O caso do aeroporto. O caso do Hospital Militar. O caso do adjunto e do pavilhão fantasma. O caso do assessor.
Não é uma colecção de crime e mistério.
É o dia a dia a que nos habituámos.
23 abr. 2023, Helena Matos, ‘Observador’
O excesso de casos a envolver este governo teve entre os portugueses o mesmo resultado que o consumo excessivo de medicamentos: perdeu-se o efeito. Habituámo-nos. Esta governação de António Costa reformulou a velha certeza de que os governos são afectados pelos casos. Sim, é verdade. Ou melhor, é verdade mas apenas se os casos não forem muitos e constantemente renovados. Pelo contrário se estes se sucederem a um ritmo constante ou até crescente não só se perde a noção do que está em causa como se gera uma espécie de habituação. No limite, indiferença. Quase cansaço. Desde que o Governo tomou a 30 de Março de 2022 que o caso novo apaga o velho.
Na entrevista que deu à Visão em Dezembro do ano passado António Costa, para lá daqueles “Habituem-se” de que depois se arrependeu, desvalorizava o que definia como “casos e casinhos”, criações da “central de criação de soundbites da direita”. Foi uma perigosa ilusão. A verdade é que a ocupação da máquina do estado pelo PS e a redução do Governo a uma espécie de sala de exame da Prova Geral de Acesso a Sucessor de António Costa contribuíram decisivamente para que vivamos em estado de caso muito antes de a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP se ter transformado na novela portuguesa de um país a mexicanizar. É só fazer as contas, que é como quem diz seguir o rasto dos casos:
*O caso do aeroporto. A 29 de Junho de 2022 um despacho assinado pelo secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, anunciou não um mas sim dois aeroportos: Montijo e posteriormente o Campo de Tiro de Alcochete eram as localizações indicadas. O ministro Pedro Nuno Santos explicou na televisão que o país não tinha tempo a perder.: o aeroporto da Portela ia ser desmantelado. Os concursos que estavam a decorrer para avaliar os impactes ambientais de diferentes localizações eram anulados… O presidente da República não foi informado. Também se deixara de lado a promessa de contar com a nova liderança do PSD. Quem disse ter sido “apanhado de surpresa” com o despacho foi António Costa que nesse dia 29 de Junho estava em Madrid. O despacho foi anulado a 30 de Junho. Pedro Nuno Santos continuou no governo. António Costa terá considerado mais seguro mantê-lo no executivo que fora dele.
*O caso Sérgio Figueiredo. Estava-se em Agosto de 2022 quando se sabe que o ministro das Finanças, Fernando Medina, contratara o ex-director de informação da TVI Sérgio Figueiredo “com salário de ministro para fazer avaliação das políticas públicas“. Para lá do salário, da estranheza de Sérgio Figueiredo ir fazer “avaliação das políticas públicas” (vários departamentos e serviços têm essa tarefa a seu cargo, que está longe de ser tarefa para uma pessoa) havia o facto de Sérgio Figueiredo, enquanto director de informação da TVI, ter contratado para comentador Fernando Medina. A polémica cresce quando se sabe que na autarquia de Lisboa, Fernando Medina já contratara Sérgio Figueiredo para uma campanha de sensibilização para compras a pequenos comerciantes. O orçamento da campanha pareceu claramente desproporcionado face ao trabalho dispendido. Sérgio Figueiredo demitiu-se. Fernando Medina culpou os “ares do tempo“.
*O caso Miguel Alves. Outubro de 2022. Durante várias semanas o nome de Miguel Alves, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, está em todos os noticiários. Afinal o homem com que António Costa contava para evitar a descoordenação do Governo tornou-se o seu maior problema quando se soube que estava a ser investigado pelo Ministério Público por causa de um contrato-promessa que celebrara, quando era presidente da Câmara de Caminha, para a construção de um pavilhão. Na prática a autarquia pagara 300 mil euros por um pavilhão que não existia. O Governo reafirma que está tudo esclarecido. Novas revelações agravam a situação de Miguel Alves que acaba a demitir-se. Já não bastava ao PM dizer que o caso estava esclarecido para que se tornasse num caso encerrado. António Costa não sabe mas a saída de Miguel Alves do governo vai ser o sopro que faltava para que os “ares do tempo” mudem de vez.
*O caso Alexandra Reis. Com a saída de Miguel Alves, António Costa já não arriscou ir buscar alguém de fora para o lugar de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Assim o escolhido foi António Mendonça Mendes, até então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (e irmão de Ana Catarina Mendes). Como é óbvio era necessário convidar alguém para o cargo. A escolha recaiu no sub-diretor da Autoridade Tributária Nuno Félix. Fernando Medina criou mais uma secretaria de Estado, a do Tesouro, para a qual convidou Alexandra Reis. Estava-se no final de Novembro. Menos de um mês depois, a 24 de Dezembro, o Correio da Manhã revela que “A nova secretária de Estado do Tesouro recebeu uma indemnização da TAP de cerca de 500 mil euros, por cessação antecipada do cargo de administradora executiva. Quatro meses depois de sair da companhia aérea, Alexandra Reis foi nomeada presidente da NAV, também uma empresa pública.” António Costa apressa-se a esclarecer “desconhecia em absoluto os antecedentes” de Alexandra Reis e que solicitou esclarecimentos aos ministros das Finanças, Fernando Medina, e das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos. A 27 de Dezembro, Fernando Medina pede a Alexandra Reis que apresente o seu pedido de demissão como secretária de Estado do Tesouro. O ministro das Finanças garantiu desconhecer a indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis quando a convidou para secretária de Estado do Tesouro. Estava instituído o estado de caso.
*O caso Pedro Nuno Santos. 29 de Dezembro. Um comunicado do gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação informa que “face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados” em torno da polémica da indemnização da TAP a Alexandra Reis, o ministro Pedro Nuno Santos “entendeu, neste contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao primeiro-ministro”. A este comunicado do ainda ministro Pedro Nuno Santos respondeu o primeiro-ministro com outro comunicado declarando que aceitou o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas e Habitação. Quem “face às circunstâncias” entendeu também ter chegado a hora de apresentar a sua demissão foi o Secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes, o mesmíssimo que assinara em Junho o Despacho dos novos aeroportos. Há-de tornar-se famoso por causa das mensagens por whatsapp e por ser obviamente o elo politicamente mais fraco da série de casos que têm a TAP como denominador comum.
*O caso Carla Alves. Foi secretária de Estado da Agricultura por 25 horas e 53 minutos. Tomou posse a 4 de Janeiro de 2023 e demitiu-se a 5. Primeiro soube-se que tinha contas arrestadas. Depois que o seu marido, e antigo presidente da Câmara de Vinhais, estava a a ser investigado, num processo que envolve mais de 4,7 milhões de euros. Depois que tinham acontecido outros processos-crime. A ministra da Agricultura disse que não sabia de nada e também não parece ter-se interrogado sobre se deveria ter procurado saber.
*O caso do Hospital Militar de Belém e do ministro que já foi da Defesa. A 20 de Dezembro de 2022, o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, que tutelou a Defesa entre 2018 e 2022, disse que “não” autorizou nem lhe foi solicitado “que autorizasse” que mais que triplicasse a despesa com as obras no Hospital Militar de Belém: estavam orçamentadas em 750 mil euros e acabaram a custar mais de 3,2 milhões de euros). Mas em Fevereiro de 2023, quando vai a uma audição ao parlamento, João Gomes Cravinho declara algo de substancialmente diferente: a Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) enviara um mail a 20 de Abril de 2020 com o real custo da requalificação do Hospital Militar de Belém mas só dois meses depois tomou conhecimento desta mensagem porque os anexos excediam o limite e foi “recusado pelo servidor“. Dias antes fora Pedro Nuno Santos a lembrar-se que afinal dera “anuência política” por Whatsap para saída da TAP de Alexandra Reis e, não menos importante, que foi informado do valor final do acordo, ou seja dos 500 mil euros que a TAP pagou a Alexandra Reis. Isto não é para acreditar, pois não?
Tal como no passado os “casos e casinhos” não eram criações da “central de criação de soundbites da direita”, também agora não é um equívoco o caso do parecer sobre o despedimento da CEO da TAP que Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva afirmavam existir e ser tão relevante quem nem podia ser divulgado e que Fernando Medina veio depois dizer que nunca existira. Ou a reunião secreta do PS com a CEO da TAP.
Toda esta sucessão de factos resulta da forma como António Costa concebeu este governo: fechado sobre o PS.