terça-feira, 4 de abril de 2023

Braço direito de Pedro Nuno avisou CEO da TAP que "única porta de entrada no Governo" era o seu Ministério. A defesa de Christine Widener.

Resposta de Christine Widener a contestar demissão da TAP diz que Hugo Mendes a avisou de que não devia falar com outros ministérios. Observador teve acesso à contestação da gestora francesa.

A presidente executiva da TAP foi repreendida pelo Ministério das Infraestruturas por abordar outros ministérios e foi avisada de que não devia comunicar ou contactar com outras áreas do Governo para além do gabinete comandado por Pedro Nuno Santos que tinha o pelouro operacional da empresa.

Numa nota incluída na audiência prévia de Christine Ourmières-Widener, no quadro do processo de demissão desencadeado pelo Governo na sequência da auditoria da Inspeção-Geral das Finanças à saída de Alexandra Reis na TAP, a gestora revela uma mensagem que recebeu do então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, depois de ter sabido de um contacto seu feito para o Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

“Mas Christine, outra vez: TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós. Isto já aconteceu tantas vezes que já não sabemos o que dizer. A TAP é a única empresa que se comporta assim. O MIH (Ministério das Infraestruturas e Habitação) é a única porta de entrada no Governo. Não há ligações diretas entre a TAP e outros ministérios”. A mensagem imputada a Hugo Mendes data de junho de 2022 e é citada no documento entregue na semana passada à Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a que o Observador teve acesso.

Nesta audiência prévia exercida por escrito, a CEO acusa o atual Governo de seguir um simulacro jurídico e uma estratégia política para lhe atribuir culpas, para além de a deixar sem instruções para liderar a empresa neste momento sensível. Revela que a TAP pagou só no último ano 35 indemnizações superiores a 200 mil euros a trabalhadores, incluindo 12 acima dos 250 mil euros euros e um de 330 mil euros. E acusa o acionista da TAP de a ter despedido em direto.

Forçoso é concluir que o Governo degradou a audiência prévia a uma mera formalidade não essencial, desprovida de qualquer sentido útil, sendo irrelevante tudo o que a requerente possa vir aqui dizer. Um pró-forma para cumprir calendário, um mero simulacro jurídico destinado a dar aparente cobertura legal a uma decisão política – essa sim prévia e definitivamente já tomada – comunicada publicamente, através de conferência de imprensa, a 6 de março de 2023, pelos ministros das Finanças e das Infraestruturas, com a absoluta perversão do direito da requerente a participar na decisão do procedimento”, escreve a defesa da ainda CEO da TAP.

Na resposta à DGTF, Christine Ourmières-Widener envolve o ainda administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, no conhecimento de detalhes da solução de saída de Alexandra Reis. Christine é ouvida esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, onde o CFO da TAP já foi ouvido e um dia antes de os deputados questionarem Alexandra Reis.

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A mensagem de reprimenda de Hugo Mendes é uma das “provas” invocadas para justificar porque é que a presidente executiva da TAP não estabelecia contacto com o Ministério das Finanças, quem tinha a missão de exercer a função acionista na empresa e que não terá sido informado da decisão de fevereiro de 2022 de pagar uma indemnização de meio milhão de euros para Alexandra Reis abandonar o cargo de administradora da empresa antes do fim do mandato.

Em regra, refere o contraditório, as suas comunicações com o Ministério das Finanças eram feitas com o conhecimento de Hugo Mendes e de Gonçalo Pires. Christine indica ainda o chairman, Manuel Beja como estando envolvido nestas comunicações.

A gestora reafirma o que já disse no Parlamento que a sua relação com a tutela era quase na totalidade estabelecida com o Ministério das Infraestruturas, nas pessoas de Hugo Mendes e de Pedro Nuno Santos. As trocas de mensagens remetidas em anexo à audiência prévia são reveladoras do grau de envolvimento dos dois antigos governantes na solução que resultou no pagamento de meio milhão de euros, com a atribuição ao ex-ministro (através de uma mensagem enviada por Hugo Mendes à presidente da TAP) de uma posição considerando que o valor de 560 mil euros (antes de se chegar ao valor final) mais férias por gozar era demasiado alto.

Em nome também de Pedro Nuno Santos, o então secretário de Estado, manifesta a preocupação: “Queremos tratá-la (Alexandra Reis) com justiça, mas não queremos causar demasiada disrupção quando as pessoas souberem destes números”.

As Finanças não terão, assim, sido informadas nem pelo Ministério então liderado por Pedro Nuno Santos, que se demitiu, tal como o seu secretário de Estado, Hugo Mendes, no final do ano passado, na sequência deste caso; nem pela TAP. Sendo que o afastamento de Alexandra Reis sem o conhecimento das Finanças e sem uma assembleia geral são algumas das irregularidades apontadas pela Inspeção-Geral de Finanças numa auditoria cujas conclusões foram usadas como argumento para demitir, em direto e por conferência de imprensa, a presidente executiva da TAP e o chairman, os administradores da empresa que assinaram o contrato de rescisão.

Na defesa conduzida pela sociedade de advogados Vasconcelos, Arruda & Associados, Christine Ourmières-Widener alega não ter tomado qualquer decisão material relevante, tendo-se limitado a receber a informação do advogado da TAP (César Sá Esteves da SRS Legal) e submeter todas as decisões para aprovação da tutela. E para o confirmar anexa uma longa lista de mensagens trocadas, sobretudo com Hugo Mendes, sobre o valor e detalhes da negociação. Exemplo desses pormenores é a troca de mensagens a propósito do número de férias por gozar (e que teriam de ser remuneradas no acordo) e o facto de Alexandra Reis ter dispensado uma compensação para não ir trabalhar para a concorrência.

Mensagens mostram que Gonçalo Pires foi informado de parte da negociação

Sobre as férias por gozar de Alexandra Reis, Christine confessa em mensagens que não quer colocar a pergunta ao departamento de recursos humanos da TAP para não levantar suspeitas. E esta foi precisamente uma das matérias com as quais trocou mensagens com o administrador financeiro que, nas declarações prestadas aos deputados na semana passada, insistiu na desvalorização do seu papel em todo o processo: “Não tive qualquer envolvimento na preparação, elaboração, negociação, decisão ou fecho de qualquer valor”.

O CFO foi poupado na auditoria da IGF, e ainda se encontra em funções, o que suscita incompreensão da parte da ainda presidente executiva.

“A IGF achou pertinente ouvir, conforme resulta do Projeto de Relatório, o CFO, Gonçalo Pires. Existe apenas uma referência a este depoimento e consta de uma nota de rodapé do Projeto de Relatório. (…) No Relatório final, desaparece a referência ao depoimento do CFO. Ou seja, a IGF achou pertinente ouvir o CFO, mas bastou-se com a mera indicação de que CFO não esteve envolvido no processo de cessação de funções ou no Acordo celebrado e, por esse motivo, não informou o Ministério das Finanças”. Sobre o CFO a defesa de Christine, numa nota de rodapé da audiência prévia, ainda atira: “Parece pouco credível que a IGF não o tenha questionado sobre se a requerente [Christine] lhe tinha dado conhecimento de todo o processo? Parece pouco credível que o mesmo tenha respondido negativamente, pois, como se demonstrará, existem inúmeras provas que a requerente manteve sempre o CFO informado de tudo”.

Segundo a troca de mensagens anexas entre os dois, Gonçalo Pires saberia desde 22 de janeiro de 2022 da intenção de Christine de mudar a composição da comissão executiva com uma alteração dos pelouros atribuídos a Alexandra Reis, mas também da sua provável saída da administração, tendo defendido que o tema não devia ser discutido em comissão executiva porque não seria bom para a dinâmica da equipa.

O CFO também foi questionado sobre o número de férias por gozar da sua então colega de administração e cujo valor (mais de 100 mil euros) fez parte do pacote final do acordo. Não há, no entanto, nas mensagens que Christine coloca na sua defesa uma referência expressa sobre o montante da indemnização que o administrador financeiro alegou desconhecer (disse mesmo que só conheceu os valores pelas notícias saídas no final do ano passado). O CFO no Parlamento explicou que apesar de ter a tutela do departamento de tesouraria que efetuou o pagamento, o valor da indemnização tinha cabimento orçamental e não precisava da sua autorização,

Nas mais de cinco horas em que foi questionado, Gonçalo Pires reconheceu ter sabido antes do acordo (mas não do valor) final de 4 de fevereiro da saída de Alexandra Reis da empresa que foi comunicado formalmente a todo o conselho de administração, mas não se recordou do quando (nas mensagens incluídas na audiência prévia Christine revela um email de Manuel Beja para os administradores executivos e não executivos a anunciar a saída de Alexandra Reis e esse email tem data de 4 de fevereiro de 2022 às 22h55).

A 2 de fevereiro, há uma troca de mensagens entre Christine e o seu CFO reveladora de um grau de confiança entre os dois, nas quais Gonçalo Pires é informado da existência de um acordo (sem referência a valor), ao qual responde com emojis e a indicação “pensava que ia demorar mais tempo. Parabéns”.

Esta cumplicidade é espelhada em outras mensagens trocadas já a 4 de fevereiro de 2022 a propósito da exigência de Manuel Beja de assinar o acordo de saída de Alexandra Reis presencialmente e não através de uma assinatura digital. “O que é que ele quer agora?”, questionou Gonçalo Pires para receber respostas (algumas com emojis) sobre essa exigência. Christine, aliás, dá conta que se recusou a adiar o acordo, insistindo para que ficasse fechado a uma sexta-feira, 4 de fevereiro (não deixando o caso arrastar-se para a segunda seguinte).

Comunicação intensa e um ponto de interrogação sobre as eleições legislativas

O anexo ao contraditório revela que entre WhatsApps, SMS, e emails terão sido trocadas mais de 100 mensagens entre os principais protagonistas do lado da TAP em pouco menos de um mês com especial foco para a última semana de janeiro e a primeira de fevereiro de 2022 e o facto do processo negocial ter atravessado o período das eleições não foi ignorado. Quando se aguardava uma resposta de Alexandra Reis à última proposta da TAP a 30 de janeiro, o advogado da TAP pergunta “hoje temos um grande ponto de interrogação”. Do outro lado, Christine responde com outra pergunta: “Eleições?” Ao que o advogado responde sim e a gestora diz que está a ver os resultados na televisão. Nas legislativas desse domingo, o PS ganhou com a maioria absoluta e a negociação prosseguiu até ao acordo obtido a 4 de fevereiro.

Sobre a violação das regras do estatuto do gestor público de uma solução negociada para um acordo de saída (não prevista neste normativo e das normas estatutárias da TAP de que é acusada, e que consiste no fundamento para a sua demissão), a defesa de Christine lembra que o desconhecimento sobre a violação dessas regras legais foi partilhado com muitas pessoas, algumas  das quais se mantêm em funções: como o administrador financeiro da TAP, mas também a então chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos (que está com o atual secretário de Estado das Infraestruturas); o administrador não executivo da TAP (Patrício Castro), e o departamento jurídico da TAP que “recebeu o acordo, conhecia os valores envolvidos e agilizou a formalização da renúncia”.

Neste exercício de audiência prévia, a defesa de Christine Ourmières-Widener mostra ainda surpresa pelo facto de a reunião em que estiveram presentes (segundo a IGF foi por Teams) o ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, a antiga chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, Maria Araújo, e o assessor jurídico da TAP (César Sá Esteves) onde foram apreciados os termos finais do acordo estar a ser “sucessivamente desvalorizada ao longo de todo o processo”. Apesar de “ter sido a reunião determinante para o então ministro, Pedro Nuno Santos, ter tomado a decisão final de aprovar os termos e condições do acordo de saída da Engª Alexandra Reis que os advogados haviam alcançado”.

Uma palavra ainda para o papel do consultor jurídico da TAP neste processo, e com quem a empresa entretanto terá rescindido a avença para a área laboral que existia desde 2020. A gestora diz que o ex-ministro Pedro Nuno Santos “recorreu novamente à assessoria jurídica da SRS Legal” quando convidou para presidente executiva da NAV Alexandra Reis, quatro meses depois de ter validado a sua saída paga da TAP. A resposta vai ao ponto de indicar que a contratação para a NAV “foi operada pelo ministro Pedro Nuno Santos, coadjuvada pelo Dr. César Sá Esteves”.

Este advogado da SRS Legal também tinha um contrato com a NAV para a área laboral, mas não há indicação na auditoria da IGF de que terá assessorado o ministro. Uma das ilegalidades apontadas pela IGF foi a não devolução por parte de Alexandra Reis de uma parte da indemnização recebida da TAP aquando da sua ida para a NAV, como determina o estatuto do gestor público. A gestora argumenta que ninguém a avisou que o teria de fazer e mostrou-se publicamente disponível para devolver tudo o que foi declarado ilegal na auditora da IGF.

https://observador.pt/especiais/braco-direito-de-pedro-nuno-avisou-ceo-da-tap-que-unica-porta-de-entrada-no-governo-era-o-seu-ministerio-a-defesa-de-christine-widener/

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