Por: António Franco Preto
Introdução
O nosso curso[1] reune-se mensalmente para almoçar (na 1ª quarta-feira de cada mês, excepto Agosto) desde há mais de 40 anos. No mês de Outubro de 2011 o almoço[2] teve lugar no dia 12 porque a 1ª quarta-feira era feriado nacional.
Durante esse almoço fiquei ao lado do Manuel Arantes e Oliveira (ex-43 de 1949/1955) que me desafiou a aprofundar os meus conhecimentos sobre o ceitil [3].
Tendo recebido a confirmação de que era uma moeda portuguesa do passado, o desafio parecia fácil pois o meu conhecimento de moedas reduzia-se praticamente àquelas com que tenho lidado durante a minha vida.
A curiosidade tomou conta de mim e resolvi então dedicar-me durante vários dias a estudar o assunto. Como 'uma coisa puxa a outra', passei das moedas para o papel-moeda (vulgo, ‘notas’) e ficaram-me na memória vários factos interessantes (pelo menos para mim...), tanto no que diz respeito a umas como a outras. No final, achei que valeria a pena organizar alguns dos conhecimentos adquiridos e escrever um artigo para a nossa revista, poupando-vos assim algum tempo de pesquisa[4].
Acontece que, por razões várias, arquivei o projecto (depois de ter escrito um artigo sobre o tema, dedicado a ‘Antigas moedas e notas portuguesas’) sem o ter proposto para publicação na nossa revista. Mais de cinco anos passados, reencontrei nos meus arquivos o ‘escrito’ em causa, resolvi alterar o seu título para ‘Sobre Moedas e Papel-moeda’ e reescrevi-o quase na totalidade para o enviar ao Gonçalo – o Gonçalo Salema Leal de Matos – propondo a sua inclusão na nossa ‘ZacatraZ’.
Antes de iniciar a descrição do que escolhi, aconselho-vos a munirem-se de uma lupa para poderem apreciar melhor as imagens de algumas moedas e papel-moeda que vou incluir no texto.
Nota Inicial - Esta introdução termina com uma ‘imagem-recordação’ de dois exemplares da moeda de um Escudo da república portuguesa (certamente a moeda mais representativa para a minha geração) e uma imagem de um Escudo em ouro, de 1432-1481.
1915
1927
Interessante notar que a efígie da ‘República Portuguesa’ tem orientações opostas. Gostava de conhecer a sua justificação (política ou simples opção artística?).
O Escudo em Ouro
O nome 'escudo' já vem do reinado de D. Duarte, o nosso primeiro rei que terá mandado cunhar moedas em ouro com aquela designação (no que foi seguido por outros monarcas, nomeadamente D. Afonso V, D. João V e os seus sucessores até 1822).
O seu nome é devido a ter numa das faces o escudo das quinas coroado.
Apresentamos - a terminar esta introdução - uma imagem de um escudo em ouro.
Escudo em ouro, D. Afonso V (1432-1481)
-------------------------------------------------------------------------------
Moedas
A 1ª moeda no mundo (?) - O ‘estáter’
(Século VII B.C. - no reino da Lídia – antiga Turquia – o rei Aliates)
Moeda feita de uma liga natural de ouro e prata , fundida em forma de disco e cunhada com o símbolo dum leão (o símbolo da sua família).
Com esta decisão, o mundo do ‘comércio da troca directa’ (e não só) nunca mais foi o mesmo.
Para informações adicionais consultem o ‘website’ da Casa da Moeda:
https://www.museucasadamoeda.pt/video/4
Moedas Portuguesas (Do Dinheiro, ao Real e ao Escudo)
A primeira moeda portuguesa foi o dinheiro.
ΑΩ - ‘Eu sou o Alfa e o Omega / ‘Eu sou o Princípio e o Fim’
disse o Senhor Deus (Apocalipse 1:8,11)
Uma face desta moeda tem gravadas a 1ª e a última letra do alfabeto grego (alfa e omega) com a cruz latina (o mais conhecido símbolo do cristianismo) entre elas. A outra face tem gravada a cruz judaica de 6 pontas. O ministro das finanças de Portugal era um líder religioso e político judaico e Rabino-Mor de Portugal (Yahia Ben-Yahia).
D. Afonso Henriques mandou em 1180 cunhar - depois de em 23 de Maio de 1179 ter sido reconhecido pelo Papa Alexandre III como rei de Portugal[5] - dinheiros e meios-dinheiros (denominados mealhas[6]). As mealhas deixaram de ser fabricadas por volta de 1220, no reinado de D. Afonso II, mas - por serem necessárias para trocas - mantiveram-se engenhosamente em circulação, com a população a cortar os dinheiros mais ou menos ao meio!
Estas moedas eram feitas de bolhão, uma liga de prata e cobre. A partir de D. Afonso III aumentou consideravelmente a produção de dinheiros nesta liga metálica.
Para efeitos contabilistícos, 12 dinheiros valiam um soldo e 20 soldos valiam uma libra![7]
A designação de soldo vem de uma antiga moeda romana (solidus) e a palavra soldo era na Idade Média utilizada para designar o pagamento aos soldados.
Por volta de 1200, D. Sancho I introduziu o morabitino em ouro que valia 15 soldos (e que era uma resposta ao dinar[8] muçulmano).
O morabitino foi a primeira moeda de ouro a ser cunhada em Portugal. No seu anverso, D. Sancho, coroado, é representado a cavalo, com uma espada alçada numa mão e o cetro encimado pela cruz na outra (grafismo que é perfeitamente visível com o auxílio duma boa lupa). No reverso, vêem-se as armas reais. Além do seu valor económico, a sua cunhagem tinha uma dupla simbologia:
- afirmar o poder real no reino, tanto pela representação do papel de guerreiro do soberano, como pelo prestígio da sua prerrogativa de cunhagem de moeda;
- afirmar o prestígio da monarquia portuguesa, diante dos demais reinos peninsulares.
O ‘morabitino’ em ouro
Um século depois, D. Dinis introduziu o ‘tornês’ em prata que valia 5,5 soldos.
O ‘real’em prata de D. Fernando I
Em 1380, D. Fernando I introduziu várias moedas como a dobra em ouro que valia 6 libras, e o real em prata que valia 10 soldos. Igualmente introduziu várias moedas feitas numa liga de prata e cobre, algumas delas com nomes de equipamento de guerra francês (como reconhecimento pela ajuda recebida na guerra com Castela); uma dessas moedas era o pilarte que valia 7 dinheiros.
Durante o reinado de D. João I, foi introduzido um novo real também em prata, designado por real de 3,5 libras ou real branco. Valia 70 soldos (840 dinheiros) e tornou-se a unidade contabilística no princípio do reinado do seu filho, D. Duarte, em 1433. Igualmente foi introduzido o real preto[9] , em cobre, que valia 7 soldos.
A partir do reinado de D. Manuel I (1495-1521) o seu nome passou a ser simplesmente, real, e passou a ser cunhado em moedas de cobre (o que significa uma enorme desvalorização da moeda).
Moedas houve que foram alterando o seu valor ao longo dos séculos. Como exemplo disso temos o 'cruzado' que valia 324 reais (ou réis) brancos no reinado de D. João II, 400 reais (ou réis) durante o reinado de D. João III e 480 reais (ou réis) no reinado de D. Pedro II. Posteriormente regressou ao valor de 400 reais (ou réis).
Em 1835, durante o reinado de D. Maria II, passou a ser utilizado o sistema decimal para as moedas. Existiam então as seguintes:
Moedas em cobre (em bronze a partir de 1882) para moedas de 3, 5, 10 e 20 réis.
Moedas em prata para as moedas de 50, 100, 200, 500 e 1.000 réis.
Moedas em ouro para as moedas de 1.000, 2.000, 2.500, 5.000 e 10.000 réis.
A moeda de 100 réis foi conhecida com a designação popular de 'tostão'.
Um 'vintém' era a designação da moeda de 20 réis (posteriormente, 2 centavos do escudo). Um 'conto de réis' era a designação de 1 milhão de réis (mil escudos). A 'coroa' era uma moeda de ouro valendo 5.000 réis, havendo ainda moedas de meia-coroa e de um quinto de coroa.
(Em 1875 foram emitidas as últimas moedas de 3 réis e as moedas de 50 e 100 réis passaram a ser produzidas numa liga de cobre e níquel). Em resumo, temos:
O dinheiro foi a primeira moeda-base[10] portuguesa (de 1180 a 1433), seguida pelo real e pelo escudo.
O real foi a moeda-base de Portugal desde 1433 até 1911, tendo substituído o dinheiro com a relação 1 real = 840 dinheiros
Em 1911 a moeda-base passou a ser o escudo com a relação
1 escudo = 1.000 réis (o plural de real).
--------------------------------------
Exemplos da moeda-base real:
Moeda em cobre de 10 réis; 1853
Reinado de D. Maria II
Moeda em prata de 1.000 réis; 1837 Moeda em ouro de 5.000 réis; 1851
Reinado de D. Maria II
---------------------------------------------
Então e o ceitil ?[11]
O ceitil foi uma moeda portuguesa de cobre, criada no reinado de D. Afonso V.
A sua designação tem origem no nome 'sextil', ou seja, um sexto. O seu valor era de 1/6 do real .
Saiu de circulação no reinado de D. Sebastião.
Eis dois exemplares dela:
[1] Habitualmente identificado como o curso de 1950-1957. Na realidade aqueles que fizeram a totalidade deste percurso juntos, não são provavelmente a maioria. Recebemos valiosos 'reforços' (principalmente no 3º ano) e alguns daqueles que continuam a considerar-se (e muito bem) pertencentes ao nosso curso, sairam antes de 1957, por motivos vários.
[2] Actualmente, realiza-se sempre no 'nosso' restaurante no largo da luz.
[3] O 'malandro' disse-me que ceitil se escrevia 'seitil'...
[4] Eventualmente o que o Manuel Arantes e Oliveira queria era que eu tivesse o trabalho para ele se limitar a ler! Se era, 'ganhou'! A minha curiosidade levou a melhor...!
[5] Refª meu artigo 'Em que dia é que Portugal faz anos?' na nossa revista do 2º trimestre de 2010. Certamente não foi por mera coincidência que D. Afonso Henriques só mandou cunhar moeda depois de ter sido reconhecido como rei de Portugal pelo Papa. Este facto só vem dar força à minha opinião de que Portugal 'nasceu de facto' a 23 de Maio de 1179. Foi a ‘bula’ do Papa (dessa data) que ‘promoveu’ D. Afonso Henriques de um temível ‘senhor da guerra’ a um Rei reconhecido e respeitado em todo o Ocidente cristão, com extensão dessa qualidade a todos os seus descendentes (assim diz a ‘bula papal’).
[6] De onde deriva a palavra mealheiro.
[7] Em Inglaterra (antes da conversão monetária para o sistema decimal) uma 'pound' valia 20 'shillings' e este valia 12 'pence' (tal como em Portugal no século XIII: 1libra=20 soldos e 1 soldo=12 dinheiros).
E no século XIV em Florença, uma lira valia 20 'soldi' e este valia 12 'denari'.
'Quem influenciou quem'(nas relações entre as moedas)? - é uma pergunta para a qual não tenho resposta firme. Provavelmente foi o Império Romano a influenciar todo o mundo que conquistou.
[8] A descoberta de ouro nos túmulos Egípcios trouxe - na sequência da expansão Árabe - um afluxo daquele metal precioso para a Europa, com reflexos nos reinos muçulmanos de Espanha.
[9] Um real 'branco' valia 10 réis 'pretos'.
[10] Ou moeda-padrão.
[11] Que foi o motivo de toda esta 'história'...