Depois de seis anos de governos de António Costa e depois de seis anos de governos de José Sócrates, o estado da Nação dificilmente poderia ser pior e os diabos previstos chegar, chegaram, ainda que a retórica governamental e partidária da maioria absoluta faça o possível para não os ver. Aliás, a negação da realidade é a forma privilegiada do PS e do Governo fugirem a procurar soluções sustentáveis para o país, seja porque não sabem, seja porque isso faz parte da indolência característica do Partido Socialista. Com a maioria absoluta é mesmo possível que os diferentes diabos sejam escondidos nas profundezas da comunicação social. Têm quatro anos para o fazer e tentar iludir a realidade.
O Presidente da República concorda em não se preocupar com a realidade desagradável. Nas recentes comemorações do 10 de Junho, à falta de melhor tema para festejar, Marcelo não poderia fazer melhor do que festejar todos os portugueses. Segundo ele, todos nós, sem excepção, somos o máximo e se o país se atrasa, se ficamos mais pobres, se alguns morrem antes de tempo, nada justifica que se procurem as razões, isso deverá ser devido à roleta da sorte e do azar, que todos sabemos existe, pelo menos depois dos fogos de 2017. Nos outros dias, que não são de festa, o Presidente comenta os jogos de futebol, a guerra da Ucrânia e justifica sem parança todas as trapalhadas diárias do Governo. Foge quanto pode a falar dos diabos que por aí andam à solta, por mais aguçados que sejam os seus dentes. Marcelo Rebelo de Sousa prossegue a linha de um seu famoso antecessor, Américo Tomás, que foi o criador da figura do avô em luta pelo amor do bom povo. Só que os diabos andam por aí.
Primeiro Diabo, a inflação – o bom povo começou por acreditar em não ser esta matéria de grande preocupação, que o tal Diabo pudesse chegar, depois, quando chegou, seria de curta duração e agora que se instalou seja o que Deus quiser. Como disse o Presidente da República, os portugueses são resilientes e, como em tempo disse um banqueiro, aguentam, aguentam. Desde António Guterres que o PS anda a tentar dar uma casa a cada português, mas casa paga pelos bancos, e isso tornou-se numa bomba-relógio cuja espoleta, agora chamada inflação, pode detonar a qualquer momento. O bom Estado português tem casas vazias um pouco por todo o país e as promessas de casas fornecidas pelo Estado a baixo custo, Estado central e autarquias, são uma constante dos períodos eleitorais, muitos prédios a precisar de reforma até já têm letreiros a dizer que são destinados às famílias jovens. Todavia, casas a baixo custo não há e quem as comprou que descubra agora a forma de as pagar com os juros a subir. Como habitualmente, os proprietários especuladores são os culpados preferidos do Governo, que, todavia, ainda não conseguiu obrigar os proprietários a investir quando eles não querem. Finalmente, agora que a “geringonça” está fora, os salários dos trabalhadores da função pública que lidem com a chegada do diabo e quanto aos privados a ideia são aumentos de 20% em quatro anos por decreto governamental. Boa sorte.
Segundo Diabo, o SNS – O Serviço Nacional de Saúde é a jóia da coroa dos governos socialistas e não há meio termo na sua defesa contra os hereges. Entretanto, os portugueses que não queiram morrer à espera de serem tratados no SNS, ou simplesmente atendidos, recorrem em números crescentes aos privados e as companhias de seguro não se queixam do negócio. Os médicos e os enfermeiros, fartos da desorganização do sistema e de ver a ministra a sonhar alto, fazem as suas opções e tornaram-se no factor escasso do SNS, apesar das horas extraordinárias e dos tarefeiros desequilibrarem as finanças dos hospitais e centros de saúde. Os jornais relatam casos de mortes, esta semana de um recém-nascido, por falta de assistência, as listas de espera para cirurgias aumentam e o Governo nem sequer se dá conta que, em termos internacionais, temos um número de enfermeiros muito baixo relativamente ao número de médicos, o que encarece o sistema e torna mais dramática a falta de médicos. No SNS todos sabem que o sistema está falido por ausência de gestão e excesso de desorganização, mas nada acontece, agora nem a ADSE escapa.
Terceiro Diabo, a economia – Portugal vive há vinte e dois anos com uma economia estagnada que não cresce, sem que o Governo, menos ainda o Presidente da República, façam a mínima ideia das razões. Nem mesmo se dão conta do que tem sido feito pela Irlanda, ou pelos outros países cujas economias crescem mais do que a nossa, no caso da Irlanda muito mais. E a situação só não é pior porque no tempo dos governos de Cavaco Silva foram criadas as condições para o crescimento das exportações, o que tem sido a tábua de salvação dos últimos anos, apesar da pandemia e, presentemente, da guerra. E apesar do PS e do Governo não gostarem das empresas e de as crivarem de impostos, taxas, burocracia e de não se darem conta da dualidade económica existente, 90% das empresas portuguesas continuam muito pequenas e dificilmente alguma vez poderão concorrer no mercado internacional, com o resultado da deterioração da balança de pagamentos. De facto, este Governo nem sabe da dualidade da economia, o que se não for corrigido rapidamente torna o nosso problema económico insolúvel.
Quarto Diabo, dívida pública – o ministro das Finanças está assustado com este diabo e tem boas razões para isso. É que não são apenas os portugueses que têm um problema sério com a subida dos juros das suas casas e dos preços do consumo, o Governo tem um problema com a subida dos juros da dívida pública e sabendo todos nós qual é o ponto de partida não sabemos qual é o ponto da chegada. Depois da “Troika” e da recuperação levada a cabo pelo Governo de Passos Coelho, a partir do desastre provocado pelos governos de José Sócrates, António Costa teve a oportunidade de tratar da dívida, só que isso não estava no horizonte da “geringonça” e assim o problema foi deixado crescer, na ilusão dos juros baixos e do bom coração do Banco Central Europeu. Vamos agora assistir nos próximos anos aos estragos provocados pela inércia existente há anos na questão da dívida pública, que, reconhecemos, tem sido tecnicamente bem gerida, mas isso agora não basta.
Quinto Diabo, o Governo – de facto, o diabo principal não vai chegar porque já cá anda há seis anos e é o próprio Governo. Incapaz de fazer reformas, de ter uma estratégia para a Educação, para a Justiça, para a energia, para os transportes e para o desenvolvimento económico, vive de forma atrabiliária dos fundos comunitários e das idas ao banco. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representa o sonho de uma noite de Verão criado por um sonhador feito ministro, com objectivos tão diversos e tão inconsequentes que os resultados, profetizo, farão o ministro fugir antes de tempo. O texto recente de Cavaco Silva mostrou de forma clara as razões porque o PS afunda a economia portuguesa, seja porque não aprendeu nada com a estagnação dos últimos vinte e dois anos, seja, porque desconhece o exemplo dos países que nos passam à frente, seja porque também não tem gente capaz de perceber o que está errado na gestão da grande família socialista. Estão sentados à mesa do Orçamento e isso basta.
Fiel às suas convicções, António Costa e o Governo desconhecerão estes diabos e farão coro com o Presidente da República de que tudo vai bem no reino do bom povo português. Sabemos isso por experiência, a negação da realidade desagradável é a imagem de marca dos nossos governantes e a sua capacidade de previsão é próxima do zero. Suponho, contudo, que a realidade protagonizada por estes cinco diabos não os deixará continuar a dormir descansados nos próximos quatro anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário