terça-feira, 3 de março de 2020

«Os portugueses enganam-se quando julgam ser cidadãos de pleno direito»

Há anos que o geógrafo Álvaro Domingues “cartografa” as dinâmicas sociais. É com contundência que diz que andamos todos meio perdidos, desde a agenda mediática, à noção do “país real”. Os tempos são «de navegação à vista», e é urgente começar a saber construir perguntas.

O “país real”, o que é, onde está?

Essa expressão é pro­blemática. O “país real” é muitas vezes referido nos meios de comunicação social para mostrar o que habitual­mente não se mostra. Mas não se sabe qual é a parcela do “país real” que o país contém. Habi­tualmente, vai desde o anedótico ao improvável. É uma expressão sem fundamento, cujo único di­visor comum é não ser um tema habitual da agenda mediática, que é lisboacêntrica, e que tem na política e no futebol os seus principais conteúdos. Depois de apanhar um deputado em falso, um ministro a contradizer-se, uma declaração fora do sítio, um treinador que se despediu, mais umas coisas internacionais e, eventualmente, uma notícia de “faca e alguidar”, fica o Portugal real, mas atirado para o fim.

E em que é que se traduz esse fim?

A posta que resta. A expres­são “país real” já em si é uma contradição; se fosse levada à letra, deveria resultar numa vi­são mais objectiva daquilo que existe. Nunca saberemos o que significa. A realidade é muito complexa e as imagens sim­plificadas que se mostram de um país ou de uma situação são muito redutoras. Há o genérico por um lado, e as curiosidades por outro, que fazem parte da expressão “país real”.

Onde é que se deveria investir?

Conhece-te a ti mesmo, cito o aforisma grego. Dever-se-ia in­vestir no conhecimento do que realmente é o país, os portu­gueses. Andam todos à procu­ra de imagens que preencham determinadas ideias feitas. Sou de Melgaço, onde decorre o Fes­tival Filmes do Homem, e como coordenador do projecto “Quem somos os que aqui estamos em trânsito?” verifiquei que, por ser um município de fronteira, os realizadores focaram-se no con­trabando, na imigração, no tema da fronteira. Ora, estes três temas estão fora de época. A questão da imigração, hoje em dia, não é fa­lar do passado, mas sim do futuro. Houve gerações que imigraram, pensando que um dia voltariam, e por isso construíram casas, mas depois a vida não aconteceu assim. Não seria muito mais in­teressante tentar perceber quem são as pessoas que estão aqui, longe dessas ideias feitas? Fala­-se em portugalidade, o que é? Quase 4/5 do país está num esta­do de flutuação, e parece que não temos consciência disso. Olhamos para a realidade com os nossos lugares comuns, e vamos pisan­do neles, e, de tanto pisar, estes acabam por tornar-se verdade e rigidificam-se.

Reportando a essa flutuação, quais as perspectivas?

Há quem tenha uma visão pessi­mista, porque o país está a ficar esvaziado; uma verdade. Esse fenómeno de perda traz consi­go desequilíbrios demográficos complicados, como o envelhe­cimento. E se as famílias estão divididas, os idosos ficam sem apoio, a situação torna-se muito complicada. Mas depois, olhan­do para os portugueses que estão por esse mundo fora, pode ser optimista. Até se viu o Marcelo a decidir comemorar o 10 de Junho exactamente nesses locais mais povoados por portugueses. Ou seja, dominam estas duas visões. Depois, há uma terceira, de conjuntura, que é da última leva de imigração, dos tempos duros da troika, que levou muitos jo­vens diplomados a deixar o país. Como professor universitário, tenho contacto com essa gera­ção, e ouço-os. As opiniões são as mais diversas. Uns acham que é uma situação a prazo, e que, resolvendo a sua situação, vol­tam ao país. Outros dizem que o mundo é muito vasto, num con­texto de globalização; ponde­ram não voltar. Vejo nestes um sentido de pertença, de territo­rialidade, de portugalidade di­ferente daqueles que acham que ser português é nascer e morrer em Portugal, ou comer bacalhau. Até poderão mudar de ideias, quando quiserem assentar, mas terão de questionar se há condi­ções para regressar. Por conse­guinte, não há como responder. O futuro nunca foi tão opaco, é uma equação do presente. Vive­mos tempos acelerados, com­plexos, inconstantes, o que difi­culta o exercício da futurologia. Tudo é pensado a curto prazo, e compreende-se.

Diz isso com tranquilidade, mas deverá haver situações que o revoltam…

Claro que há. Mas tenho este feitio, uma estratégia para vi­ver, para não ficar deprimido. Não me vale de muito andar num fadinho, a lamentar-me todos os dias. Muito menos face ao meu dia-a-dia como professor. Tenho de chegar à sala de aula de cara alegre. Mas eles já sabem, para eles o futu­ro não existe. Não estou a dizer que esteja bloqueado, mas para eles não é um problema, pen­sam muito no momento, a cur­to prazo. Por isso, ao contrário das gerações anteriores, como o meu pai, que estava sempre a perguntar pelas notas, pelas perspectivas de emprego, vivia nesta ansiedade, a mim não me ocorre perguntar isso aos meus filhos. Se estão felizes, e acham que tudo se vai resolver, eu fico feliz também. Se formos fata­listas, o mundo torna-se ainda mais complicado. Sentir-me-ia um desgraçado. Ser optimista é uma boa terapia. Não é o mesmo que ser tontinho, ou irrespon­sável, ou irrealista. O optimis­mo é tendencialmente saudável.

Face ao que observa, quais é que deveriam ser as prioridades do Estado?

Há tantas matérias, desde a po­lítica financeira à saúde, mas o Estado está a mudar muito. A minha geração viveu tudo em modo acelerado, desde a dita­dura. Depois veio a revolução. Muitos pensavam que Portugal ia entrar na esfera do socialis­mo real da União Soviética, mas assistimos à consolidação da democracia, estávamos na CEE, começou a chover dinheiro, e rapidamente começou a cons­trução do Estado social, em que o Estado teve um papel imen­so na regulação da vida, como aquela música do Sérgio Godi­nho — “a paz, o pão, habitação, saúde, educação” (Liberdade). E para quem não tiver memória longa, é a ideia de Estado que nos foi prometida, e em parte reali­zada, durante o período de cons­trução do Portugal democrático, antes da crise. A crise veio de forma muito cruel. Se formos a ver aquilo que passou das mãos do Estado para a esfera privada, já em pleno processo de globa­lização, tudo o que era o sector empresarial do Estado, tudo o que era o monopólio do Estado… Portugal tinha uma moeda e uma política cambial, deixou de ter. Com os acordos de Schengen, de comércio livre, vivemos num tempo em que não vale a pena o Estado dizer que para proteger as maças portuguesas vai impe­dir a importação das argentinas, isso não vai acontecer, por causa dos tratados internacionais.

… o Estado perdeu a centralidade?

Toda. De actor principal de re­gulação das políticas públicas, transformou-se num actor en­tre muitos, e frágil, por não ter dinheiro. E com o progresso do neoliberalismo, começamos a pregar que o que era bom era menos Estado, e todas estas ló­gicas centradas no individuo, no empreendedorismo, que o Es­tado só estorva, é burocrático, cobra impostos. Caiu-se numa contradição face a um Estado mínimo, que mal consegue fi­nanciar os sistemas. É paradoxal invocar o Estado — como quem invoca o nome de Deus em vão — numa altura em que não sa­bemos o que é que o Estado pode. Produzimos muitas postas de pescada a dizer o que é o Estado deve (fazer), mas não sabemos o que é que pode.

E o papel do cidadão?

Os portugueses enganam-se quando pensam ser cidadãos de pleno direito, isto é, que aquilo que está na Constituição, que define os direitos e deveres de cidadania, tem condições para ser respeitado e cumprido. Mas, lá no fundo, o cidadão sabe que não. Muitas coisas não têm nada a ver com o Estado, mas sim com serviços privados. Por exem­plo, quando discuto as tarifas da EDP deixo de ser cidadão e passo a cliente, e ainda há uma terceira categoria: o utente. An­damos muito baralhados. Mas há que não esquecer que Portu­gal mudou mais nos últimos 30 anos que em toda a sua história. Foram as acessibilidades, a rede eléctrica, as telecomunicações, as escolas, o sistema de saú­de. E isso criou a ideia do Esta­do previdente. Muito ainda se mantém, embora precariamen­te. Recorre-se muito à palavra decalcada que é a sustentabili­dade. O facto de termos entrado em contra-ciclo, quando o resto da Europa já estava a desfazer o Estado social, como a Thatcher no Reino Unido, reforçou outra vez a ideia de um Estado protec­tor. E, portanto, deu uma sobre­vida à ideia de que o Estado está lá para cuidar de nós.

Agora já há quem diga que nos tempos de Salazar é que era bom…

É muito perigoso esse saudo­sismo. O que as pessoas estão a dizer, provavelmente, é que gostavam que a situação fosse mais estável, e que o futuro fos­se menos incerto. Não estão a pensar no outro lado da factura. A emergência dos populismos e dos ditadores acontece normal­mente em períodos de grande insegurança e instabilidade. Há sempre aquela pulsão de ver em qualquer governo a salvação, como no Brasil. Recuso-me a acreditar que aqueles milhões estavam a votar num fascista. Recuso-me. Estavam a fazer do seu voto uma forma de protesto. Queremos uma coisa que fun­cione, que dê a sensação de que alguém segure isto, mesmo que seja um palhaço.

Uma mensagem de alento…

Não me canso de dizer aos alunos que o mundo nunca esteve tão aberto e que também, por via das tecnologias, nunca houve tanta informação, tanta facilidade de aceder a essa informação, em­bora isso também não seja assim tão simples. Não é só perguntar ao Google, que é como dizem “é melhor que Deus, porque res­ponde sempre”, que a respos­ta está lá clarinha; não é assim. Esta geração mais nova tem de ter uma atitude mais crítica face ao conhecimento da realidade. A escola está a falhar em formar um espírito mais analítico. Em vez de decorar coisas sobre o que seja o mundo, como quem decora fórmulas físicas, temos de per­ceber que não há uma só versão, uma só resposta, e que o pen­samento crítico é aquele que é capaz de fazer perguntas. É pre­ciso exercitar muito a chamada navegação à vista. Não temos aparelhos sofisticados para na­vegar longinquamente e que nos permitam conceber estratégias bem montadas para saber onde vamos estar daqui a cinco anos. Não temos!

Saber construir perguntas, é isso?

Precisamente, e quase em cima do acontecimento. Temos de estar muito atentos à realidade, pensar no que devemos procu­rar para aumentar as hipóteses de ter um projecto de vida. E não estar apenas atado, como vejo, nestes movimentos da Natureza e de não sei o quê. Não percebo aquelas almas, parecem-me uns neo-hippies, mas ainda mais re­tintos, com uma visão romântica do mundo, assim como as suas causas. E onde ficam os pobres, a injustiça, os desgraçados? Ago­ra é só os animais e a natureza e o carbono? Não entendo. Mas também, depois de andarem a ser martelados desde a pré-pri­mária, o lixo, o não sei que mais, claro que só podia dar nisto. E vivem num tempo em que é fá­cil criar cenários apocalípticos, com o aquecimento global, as alterações climáticas, acreditam que é com pequenos gestos que vão resolver tudo. Uma tontice.

Mas não sendo assim…

Quando surge uma questão, a melhor forma de a perceber é fa­zer a estatística, perceber quem é que produz o CO2, e assim logo se vê se isto é um problema muito meu ou se o plástico que aparece nas praias foi produzi­do aqui. Não foi! Esse assunto já foi estudado, 80% dos plásticos entra nos oceanos por três rios: o que vem da China, da Índia e de África. Mas isto acontece em quase todas as questões am­bientais; são globais, mas não se faz ecologia política. É muito mais fácil designar entidades abstractas, como o individuo, as pessoas, o homem, e pensar que a Terra é como uma nave espacial. Mas não é. Não tem comandante, não se sabe para onde vai. Veja-se África, uma desgraça, há problemas incríveis que não desatam.

É certo, cada vez menos se fala de África…

Claramente. Aliás, um efeito colateral da agenda ambien­tal é que pelos vistos a pobreza do mundo está resolvida. Tudo isto é paradoxal, um entretém. Não se fala porque se calhar não convém. Até porque, pelos vis­tos, não há nenhuma institui­ção a nível mundial que tenha poder a nível global. Dantes ha­via a ONU, que ainda mandava qualquer coisa; agora nem essa. Tudo tem a ver com determina­dos poderes que vão imergindo, como a China, ou de políticas por parte de países muito importan­tes, como os EUA, que ora viram para ali ou para acolá. Não vejo onde é que está a tal concerta­ção. Ainda agora houve a cimei­ra do clima na Polónia, e até se pode tentar encontrar soluções, mas quem é que vai organi­zar a agenda? O que sabemos da evolução do globo é que já houve tantas mudanças climá­ticas, mas intervaladas sempre em centenas de milhares ou de milhões de anos. Na última gla­ciação, Portugal estava todo de­baixo de uma calote de gelo. Não foi assim há tanto tempo, geolo­gicamente falando. Será que de repente os processos geológicos do Antropoceno entrarem em modo acelerado e começámos a pensar as eras geológicas como relógios? Parece-me estranho. Há uma visão muito enviesada da realidade.

Será que as pessoas se sentem de tal forma manietadas que ao fazerem parte destes movimen­tos acham que conseguem fazer a diferença?

É isso que se dá como justifica­ção. Porque perderam as posi­ções políticas. Viemos de uma ideia de democracia construída sobre instituições, sistemas de direito, achávamos que havia uma vontade colectiva e uma forma de a organizar através do voto. Foi isto que nos foi ensina­do. Hoje, há uma desconfiança muito grande neste sistema, e fundamentada, porque o sistema se anquilosou, foi tomado de as­salto, e está visto que há outros interesses. Não foi o sistema em si que se suicidou, mas há umas videirinhas que entram nele e forçam-no para outro lado. E se há uma descrença muito grande nessa expressão do sentido co­lectivo, as pessoas, como dizem os sociólogos, tribalizam-se — os vegetarianos, homossexuais, budistas, com a facilidade de que é possível organizar essas pseudo-comunidades porque há redes sociais. E através dos “likes”, convencem-se que es­tão a viver as causas. Na reali­dade, o que acontece é que esta­mos a confinar o nosso campo de crenças e de pertença e a afastar os outros. É cada vez mais fácil encontrar esses fenómenos, da pessoa que identifica a sua iden­tidade social designando grupos. Mas onde fica a pertença num colectivo acima desse?

E não há resposta…

Não há. Ou não interessa. Veja­-se a facilidade com que se diz “as pessoas”, ou fazemos isto para as pessoas, ou o importante são as pessoas. Ora, a pessoa não é uma entidade política. Quem são? Não faço ideia. Dez polícias, 50 ladrões, 20… Banalizou-se o conceito de comunidade. No Velho Mundo, todos tinham as mesmas crenças, os mesmos va­lores. E quem não os tinha, que se pusesse a pau. A comunidade era o melhor para a entre-aju­da, mas também o pior se fosse para dar cabo da vida de alguém. Porém, representava uma so­ciabilidade muito bem definida, sem estereofonia, havia acordo das visões do mundo, das cren­ças, dos valores. Olhando agora para a sociedade, é exactamente o oposto. Vivemos numa diver­sidade impressionante. Os mais velhos dizem até que é perigo­síssimo, que já não há valores. Ou até porque determinados bastiões que definiam a moral, como a Igreja, ou uma deter­minada orientação, desapare­ceram. Ou porque muitas coisas se privatizaram.

Dito isso, há valores?

Há! A questão é como é que se partilham. Todos têm valores, obviamente. Basta ver quando se discute as touradas, a eutanásia, a violência doméstica, percebe­-se que há valores. Agora, não se percebe é qual é a hierarquia, a distribuição social, se são to­dos defendidos da mesma ma­neira. Antigamente, apesar de todas as contradições, as linhas eram claras. Hoje não, hoje tudo flutua, é tudo muito mais… a “modernidade líquida”, era as­sim que lhe chamava o filósofo Zygmunt Bauman, usando uma metáfora no sentido em que os líquidos não conseguem segurar a forma. E é verdade, não é ape­nas uma figura de estilo literá­rio. Anda toda a gente a procurar ler os sinais. E então, criam-se mecanismos, como as audições públicas, os orçamentos partici­pativos, os abaixo-assinados, de tudo aquilo que é opinativo. Com isto, posso, por exemplo, obrigar a AR a discutir um determinado tema, é uma resposta à diversi­dade da sociedade, dos valores e das hierarquias dos valores. E não faço a mínima ideia até onde é que vai essa elasticidade. É uma incógnita do presente.

https://executivedigest.sapo.pt/os-portugueses-enganam-se-quando-julgam-ser-cidadaos-de-pleno-direito/

Operação Lex: Cinco desembargadores na teia da corrupção da Relação de Lisboa.

A investigação liderada por Maria José Morgado, que levou à inquirição do juiz Rui Rangel e à apreensão dos seus telemóveis em 2018, deslindou uma teia de tráfico de influências e corrupção no Tribunal da Relação de Lisboa, que envolve, para além de Fátima Galante (ex-mulher de Rangel), três outros desembargadores, avança o Correio da Manhã na edição deste sábado.

Auxiliada por duas procuradoras do DCIAP, Maria José Morgado já terá extraído pelo menos três certidões autónomas do Processo Lex, que visam três magistrados da Relação. Um dos visados será o anterior presidente da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, agora jubilado. Segundo apurou o CM, um conjunto de diligências estão em curso de modo a recolher elementos que sustentem a acusação dos processos autónomos.

A acusação contra Rangel e Fátima Galante deverá ser conhecida no próximo mês de março. Rangel é suspeito de receber subornos em troca de decisões favoráveis judiciais que tomava diretamente ou por influências que prometia mover junto de colegas.

Ao desembargador Rui Gonçalves foi distribuído um recurso do empresário de futebol José Veiga (arguido no Processo Lex), que foi condenado em primeira instância mas, acabou absolvido. Noutro caso, o desembargador Orlando Nascimento, atual presidente da Relação de Lisboa, foi o relator de um recurso de Rangel contra o CM. Nas mensagens, o desembargador pede ajuda a Vaz das Neves para controlar o sorteio do processo, de forma a beneficiar o juiz.


https://executivedigest.sapo.pt/operacao-lex-cinco-desembargadores-na-teia-da-corrupcao-da-relacao-de-lisboa/

Com 19 anos, Naomi assume-se como a anti-Greta. A sua palavra já corre o mundo.

De um lado, Greta Thunberg, defensora da luta contra as alterações climáticas. Do outro, a alemã Naomi Seibt, a dizer que esta luta só tem trazido problemas. A jovem já é o rosto de um movimento anti-Greta e foi inclusive convidada para uma conferência norte-americana de extrema-direita onde esteve Donald Trump.

Naomi Seibt assume-se como anti-Greta e apologista do "realismo climático"

Naomi Seibt assume-se como anti-Greta e apologista do "realismo climático"


Há um ano, uma ambientalista sueca de 16 anos desafiou os líderes mundiais a tomar medidas urgentes para salvar o planeta, durante um discurso no Fórum Económico Mundial, em Davos. Nesta altura, Greta Thunberg estava longe de imaginar o que representaria o seu nome: a voz de todos aqueles que se querem dedicar a lutar pelo bem-estar do planeta, combatendo as alterações climáticas. Já move multidões e é presença habitual nos maiores fóruns internacionais sobre o clima. No entanto, Greta está longe de ser consensual, principalmente perto de quem se recusa a acreditar que existe alterações climáticas para combater. Como é o caso da alemã de 19 anos Naomi Seibt, apontada como a anti-Greta e cuja palavra já corre o mundo.

Naomi considera-se uma "realista climática" e está para os cépticos das alterações climáticas como Greta está para aqueles preocupados com os seus efeitos. À crise do clima de que se fala, a jovem chama de "ridícula". "Tenho óptimas notícias para vocês: o mundo não vai acabar devido às alterações climáticas", diz, num vídeo divulgado no The Sunday Times. "Aliás", acrescenta, "daqui a 12 anos, ainda cá estaremos a tirar fotografias nos nossos iPhones, a tuitar sobre o nosso actual presidente no Twitter e a debater sobre o mais recente rumor sobre celebridades".

A jovem activista alemã acredita que a sociedade está a ser forçada a "uma agenda muito distópica sobre o clima, que nos diz que nós, humanos, estamos a destruir o nosso planeta e que as gerações mais novas não têm futuro, que os animais estão a morrer, que estamos a arruinar a natureza". O que, na sua opinião, tem levado os jovens a culpabilizar os pais e avós, "acabando com relações e dividindo famílias". "Eu não quero que entrem em pânico", remata, contrariando ao discurso de Greta Thunberg em Davos, onde disse querer que todos entrassem em pânico por um planeta que "está em chamas".

Não por acaso Naomi foi convidada do evento norte-americano de extrema-direita Conferência de Acção Política Conservadora (CPAP), no final de Fevereiro, no qual esteve presente o presidente dos EUA. Por várias vezes, Donald Trump mostrou desprezar os números e dados científicos que dão conta do impacto que as alterações climáticas têm para a vida na Terra. Depois de decidir retirar os EUA do Acordo de Paris para o clima, negando estar a ignorar as consequências do aquecimento global, disse que as acções de combate que se têm promovido prejudicam a economia do seu país. "Temos os melhores resultados de sempre e não quero deixar as nossas empresas em maus lençóis. Não quero criar níveis tão elevados que isso nos faça perder 20% a 25% da nossa produção", disse, na altura.

Ainda que a jovem tenha participado neste evento, a sua mãe garante que não é uma defensora da extrema-direita, de acordo com o The Guardian. Contudo, tem sido associada publicamente a ideais extremistas. Ainda segundo o jornal britânico, numa entrevista no Youtube, Naomi referiu-se ao Youtuber canadiano de extrema, Stefan Molyneux, uma "inspiração". Stefan é descrito como um "líder de culto" que promove "o racismo científico, a eugenia e a supremacia branca", de acordo com a ONG norte-americana Southern Poverty Law Center.

Nos últimos tempos, Naomi tornou-se o rosto de empresas e organizações financiadas por empresas de combustíveis fósseis e carvão. É o caso do instituto Heartland Institute, um think tank conservador de políticas públicas, acusado de promover teorias anticientíficas sobre a crise climática, inclusive nas escolas.

A REN E OS 18 MILHÕES DO FISCO

É uma das maiores impugnações dos últimos tempos. A Rede Energética Nacional (REN) avançou para o Tribunal Tributário de Lisboa com um processo contra a Autoridade Tributária. O valor é de 18,3 milhões de euros.

segunda-feira, 2 de março de 2020

A Feira da Ladra

A Feira da Ladra teve início no Chão da Feira, ao Castelo, provavelmente em 1272, tendo mais tarde passado para o Rossio. É no ano de 1552 que surge uma primeira notícia da realização da Feira no Rossio, na Estatística Manuscrita de Lisboa. Em 1610 aparece a designação Feira da Ladra numa postura oficial.

Depois do terremoto de 1755 instalou-se na Cotovia de Baixo (actual Praça da Alegria), estendendo-se mesmo pela Rua Ocidental do Passeio Público. Em 1823 foi transferida para o Campo de Santana, onde esteve apenas cinco meses, voltando para a Praça da Alegria.Em 1835 voltou para o Campo de Santana, onde se conservou até 1882, antes de passar para o Campo de Santa Clara, às terças-feiras, e, desde 1903, também aos sábados

Curiosidade sobre a cidade de Lisboa: a Feira da Virgem

Para quem ainda não sabe, que o nome da Feira da Ladra em Lisboa não tem nada a ver com ladras ou ladrões, mas sim com a língua árabe. De facto a Feira da Ladra remonta ao século XIII(ou mesmo antes), quando a língua árabe era ainda familiar em Lisboa.

Feira da Ladra, que realmente quer dizer Feira da Virgem (a Mãe de Jesus), pois "A Virgem" em árabe diz-se "al-aadraa" (العذراء).

Esta palavra, ouve-se repetidamente na "Nursat", o canal televisivo dos Maronitas (Católicos) do Líbano.

PORTUGAL: QUE FUTURO ?

De vez em quando - e pena é que seja só de vez em quando - aparecem-nos textos que, depois de lidos, apetece relê-los.

Só não se percebe é porque o autor não dá a cara, tanto mais que qualquer de nós é certo que não desdenharia de o ter escrito.

    “Trinta e cinco anos de vida.

    Filho de gente humilde. Filho da aldeia. Filho do trabalho.

    Desde criança fui pastor, matei cordeiros, porcos e vacas, montei móveis, entreguei roupas, fui vendedor ambulante, servi à mesa e ao balcão. Limpei chãos, comi com as mãos, bebi do chão e nunca tive vergonha.

    Na aldeia é assim, somos o que somos porque somos assim.

    Cresci numa aldeia que pouco mais tinha que gente, trabalho e gente trabalhadora.

    Cresci rodeado de aldeias sem saneamento básico, sem água, sem luz, sem estradas e com uma oferta de trabalho árduo e feroz.

    Cresci numa aldeia com valores, com gente que se olha nos olhos, com gente solidária, com amigos de todos os níveis, com família ali ao lado.

    Cresci com amigos que estudaram e com outros que trabalharam.

    Os que estudaram, muitos à custa de apoios do Governo, agora estão desempregados e a queixarem-se de tudo. Os que sempre trabalharam lá continuam a sua caminhada, a produzir para o País e a pouco se fazerem ouvir, apesar de terem contribuído para o apoio dos que estudaram e a nada receberem por produzir.

    Cresci a ouvir dizer que éramos um País em Vias de Desenvolvimento e … de repente éramos já um País Desenvolvido, que depois de entrarmos para a União Europeia o dinheiro tinha chegado a "rodos" e que passamos de pobretanas a ricos "fartazanas".

    Cresci assim, sem nada e com tudo.

    E agora, o que temos nós?

1.       Um país com duas imagens.

·         A de Lisboa: cidade grandiosa, moderna, com tudo e mais alguma coisa, o lugar onde tudo se decide e onde tudo se divide, cidade com passado, presente e futuro.

·         E a do interior do país, território desertificado, envelhecido, abandonado, improdutivo, esquecido, pisado.

 

2.       Um país de vícios.

·         Esqueceram-se os valores, sobrepuseram-se os doutores.

·         Não interessa a tua história, interessa o lugar que ocupas.

·         Não interessa o que defendes, interessa o que prometes.

·         Não interessa como chegaste lá, mas sim o que representas lá.

·         Não interessa o quanto produziste, interessa o que conseguiste.

·         Não interessa o meio para atingir o fim, interessa o que me podes dar a mim.

·         Não interessa o meu empenho, interessa o que obtenho.

·         Não interessa que critiquem os políticos, interessa é estar lá.

·         Não interessa saber que as associações de estudantes das universidades são o primeiro passo para a corrupção activa e passiva que prolifera em todos os sectores políticos, interessa é que o meu filho esteja lá.

·         Não interessa saber que as autarquias tenham gente a mais, interessa é que eu pertença aos quadros.

·         Não interessa ter políticos que passem primeiro pelo mundo do trabalho, interessa é que o povo vá para o diabo.

3.       Um país sem justiça.

  1. ·         Pedófilos que são condenados e dão aulas passados uns dias.

  2. ·         Pedófilos que por serem políticos são pegados em ombros, e juízes que são enviados para as catacumbas do inferno.

  3. ·         Assassinos que matam por trás e que são libertados passados sete anos por bom comportamento!

  4. ·         Criminosos financeiros que sempre escapam por motivos que nem ao diabo lembram.

  5. ·         Políticos que passam a vida a enriquecer e que jamais têm problemas ou alguém questiona tais fortunas.

  6. ·         Políticos que desgovernam um país e que, entre outros, "emigram" para Bruxelas e Paris, a par dos que se mantém ainda activos.

  7. ·         Bancos que assaltam um país e que o povo ainda ajuda a salvar.

  8. ·         Um povo que vê tudo isto e entra no sistema, pedindo favores a toda a hora e alimentando a máquina que tanto critica e chora.

4.       Um país sem educação.

  1. ·         Quem semeia ventos colhe tempestades.

  2. ·         Numa época em que a sociedade global apresenta níveis de exigência altamente sofisticados, em Portugal a educação passou a ser um circo.

  3. ·         Não se podem reprovar meninos mimados.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O magnifico leilão do PREC em Genebra. Parte 2

A 27 de Abril de 1976 a Christie’s levantava o martelo sobre uma venda portentosa: “Magnificent Silver” foi o título do leilão que dispersou pelo mundo algumas das melhores pratas em colecções portuguesas. Estavam, até então, com duas famílias cujos destinos baloiçaram com a Revolução: os Espíritos Santos e os Palmelas. Essa venda representou uma das grandes perdas do Portugal dos anos de instabilidade do PREC e da Reforma Agrária. Terceiro de sete textos.

https://www.publico.pt/2020/02/16/culturaipsilon/investigacao/magnifico-leilao-prec-genebra-1904003

https://www.pressreader.com/portugal/edicao-publico-lisboa-p2/20200216/281483573395331

O magnífico leilão do PREC em Genebra. Parte 1


O magnífico leilão do PREC em Genebra

A 27 de Abril de 1976 a Christie's levantava o martelo sobre uma venda portentosa: Magnificent Silver foi o título do leilão que dispersou pelo mundo algumas das melhores pratas em colecções portuguesas. Estavam, até então, com duas famílias cujos destinos baloiçaram com a Revolução: os Espírito Santo e os Palmela. Essa venda representou uma das grandes perdas do Portugal dos anos de instabilidade do PREC e da Reforma Agrária.

Vanessa Rato
9 de Fevereiro de 2020, 6:56
Parte 1: Os Espírito Santo
Foi "a venda do século", escreveu o Journal de Genève. "A maior venda de pratas alguma vez registada", explicava, por seu lado, a Gazette de Lausanne.
A 27 de Abril de 1976 a leiloeira Christie's levava à praça na capital financeira da Suíça um catálogo de excepção: 446 lotes de ourivesaria histórica, incluindo exemplares raros dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII. Eram crucifixos e outros objectos votivos ou de uso íntimo, mas sobretudo partes de baixelas assinadas por alguns dos mais importantes fabricantes europeus de sempre, nomes como Hans Petzolt, Martin-Guillaume Biennais, Paul Storr, e talvez o mais celebrado de entre os mestres da especialidade: Thomas Germain (1673-1748), o ourives de Luís XV de França, o Bem-Amado, e fornecedor de várias cortes europeias, incluindo a portuguesa — o homem da "divina mão", como escreveria Voltaire.
Lote após lote, em Genebra, foi o esplendor rocaille, o rococó na sua portentosa exuberância escultórica — o maior hedonismo decorativo na mais exemplar minúcia de execução.
Sob o olhar atento de coleccionadores de todo o mundo, foram desfilando candelabros com unicórnios e cavalos, grinaldas de flores, bagas e folhagens; terrinas com sereias, tritões, golfinhos e lagostins, faisões, leões, lebres e javalis; saleiros em forma de caranguejo e conchas; taças e jarras com bacantes, ninfas e bustos alados; gomis, refrescadores, travessas, cafeteiras, bacias e floreiras com cachos de uvas, folhas de parra e outros motivos vegetalistas.
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Pormenor de uma das terrinas Germain vendidas no leilão de 27 de Abril de 1976, em Genebra The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Àquela venda portentosa a Christie's dedicou um catálogo intitulado Magnificent Silver — o registo e descrição de um conjunto de 446 lotes, em que o último, o lote 446, ficou teatralmente reservado à que se imaginava (e confirmou) vir a ser a venda mais importante do leilão: um par de terrinas Germain completo, com as tampas e os seus présentoirs (travessas).
Datadas de 1744-1750, essas terrinas foram fotografadas a cores para o catálogo: a superfície finamente polida a reluzir contra o azul vibrante de um fundo monocromático, os pés e asas em voluta das protagonistas a simular movimento, as tampas ricamente decoradas com lagostas, caranguejos e camarões; no topo, uma elegante couve-flor rematando e servindo de pega.
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Capa do catálogo "Manificent Silver" da Christie's
No total, no conjunto da venda das suas quatro centenas de lotes, Magnificent Silver rendeu 7,2 milhões de francos suíços — um valor extraordinariamente alto para a época. Ao câmbio actual, seriam 6,7 milhões de euros, mas, na Europa de Setenta, era uma quantia enorme de dinheiro. Estabeleceu, na verdade, o recorde mundial para um leilão na especialidade de artes decorativas, praticamente duplicando os 4 milhões feitos pela mesma leiloeira no Outono anterior.
E deu-se ainda que, naquele 27 de Abril, um único lote rendeu um quarto do valor total arrecadado: o lote estrela da noite, constituído pelo par de terrinas Germain, foi arrematado por 1,8 milhões de francos — 1,6 milhões de euros pagos por um coleccionador privado que manteve as peças até 1982, altura em que as vendeu ao J. Paul Getty Museum de Los Angeles. Isto num momento histórico em que um milhão era coisa raríssima e tinha um poder aquisitivo muitas vezes superior ao actual, sobretudo em francos suíços, uma das moedas mais fortes da Europa, a par do marco alemão.
Com uma das mais importantes colecções de artes decorativas do mundo, o Getty Museum tem até hoje esse par de terrinas em exposição. Antes do leilão da Primavera de 1976 o conjunto estava na posse de uma das mais poderosas famílias do Portugal do Estado Novo: os Espírito Santo — uma das várias grandes famílias que cairiam temporariamente em desgraça sob a "muralha de aço" do "gonçalvismo" contra os impérios financeiros concentracionários e monopolistas do Portugal de então.
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O par de terrinas que se tornou a estrela do leilão da Christie's de 27 de Abril de 1976 The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Na verdade, dos 446 lotes da venda da Christie's daquela noite, é possível que cerca de um terço estivessem antes em Portugal. Peças não apenas de colecções portuguesas, mas muitas também de fabrico nacional.
Página após página do antigo catálogo, em dezenas sobre dezenas de lotes, sucedem-se as proveniências assinaladas como portuguesas. Várias surgem também dadas como "raras". O caso de um jarro com a sua bacia datado de 1700 e de fabrico nacional — segundo a leiloeira, tratava-se de uma rendição em prata de um outro exemplar em porcelana azul e branca vendido sete anos antes em Londres e no qual tinham sido identificadas as armas do fidalgo e administrador colonial D. Rodrigo da Costa (1657-1722), governador do Brasil e vice-rei da Índia. O caso ímpar também de um crucifixo processional com braços em flor-de-lis e base de decoração gótica — datado de cerca de 1450, terá acompanhado D. Afonso V e o príncipe D. João na batalha de Toro, em 1476.

Qual crise?

Na década de 1970, os dois grandes leilões anuais da Christie's de Genebra decorriam no Richemond, um dos hotéis históricos da cidade, cinco estrelas com vista para o lago Léman, o jardim dos Alpes e as encostas nevadas do Mont Blanc — o hotel de Clark Gable e Rita Hayworth, Kissinger e Aga Khan, Chagall, Sophia Loren, Chaplin, Disney e tantos outros. Na véspera, na primeira venda daquele leilão de Abril, dedicada a jóias, um comprador de Singapura arrematara por 700 mil francos suíços (654 mil euros) um par de brincos de diamantes, cada um com um cabochão pendente em forma de pêra. Um comprador canadiano licitara também até aos 600 mil (561 mil euros) um colar de esmeraldas e diamantes e um comprador inglês fora até aos 550 mil (514 mil euros) por uma tiara. Quantias altas, mas que, ainda assim, não prepararam os especialistas para os valores a que chegaria Magnificent Silver.
Escoar 446 lotes implicou um dia inteiro, de manhã à noite. Três sessões consecutivas, com início às 10h, às 15h e às 20h30. "Uma euforia", escreveu o Journal de Genève. "Das fabulosas colecções, cerca de 90% dos lotes foram vendidos", explicava este diário, que divulgou também, em traços largos, o perfil dos compradores: na sua maioria, coleccionadores e antiquários franceses, ingleses, alemães, americanos e suíços.
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Hotel Richemond, em Genebra
"Qual crise?", titulou por seu turno a Gazette de Lausanne. "Os magos governamentais que lobrigam de longe a saída do túnel devem ter razão", escrevia este jornal.
Após uma análise da diversidade de nacionalidades representadas no leilão, tanto em sala como ao telefone, chegava a conclusão: "A situação parece das mais florescentes. Por todo o lado."
Era uma generalização — abusiva, como todas. Não era assim, claro. Havia um motivo para tantos bens magníficos surgirem naquele momento no mercado: longe de uma economia florescente, Portugal vivia em meados da década de 1970 um dos seus maiores pânicos financeiros de sempre. Atravessava também o momento potencialmente mais violento da sua história metropolitana contemporânea. 
Em Lisboa, dois dias antes do leilão de Genebra, celebrara-se o segundo aniversário da Revolução. Ao mesmo tempo, tinham-se realizado as primeiras eleições para a Assembleia da República e entrara em vigor a Constituição da República Portuguesa, aprovada após um ano de trabalho da Assembleia Constituinte.
Deste ponto de vista, corria um dos momentos mais transformadores e exaltantes da história nacional. Mas, nos 24 meses decorridos entre Abril de 1974 e Abril de 1976, o país resvalara também várias vezes entre a possibilidade da bancarrota e a iminência de uma guerra civil. Especialmente entre Março e Novembro de 1975.
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A 11 de Março de 1975, com a repressão militar e popular da tentativa de golpe de Estado liderada pelo general António de Spínola, ficara lançado o período formal do chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC). Nove meses marcados por sucessivos golpes e contragolpes de tensão político-militar crescente com que tanto a esquerda como a direita portuguesas tentaram consolidar as suas posições no poder. Nove meses, também, em que as ruas se viram interrompidas por barricadas e percorridas por brigadas armadas de diferentes facções.

Quando o capitalismo se afundou

O gatilho fora activado um pouco antes, a 28 de Setembro de 1974. Cinco meses volvidos sobre a Revolução, a auto-intitulada "maioria silenciosa", composta pela direita portuguesa, tentava uma manifestação de apoio a Spínola, então presidente da Junta de Salvação Nacional, o primeiro Governo do pós-25 de Abril.
Ao longo de três semanas, conservadores, tanto civis como militares, reuniram-se em torno da ideia da necessidade de reforço ao precário poder do general face à consolidação da esquerda e à reestruturação do país sob os seus princípios. Mas essa "intentona" contra-revolucionária não aconteceria. Na véspera, o Copcon, o Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho, reagiu.
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Otelo Saraiva de Carvalho Giorgio Piredda/Sygma via Getty Images
A 27 de Setembro, em articulação com o ministro da Defesa Mário Firmino Miguel, Saraiva de Carvalho conseguiu a interdição da manifestação pelo MFA (Movimento das Forças Armadas). Lançou, ao mesmo tempo, uma operação que visava decapitar as elites civis da "reacção", ordenando a prisão de personalidades ligadas ao Estado Novo e à Legião Portuguesa.
Seria o contexto de recrudescimento de princípios que levaria a que, a 14 de Março de 1975, a nacionalização do sistema bancário português fosse oficializada e anunciada pelo Conselho da Revolução — o arranque de uma onda de nacionalizações e expropriações que se estenderia a todos os mais importantes e concentracionários sectores da actividade económica nacional, entre os quais o agrícola, com a Reforma Agrária, sob o lema "a terra a quem a trabalha".
O país estava "finalmente a caminho de criar uma sociedade nova", diria Mário Soares, o líder socialista, celebrando com gáudio aquele 14 de Março, "o dia em que o capitalismo se afundou".
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Ordem de captura do Copcon
"Um dia histórico para o nosso povo", disse na RTP o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves.
É que, do ponto de vista da esquerda, a única "maioria silenciosa" fora a constituída pelo povo português durante "a longa noite da ditadura". Os conservadores de direita eram a "minoria tenebrosa" — "os vampiros", os que "comiam tudo e não deixavam nada".
No Portugal de Setenta, o poder económico-financeiro concentrava-se na mão de menos de dez grupos que detinham 80% do mercado da banca, 55% do mercado dos seguros, de oito das dez maiores empresas industriais e as maiores extensões latifundiárias. Os Espírito Santo, os Champalimaud, os Mello e os Vinhas estavam entre os mais conhecidos nomes por detrás desses grupos.
Eles eram "os monopolistas", os que queriam "meter travão", "fazer marcha-atrás no caminho da revolução". Foi contra eles que naquele ano quente de 1975 o povo começou a cantar "força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço". E foi deles que começaram a sair os mandados de captura.
Os Espírito Santo ficaram na cela 6 de Caxias, a "sórdida, mas saudável mansão" que a dada altura chegou a ter 14 homens, segundo o diário de um dos reclusos.

Contrafortuna

"Se Espírito Santo e Mellos vão para a prisão, este facto mostra melhor do que muitos outros que está chegando a hora da liquidação dos grandes privilégios, a hora em que o povo português será senhor dos destinos de Portugal", diria então o líder comunista Álvaro Cunhal. No final do mês, Manuel Ricardo Espírito Santo já era dado em documentação do Governo como "antigo banqueiro".
Apontado em 1973 para a presidência do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Manuel Ricardo Espírito Santo tinha 42 anos quando foi preso. Assumira o lugar na banca em princípio destinado ao irmão mais velho, José Ribeiro do Espírito Santo e Silva, que morrera sete anos antes. É à linha hereditária deste último que o Getty Museum atribui a proveniência das duas terrinas Germain.
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José Ribeiro do Espírito Santo e Silva Eduardo Malta, 1933
Segundo informação do museu, em 1976, o par estaria na posse de Vera Lillian Morais Sarmento Choen Espírito Santo e Silva, a viúva de José. Depois de uma sucessão de cinco proprietários que terá começado no século XVIII com Dom Gaspar de Bragança, arcebispo de Braga.
As armas originais desse filho de D. João V acabariam por nunca ser apagadas das terrinas, mantendo-se até hoje. A elas juntar-se-iam depois as armas do aristocrata Robert John Carrington, o primeiro de quatro proprietários britânicos — até ao regresso das peças a colecções portuguesas em meados dos anos 1950 pela mão dos Espírito Santo.
Em 1955, a família formalizou a compra da Comporta e suas explorações agrícolas à inglesa Atlantic Company. As terrinas tinham trocado de mãos no ano anterior, em 1954. Duas décadas volvidas, à época do leilão de Genebra, Vera tinha 72 anos. Assistira à prisão dos homens da família, à nacionalização das empresas, ao congelamento das contas bancárias de todos e à expropriação das terras geradoras de rendimento, entre as quais os 11 mil hectares de arrozais da Herdade da Comporta. O destino da família contemplava repentinamente uma contrafortuna.
É de presumir que em algum momento esta matriarca Espírito Santo tenha arranjado forma de retirar de Portugal bens que pudessem garantir a sua subsistência imediata, a da sua única filha e netos.
Por então, as autoridades públicas portuguesas fiscalizavam duramente há já muito não só a saída ilegal de divisas e acções, mas também de bens móveis. Na sequência quase imediata da Revolução, o industrial e banqueiro António Champalimaud, dono da sétima maior fortuna da Europa, antecipara-se e levara para Londres a parte da sua colecção de arte que tinha Portugal, fazendo substituir nas paredes de casa os originais por cópias. Foi célebre o seu caso, a par com o de Jorge de Brito, o criador da Brisa, que, já preso, conseguiu fazer sair para Espanha algumas das mais importantes obras da sua colecção que, à época, teria cerca de três mil peças — para Espanha seguiram dois camiões com pratas e mobiliário antigo, 25 quadros de Vieira da Silva, três Magritte, pelo menos um Modigliani, vários serviços Companhia das Índias, um Vista Alegre…
Champalimaud e Jorge de Brito foram os protagonistas dos dois únicos casos de grandes movimentos de retirada de obras de arte do país a ganhar verdadeira visibilidade pública. À época, porém, muitas outras famílias tiraram os seus bens de Portugal pelas mais diversas vias, em alguns casos por entre os contentores, caixotes e sacas com bens comuns que todos os dias circulavam.
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António Champalimaud Alfredo Cunha/Lusa
Toneladas diárias em exportação e importação a multiplicar pelos aeroportos, portos, estações ferroviárias e fronteiras rodoviárias de todo o país. E por entre milhares de transportadores de carga e viajantes regulares carregados de bagagem ordinária.
Nas alfândegas, os funcionários não sabiam o que fazer. Sem formação específica, não tinham ferramentas para destrinçar o relevante do irrelevante. Dependendo do zelo e diligência de cada um, as bagagens acumulavam-se ou eram deixadas passar sem real escrutínio. E todos os dias especialistas em pintura, escultura, ourivesaria e mobiliário ligados a estruturas e instituições do Estado eram chamados às mais diversas alfândegas para pareceres de autorização ou interdição de saída de bens.
Exasperada, em Dezembro de 1975, numa carta que enviou ao director-geral dos Assuntos Culturais, a historiadora de arte Maria Alice Beaumont questionava "a validade da perda de tempo de um profissional especializado obrigado a deslocar-se para fazer peritagem de objectos" por entre aquela ventura casuística.
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Maria Alice Beaumont
Atenta ao seu meio, Beaumont sabia que as famílias com posses de real monta tinham formas eficazes de fazer sair bens do país — transportadoras e passadores, funcionários com relações em postos estratégicos, acesso, até, a avionetas. O questionamento da historiadora foi frontal: "Justifica-se que sejamos chamados a examinar bagagens que ridiculamente incluem trens de cozinha, vestuário usado e estampas vulgares reproduzindo obras de arte, quando peças de qualidade saem do país sem entrave? A que papel somos então chamados?"
Na sua carta, a especialista apontava especificamente um conjunto de "preciosas pratas Germain que existiam em Portugal" e tinham sido "há bem pouco tempo vendidas em Genève pela Christie's".
"Como e quando saíram de Portugal?", questionava a historiadora.

Tour de force

A avaliar pela data da missiva, Beaumont não poderia estar a referir-se às terrinas Espírito Santo, que chegariam ao mercado apenas quatro meses depois. Referir-se-ia mais provavelmente a um outro par Germain, também português, também hoje há muito no Getty Museum — um par decorado com cabeças e patas de javali, inicialmente adquirido em Paris em 1764 pelo então embaixador de Portugal em França, Martinho de Melo e Castro.
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Par de terrinas que pertenciam à família Melo e Castro The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Tal como o par Espírito Santo, o par Melo e Castro foi também vendido pela Christie's e também em Genebra, mas um pouco antes: em Novembro de 1975. Até esse leilão de Outono, as "Cabeça de Javali" não tinham saído nunca da linha de herdeiros Melo e Castro, chegando a Dom José Lobo de Almeida Melo e Castro, 11.º Conde de Galveias (1923-1998).
No Getty, Charissa Bremer-David, curadora de artes decorativas, mostra-se surpreendida com os contornos desta narrativa e o contexto de saída das peças de Portugal — um contexto sócio-político e económico que diz ser completamente desconhecido no museu, não constando dos seus materiais narrativos.
Já a história portuguesa mais recuada é-lhe familiar na ligação aos fabricantes de pratas Germain, nomeadamente no tocante às aquisições e ao gosto de Melo e Castro por sumptuária. Mais para trás, Bremer-David aponta também a importância de D. João V como grande mecenas do mercado do luxo do século XVIII, incluindo com a encomenda da baixela perdida no terramoto de Lisboa de 1755 e depois substituída por outra, já no reinado de D. José I e assinada pelo neto Germain — François-Thomas Germain.
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Thomas Germain (1673-1748), o ourives de Luís XV de França, o Bem-Amado, e fornecedor de várias cortes europeias, incluindo a portuguesa N. de Largillierre (1736)
Ao falir, este terceiro ourives Germain acabaria por deixar inconcluso o seu trabalho para a corte portuguesa, com um número de peças da quantidade total paga deixadas por executar — isso não impediu, porém, que o conjunto efectivamente entregue, repartido hoje entre o Palácio Nacional da Ajuda e o Museu Nacional e Arte Antiga, fosse estreado a 13 de Maio de 1777, na coroação de D. Maria I, continuando a influenciar o gosto nacional.
"Creio ter sido assim que algumas das melhores pratas Germain sobreviveram em Portugal, escapando à Guerra dos Sete anos e à Revolução Francesa, dois momentos em que muita prata foi derretida, perdendo-se para sempre", diz Bremer-David.
Questionada sobre o potencial valor das terrinas Espírito Santo no mercado actual, a curadora escusa-se a comentar, apontando a falta de referências. "Nenhumas terrinas comparáveis foram recentemente vendidas no mercado leiloeiro", justifica. 
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Pormenor das terrinas Germain que estavam na posse dos Espírito Santo The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Bremer-David refere apenas serem peças "magníficas" e aponta um indicador: em Agosto último, a Sotheby's fez circular o anúncio internacional de venda de uma outra terrina Germain da primeira metade do século XVIII (1740-42). Durante o tour de force de publicidade à obra, o nome do proprietário foi mantido em segredo. Já os valores foram amplamente divulgados: a Sotheby's anunciou uma expectativa de venda de três milhões de dólares (2,7 milhões de euros).
A peça em causa, uma de um par com pés em forma de casco e tampa redonda decoradas com lagostins e alcachofras, deveria ter ido à praça em Outubro último — não aconteceu. A leiloeira concluiu que não encontraria o interesse desejado e retirou o lote.
Contactada pelo P2, a Fundação Ricardo Espírito Santo (FRESS), precisamente especializada em artes decorativas, absteve-se de qualquer comentário sobre a narrativa familiar ou o valor estético ou patrimonial das terrinas em tempos na família, sublinhando apenas não terem nunca passado pelos acervos da FRESS nem pertencido à colecção privada do criador da fundação — só à do seu irmão.

Os livros Os Dias Loucos do PREC, de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, e O Ataque aos Milionários, de Pedro Jorge Castro, estiveram entre as mais importantes fontes documentais para a contextualização da época neste artigo, para além da consulta directa de periódicos nacionais e internacionais.

No próximo domingo "Parte 2: Os Palmela"

Vanessa Rato é jornalista e investigadora em arte e cultura do CHAM – Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa

Nos anos de instabilidade que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, milhares de obras de arte desapareceram de museus, igrejas, hotéis, gabinetes públicos e colecções particulares portuguesas, atravessando fronteiras numa vertigem de esvaziamento até hoje por estudar e, em grande medida, mantida em segredo. Para a série "Portugal em Fuga", vencedora da I Bolsa de Investigação Jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian, Vanessa Rato encontrou o rasto de sete obras e das narrativas, às vezes desesperadas, que ditaram os seus destinos — o retrato de um país em mudança.

Registo de interesses - Deputados

Pesquisar os “nossos” deputados e governantes.

https://www.parlamento.pt/RegistoInteresses/Paginas/RegistoInteressesDeputados.aspx

11 membros do Governo com registos de interesses em atraso (7 deputados obrigados a deixar cargos).


Os registos de interesses de 11 membros do Governo – 5 ministros e 6 secretários de Estado – não estão ainda disponíveis no site do Parlamento, cinco meses depois da tomada de posse do Governo. Este atraso deve-se, essencialmente, a “problemas de preenchimento”. Enquanto isso, sete deputados foram forçados a deixar cargos em empresas devido a incompatibilidades.

Os deputados Pedro Cegonho, Alexandre Quintanilha e Joaquim Barreto (PS), Ofélia Ramos, Lina Lopes e Lima Costa (PSD) e João Almeida (CDS) tiveram que deixar lugares em empresas ou entidades pelo facto de esses cargos serem incompatíveis com os seus postos na Assembleia da República, como reporta o Correio da Manhã (CM).

O jornal apurou que o Grupo de Trabalho que está a analisar os registos de interesses pediu “correcções” nos documentos a 209 dos 300 deputados e membros do Governo que estão obrigados a entregá-los.

Entretanto, há 11 elementos do Executivo cujos registos de interesses ainda não estão acessíveis para consulta online, no site do Parlamento. Estão em causa os ministros Eduardo Cabrita (Administração Interna), Nelson de Souza (Planeamento), Manuel Heitor (Ensino Superior), Pedro Nuno Santos (Infra-estruturas e Habitação) e Maria do Céu Albuquerque (Agricultura), bem como os secretários de Estado Teresa Ribeiro (Negócios Estrangeiros e Cooperação), Eurico Brilhante Dias (Internacionalização), Ana Sofia Antunes (Inclusão de Pessoas com Deficiência), João Catarino (Valorização do Interior), Alberto Souto de Miranda (Adjunto e das Comunicações) e Nuno Russo (Agricultura e Desenvolvimento Rural).

O secretário-geral da Assembleia da República, Albino de Azevedo Soares, explica o atraso com “pedidos de esclarecimento ou de aditamento de documentação feitos pelo Grupo de Trabalho constituído no âmbito da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados”, como refere ao CM.

O presidente do Grupo de Trabalho, Pedro Delgado Alves, acrescenta no mesmo jornal que não estão em causa situações de incompatibilidade, mas que o atraso “tem muito que ver com situações de natureza prática e até tecnológica, como problemas de preenchimento”.

Pedro Delgado Alves garante ainda que os registos já deram todos entrada no Parlamento para serem alvo de nova análise, antes da sua publicação online.

Entretanto, também os registos de nove deputados não podem ainda ser consultados. Estão em causa Alexandre Quintanilha, António Gameiro, Carlos Pereira, Hugo Pires, Joaquim Barreto, Paulo Pisco e Sónia Fertuzinhos, do PS, João Gonçalves Pereira, do CDS, e Joacine Katar Moreira, Ex-deputada do Livre.

https://zap.aeiou.pt/governo-registos-interesses-atraso-310429

Coronavirus COVID-19 Global Cases by Johns Hopkins CSSE.

Mapa global muito interessante e esclarecedor.

A Universidade John Hopkins, situada em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland, criou um mapa interativo que atualiza os números de casos do novo coronavírus por país, as mortes causadas e ainda os pacientes recuperados.

O mapa, que exibe os terrotórios mais afetados pelo surto e a sua evolução, tem como fonte dados da Organização Mundial da Saúde, os Centros para Prevenção e Controlo de Doenças dos Estados Unidos e da China, bem como a Comissão Nacional de Saúde da China.

https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html?fbclid=IwAR2pADvHxqfFZSh2-jseBt0_6JH1dIyv7NUfPkZfUj9HOOjx-gzH6WNrR3U#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6