Quando a SIDA apareceu nos anos 80 não se proibiu nada a ninguém.
Em 2020, quando chegou o COVID proibiu-se quase tudo a toda a gente.
Somos as cobaias de uma nova forma de governar:o social-sanitarismo
11 jul 2021, Helena Matos, ‘Observador’
Acabou. Não sei se se pode ou
não circular, muito menos estou para aprender as horas a que o posso fazer e
donde para onde se pode ir, se com ou sem testes. Acabou. O que for será. Não é
revolta, é cansaço.
Cansaço de viver num país
reduzido à condição de cobaia de um governo incompetente, numa época que trocou
o ideal da liberdade pelo da protecção. Todos os dias estamos mais longe dos
cidadãos livres que fomos para nos tornarmos cidadãos protegidos. Ou na versão
socialista, assistidos: é a morte assistida; as redes sociais assistidas (ler,
censuradas): a escola transformada num espaço de pensamento assistido…
No século XX, os sonhos da
igualdade e da pureza racial levaram-nos ao inferno. No século XXI, o sonho de
vivermos protegidos do vírus, do risco, da História, está a levar-nos para uma
nova ordem: o social-sanitarismo. Uma concepção do mundo em que a divergência
deixa de ser um direito para se tornar numa patologia.
Quando a SIDA apareceu nos
anos 80 do século passado não se proibiu ninguém de amar, de viajar ou de estar
com os seus. Em 2020, quando chegou o COVID fechámo-nos em casa, os velhos
morreram sós nos lares, a economia privada aguentou uma nova onda de
austeridade e Portugal assumiu o estatuto de país-RSI: os portugueses pedem
apoios ao governo que por sua vez espera apoios dos fundos europeus. (Onde está
o sonho de produzir riqueza?)
Em 2021, conseguiu-se uma
vacina em prazos nunca antes alcançados, conceberam-se espantosos planos de
vacinação para milhões de pessoas mas em vez de se celebrar o progresso
mantém-se o discurso do medo. E da culpa: o vírus não se vai embora porque nos
portamos mal. Uns dias portam-se mal os pais porque celebram a consoada,
noutros os filhos porque vão a festas de Verão. Só o que depende do Governo,
como acontece com os transportes públicos ou a final da Champions, nunca tem
qualquer impacto na propagação do vírus.
Em 2021, os doentes continuam
semi-prisioneiros nos hospitais, a polícia entra numa casa para retirar uma
filha à sua mãe unicamente porque a criança não usou máscara na escola e nós
todos vivemos a toque de regras absurdas e despóticas: o que se pretende ao
fechar os supermercados às 15h 30m aos fins-de-semana? Que vamos todos fazer
compras ao mesmo tempo?
Há ano e meio que vivemos em
estado permanente de estupidificação: primeiro as máscaras davam uma falsa
sensação de segurança, depois as máscaras tornaram-se obrigatórias. Levámos
semanas a ouvir que tínhamos de confinar para salvar os idosos mas em seguida fomos informados que
os mais idosos não iam ser vacinados em primeiro lugar. Depois, sem explicações de maior, os mais idosos
voltaram a ser prioritários. Passámos sem perguntar porquê do “milagre
português” para o desastre (obviamente sem pátria” e do “está tudo preparado
para o Inverno de 2020-2021” para a “culpa foi do Natal”… Mas graças a Deus a
condução errática da pandemia é um problema do Brasil de Bolsonaro!
O social-sanitarismo fez de
cada um de nós um potencial paciente que vive centrado nos seus sintomas,
aceita a falta de coerência nas políticas governamentais com o fatalismo quem
vê a equipa médica que o assiste alterar-lhe os tratamentos e analisa o mundo
como quem interpreta os valores do colesterol depois de um jantar de festa:
tudo, do frio ao calor, da pobreza à doença, é o resultado das más acções. Mas
não só. O social-sanitarismo reduziu-nos ao estatuto do paciente que vê na
privação a sua salvação: Vamos deixar de andar de avião! Vamos ter zero
emissões!… O zero como reivindicação é um símbolo do social-sanitarismo: já não
esperamos que o progresso resolva os problemas, desistimos de fazer o que
gostamos e de viver como queremos. Pelo menos até que os vigilantes do nosso
bem-estar determinem que afinal o que fazia mal já não faz tanto mal assim.
Nos anos 60 do século passado
exigia-se mais liberdade aos governos. Nós esperamos que quem nos governa nos
dê alta e no nosso caso um apoiozinho!
As espécies não regridem mas
as sociedades certamente que sim: o social-sanitarismo é a prova disso.
Ps. A senhora secretária
de Estado para a Cidadania e a Igualdade Rosa Monteiro já se pronunciou sobre
as declarações de Mamadou Ba sobre o apresentador de televisão Manuel Luís
Goucha? Acontece que a secretária de Estado Rosa
Monteiro é responsável pelo Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao
Racismo e à Discriminação para o qual foi convidado Mamadou Ba, o mesmo que escreveu sobre Manuel Luís Goucha
“Goucha, o gay que tentou reabilitar Mário Machado, um criminoso nazi homófobo
assumido, sai agora definitivamente do armário racista e apoia a candidata
racista do PSD na Amadora. Isto vai para lá do sinistro homonacionalismo”.
A não ser que Mamadou Ba tenha
sido convidado para ilustrar ao vivo o que é um discurso de discriminação não
se percebe o que está a fazer nesse grupo. E muito menos o silêncio da
secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade Rosa Monteiro.