Já tinha cotação alta nos meios literários, tão alta quanto o necessário para ser recorrentemente apontado como um sério candidato ao Prémio Nobel da Literatura.
Mas com este seu livro “JUDAS”, Amos Oz terá dado mais um passo que encurtou significativamente a distância que o separa do galardão maior das letras universais.
O título do livro “JUDAS” pode não ser entusiasmante, e muito menos ainda apelativo, dir-se-ia até que é um tanto desencorajante para quem não conheça a valia do autor, mas a verdade é que o mais recente romance deste israelita a viver em Jerusalém, escrito a partir da figura daquele que ficou conhecido para a História como o símbolo da traição, Judas Iscariotes, é uma obra marcante em toda a sua produção literária.
Embora construído a partir de uma figura que não colherá a simpatia de ninguém, muito em especial entre os que professam a religião católica, o livro não se confina à análise do comportamento daquele que ironicamente teria sido um dos mais fiéis discípulos de Jesus, que Judas veio a trair com um falso beijo e em troca por trinta dinheiros.
Com efeito, Amos Oz não deu à estampa uma obra que se limita ao que corresponde a um dos grandes Dogmas da Religião Católica, para alguns uma questão ainda não resolvida, mas paralelamente lança para a discussão o conflito que opõe israelitas e palestinianos, há mais de 50 anos. Muito tempo na vida de uma pessoa, mas não para a História segundo o autor, que também é acusado de traidor pela velha hortodoxia judaica.
Sendo muito embora um livro centrado no povo judeu e na sua relação com Jesus, ele é acima de tudo uma obra sobre o amor, a desilusão, a perda e, claro, sobre a traição.
No fundo, é um livro sobre a condição humana, que assenta a sua estrutura fundamentalmente na participação de três personagens com ideias e personalidades muito distintas. A saber:
De Samuel Asch, um jovem estudante universitário, revolucionário, simpatizante dos ideais do socialismo e sonha com a elaboração de uma tese de doutoramento subordinada ao tema “Jesus Visto Pelos Judeus”.
Porém, e para sua enorme frustração, vê o seu mundo desmoronar-se como um castelo de cartas. Por um lado, pelo abandono da sua namorada que o deixa para ir casar com um antigo apaixonado. E por outro, vê a sua família entrar em irremediável falência, facto que o obriga a abandonar os estudos por lhe retirar os meios financeiros para os custear, o que acabou por consumar uma tremenda desilusão para Samuel.
Gershom Wald, septagenário, com grandes dificuldades de mobilidade, quase não anda, mas homem de vasta cultura, e de certa maneira deveras propenso para grandes discussões político-filosóficas e de história, sobretudo na que se refere a Israel.
Atalia Abravanel, é uma viúva de 45 anos, mulher amarga, mas atraente de tal modo que consegue pôr andar à roda a cabeça de qualquer homem que passe por aquela casa, onde vive sob grande mistério com Gershom Wald. Foi casada com o filho de Wald, que veio a morrer na flor da idade durante uma das guerras travadas entre Israel e o mundo árabe.
Para além destes três personagens pairava ainda, como que um fantasma, a lembrança de Shaaltiel Abravanel, pai de Atalia, antigo dirigente sionista caído em desgraça entre os judeus porque, embora lutasse por um estado para o povo judeu, achava que devia ser conseguido por processo diferente daquele que era defendido pelos restantes sionistas, incluindo o próprio Ben-Gurion. (1)
Perdida a oportunidade de continuar os estudos e a elaboração da sonhada tese de doutoramento, cujas bases já preparava, o jovem Samuel aceita um emprego, a tempo parcial, muito mal remunerado, que consistia em pouco mais que fazer companhia e simultaneamente servir de interlocutor ao velho Wald.
É bom que se fique já a saber que naquele livro não encontramos respostas de espécie nenhuma, seja para a questão da traição de Judas para com Jesus, em quem acreditava mais que nenhum outro discípulo na medida em que o considerava o verdadeiro filho de Deus (tu és o HOMEM, dizia-lhe Judas), seja para a velha questão israelo-palestiniana.
O próprio escritor Amos Oz se encarrega de esclarecer que as ideias são para os ensaios e com este romance pretendeu apenas reflectir sobre a condição humana. De resto, como é sabido, a verdadeira função da literatura ficcionada não é preparar respostas prontas a servir.
Pelo contrário, destina-se mais a fazer perguntas, a levantar questões e fazer reflectir sobre elas, quando não obriga mesmo o homem a confrontar-se consigo mesmo, com os seus próprios dilemas, interiores e exteriores. Será talvez por isso que há quem defenda que o verdadeiro conhecimento está nas perguntas e não nas respostas.
Não tenho a pretensão - até porque outros muito mais qualificados o farão infinitamente melhor que eu - de discorrer mais longa e pormenorizadamente sobre todos os aspectos essenciais do livro “JUDAS”. Nessa perspectiva redutora, direi apenas que com esta obra Amos Oz faz inteiro jus à fama de ser um escritor de craveira nobelizável.
E tanto assim é que, perguntado sobre como lidava com o facto de todos os anos aparecer como candidato ao Nobel, respondeu: “Se morrer sem receber o Prémio Nobel, não morrerei infeliz”. Pois não, não morreria infeliz, mas decerto morreria com o sentimento de ter sido injustiçado.
Odivelas, 13 de março de 2016
C. Quintino Ferreira
(1) Ben-Gurion foi, como se sabe, considerado o grande constructor do Estado de Israel. Não do Sionismo, enquanto doutrina política que defendia a criação de um Estado Judaico na Palestina, mas como casa comum de todos os judeus espalhados pelas quatro partidas do mundo. O conceito de Sionismo, esse foi criado pelo Congresso de Basileia de 1897, convocado pelo igualmente judeu Theodor Herzl.
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