sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A campanha está chata. O que é óptimo. E péssimo

Que tal está a correr a campanha eleitoral até ao momento? De forma extremamente civilizada — o que seria uma coisa extremamente aborrecida de se dizer, não fosse vivermos num planeta político onde a gritaria impera. Muito em breve, iremos votar em candidatos que falam com bons modos e dispensam energizar as bases com declarações desvairadas. Eis um facto que não pode ser menorizado, por mais que me custe. E porque é que custa? Porque a modorra política nacional também não é solução para coisa alguma. Sim, é óptimo não termos Donald Trump em São Bento; sim, é excelente que o maior admirador de Jair Bolsonaro não passe de André Ventura; sim, é magníÆco que a extrema-esquerda tenha passado a ser social-democrata; sim, é extraordinário que o líder do Partido Comunista Português seja um avozinho a quem apetece dar abraços. Tudo isto é supimpa e mereceria celebração efusiva, não fosse o reverso da medalha ser uma profunda falta de debate e de reÇexão sobre os problemas mais graves do país. Tenho a triste sensação de que nada do que é realmente importante tem sido discutido (vamos ser optimistas: até agora) nesta campanha eleitoral, nem mesmo quando as coisas realmente importantes vêm esbarrar com ela. Apenas dois exemplos: o caso das golas e o caso de Tancos. O caso das golas veio denunciar aquilo que são estruturas de corrupção instaladas no Estado, envolvendo empresas amigas e o mundo autárquico, com as suas ligações ao governo central. O que disse Rui Rio sobre isso? “Não seria ajustado chamar o caso das golas à campanha.” O caso de Tancos denuncia as fragilidades institucionais de um Estado depauperado e incompetente, em que qualquer pilha-galinhas consegue roubar material de guerra e negociar a sua entrega, perante a total ausência de sentido de Estado por parte de altos funcionários civis e militares. O que disse Catarina Martins sobre isso? “Não ajuda a ninguém que o caso Tancos seja usado na campanha.” Não ajuda a ninguém? Peço desculpa, a mim ajudava. Os políticos da colheita 2019 são tão pachorrentos e delicados que fogem a qualquer polémica que vá além de números do Instituto Nacional de Estatística, seja por acharem que os eleitores não gostam de confusão, seja porque temem os seus próprios telhados de vidro. É uma triste forma de embalar o país, que nunca chega a acordar para falar dos seus problemas mais fundos e mais graves. Se nem em campanha eleitoral há vontade de falar do que mais importa, quando é que vai haver? Esta é fácil: nunca.


João Miguel Tavares – Publico

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