quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Já é tarde para tirar lições da pandemia

Miguel Poiares Maduro

política@expresso.impresa.pt


No início da pandemia, escrevi sobre como a impreparação (global, não apenas portuguesa)

revelava um problema de fundo nas nossas estruturas de Governo:

a dificuldade de incorporar riscos futuros nas decisões políticas do presente. Na verdade, a pandemia tinha sido prevista por muitos: de Bill Gates aos Presidentes norte-americanos, são conhecidas declarações anteriores que anunciavam que o maior risco para a humanidade era uma pandemia, e, no entanto, pouco se tinha feito para nos prepararmos para esse risco.

Isso deve-se, em boa medida, à dificuldade política de adoptar decisões que impõem custos hoje em função de riscos hipotéticos que a generalidade da população não sente como reais naquele momento. É o conhecido enviesamento de curto prazo de que sofre a política. Ainda agora, na COP26, assistimos ao mesmo. As previsões científicas são claras quanto às futuras consequências catastróficas resultantes das alterações climáticas em curso, mas isso não tem correspondência na acção política possível neste momento.

Os custos sentidos no imediato têm mais força política que a elevada probabilidade desses eventos futuros.

Acresce que, como ensina a ciência do comportamento, os humanos sofrem de um enviesamento optimista.

Tendemos a subestimar a probabilidade de eventos negativos nos afetarem. Esse enviesamento estende-se às nossas instituições políticas. Quantas vezes, ao longo desta crise, os responsáveis políticos nos disseram, ou deram a entender, que já não teríamos retrocessos. Em 15 de julho de 2020 o primeiro-ministro dizia o seguinte: “Há uma coisa que sabemos: não podemos voltar a repetir o confinamento que tivemos de impor durante o período do estado de emergência e nas semanas seguintes, porque a sociedade, as famílias e as pessoas não suportarão passar de novo pelo mesmo.” Todos recordamos os estados de emergência e confinamentos que viemos a ter depois dessas declarações. Sendo humano sofrer deste enviesamento otimista, as nossas instituições deveriam estar desenhadas para o prevenir ou, pelo menos, limitar. Isto é relevante para a pandemia como para muitas outras políticas.

Por último, a pandemia deveria ser um curso intensivo sobre a importância dos dados, informação e método para ter boas políticas públicas. Uma das razões por que não conseguimos prever evoluções nem antecipar soluções é porque ou não temos dados, ou não os temos sabido usar, ou não os sabemos comunicar. Ainda hoje parecemos ouvir mais especulações do que conhecimento sobre tantos aspetos da pandemia. A ciência não oferece certezas, mas probabilidades. Só que estas têm de ser comunicadas com clareza.

Se não temos bons dados, não teremos boas políticas. Se os tivermos, mas não os comunicarmos bem, não teremos a adesão dos cidadãos a essas políticas.

A pandemia exigia instituições diferentes das que temos. O sucesso da task force da vacinação foi um oásis que demonstrou, por exemplo, o que uma cultura de decisão assente nos dados e método nos pode oferecer. O insucesso do resto expõe as fragilidades das nossas instituições. É verdade que mudar essas instituições enquanto se combate a pandemia não é fácil. É como tentar arranjar um avião em pleno voo. Gostaria de acreditar que, sobrevivendo ao voo, seremos pelo menos capazes de reparar o avião uma vez no solo.

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