Há muito que sou favorável à criação de um Museu de Salazar. Mais precisamente, desde 1928. Creio que já nessa altura Salazar merecia um museu, onde ele pudesse figurar, devidamente empalhado, para alegria de todos
Ilustração: João Fazenda
A autarquia socialista de Santa Comba Dão deseja criar um Museu de Salazar. A iniciativa revela grandeza, porque Salazar não desejaria criar uma autarquia socialista em Santa Comba Dão.
Os amores não correspondidos são sempre comoventes. No entanto, é possível que este raciocínio não esteja correcto: se soubesse que a autarquia socialista quereria criar o Museu de Salazar, talvez Salazar não tivesse nada contra autarquias socialistas. É como se costuma dizer: o ódio nasce da ignorância, e provavelmente Salazar não gostava de socialistas apenas por não os conhecer bem.
Pessoalmente, há muito que sou favorável à criação de um Museu de Salazar. Mais precisamente, desde 1928. Creio que já nessa altura Salazar merecia um museu, onde ele pudesse figurar, devidamente empalhado, para alegria de todos. E julgo, aliás, que a ideia do Museu de Salazar peca por defeito. Devia ser criada uma grande Disneylândia do fascismo, em que os visitantes pudessem encontrar diversões tais como viver duas horas nos calabouços da PIDE, frente a um inspector munido de um martelo, ou passar uma tarde na frigideira no campo de concentração do Tarrafal; onde fosse possível denunciar amigos e conhecidos (aproveitando a experiência obtida junto do botão “denunciar”, das redes sociais), vestir a farda da bufa e fazer piqueniques em que uma sardinha dá para três. Além disso, iniciativas deste tipo resolvem um problema antigo: como taxar a estupidez? Muitas vezes se lamenta: “Ah, se a estupidez pagasse imposto…” Pois bem, cobrar bilhetes para o Museu de Salazar pode ser finalmente um modo eficaz de sacar dinheiro a idiotas.
Por outro lado, a criação do Museu de Salazar gera confusão, e eu sou um velho apreciador de confusões. Por exemplo, todos os saudosistas do Estado Novo, até aqui estridentemente receosos de que o poder socialista criasse em Portugal uma Venezuela, afinal tinham razão: por causa de um socialista, Portugal passa a ser um país em que, tal como na Venezuela, se idolatram ditadores. Não deve ser fácil, para um salazarista, ver-se na posição de ter de agradecer a um socialista uma linda homenagem ao doutor Salazar.
Do lado socialista também haverá confusão, de certeza. O PS assinalou – e bem – que a escolha de André Ventura para a autarquia de Loures era significativa do posicionamento ideológico de Passos Coelho, pelo que agora irá – até aposto – assinalar que a manutenção da confiança política no autarca de Santa Comba é significativa do posicionamento ideológico de António Costa. Também deste ponto de vista, a criação de um Museu de Salazar é extremamente pedagógica.
(Crónica publicada na VISÃO 1381 de 22 de Agosto)
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