Técnicos do FMI têm vindo a Portugal para ajudar a pôr cobro ao descontrolo nos mais de 400 benefícios fiscais para empresas. Em muitos, o Estado nem sabe quanto gasta.
Um grupo que opera funerárias que paga menos uns milhões em impostos ao abrigo de um benefício fiscal para quem está no sector financeiro. Dezenas de benefícios fiscais, concedidos a empresas, mas que ninguém – nem peritos contratados pelo Governo – sabe ao certo explicar para que servem. Centenas de empresas que poupam milhões de euros na sua factura fiscal graças a benefícios a que não têm direito, mas que ninguém verifica. “Nas empresas funciona como no caso das pessoas antes de a declaração de IRS vir pré-preenchida pelo Fisco – qualquer companhia pega no anexo dos benefícios fiscais e mete lá qualquer coisa”, explica um perito ouvido pela SÁBADO, conhecedor da realidade desta despesa fiscal, que preferiu o anonimato. “É assim porque ninguém avalia”, explica.
Todos os anos o Estado deixa de receber centenas de milhões de euros por causa de vantagens fiscais concedidas a empresas e particulares: os benefícios fiscais. Em 2020, ano de pandemia, foram 2,3 mil milhões de euros; em anos anteriores, com a economia a funcionar em pleno, o valor superou 3 mil milhões. A receita que o Estado deixa de ter quando concede um benefício fiscal – se, por exemplo, dá uma dedução fiscal a uma empresa que contrata jovens e desempregados de longa duração – não é um mal em si. “A receita perdida é o preço que o legislador aceita para ter um resultado positivo, extrafiscal, com aquele benefício”, explica o fiscalista João Espanha. “Para saber se esse resultado é positivo é preciso que exista a avaliação posterior sobre o efeito do benefício – no caso do incentivo ao emprego, por exemplo, são as empresas maiores e já com capacidade para contratar que o aproveitam”, diz.
O problema tem duas frentes: por um lado, a multiplicação de benefícios sem justificação, nem avaliação posterior; por outro, a ausência gritante de controlo sobre a sua execução no terreno. Um relatório publicado em 2019, a pedido do Governo, deu uma ideia mais precisa do descontrolo na primeira frente do problema: os peritos contabilizaram ao todo 542 tipos diferentes de benefícios fiscais (diminuíram desde então, mas continuam a ser perto de 500), espalhados por vários impostos. Além da quantidade de incentivos, que torna mais complexo o controlo da despesa fiscal, os peritos não conseguiram encontrar “função definida” para 127 benefícios – ou seja, não conseguiram perceber para que servia cerca de um quarto dos apoios em impostos concedidos pelo Estado. Entre os restantes que tinham uma função atribuída, a maior parte estava na categoria genérica “Assuntos Económicos – outros”.
Quatro anos depois de ter dito que queria rever este estado de coisas, o Ministério das Finanças diz que está mais perto de o conseguir fazer. A ajudar estão duas instituições que fizeram parte da troika: a Comissão Europeia, que tutela o financiamento a que Portugal se candidatou para fazer esta reforma; e o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujos técnicos estão a trabalhar com peritos dentro e fora da Autoridade Tributária para desenhar um modelo de avaliação e controlo dos benefícios fiscais. Os técnicos do FMI – que, segundo apurou a SÁBADO, ficaram surpreendidos com o grau de descontrolo existente – têm feito reuniões em Lisboa. “O FMI está a aprimorar o modelo de avaliação dos benefícios fiscais”, explica António Mendonça Mendes, que atribui à pandemia uma parte do atraso na reforma. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais indica à SÁBADO que até ao fim do ano haverá um modelo novo, assim como uma unidade técnica de política fiscal, que funcionará nas Finanças e que terá a missão de avaliar cada medida antes, durante e depois de ser atribuído o benefício.
A poupança é para devolver
Mendonça Mendes diz que o que o erário público conseguir poupar nesta despesa servirá para baixar impostos ou para reafectar em despesa em áreas carenciadas. Para já, os técnicos portugueses e os do FMI estão a olhar para três que incidem no imposto sobre os lucros das empresas (IRC), estando o Governo a recorrer a peritos do Centro de Estudos Fiscais e de universidades para avaliar os que vão sendo renovados e que foram “criados sem estudo e não tiveram avaliação posterior”, diz o secretário de Estado.
A julgar pelos estudos e documentos feitos sobre a matéria, a futura entidade de controlo terá, em conjunto com o Fisco, muito trabalho. Além da avaliação económica de cada benefício há a questão das falhas no controlo sobre quem recebe o quê. O relatório de 2019 apontava que o Estado não sabia, por exemplo, quanto gastava em quase 50% dos benefícios fiscais no IRC. O Tribunal de Contas, que todos os anos insiste na urgência de rever o modelo, aponta no parecer à Conta Geral do Estado de 2020 que não viu informação sobre o custo de quase metade dos benefícios fiscais.
Esta opacidade convive com a quase total falta de controlo. Numa auditoria feita em 2014 à despesa com benefícios fiscais, o Tribunal de Contas encontrou um volume de 490 milhões de euros por quantificar e irregularidades variadas (numa amostra aleatória superior a 300 milhões de euros as irregularidades valiam quase 13%).
Numa passagem do contraditório a que tem direito nestas auditorias, a Autoridade Tributária reconhecia que estava a quantificar a despesa fiscal de IRC com base “em montantes declarados pelos contribuintes [empresas] relativamente aos quais não é possível verificar a sua veracidade” – ou seja, com base no que as empresas diziam, sem verificar. Uma falta de controlo que, no caso dos contribuintes individuais, sujeitos a maior escrutínio, acabou há anos.
Sábado
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