Para a generalidade dos portugueses, uma companhia aérea é uma empresa de aviões; para o PS, uma companhia aérea é uma acompanhante distraída: pode-se enfiar a mão e abusar à vontade.
11 abr. 2023, José Diogo Quintela, ‘Observador’
Estou perplexo por haver quem esteja mesmo convencido que Pedro Nuno Santos já não tem futuro na política. É não perceber nada de estatística. Como toda a gente sabe, a probabilidade de se morrer num acidente de carro é muito maior do que num desastre aéreo. Isso também vale para a morte política. Ora, se Eduardo Cabrita sobreviveu durante vários meses a um atropelamento na A6, é evidente que PNS se vai aguentar, mesmo sendo o principal responsável pelo fiasco da gestão da TAP. Uma frota de aviões não era tão mal gerida desde que a força aérea japonesa achou que seria boa ideia os pilotos jogarem-se contra barcos inimigos. A diferença é que os kamikaze tinham objectivos e cumpriam-nos, destruíam com rigor e eficácia. Pedro Nuno Santos e a sua equipa nem isso conseguem. São kamikazelhas.
Apesar da espectacularidade do falhanço, estou confiante que ainda vamos ver Pedro Nuno chegar a Primeiro-Ministro. Naturalmente, empossado por José Sócrates, cujo processo entretanto irá prescrever, levando os socialistas a poderem dizer que é inocente, uma vez que não foi condenado.
Se Portugal precisava de mais provas de que o Partido Socialista é a maior instituição política do país, basta ver a diferença como o PSD e o PS reagem a infortúnios com aeronaves. Enquanto os sociais-democratas ainda hoje choramingam a queda do Cessna que privou a direita das suas maiores figuras, os socialistas sabem que não é este desaire que vai impedir Pedro Nuno Santos e João Galamba de virem um dia a ocupar os cargos a que estão destinados.
Mesmo uma figura menor como Hugo Mendes vai safar-se. Apesar de António Costa ter ontem dito que, se tivesse sabido do mail, o teria despedido na hora, a verdade é que isso não significa que Hugo Mendes deixe de ter futuro como rémora de Pedro Nuno Santos. Até porque tudo isto tresanda a injustiça. É óbvio que Mendes nunca deveria estar próximo da TAP, a única qualificação para gerir uma companhia aérea é ter o cabelo de alguém que vai de asa delta para o trabalho, mas tenho sérias dúvidas que seja culpado pelo que se passou.
A minha teoria: o Governo sofre grande escassez de mão-de-obra e toda a gente é forçada a trabalhar o triplo. Reparem que há 20 ministérios, 40 secretarias de estado, 80 direções-gerais, centenas de grupos de estudo, empresas públicas, comissões e observatórios, e é preciso atafulhar tudo isto com militantes. Mesmo que o ISCTE fosse uma coelheira, com intelectuaizinhos a reproduzirem-se desenfreadamente, seria impossível fornecer o número de jovens quadros necessários para alimentar a voragem socialista e governar o país. O PS é vítima do seu próprio sucesso. Atrapalhado para responder a tantas solicitações, sem assessores disponíveis a quem apelar, o Governo viu-se obrigado a recorrer a um daqueles softwares que conversam com as pessoas, tipo Chat GTP. Só que, para poupar, não compraram Inteligência Artificial, instalaram antes Chico-Espertice Artificial.
Foi esse programa que respondeu aos mails de Hugo Mendes. Estudou tudo o que o PS diz desde que é Governo, e depois agiu em conformidade, respondendo com a desfaçatez aprendida. Daí ordenar à CEO que transformasse um voo da TAP no jacto privado da Presidência. Só faltou sugerir que, da mesma forma que os americanos têm o Air Force One, chamássemos àquele avião o Presidente Um. O P-Um.
Também é óbvio que foi a Chico-Espertice Artificial a responder por João Galamba quando Christine Ourmières-Widener lhe perguntou se podia participar na reunião preparatória do seu próprio interrogatório. (Evidentemente, para efeito de comicidade, estou a fingir que acredito na patranha de Galamba). A resposta inteligente seria: “Nem pensar, minha senhora. Tal não é ético”. Mas enquanto a Inteligência Artificial continua a aprender com as circunstâncias, a Chico-Espertice Artificial, preguiçosa, parou de evoluir na altura em que a impunidade do PS ainda era aceite com bonomia.
Este sub-caso é mais um exemplo do excesso de trabalho a que são sujeitos os membros do Governo. Se não estivesse cansado, Galamba teria percebido que era melhor dizer a verdade. Se tivesse admitido que fora ele a convocar a CEO para a reunião, passava por calculista sem escrúpulos, o que até lhe dá pontos no partido; como optou por dizer que se limitou a aceitar uma sugestão da CEO para participar, passa só por tolo. Bem dormido, tenho a certeza que João Galamba preferiria que o julgassem pérfido em lugar de nabo. Em vez de Maquiavel, saiu palonço.
Parece-me que o grande ponto de discórdia sobre a TAP deve-se a haver uma diferença de entendimento sobre o que é uma companhia aérea. Para a generalidade dos portugueses, uma companhia aérea é uma empresa de aviões; para o PS, uma companhia aérea é uma acompanhante distraída: pode-se enfiar a mão e abusar à vontade, que ninguém dá por isso.
---------------------------------------------------------------------------------------------------
Sem comentários:
Enviar um comentário