Já é tarde para tirar lições da pandemia
Miguel Poiares Maduro
No início da pandemia, escrevi
sobre como a impreparação
(global, não apenas portuguesa)
revelava um problema de
fundo nas nossas estruturas de Governo:
a dificuldade de incorporar riscos
futuros nas decisões políticas do presente.
Na verdade, a pandemia tinha
sido prevista por muitos: de Bill Gates
aos Presidentes norte-americanos, são
conhecidas declarações anteriores que
anunciavam que o maior risco para a
humanidade era uma pandemia, e, no
entanto, pouco se tinha feito para nos
prepararmos para esse risco.
Isso deve-se, em boa medida, à dificuldade
política de adoptar decisões
que impõem custos hoje em função de
riscos hipotéticos que a generalidade
da população não sente como reais
naquele momento. É o conhecido enviesamento de curto prazo de que sofre
a política. Ainda agora, na COP26,
assistimos ao mesmo. As previsões científicas são claras quanto às futuras
consequências catastróficas resultantes das alterações climáticas em curso,
mas isso não tem correspondência na
acção política possível neste momento.
Os custos sentidos no imediato têm
mais força política que a elevada probabilidade desses eventos futuros.
Acresce que, como ensina a ciência
do comportamento, os humanos sofrem
de um enviesamento optimista.
Tendemos a subestimar a probabilidade
de eventos negativos nos afetarem.
Esse enviesamento estende-se às
nossas instituições políticas. Quantas
vezes, ao longo desta crise, os responsáveis
políticos nos disseram, ou deram
a entender, que já não teríamos
retrocessos. Em 15 de julho de 2020 o
primeiro-ministro dizia o seguinte: “Há
uma coisa que sabemos: não podemos
voltar a repetir o confinamento que
tivemos de impor durante o período
do estado de emergência e nas semanas
seguintes, porque a sociedade, as
famílias e as pessoas não suportarão
passar de novo pelo mesmo.” Todos recordamos
os estados de emergência e
confinamentos que viemos a ter depois
dessas declarações. Sendo humano
sofrer deste enviesamento otimista,
as nossas instituições deveriam estar
desenhadas para o prevenir ou, pelo
menos, limitar. Isto é relevante para
a pandemia como para muitas outras
políticas.
Por último, a pandemia deveria ser
um curso intensivo sobre a importância
dos dados, informação e método para ter boas políticas públicas. Uma
das razões por que não conseguimos
prever evoluções nem antecipar soluções
é porque ou não temos dados, ou
não os temos sabido usar, ou não os
sabemos comunicar. Ainda hoje parecemos
ouvir mais especulações do que
conhecimento sobre tantos aspetos da
pandemia. A ciência não oferece certezas,
mas probabilidades. Só que estas
têm de ser comunicadas com clareza.
Se não temos bons dados, não teremos
boas políticas. Se os tivermos, mas não
os comunicarmos bem, não teremos a
adesão dos cidadãos a essas políticas.
A pandemia exigia instituições diferentes
das que temos. O sucesso da
task force da vacinação foi um oásis que demonstrou, por exemplo, o que uma
cultura de decisão assente nos dados e
método nos pode oferecer. O insucesso
do resto expõe as fragilidades das nossas
instituições. É verdade que mudar
essas instituições enquanto se combate
a pandemia não é fácil. É como tentar
arranjar um avião em pleno voo. Gostaria de acreditar que, sobrevivendo ao
voo, seremos pelo menos capazes de
reparar o avião uma vez no solo.
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