porque, ao contrário dos políticos de esquerda portugueses, é brilhante e útil à sociedade do seu país e humanidade em geral. Já a muitíssimo menos útil Mortágua, se Musk vivesse cá e estivesse sujeito à patetice gananciosa da nossa poderosa esquerda confiscadora, ainda o quereria taxar mais. Por ela, tirava-lhe tudo o que pudesse em impostos, proclamando, convencida e ridiculamente, que isso seria uma ideia inteligente e de justiça social. Resultado? Musk e outros empreendedores brilhantes e esforçados nunca virão para Portugal. Não montarão no nosso país a sua empresa “Tesla”. Não haverá cá justiça social só fuga social, porque não há bons empregos. Só há políticos de esquerda inúteis e medíocres, espantadores de gente empreendedora, inteligente e esforçada, cujo resultado é mais de um milhão de portugueses emigrados desde que o socratismo-socialismo-bloquismo ideológico conquistou o poder.

                                Os portugueses jovens não estão para ganhar muito pouco comparativamente aos outros europeus, além de, ainda por cima, pagarem muito mais impostos que outros europeus por esse baixo salário. Não estão para aturar o saque fiscal socialista e da esquerda caviar contra os portugueses. Fogem dos nossos políticos de esquerda, sequiosos de impostos sobre quem trabalha e cria riqueza. Quem não conhece quer jovens recém-licenciados, quer profissionais muito experientes a emigrarem? A fugirem do aterrador regime fiscal socialista baseado na extorsão fiscal pornográfica contra quem ganha tão pouco comparativamente com os outros europeus, mas cá é insultado como rico, sendo torturado com uma taxa fiscal de quase metade do ordenado, sem contar com a segurança social.

                                A nossa esquerda odeia ricos e quer-nos todos pobres e miseráveis, sem empregos qualificados ou, se os tivermos, a sermos tão híper-taxados que nos sentimos saqueados e emigramos logo, mal acabemos o curso universitário, para criar riqueza lá fora, contribuindo para sociedades sem políticos saqueadores de esquerda, afugentadores desmiolados do talento e do capital humano empreendedor e qualificado.

                                Portugal tem todas as potencialidades intrínsecas para ser um dos melhores e mais prósperos países do mundo, desde o sol das nossas praias à segurança dos nossos brandos costumes, passando pela herança gastronómica e arquitectónica. Além disso está no centro do mundo ocidental, na ponta oeste da Europa mais perto da América, com voos fáceis e baratos de toda a Europa ocidental do norte e os mais rápidos vindos dos EUA. No entanto, tudo isso é desbaratado pelos nossos péssimos e medíocres políticos no Governo, obcecados apenas com uma coisa: saquear o suor do esforço dos outros com impostos.

                                Pedro Caetano

                                https://jornaldiabo.com/

                                quarta-feira, 1 de junho de 2022

                                Fazer mais e melhor do que Cavaco Silva.

                                O antigo primeiro-ministro dá os parabéns a António Costa pela maioria absoluta, recorda as suas maiorias e as reformas que promoveu nesses governos e diz esperar que este executivo ainda faça melhor.


                                Aníbal Cavaco Silva 01-Junho-2022


                                “Faço parte de uma geração que se bateu contra uma maioria existente que, tantas vezes, se confundiu com um poder absoluto”


                                (Primeiro-Ministro António Costa no discurso de tomada de posse do XXIII Governo)


                                1 Senhor PRIMEIRO-MINISTRO: quero começar por lhe pedir desculpa pelo atraso com que o felicito publicamente pela conquista da maioria absoluta nas eleições de 30 de Janeiro. Foi uma vitória da sua pessoa como líder do PS. Somos agora colegas no que à conquista de maiorias absolutas diz respeito.

                                É certo que beneficiou dos erros do PSD e da benesse do PCP e do BE ao chumbarem o orçamento do Estado para 2022, mas ninguém lhe pode tirar o mérito. Como se recorda, também eu beneficiei de uma benesse na conquista da primeira maioria, em Julho de 1987: a aprovação pela Assembleia da República da moção de censura ao governo apresentada pelo PRD.

                                Quanto à conquista da minha segunda maioria, tendo obtido 50,6% dos votos, talvez V. Exa. reconheça que se deveu à obra realizada pelo governo. Estou, aliás, convicto de que o senhor Primeiro-Ministro é capaz de fazer mais e melhor com a sua maioria absoluta e não tem qualquer razão para ter complexos.

                                Contudo, penso, modestamente, que no tempo das minhas maiorias absolutas foram dados alguns passos que abriram novas perspectivas à sua geração e que facilitam agora a tarefa do seu governo. Receio que, na excitação da tomada de posse, se tenha esquecido de que vários desses passos resultaram do diálogo e do consenso com o seu partido.

                                2 Como é sabido, depois de um forte combate eleitoral entre dois grandes partidos apodera-se do derrotado um certo ressentimento que o leva a fugir ao diálogo construtivo com o partido vencedor. Foi o que aconteceu com o PS nas três eleições legislativas que tiveram lugar durante o meu mandato como líder do PSD.

                                Foi, por isso, necessária muita persistência da parte dos meus governos para estabelecer alguns consensos importantes com o seu partido. Sublinho-os seguidamente apenas como estímulo para que o seu governo faça mais e melhor.

                                Destaco, em primeiro lugar, as revisões constitucionais de 1989 e de 1992 que acompanhei de perto e em que me envolvi directamente. Na primeira, era líder do PS Vítor Constâncio e na segunda António Guterres.

                                Lembra-se certamente que a parte económica da Constituição que então vigorava não era compatível com o desafio da integração europeia. Mas já não sei se teve conhecimento da intensidade e da profundidade do diálogo entre os representantes do PS e do PSD tendo em vista alcançar o indispensável consenso.

                                Quando nos últimos anos observava o nível de crispação partidária e a rudeza da linguagem nos debates entre os responsáveis políticos na Assembleia da República, mais vinha à minha memória a cordialidade, a urbanidade e o respeito mútuo que sempre imperou nas minhas múltiplas reuniões com os líderes dos partidos da oposição (Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres, Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas, Ramalho Eanes e Hermínio Martinho) e a dignidade e o sentido do interesse nacional que marcou a cerimónia em que eu e o líder do PS assinámos o histórico acordo político de revisão constitucional.

                                Recordo-lhe também que as posições do meu governo nas complexas negociações do Tratado de Maastricht tiveram o apoio do PS, fruto do diálogo permanente mantido com o seu líder.

                                Lembro-lhe ainda que, fruto do espírito de diálogo com a oposição, foram aprovadas com o voto favorável do PS a Lei de Bases do Sistema Educativo que aumentou a escolaridade obrigatória de 6 para 9 anos, a nova Lei das Finanças Locais, a Lei da Autonomia Universitária, a primeira Lei de Bases do Ambiente, a Lei do Mecenato Cultural, a Lei de Segurança Interna, os novos Códigos Penal e das Sociedades Comerciais, o Código do Procedimento Administrativo e a Lei de Bases dos Transportes Terrestres.

                                3 Quero também lembrar-lhe o intenso, profundo e frutuoso diálogo dos meus governos de maioria absoluta com os parceiros sociais. Foram assinados quatro acordos de concertação social e só não foram assinados mais dois porque o líder do seu partido coagiu e pressionou a UGT, como o líder da central sindical publicamente reconheceu.

                                Pelo que observei nos seis anos de governo da “geringonça”, V. Exa. considera certamente um exagero o meu entusiasmo e valorização do diálogo e da concertação social. Sendo meu desejo que faça mais e melhor, recordo que ela muito contribuiu, no tempo dos meus governos, para a redução da inflação, o aumento real dos salários e das pensões, a elevada taxa de crescimento da economia e para a aproximação do país ao nível médio de desenvolvimento da UE como nunca mais voltou a acontecer, como o atesta a informação internacional disponível. Acrescento apenas que, ao contrário do que V. Exa. recentemente referiu numa entrevista, não defendo a desregulação do mercado de trabalho. Leu mal o meu artigo.

                                4 Uma das reformas que gostaria de ter feito em consenso com o PS, e que foi uma das mais marcantes das minhas maiorias absolutas, foi a abertura da televisão à iniciativa privada e a liberalização da comunicação social. O PS, surpreendentemente e não sei com que intenções, revelou-se contra o fim da anacrónica situação em que o Estado português detinha o controlo total ou quase total de cinco jornais diários e de um jornal desportivo e em que, no sector da radiodifusão, só a Rádio Renascença lhe escapava. Espero que, hoje, V. Exa. reconheça que era um quadro redutor da liberdade de expressão e informação e atrofiador da sociedade civil.

                                Para o PS era então estranho que o governo quisesse afastar o Estado de um instrumento tão susceptível de influenciar a opinião pública e importante para a preservação do poder. O senhor Primeiro-Ministro sabe que nunca tive jeito ou apetência para a arte de sedução dos jornalistas e que, ainda hoje, muitos deles não gostam de mim, o que nada me incomoda. Esta é uma área em que V. Exa. é, e continuará a ser, muito melhor do que eu.

                                5 A reforma fiscal de 1989, que instituiu o IRS e o IRC, substituindo sete impostos sobre o rendimento então existentes, levada a cabo pelos meus governos, foi uma outra que gostaria de ter realizado em consenso com o PS. Apesar de ter sido preparada por uma comissão de reconhecida competência técnica e do intenso diálogo e de toda a informação disponibilizada às forças políticas e sociais, o PS decidiu agarrar-se à ideia falsa de que as pessoas iriam pagar mais impostos e ficar fora da reforma.

                                Sendo o actual sistema de impostos caracterizado pela iniquidade, ineficiência económica e pela brutalidade da sua carga para o nosso nível de desenvolvimento, estou certo de que V. Exa. atuará melhor do que eu no diálogo com os partidos e organizações sociais e deixará na história da fiscalidade portuguesa uma marca reformista que ultrapassará em muito a dos meus governos de maioria absoluta.

                                6 Imagino que, hoje, o senhor Primeiro-Ministro, tenha dificuldade em perceber porque é que o PS se opôs à aprovação, em 1987, da nova lei de gestão hospitalar, e, em 1990, da Lei de Bases da Saúde que abriu à iniciativa privada a prestação de cuidados de saúde e que se manteve em vigor durante 29 anos, resistindo a cinco governos do PS, seguramente por a considerar uma boa lei.

                                Face à deterioração da qualidade dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde durante o tempo do governo da “geringonça”, estou certo de que ao seu governo de maioria absoluta não faltará a coragem para fazer mais e melhor do que foi feito pelos meus governos na área da saúde.

                                7 Em relação à reprivatização de 38 empresas públicas levada a cabo pelo meu governo de maioria absoluta, tendo 70% da receita obtida pelo Estado sido destinada à redução da dívida pública, que, em geral, contou com a oposição do seu partido, estou certo de que V. Exa., um europeísta, pensa, agora, “ainda bem que o fizeram”, embora, em público, lhe custe reconhecê-lo. São coisas da vida partidária.

                                Tratou-se de uma reforma estrutural da maior relevância, tornada possível pela eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações na revisão da Constituição de 1989.

                                Pressuponho, como é óbvio, que V. Exa. não esqueceu que, em resultado das nacionalizações de 1974 e 1975, o sector público empresarial português tinha uma grandeza sem paralelo na Europa comunitária e acumulava prejuízos gigantescos, um fardo enorme para consumidores e contribuintes e um obstáculo à recuperação económica.

                                Com certeza que também não se esqueceu da importância da aprovação da nova Lei de Bases da Reforma Agrária que estabilizou o direito de propriedade e exploração da terra, sem o que a agricultura portuguesa não conseguiria adaptar-se aos mecanismos da Política Agrícola Comum (PAC). Lembra-se do coletivismo agrícola que imperava no Alentejo em que existiam 330 unidades colectivas de produção?

                                8 Dirá o senhor Primeiro-Ministro que a falta de apoio do PS a algumas das reformas se deveu à inabilidade ou à insuficiência de diálogo dos meus governos e a erros por mim cometidos. É provável que tenha alguma razão. Costumo dizer: “nobody is perfect”.

                                Sendo conhecida a sua vontade de fazer reformas e habilidade no diálogo com o maior partido da oposição no sentido de as concretizar, estou certo que, com o seu governo de maioria absoluta, tudo correrá na perfeição.

                                Nenhum partido, nenhuma organização sindical, empresarial, social, cultural ou ambiental se queixará de falta de diálogo e de abertura do governo para aceitar as suas propostas; as reformas que o país urgentemente necessita serão feitas em clima de toda a tranquilidade política e a decadência relativa do país em termos de desenvolvimento será revertida.

                                As revistas internacionais deixarão de classificar Portugal como “uma democracia com falhas” e os articulistas deixarão de acusar o seu governo de “bullying”, assédio ou asfixia da democracia e de que, para os socialistas, o Estado é deles.

                                Parafraseando a afirmação de V. Exa. no discurso de tomada de posse direi: “Faço parte de uma geração que se bateu contra a estatização da economia, a atrofia da sociedade civil e a queda do poder de compra dos portugueses e que se orgulha de ter contribuído para dar um passo significativo na aproximação do país ao nível médio de desenvolvimento da UE”.

                                Agora, retirado da vida política activa mas preservando os meus direitos cívicos, estou certo de que, encerrada a fase da “geringonça”, o seu governo de maioria absoluta fará mais e melhor do que as maiorias de Cavaco Silva.

                                Observador