terça-feira, 22 de outubro de 2019

Bruxelas quer orçamento português actualizado "o mais depressa possível"

Em resposta ao plano orçamental enviado na semana passada, a Comissão Europeia pede a Portugal que actualize o orçamento assim que possível. Sem medidas novas, há risco de incumprimento das regras.

Mais uma vez se constata que os “chico-espertos”, do governo no ministério das finanças português, querendo, mais uma vez, fazer dos outros estúpidos e incompetentes, quando isso é o que se passa no Ministério das Finanças! utilizam desculpas esfarrapadas tentando disfarçar a sua incompetência  e mesquinhez. Na UE, os funcionários, dos organismos responsáveis, sabem ler, escrever, e vêem as noticias. Sabem por exemplo que os novos governantes nomeados para o ministério das finanças, são exactamente os mesmos que lá estão desde a legislatura anterior! Portanto, não fazem minimamente o seu trabalho porque não querem e/ou não sabem! A conjuntura mudou e vai mudar mais e para pior a nível internacional e convinha gente competente neste ministério, mas não tem, pois não é esse o interesse de António Costa, pois o jeito dele é para artista de variedades, fazer rir e enganar as pessoas. Ora no ministério os que lá estão não tem condições, por incapacidade para subsistir numa conjuntura desfavorável, e por isso inventam e mentem, tal como faz o seu líder António Costa.

“A Comissão Europeia pediu esta terça-feira, 22 de Outubro, ao Governo português para submeter um orçamento actualizado "o mais depressa possível" e para que a nova versão conte com medidas que permitam a Portugal cumprir com as regras europeias. Segundo Bruxelas, o actual esboço orçamental entregue na semana passada não cumpre as exigências.

Numa carta endereçada ao ministro das Finanças, Mário Centeno, o comissário europeu para os Assuntos Orçamentais, Pierre Moscovici, e o vice-presidente da Comissão Europeia para o euro, Valdis Dombrovskis, pedem às "autoridades portuguesas para submeter, o mais depressa possível, uma versão actualizada do Projeto de Plano Orçamental à Comissão Europeia e ao Eurogrupo, o qual deve assegurar o cumprimento das recomendações do Conselho para Portugal".

No texto, os responsáveis da Comissão Europeia afirmam que o Projeto de Plano Orçamental num cenário de políticas invariantes - ou seja, apenas considerando as medidas já legisladas - está em risco de "desvio significativo" em 2020 e também no conjunto de 2019 e 2020 em relação ao esforço orçamental recomendado.
O esboço apresentado pelo Ministério das Finanças na semana passada não considera nenhuma medida nova para o próximo ano dado que o Orçamento do Estado para 2020 ainda será alvo de negociação. Segundo as contas da Comissão Europeia, o Orçamento tal como está vai contra as regras relativas ao saldo estrutural e ao crescimento da despesa pública.
No caso do saldo estrutural, ao contrário do que apontava o Programa de Estabilidade de abril (em que era considerada a "mão" de Centeno na política orçamental), é prevista agora uma deterioração de 0,2% do PIB potencial em 2020 caso nada seja feito. "Esta expansão orçamental fica aquém do ajustamento estrutural recomendado de 0,5 do PIB potencial", recorda a Comissão.
Além disso, o Projeto de Plano Orçamental projeta um crescimento nominal da despesa pública primária de 3,9% no próximo ano, o que excede o aumento máximo recomendado de 1,5%. A conclusão, portanto, é que os planos atuais, "no global, parecem não estar em linha com as exigências da política orçamental definidas pela recomendação do Conselho de 9 de julho de 2019", lê-se na carta.
Tendo em mente as eleições realizadas no início do mês, os responsáveis da Comissão dizem "compreender" o porquê de a apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2020 estar atrasada face ao calendário habitual, mas assinalam a "importância de que seja submetido um Projeto de Plano Orçamental atualizado". "A Comissão Europeia pretende continuar a ter um diálogo construtivo com Portugal de forma a chegar a uma avaliação final", conclui a carta.
Além de Portugal, a Comissão também enviou hoje cartas sobre o orçamento para os Governos da Bélgica, França, Itália e Espanha.


Governo quer apresentar orçamento antes do final de 2019
O Executivo já admitia no esboço que enviou a Bruxelas que esse documento não correspondia "a uma proposta de Orçamento do Estado para 2020". E definia um objetivo: "A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2020 deverá ser apresentada, pelo Governo, à Assembleia da República, no prazo de 90 dias a contar da data da sua tomada de posse". O primeiro-ministro também viria a dizer que "gostaria muito" de apresentar a proposta do OE2020 antes do final de 2019.
Ainda não se sabe a data exata da tomada de posse, mas ontem o Presidente da República disse numa nota que esperava dar posse ao Governo ainda esta semana, consoante a publicação dos resultados finais das eleições. Caso o Executivo tome posse esta sexta-feira ou sábado, o Ministério das Finanças terá até ao final de janeiro para submeter uma proposta de OE2020 à Assembleia da República. Posteriormente segue-se a discussão e apresentação de propostas pelos partidos, sendo que a conclusão do processo deverá acontecer apenas no final do primeiro trimestre.
Até lá, o Partido Socialista deverá negociar com os partidos à esquerda (BE, PCP e Livre), assim como o PAN, as propostas a incluir no OE2020 para garantir que tem uma maioria parlamentar que aprove o documento. O esboço apresentado a Bruxelas deverá dar força negocial a Mário Centeno para dizer não às exigências de despesa por parte dos outros partidos, tal como escreveu o Negócios na semana passada. Durante a campanha, o ministro das Finanças acusava os partidos da oposição de pedirem aos portugueses "para passar cheques sem coberturas, que não têm financiamento".”

Tiago Varzim tiagovarzim@negocios.pt

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Como é que o Montepio pode ser "um novo BES"? Fomos ver se nas agências se vende gato por lebre.

No Banco de Portugal comparou-se o Montepio ao BES. Que risco há de que, mesmo que não seja cliente, uma factura lhe caia no colo? Fomos às agências como cliente-mistério ver se vendem gato por lebre.

As contas do Montepio estão “estabilizadas”, a mutualista “tem quase 200 anos e nunca falhou” a pagar às pessoas os juros das suas poupanças e o presidente, Tomás Correia… “sim, ele está num processo de avaliação de idoneidade. Mas está ele e estão uma data de outros” gestores financeiros em Portugal — e foi “o pulso forte dele” que manteve a instituição viva. Isto é o que se ouve quando se visita as agências do Banco Montepio, sob a capa de um “cliente-mistério” com dinheiro para investir, mas preocupado com as notícias nos jornais. Notícias que dizem que numa reunião do conselho consultivo do Banco de Portugal se comparou o Montepio com o BES e se falou em “picar a bolha”. Essas notícias, ouvimos, são plantadas por outras “fações”, de “outras cores políticas”, demonstrando que “todos ambicionam o poleiro”.

Nos próximos dias, até ao final do mês de Outubro, o supervisor que passou a ter a tutela financeira da mutualista Montepio — a ASF — irá tornar público o seu chumbo ao registo do presidente Tomás Correia (já comunicado informalmente ao próprio), marcando o fim de uma era na organização centenária em que mais de 600 mil portugueses têm aplicadas poupanças — poupanças que o primeiro-ministro, António Costa, garantiu proteger.

A decisão da autoridade dos seguros será desfavorável apenas para Tomás Correia, avançou o Jornal Económico, mas o Observador apurou junto de fonte próxima que há pelo menos mais um gestor — Luís Almeida, visto como o sucessor predilecto de Tomás Correia — que também “irá ter problemas a prazo” em manter a idoneidade. Para já, contudo, o supervisor receia não estar na posse de dados concretos suficientes para recusar completamente a idoneidade de Luís Almeida sem que exista o risco de tal decisão poder ser contestada em tribunal posteriormente.

Além de Tomás Correia há pelo menos mais um gestor -- Luís Almeida, visto como o sucessor predilecto do actual presidente da Associação Mutualista Montepio -- que também "irá ter problemas a prazo" em manter a idoneidade.

Ainda assim, embora Luís Almeida vá ter autorização para continuar (apenas) como gestor, a ASF terá barrado a proposta do seu nome para o topo da hierarquia na mutualista. O Banco de Portugal já colocou em causa o percurso de Luís Almeida — é visado numa auditoria da Deloitte ao Finibanco Angola (já partilhada pelo Banco de Portugal com a ASF) e está, também, a ser investigado pela sua participação na administração do Banco Montepio, no tempo de Félix Morgado, no polémico negócio das “Vogais Dinâmicas”, por entre outras suspeitas de irregularidades e falhas de controlo interno.

Tomás Correia garante que “de certeza absoluta” não irá aproveitar para sair na reunião desta semana do Conselho Geral da mutualista — um filme já visto no passado recente –, prometendo que não irá deixar-se “condicionar por coisa nenhuma”. Mas não há como fugir ao facto de que, no dia 4 de Novembro, quando a mutualista realizar a sua assembleia geral no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, já será um dado público que Tomás Correia foi recusado para o cargo (uma pronúncia que o próprio poderá evitar se retirar, antecipadamente, o registo).

A alternativa que Tomás Correia estará a preparar é Virgílio Lima, um histórico do Montepio (e próximo de Tomás Correia) que sempre esteve mais ligado à área dos seguros. Foi administrador da Lusitânia, uma companhia de seguros multada (em 20,5 milhões de euros) pela Autoridade da Concorrência, num processo de cartelização. Virgílio Lima é, segundo informações recolhidas pelo Observador, o trunfo de Tomás Correia para manter um ascendente sobre a mutualista, mesmo saindo da liderança formal.

O problema é que a saída do “ratinho da lezíria” (cujo trajecto o Observador descreveu neste perfil, em Março) não irá, por artes mágicas, solucionar os graves problemas acumulados nos últimos anos pela mutualista Montepio. Problemas que levaram, segundo o Público, um conselheiro do Banco de Portugal — João Talone — a dizer, numa reunião no supervisor financeiro, em Março de 2018, que os perigos do Montepio seriam comparáveis aos do Banco Espírito Santo.

A vice-governadora do BdP que falou em “picar a bolha”

O título da notícia do jornal Público da última segunda-feira dava destaque ao facto de esse membro do conselho consultivo do Banco de Portugal ter feito uma comparação entre o Montepio e o defunto Banco Espírito Santo. Mas acabou por ser secundarizado o facto de, segundo a notícia, a até agora vice-governadora Elisa Ferreira ter falado no risco de “picar a bolha“.

A reflexão de João Talone, conselheiro nomeado pelo Estado para o conselho consultivo do Banco de Portugal, era que “o que se está a passar no Montepio se assemelha a um esquema Ponzi, que se rebentar abrirá um buraco de mais de dois mil milhões de euros“. Um esquema Ponzi é, em termos simples, um esquema fraudulento de investimento em que os rendimentos dos investidores são pagos não com o retorno de verdadeiros investimentos mas, sim, com as entradas de novos investidores.

O conselheiro insistiu na proibição de venda de produtos de aforro (modalidades de capitalização é o nome formal) aos balcões do Banco Montepio — anteriormente conhecido como a Caixa Económica Montepio Geral. “Em Inglaterra, o sistema é muito regulado e, por mais regulamentos que se façam, se se fixarem objectivos e metas de venda de produtos aos trabalhadores, é impossível evitar o misselling“, terá dito João Talone, isto é, a venda enganosa de produtos mutualistas como se fossem depósitos, por exemplo.

Terá sido nesse enquadramento que alguns dos chamados “lesados do BES” terão sido levados a investir em produtos de alto risco como o papel comercial (dívida de curto prazo) das empresas do Grupo Espírito Santo, aos balcões do Banco Espírito Santo. Muitos alegaram que os produtos lhe foram apresentados como depósitos bancários, garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, mas isso não parece estar a acontecer nos balcões do Banco Montepio — pelo menos quando o “cliente” que se apresenta perante os bancários é um jovem urbano na casa dos 30 anos e instrução universitária.

As visitas do cliente-mistério do Observador: “Todos ambicionam o poleiro”

Vestindo a pele de cliente-mistério à procura de soluções para aplicar uma herança (doação familiar), o Observador constatou em várias visitas a sucursais do Banco Montepio que essa venda de “modalidades mutualistas” segue de vento em popa — apesar de Elisa Ferreira ter dito nessa reunião do conselho consultivo (noticiada pelo Público) que foi implementado, por pressão do Banco de Portugal, um sistema de portas estanques, de controlos rígidos, para separar os interesses da actividade bancária dos da associação mutualista.

Ora, só em uma das agências visitadas pelo cliente-mistério do Observador (uma agência que, como a maioria, não tem a presença de um “gestor mutualista”) é que foi dito que “a aquisição de novos associados será preferencialmente feito através do gestor mutualista”.

Só em uma das agências visitadas pelo cliente-mistério do Observador (uma agência que, como a maioria, não tem a presença de um "gestor mutualista") é que foi dito que "a aquisição de novos associados será preferencialmente feito através do gestor mutualista"

“Nós aqui fazemos gestão de produtos de mutualistas”, explicou o bancário. “Se um cliente já tiver produtos mutualistas, nós podemos processar reembolsos, ou outras operações. E podemos dar-lhe, se o senhor quiser, documentação sobre produtos mutualistas”. Mas para subscrever produtos (o que implica passar a ser associado), o bancário perguntou ao cliente — tentando esconder algum desconforto — se este tinha disponibilidade para se deslocar a uma das agências do Montepio onde existe um agente mutualista exclusivamente dedicado e “com mais informação” sobre os produtos mutualistas.

Esse caso foi, porém, a excepção. Em todas as outras agências visitadas na última semana pelo cliente-mistério do Observador, notou-se uma grande proatividade em vender produtos mutualistas  — muito maior proatividade do que em oferecer depósitos a prazo (sendo certo que as taxas de juro dos depósitos no Banco Montepio, ou em qualquer outro banco europeu, não ajudam).

Além disso, aos balcões do Banco Montepio apresenta-se a situação financeira da mutualista como perfeitamente benigna e menorizam-se os “problemas reputacionais” do líder Tomás Correia, multado pelo Banco de Portugal (BdP) em 1,25 milhões de euros por ter sido autor “a título doloso” de irregularidades no tempo em que foi presidente da Caixa Económica, entre 2008 e 2015.

“Eu tenho a minha opinião, é claro, mas posso-lhe dizer que se ele não fosse sério… hoje em dia, há questões como a idoneidade e, até ao momento, ninguém lha tirou“, disse um dos funcionários do Banco Montepio, procurando aliviar qualquer cepticismo na mente do cliente. “Até ao momento não transitou em julgado nenhuma das acusações que lhe foram feitas — e em algumas situações de que se têm falado ele, depois, no tribunal, tem-se safado muito bem”, salientou o bancário, em alusão à anulação por um tribunal de Santarém das acusações contra Tomás Correia, que o tribunal considerou ter sido prejudicado no seu direito de defesa (como já tinha acontecido num caso semelhante no BES, em que o Banco de Portugal também recorreu e o caso acabou por ser reactivado).

E as notícias que comparam o Montepio com o BES? “Há sempre notícias, porque na mutualista qualquer pessoa pode candidatar-se, e há sempre grupos, fações, ligados a cores políticas ou outros grupos — e todos ambicionam o poleiro“, afirmou o bancário, perguntando ao cliente se tinha lido a notícia toda e se tinha noção de que se referia a uma reunião do Banco de Portugal que já tinha acontecido “há mais de um ano e meio.Pois…

Este funcionário referiu que durante “alguns meses” se suspendeu a venda de produtos mutualistas naquela dependência do Banco Montepio, por razões de que não se recorda, mas essa distribuição foi retomada pela mesma altura em que, por exemplo, o instrumento de poupança mais vendido — o “Capital Certo” mudou de nome para “Prazo Certo”, uma pequena grande alteração que não evita que estejamos a falar “de uma poupança perfeitamente idêntica ao que era“, afirmou.

O Observador contactou fonte oficial da Associação Mutualista Montepio Geral para perceber que suspensão foi essa, mas até à publicação deste artigo não foi dado esse esclarecimento.

"Há sempre notícias, porque na mutualista qualquer pessoa pode candidatar-se, e há sempre grupos, fações, ligados a cores políticas ou outros grupos -- e todos ambicionam o poleiro", disse um dos gestores bancários ao cliente-mistério

“Montepio tem quase 200 anos e nunca um produto falhou”

Regra geral, os funcionários do Banco Montepio deixaram claro que estes produtos não são o mesmo que um depósito bancário. Porém, numa terceira agência visitada pelo Observador, ouvimos que, embora como regra básica da poupança não se deva “colocar os ovos todos no mesmo cesto”, “a associação mutualista Montepio tem quase 200 anos e nunca um produto falhou por iniciativa por Montepio”.

A opção, referiu a funcionária, passa sempre por uma ponderação do cliente, sobre se está disposto a aceitar um risco maior em troca de uma remuneração (bem) mais atractiva, “com juros crescentes”. Mas a conversa muda um pouco quando se visita uma agência maior onde, aqui sim, há um gestor mutualista. “Risco maior por não estar no fundo de garantia de depósitos do Estado? Sejamos francos: acha que se um banco tiver problemas o Estado tem dinheiro para lhe salvar o depósito [até 100 mil euros] imediatamente? Isso do fundo de garantia de depósitos é relativo“, advogou o gestor mutualista, sem saber que estava a falar com um jornalista.

Quanto a Tomás Correia, o gestor mutualista procurou sossegar a preocupação do possível cliente: “Já sabemos que não se vai recandidatar a mais mandatos, está com 73 anos. Tem mais é que aproveitar, usufruir um bocadinho”. E, sim, Tomás Correia “está num processo por causa da idoneidade — mas está ele e estão uma data deles“.

“Mas sabe uma coisa?”, contrapôs: Tomás Correia “fez muito por isto, nunca tivemos um despedimento colectivo, congelaram salários — sim, como em todo o lado — mas se calhar foi o pulso forte dele que manteve isto“, afirmou o gestor, criticando os jornais por publicarem notícias tendencialmente negativas sempre que se aproxima uma assembleia geral importante para a mutualista (a próxima será a 4 de Novembro).

Apesar do cepticismo do gestor em relação às vantagens do fundo de garantia de depósitos, a situação financeira da mutualista Montepio há muito que suscita as maiores dúvidas. Houve a tentativa falhada de aumento de capital para entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, um negócio de milhões que acabaria por ser de tostões, e a “alquimia fiscal” que permitiu à mutualista evitar a apresentação de um prejuízo consolidado superior a 200 milhões de euros, relativo a 2017. Mas a mutualista continua a ter dificuldades devido à elevada exposição às imparidades e ao fraco negócio do Banco Montepio e, também, devido aos resultados pobres de muitas das outras mais de 40 empresas do grupo, com destaque para a Lusitânia SA (não vida).

A agravar estes problemas, o Montepio está a perder associados a um ritmo preocupante. Eugénio Rosa, que foi membro do conselho geral do Banco Montepio e tem sido uma das vozes de oposição ao poder de Tomás Correia, escreveu num estudo publicado recentemente no seu blog que, “no fim de 2018, Tomás Correia apresentou um Programa de Actividades e Orçamento de 2019 para Associação Mutualista fantasioso, que, à semelhança dos anos anteriores, nunca é cumprido e apenas serve para iludir quem quer ser, mais uma vez, enganado”.

Esse plano, diz Eugénio Rosa, “previa que o número de associados aumentasse, entre 2018 e 2019, de 612.000 para 636.000, mas o que tem acontecido é uma diminuição de quase 1.000 associados por mês“. Por outro lado, previa também que a margem associativa (a diferença entre entradas e saídas de poupanças) fosse positiva no montante de 121,3 milhões de euros, mas nos oito primeiros meses de 2019 a margem associativa foi nula“.

Noutro plano, o da liquidez imediata (meios financeiros que podem ser utilizados de imediato para reembolsar os associados), Eugénio Rosa lembra que o orçamento para 2019 previa em “Caixa e Bancos” existirem 236,6 milhões de euros, e a realidade é que na data referida existiam 150 milhões”. Por outro lado, “em obrigações, que podem ser rapidamente convertidas em dinheiro, previa 465 milhões euros e devem ser pouco mais de 360 milhões de euros — estando cerca de 150 milhões de euros aplicados em dívida subordinada do Banco Montepio”, ou seja, “não podem ser transformados imediatamente em dinheiro porque, se fossem resgatados isso iria afectar os rácios de capital, o que não é permitido pelo Banco de Portugal”.

“Assim”, conclui Eugénio Rosa, “se um número elevado de associados, como aconteceu já no passado, quiser levantar as suas poupanças surgirão dificuldades“. Basta lembrar as dificuldades que surgiram nos últimos tempos da administração de Félix Morgado, em que terão sido retirados da mutualista quase 500 milhões de euros em produtos com receios em relação à instabilidade governativa da organização. Se uma situação desse calibre se repetir, diz o economista, pode não haver saída — um haircut (redução do valor) das poupanças pode ser decidido por uma maioria de dois terços reunida em assembleia geral.

O Programa de Actividades e Orçamento de 2019 para Associação Mutualista Montepio "previa que o número de associados aumentasse, entre 2018 e 2019, de 612.000 para 636.000, mas o que tem acontecido é uma diminuição de quase 1.000 associados por mês".

Eugénio Rosa, antigo membro do conselho geral do Banco Montepio e opositor de Tomás Correia

É claro que, nesse caso, já foi dada a garantia governamental de que o Estado está pronto a intervir caso seja necessário, o que normalmente significa recorrer a dinheiro dos contribuintes. Na Primavera de 2018, não só o primeiro-ministro, António Costa, garantiu no parlamento que seria feito “tudo para proteger as 600 mil famílias que confiaram numa instituição [a mutualista] e que aí têm as suas poupanças” — mas também Mário Centeno disse, em entrevista ao Jornal de Negócios, que “se a associação mutualista Montepio Geral precisar, o Governo deve estar disponível para a ajudar”.

O anúncio da ASF que causou mal-estar na sede da mutualista

Este é um vaticínio que se baseia, em certa medida, nos cálculos de Eugénio Rosa, porque não é fácil conhecer os números actualizados com exactidão — nem publicamente nem para os reguladores. Aliás, causou algum mal-estar na Rua do Ouro, em Lisboa (onde fica a sede da mutualista Montepio) o lançamento, pela ASF, da consulta pública com vista à definição da “norma regulamentar que visa regular a prestação inicial de informação pelas associações mutualistas abrangidas pelo regime transitório de supervisão para efeitos do exercício dos poderes que estão legalmente cometidos à ASF”.

Isto é, numa altura decisiva para o Montepio, entre reuniões do conselho geral, assembleias gerais e decisões iminentes sobre a idoneidade de Tomás Correia e dos outros gestores, a autoridade supervisora terá procurado enviar um sinal de que não irá ter contemplações na (previsivelmente) difícil adaptação que a mutualista Montepio às regras de reporte financeiro, compliance e outras matérias que são obrigatórias para todas as seguradoras europeias.

Foi dado à mutualista um prazo de 12 anos para fazer essa adaptação, o que pode parecer muito tempo — mas poderá não ser tanto tempo assim quando se pensa na vastíssima panóplia de mecanismos que a mutualista terá de introduzir. Será preciso ter as pessoas certas nas lideranças, gestores que olhem para as alterações impostas pelo novo código das mutualistas de forma positiva, caso contrário adivinham-se anos de tormento para a mutualista na sua relação com o seu novo supervisor.

Para já, porém, à margem das questões relacionadas com a continuidade de Tomás Correia, os mutualistas preparam a assembleia geral do próximo dia 4 de Novembro. Um encontro em que a aprovação dos novos estatutos da mutualista está no topo da ordem de trabalhos. A proposta de novos seguiu no final de Agosto para o Ministério do Trabalho, ainda liderado por José António Vieira da Silva, para que a tutela emitisse um parecer sobre os seus termos.

O “visto” da tutela foi descrito, na altura, como sendo fundamental para avançar com o processo, já que – escrevia a agência Lusa – o ministério de Vieira da Silva “tem de dar um parecer sobre a proposta antes de esta ser levada a assembleia-geral para ser aprovada pelos associados”.

Ora, questionado pelo Observador, o ministério esclareceu que, na realidade, “as alterações estatutárias realizadas pelas associações mutualistas não carecem de parecer prévio da tutela“.

Ou seja, não há nada na lei que obrigue a que esse parecer seja pedido, mas, “no entanto, é a prática seguida ao longo dos anos por muitas associações: pedir um parecer prévio de forma a garantir que o texto estatutário que vier posteriormente a ser aprovado em assembleia geral de associados está em conformidade com as questões de legalidade”.

“Depois será sempre necessário um processo de registo posterior à realização da Assembleia Geral”, remata fonte oficial do Ministério do Trabalho e Segurança Social.

Edgar Caetano

https://observador.pt/especiais/como-e-que-o-montepio-pode-ser-um-novo-bes-fomos-ver-se-nas-agencias-se-vende-gato-por-lebre/

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

União Europeia equipara comunismo ao nazismo



O Parlamento Europeu equiparou os regimes comunistas aos fascistas e nazis, condenando as atrocidades cometidas por ambos os regimes totalitários. No documento histórico, que foi aprovado em Setembro último com 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções, o Parlamento Europeu "recorda que os regimes nazi e comunista são responsáveis por massacres, pelo genocídio, por deportações, pela perda de vidas humanas e pela privação da liberdade no século XX numa escala nunca vista na História da humanidade, e relembra o hediondo crime do Holocausto perpetrado pelo regime nazi; condena veementemente os actos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações em massa dos direitos humanos perpetrados pelos regimes nazi e comunista e por outros regimes totalitários".

Os deputados europeus dão assim corpo ao que muitos historiadores vinham assumindo em diferentes obras, como é o caso do 'Livro Negro do Comunismo' escrito por um grupo de historiadores sob a direcção do francês Stéphane Courtois, em que se revelam os números de mortes às mãos de ditadores comunistas: 65 milhões de mortos na China; quase 20 milhões na União Soviética; um milhão no Vietname; dois milhões no Cambodja e outros dois milhões na Coreia do Norte. "Ao todo, regimes comunistas mataram cerca de 100 milhões de pessoas — cerca de quatro vezes mais que o número de mortos pelos nazistas — tornando o comunismo a ideologia mais assassina da história humana",escreveu Marc Thiessan no Washington Post.

"Não posso estar mais de acordo com a resolução",disse, ao nosso jornal o advogado e político António Lobo Xavier, acrescentando que "os crimes do fascismo e do nazismo estão no mesmo plano dos crimes do chamado socialismo real ou comunismo".Naquela resolução – que foi aprovada em Setembro mas estranhamente pouco divulgada e só agora noticiada pelo jornal espanhol ABC – o Parlamento Europeu exorta mesmo "todos os Estados-Membros da UE a fazerem uma avaliação clara e assente em princípios sobre os crimes e actos de agressão perpetrados pelos regimes comunistas totalitários e pelo regime nazi". Intitulada 'Importância da memória europeia para o futuro da Europa', a resolução recorda ainda um vasto leque de recomendações e relatórios que resultam na necessidade de uma condenação internacional dos crimes dos regimes comunistas totalitários, do nazismo ou do fascismo. O 23 de Agosto foi mesmo instituído como o 'Dia Europeu em Memória das Vítimas de todos os Regimes Totalitários e Autoritários'.

Ainda na resolução aprovada, o Parlamento Europeu "considera que a Rússia continua a ser a maior vítima do totalitarismo comunista e que a sua evolução para um Estado democrático será entravada enquanto o governo, a elite política e a propaganda política continuarem a 'branquear' os crimes comunistas e a glorificar o regime totalitário soviético" e por isso "exorta a sociedade russa a confrontar-se com o seu trágico passado".


Ditadores

Adolf Hitler (Alemanha)

Líder do Partido Nazista (1934 a 1945) foi responsável pelo genocídio de cerca de seis milhões de judeus mas causou a morte a mais de 40 milhões.

Benito Mussolini (Itália)

Liderou o Partido Naciona lFascista e é apontado como sendo uma das figuras-chave na criação do fascismo. Apoiou Hitler no Holocausto

Lenin (URSS)

Lenin foi o principal líder da Revolução Russa. Iniciou um caminho de execuções, tomada de reféns, campos de concentração, etc.

Joseph Stalin (URSS)

Governou a URSS entre a década 20 até sua morte em 1953 .?Nos Gulag, campos soviéticos de trabalho forçado, morreram mais de 10 milhões

Mao Tsé-Tung (China)

Ditador da República da China entre 1949 e 1976, Mao Tsé-Tung terá provocado a morte (assassinados ou à fome) de mais de 50 milhões

Pol Pot (Cambodja)

Foi líder do Partido Comunista do Camboja, o Khmer Vermelho. O seu domínio ditatorial resultou na morte de cerca de 2 milhões de pessoas

Fidel Castro (Cuba)

O regime comunista de Fidel Castro (49 anos de ditadura) é responsável por pelo menos 8.190 mortes, segundo o Cuba Archive


17 outubro 2019

Um a um. Os perfis de todos os ministros do novo Governo

O próximo Conselho de Ministros vai ter um primeiro-ministro, 19 ministros e três secretários de Estado. No Governo com mais ministérios e mulheres de todos os governos constitucionais, há um jurista-dentista, dois licenciados em Bioquímica, Ex-autarcas e uma ministra que foi absolvida do crime de difamação num julgamento recente.

António Costa, Pedro Siza Vieira, Augusto Santos Silva, Mariana Vieira da Silva, Mário Centeno, João Gomes Cravinho, Eduardo Cabrita, Francisca Van Dunem, Alexandra Leitão, Nelson Sousa, Graça Fonseca, Manuel Heitor, Tiago Brandão Rodrigues, João Pedro Matos Fernandes, Ana Mendes Godinho, Marta Temido, Pedro Nuno Santos, Ana Abrunhosa, Maria do Céu Albuquerque e Ricardo Serrão Santos

https://www.dn.pt/poder/saiba-quem-sao-os-ministros-do-xxii-governo-constitucional-11409416.html

A eleição de André Ventura dá muito jeito ao clube dos abafadores de escândalos da República.

André Ventura foi eleito e o regime abana perigosamente. A avaliar pelas proclamações de peito cheio feitas por jornalistas, políticos e comentadores, a democracia está em perigo. Gente que nunca viu os problemas que Salgado e Sócrates representaram para a democracia, vê agora o populismo aos saltos dentro do parlamento. Gente que pactua com poderes reais instalados na política, nos negócios, na advocacia e nos media, que pretende banir do espaço público todos os que não concordam com eles, aponta agora o dedo a Ventura como se fosse a origem de todos os males da República.

Ministra da Agricultura adjudicou €515 mil a filho de deputado do PS.

Maria do Céu Albuquerque fez seis ajustes directos a empresa de filmes do filho de Pedro Bacelar Vasconcelos, seu colega no PS e que convidou para discursar na câmara de Abrantes.

Ministra da Agricultura adjudicou €515 mil a filho de deputado do PS

“Quando em Novembro de 2014 o novo Secretariado Nacional do PS foi eleito no congresso do partido, duas das novidades (e eram muitas porque os apoiantes de António José Seguro, antigo líder, foram "varridos") eram Pedro Bacelar de Vasconcelos e Maria do Céu Albuquerque. Este foi o congresso da subida a líder de António Costa. Bacelar e Albuquerque seriam colegas neste órgão até 2016, quando o constitucionalista saiu.

Nesta altura, finais de 2014, Maria do Céu Albuquerque – que foi esta semana indigitada Ministra da Agricultura e que foi presidente da câmara de 2009 a 2019 - já tinha feito dois contractos com a empresa do filho do deputado do PS, a OSTV, Lda. Haveria mais quatro assinados, em 2015, 2016, 2017 e 2018.
Os valores (que aqui colocamos já com IVA) são muito semelhantes ao longo do tempo: €83.738,10 (2013), €92.237,70 (2014), €84.858,68 (2015), €84.858,68 (2015), €84.858,68 (2015) e €84.858,68 (2015). Total: €515.410,82.
O objecto do contracto era "Aquisição de serviços para "Organização do Evento 180 Creative Camp Abrantes" ou equivalente".

Todos os contractos foram por ajuste directo e apenas um deles, o de 2016, está publicado no Portal Base. Em quatro, o que aparece é uma Folha de Requisição da câmara. O de 2013 não tem nenhum documento anexado.
Pelo único contracto disponível online, o de 2016, verifica-se que foi assinado a 29 de Junho de 2016. Mas a empresa OSTV já tinha um mês antes anúncios de inscrições, prometendo inclusive prémios monetários para um evento para o qual ainda não tinha sido contratada.

A OSTV, Lda foi constituída a 29 de Janeiro de 2010, com sede no Porto. O sócio maioritário era João Neves Bacelar de Vasconcelos, que é filho de Maria Assunção Bandeira das Neves e de Pedro Carlos da Silva Bacelar de Vasconcelos. A morada de João Bacelar Vasconcelos no registo da empresa é a mesma do pai: rua Padre Luís Cabral, 944, Porto.
A 23 de Dezembro de 2010, ou seja ainda no mesmo ano de fundação, João Bacelar de Vasconcelos passa a único accionista da empresa. De uma quota de €2.550 passou para €30.000.
O objecto social da OSTV, Lda é a produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão.
Segundo o seu registo de interesses, Maria do Céu Albuquerque é casada com Fernando Jorge da Cruz Albuquerque, dono da Clinica Médica Dentária Fernando Jorge Albuquerque LDA, sendo esta detida a 70% (€35.000) pelo próprio. O restante está com Ana Antunes Albuquerque e Margarida Antunes Albuquerque (ambas com €7.500, 15%).
A última polémica de Pedro Bacelar de Vasconcelos foi em 2017, quando apresentou um livro de José Sócrates, conforme o Público deu conta na altura.”

É Preciso Regressar ao Amigo Íntimo
Custa, mas o melhor é ver o problema a toda a luz. No conceito do homem abstracto é necessário afinal meter tanto estrume, que não há entusiasmo que resista. Feito de mil incoerências, movido por sentimentos ocasionais, preso a necessidades rudimentares, o bípede real, ao ser premido no molde da abstracção, rebenta a forma. E é preciso regressar ao amigo íntimo, ao compadre, para se calcar terra firme. Numa palavra: não há um homem-símbolo que se possa venerar: há simples indivíduos cujas virtudes e defeitos toleram um convívio social urbano.

Miguel Torga, in "Diário (1948)"

https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/ministra-da-agricultura-adjudicou-515-mil-a-filho-de-deputado-do-ps?ref=hp_destaquesprincipais

A eterna instrumentalização da RTP

O recente caso de adiamento do programa “Sexta às 9” mostra que prevalece, na RTP, uma incapacidade de distanciamento (editorial e orçamental) que assombra a independência do seu jornalismo.


Uma sociedade democrática e livre não pode conviver com a suspeita de interferência política na comunicação social. Os cidadãos confiam no jornalismo para escrutinar o poder político, não para se submeter a ele. Ainda menos tolerável se torna a suspeita quando em causa está a televisão estatal, por definição mais dependente financeiramente das opções do governo e, portanto, mais susceptível de ser instrumentalizada por este. Ora, essa suspeita hoje voltou e intoxicará o ar enquanto a situação não for devidamente esclarecida: o programa “Sexta às 9” da jornalista Sandra Felgueiras, da RTP, foi ou não impedido de emitir em Setembro, durante o período que antecedeu as eleições legislativas? E, se foi (como aparenta ter sido), quem é o responsável por essa decisão editorial e até que ponto esta foi (directa ou indirectamente) condicionada pelo governo? Os factos conhecidos legitimam estas duas perguntas e tornam-nas de resposta obrigatória.

Facto n.º 1: o programa “Sexta às 9” regressou da pausa de férias numa data muito posterior ao previsto. Na última emissão pré-férias de Verão, a 9 de Julho, a jornalista Sandra Felgueiras avançou que o programa retomaria em Setembro. De acordo com as redes sociais do programa, a data seria 13 de Setembro, uma data normal face à prática de anos anteriores, inclusivamente em períodos eleitorais – em 2015, o programa retomou a 11 de Setembro, em pleno período pré-eleitoral. Mas o que aconteceu em 2019 foi bastante diferente: a primeira emissão após a pausa de Verão surgiu somente a 11 de Outubro, exactamente na primeira sexta-feira após as eleições legislativas, atribuindo uma nova calendarização ao programa.

Facto n.º 2: deu-se a “coincidência” de a primeira emissão pós-férias do programa trazer ao conhecimento público dois casos muito graves de favorecimento indevido em negócios geridos por gabinetes do governo. Em causa estará a exploração de lítio em Montalegre (que envolve membros e Ex-membros do governo) e outro negócio para o tratamento de resíduos que, aparentemente, terá por detrás um favorecimento a uma empresa do grupo Mota-Engil. É evidente que esta informação, se difundida previamente e em período eleitoral, seria danosa para a imagem do governo e do PS, eventualmente com consequências eleitorais. Aliás, as reacções de dirigentes do PS ao conteúdo dessa emissão explicitam o seu desconforto para com estes trabalhos de investigação jornalística. Portanto, a não-emissão das reportagens em Setembro constituiu uma vantagem objectiva para o governo.

Facto n.º 3: em Setembro, por volta da data habitual da emissão do “Sexta às 9”, Eduardo Cintra Torres acusou a direcção de informação da RTP de ter suspendido o programa por razões políticas e a RTP defendeu-se alegando “ajustes da grelha em função da actualidade”. Manifestamente insuficiente, a justificação não esclarece o básico: o porquê desta gestão da grelha impedir a emissão do programa em período eleitoral – visto ser algo que não sucedeu em 2015 e algo que, em 2019, não se aplicou a outros programas da RTP com o mesmo perfil de investigação jornalística, como o “Linha da Frente”. Vários jornais relataram, de resto, a existência de tensão na redacção da RTP, com fontes a confirmarem o mau relacionamento da direcção de informação com as investigações de Sandra Felgueiras, que por vezes colocaram em causa o governo (como no familygate).

De ano para ano, os detalhes mudam mas o essencial permanece. Há algo de déjà vu nos factos que constroem este caso, assim como na indiferença com que são recebidos: este é mais um episódio da longa história de instrumentalização (directa ou indirecta) da RTP pelo poder político. Num país onde as instituições republicanas são sistematicamente desrespeitadas, prevalece, na RTP, uma incapacidade estrutural de distanciamento (editorial e orçamental), que inevitavelmente assombra a independência do seu jornalismo. Resultado: o gabinete do primeiro-ministro torna-se numa espécie de patrão que ninguém ousa incomodar e o jornalismo de investigação ascende a adversário político, com um alvo nas costas. Para piorar, recorde-se que tudo isto é pago pelos nossos impostos, o que no mínimo deveria fazer-nos pensar. Sim, num plano teórico, há vantagens na existência de uma televisão pública. Mas, na realidade do nosso país, tem ficado cada vez mais evidente que os malefícios superam os benefícios.

Alexandre Homem Cristo
Observador

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Caros Pablo Forero e Mário Centeno, sabem o que é o Imposto do Selo?

Estive há pouco a ver o saldo da minha conta bancária no BPI e verifiquei que, além de uma comissão de manutenção de conta de 15 euros referente aos meses de Abril, Maio e Junho, no valor de 5 euros por cada mês, me foi debitada uma quantia de 60 cêntimos a titulo de imposto do selo sobre esse pagamento (20 cêntimos por mês).

  Como eu percebo pouco de economia, menos de finanças e ainda menos de fiscalidade, fui consultar o código do Imposto do Selo. O que lá diz é que este imposto se aplica sobre operações aduaneiras, jogos ou apostas em jogos que não se encontrem sujeitos ao regime de impostos sobre jogos, aquisição onerosa ou doação de imóveis, aquisição de bens por pessoas singulares por sucessão ou doação, contractos de arrendamento, emissão de documentos, livros e papéis, crédito ao consumo e operações de crédito efectuadas por entidades financeiras, acções, títulos e certificados de dívida pública e outros documentos de crédito, etc..

  Tanto na letra como no espírito deste imposto, o que retive como falante de português é que o Imposto do Selo se aplica sobre dinheiro ou valor colocado à disposição de alguém e é esse alguém (beneficiado) que o deve pagar.

  Ora no caso da minha conta bancária quem colocou dinheiro à disposição de terceiro (o banco BPI) sem apelo nem agravo, porque não fui tido nem achado nessa decisão, fui eu. E quem beneficiou desse dinheiro, 15 euros, foi o banco e não eu.

  Agora expliquem-me lá se faz favor, como se eu não tivesse nem a quarta classe, porque é que eu coloquei 15 euros à disposição do BPI e sou eu que tenho de pagar 60 cêntimos sobre essa quantia a título de Imposto do Selo? E porque é que não é o banco a pagar esse imposto se foi ele o beneficiado?

  Será que o banco e o Fisco interpretaram que para me cobrar 15 euros tiveram de emitir um papel por três vezes e por isso me cobram mais 60 cêntimos? Mas se nem houve nenhum papel entre nós porque tudo foi tratado electronicamente?...

  Eu acho que consigo perceber, de acordo com o código deste imposto, que quando uso o meu cartão de crédito para uma compra ou quando faço um levantamento a crédito nas caixas ATM, devo pagar imposto do selo. Sempre o paguei e nunca o contestei.

  Mas quando eu pago uma comissão de manutenção de uma conta bancária minha e coloco à disposição do meu banco uma certa quantia de dinheiro, que não é crédito nenhum para mim mas sim para o banco, ainda sou eu que tenho de pagar o Imposto do Selo porquê? Porque é que não é o banco?

  Não acham, senhores Pablo Forero e Mário Centeno, que estão a inverter os termos da equação e estão a retirar indevidamente dinheiro da minha conta bancária?

  Ou por outras palavras, assim muito francamente, não acham que me estão a roubar?

  Com estima e consideração, certo de que tudo não passará de um lapso facilmente explicável e resolúvel, esperando sinceramente a devolução deste e de muitos outros levantamentos de imposto do selo sobre comissões de manutenção da minha conta bancária, desejando que a Provedoria de Justiça leia este texto,


  Os meus sinceros cumprimentos

  José Gomes Ferreira

  Jornalista

Fisioterapia política

Trump terá usado o poder do seu cargo para solicitar a intervenção de uma potência estrangeira nas próximas eleições americanas. Ou seja, fica desmentido que Trump resista à entrada de estrangeiros nos Estados Unidos: não só os acolhe como deseja que eles participem activamente na vida política da América.

Ilustração: João Fazenda

Sabemos que o mundo está em boas mãos quando o debate político reproduz, talvez com um pouco menos de sofisticação, as conversas sobre futebol. Falta na nossa grande área? Não me pareceu. Falta na grande área deles? Penalty! Por exemplo: Hillary Clinton usou o e-mail errado para as suas comunicações. Penalty! Donald Trump pediu a uma potência estrangeira para investigar um adversário político. Não me parece que haja infracção. O futuro é dos fisioterapeutas. O contorcionismo necessário para defender uma coisa e o seu inverso tem de gerar hérnias muito dolorosas na coluna. Como gosto muito de ver a imaginação humana em acção, tenho acompanhado com interesse os argumentos dos apoiantes de Trump para justificar o injustificável.

Tenho todo o gosto, aliás, em avançar com alguns argumentos que eu próprio inventei para ajudar o presidente dos Estados Unidos a evitar a destituição. Peço ao leitor que mantenha presente o seguinte pensamento, que define o espírito dos nossos dias: o que vai ler a seguir é sátira hoje, mas muito provavelmente será realidade amanhã.

O caso em que Donald Trump é alvo de algumas das mais graves acusações que já foram feitas a um presidente norte-americano revela, sem margem para dúvidas, a dimensão de grande estadista do líder dos EUA. Trump terá usado o poder do seu cargo para solicitar a intervenção de uma potência estrangeira nas próximas eleições americanas.

Ou seja, fica desmentido que Trump resista à entrada de estrangeiros nos Estados Unidos: não só os acolhe como deseja que eles participem activamente na vida política da América. É um exemplo muito refrescante de concessão de cidadania plena a naturais de outros países.
A melhor defesa de Trump é enviar ao Congresso a declaração que todos os homens fazem quando são apanhados por causa de actos que foram apanhados a cometer através do telefone: “Querida, isto não é o que parece.” Só por muita má vontade o congresso não aceitará essa justificação sincera. Sobretudo se, a seguir, Trump oferecer um anel ao congresso, para encerrar o assunto.

Trump talvez tenha feito coisas ilegais, mas pelo telefone da sala oval, que é o canal certo. Hillary Clinton pode não ter feito nada ilegal, mas comunicou pelo seu e-mail pessoal, que é o canal errado. Vamos concordar em dizer que se trata de um empate e não se fala mais nisso.

(Crónica publicada na VISÃO 1387 de 3 de outubro)

Ricardo Araújo Pereira

Álcool e água oxigenada são a melhor opção para desinfectar feridas?

"O que arde cura", diziam as nossas avós, enquanto sopravam para os nossos joelhos esfolados. Todas as vezes que foi obrigado a sentir aquela dor latejante de uma pinga de álcool ou água oxigenada numa ferida aberta… Valeram a pena? Será que estas são mesmo as melhores opções quando se trata de desinfectar feridas?

http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2019-10-15-Alcool-e-agua-oxigenada-sao-a-melhor-opcao-para-desinfetar-feridas-

Odemira: viagem a uma vila onde cabem 68 nacionalidades.

Em meia dúzia de anos, as estufas duplicaram no Sudoeste Alentejano. E, com elas, chegaram milhares de estrangeiros a Odemira. Com cerca de 30 mil habitantes, estima-se que os estrangeiros representem 20% a 25% da população do concelho, enquanto na freguesia de São Teotónio serão já metade. A especulação imobiliária está ao rubro, os serviços públicos exaustos e a boa vizinhança ressente-se.

Nada parece tirar o sorriso a Kishor Baniya. Chegou ao Alentejo há três anos e, tal como muitos outros nepaleses, começou por arranjar emprego a colher frutos vermelhos nas estufas que passaram a fazer parte da paisagem do Sudoeste Alentejano. Actualmente, é coordenador de colheita e tem uma equipa sob a sua alçada. Aos 31 anos, prepara-se para se casar com uma colega de trabalho também nepalesa, numa cerimónia marcada para o próximo mês, no Nepal. Apesar de ainda não saber onde vai morar com a mulher quando regressarem, não perde o sorriso. Nem quando se lamenta do “pesadelo” que é procurar casa na região.

Por estes dias, Kishor divide com mais dois empregados da mesma empresa uma casa com dois quartos, na Longueira, em Odemira. Pagam 500 euros por mês. “Agora, é difícil encontrar onde ficar e custa três vezes mais”, conta um dos seus companheiros de casa, Gobind Sharma Neupane, também de 31 anos. Estamos no refeitório da Hall Hunter, uma empresa britânica que, há quase três anos, investiu na produção de framboesas e de mirtilos no Alentejo. Na época alta da colheita, chega a dar trabalho a 400 pessoas na sua herdade com 130 hectares e consegue garantir alojamento para 300 dentro do perímetro da empresa, em contentores com capacidade para duas pessoas e ar condicionado, numa tentativa de minorar os problemas provocados pela escassez de casas.

É ao final da tarde, depois de os trabalhadores agrícolas terminarem a jornada laboral, que a presença dos imigrantes no centro de Odemira se torna mais evidente. Nas praças e nos jardins, os turbantes dos siques contrastam com as boinas dos alentejanos. Na câmara, acredita-se que a falta de alojamento irá limitar naturalmente o número de chegadas, mas, por enquanto, não há sinais de abrandamento. Nos últimos cinco anos, o número de estrangeiros residentes no distrito de Beja, a que pertence Odemira, aumentou 29,8% – de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2018 foram registadas 9 731 pessoas, mais 2 901 do que em 2014. Segundo o município, cerca de metade dos imigrantes não fica mais de um ano.

No concelho de Odemira, com cerca de 30 mil habitantes, estima-se que os estrangeiros representem 20% a 25% da população, enquanto na freguesia de São Teotónio serão já metade – valores bastante acima da média nacional, que não vai além de 4 por cento. O movimento é tanto que o CLAIM (Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes) de Odemira, financiado pela autarquia e por empresas agrícolas e de trabalho temporário que atuam localmente, não tem descanso. No período de um ano, entre julho de 2018 e junho de 2019, atendeu 4 567 estrangeiros, praticamente o mesmo número dos dois anos anteriores somados. Na sua esmagadora maioria, os que chegam são homens (86%), originários do Nepal (43%) e da Índia (41%).

Formado em Gestão de Negócios, em Londres, hoje coordenador de operações culturais na Hall Hunter, uma função ligada à manutenção das plantas, Gobind Sharma Neupane tem na ponta da língua a palavra-chave para resolver os problemas provocados pela chegada massiva de imigrantes: “Infraestruturas.” “As pessoas gostam de multiculturalidade, se houver condições para a acomodar”, defende, num inglês desenvolto, apesar de também já falar português. “A maioria dos alentejanos é amistosa. Os que não gostam desta mudança é só porque estavam habituados a que não viesse para aqui ninguém. O problema é o Governo não ter capacidade de resposta. Antes, éramos atendidos em 30 minutos nas Finanças, agora demora horas.” Sentado à sua frente, Kishor faz que “sim” com a cabeça. Compreende que alguns portugueses sejam “desconfiados”, mas nota que nunca se sentiu ofendido e recusa que os alentejanos sejam racistas.

À VISÃO, por escrito, o presidente da Câmara Municipal de Odemira, José Alberto Guerreiro, confirma que “a sobrecarga [dos serviços públicos] é evidente” e que “até ao momento não foi garantido nenhum reforço nestes serviços”. Os sinais de esgotamento das dependências públicas, as dificuldades de comunicação e o incómodo causado pelas casas sobrelotadas são os principais motivos das reclamações que chegam à autarquia.

O Grupo de Trabalho do Mira (GTM), criado por despacho dos ministérios do Ambiente e da Agricultura, tinha como objetivo avaliar a compatibilidade entre a atividade agrícola dentro do Perímetro de Rega do Mira (PRM) e a preservação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina (PNSACV), onde o PRM está inserido. O relatório do GTM, concluído em novembro do ano passado, estima que 1 200 hectares estejam ocupados por culturas cobertas, ou seja, cerca de um terço da área de 30% do perímetro de rega destinado às culturas intensivas. Se toda a área vier a estar coberta (3 600 hectares), calcula-se que serão necessários 36 mil trabalhadores, “número que manifestamente o território não comporta”, conclui o estudo.

No GTN sugere-se, por isso, uma “eventual revisão da delimitação do Perímetro de Rega do Mira e/ou da área abrangida pelo PNSACV”. E aconselha-se as empresas agrícolas a assegurarem o alojamento dos funcionários em freguesias do Interior, garantindo-lhes transporte, de forma a aliviarem a pressão sobre a costa. “As freguesias do Litoral encontram-se esgotadas, sem capacidade de resposta a nível habitacional e de infraestruturas”, lê-se. Até ao momento, não é conhecida qualquer decisão do Governo tendo em conta estas conclusões.

Clima de Guerra Fria

“Devemos acolher toda a gente porque nós também já fomos acolhidos.” A frase do padre Júlio Lemos, 50 anos, ecoa na sacristia da Igreja de São Teotónio, vila a 15 quilómetros de Odemira. O pároco identifica sinais de sobrelotação: “A única casa que falta alugar é a do padre!” Numa altura em que diz ser raro ver portugueses no largo da igreja, fala com orgulho de um dos seus acólitos de nacionalidade indiana: “Ao fim de seis anos em Portugal, foi à Índia buscar a mulher, e, quando os dois voltarem, vão ficar alojados na minha casa até encontrarem um sítio para morar.”

Para Júlio Lemos não restam dúvidas de que as pessoas querem acolher bem “esta gente boa” mas, depois, nota, “precisam de ir ao médico e não conseguem uma consulta ou vão às Finanças e têm 30 imigrantes à frente...” Com o território “a rebentar pelas costuras”, os habitantes locais acabam a sentir-se “compreensivelmente” defraudados. “Todos gostam da nova vida trazida pelos imigrantes mas, ao mesmo tempo, há um conflito latente que é uma espécie de Guerra Fria.”

Diante da igreja, num dos cafés do Largo Gomes Freire, o local mais central de São Teotónio, aqui conhecido como “quintalão”, dois imigrantes asiáticos tomam cafés expresso ao balcão. Na esplanada, António Martins Rosa, 74 anos, bebe uma cerveja com amigos. Emigrou para Hamburgo, na Alemanha, em 1970. Desde que se reformou, passa vários meses por ano na freguesia onde nasceu e encontra semelhanças entre a sua história de vida e a destes imigrantes: “Os portugueses foram lá para fora ganhar dinheiro e eles estão a fazer o mesmo.” Tem apenas uma reclamação: “Muitos jogam lixo para o chão, porque lá na terra deles é assim, e já me aconteceu chamar-lhes a atenção e serem mal-educados. Eu também tive de adaptar-me às regras do sítio para onde emigrei.” Apesar desta queixa, reconhece a importância da chegada dos estrangeiros. “Nós já estamos velhos e eles vieram dinamizar isto.”

A escassos metros do “quintalão” ficam as instalações do Espaço ST, direcionado para crianças e jovens imigrantes, mas com um terço de utentes de nacionalidade portuguesa para fomentar o convívio intercultural. Nitin, de 23 anos, veio da Índia no final do ano passado e é dinamizador comunitário. Nunca se sentiu vítima de racismo e considera os portugueses “muito amistosos”. Ter aprendido rapidamente a falar português ajuda às boas relações. “Os alentejanos precisam de nós, por isso são simpáticos”, acrescenta o jovem.

Quando chegou a São Teotónio, Nitin viu-se obrigado a partilhar um T3 com oito trabalhadores indianos – cada um pagava 100 euros. A falta de casas é sempre assunto. Teresa Barradas, vice-presidente da direção da Taipa, uma organização cooperativa que promove o Espaço ST e o CLAIM, não esconde a preocupação. “Se continuarem a chegar pessoas, temo que possa não haver emprego para todos e, aí sim, teremos problemas”, alerta. O maior fluxo de chegadas acontece entre fevereiro e março, antes de começar a época alta de produção. “Às vezes, já estão 30 ou 50 pessoas à espera que o CLAIM abra”, contabiliza, sendo que o gabinete tem capacidade para atender, no máximo, 20 pessoas por dia.

Para contrariar possíveis choques culturais, o Giramundo, outro projeto gerido pela Taipa que tem como público-alvo os adultos, faz sessões de sensibilização. Muitos imigrantes circulavam a pé, durante a noite, sem qualquer sinalização; agora já usam coletes refletores e lanternas. Acabar com o hábito de atirar lixo para o chão também se tornou uma prioridade.

Na rua, Teresa Barradas garante que “não se sente insegurança” e contextualiza: “Se eu sair de noite e se tiver de passar por um grupo de 15 homens, é natural que sinta desconforto, independentemente de serem portugueses ou estrangeiros.” Tripta Devi, de 27 anos, foi das poucas mulheres a chegar sozinha ao Alentejo. Como se sentia diariamente ameaçada por ser mulher na Índia, compreende que as portuguesas possam ter medo quando veem grupos de estrangeiros na rua. “Mas Portugal não é a Índia, aqui há regras”, nota.

Formada em enfermagem, Tripta trabalha no minimercado do largo central de São Teotónio, propriedade de um empresário de nacionalidade indiana. O comércio tradicional convive, cada vez mais, com negócios dirigidos sobretudo à comunidade imigrante, essencialmente supermercados e restaurantes. “Os portugueses também são nossos clientes porque gostam de comida indiana e, quando não me veem aqui, perguntam logo por mim.”

Tripta Devi também diz sentir os efeitos da sobrelotação da região. “No Centro de Saúde de Odemira, só conseguimos marcar consulta para daqui a um ou dois meses, e isso obriga-nos a ir às urgências...”, exemplifica. À VISÃO, a Administração Regional de Saúde do Alentejo nega ter-se verificado ou verificar-se atualmente alguma necessidade adicional. “Se houver necessidade de reforço nos serviços de saúde, a mesma será naturalmente colmatada”, garante.

Agora, a jovem indiana já não está sozinha. Os pais estão de visita e planeiam ficar. Não é caso raro. O CLAIM tem recebido cada vez mais pedidos de reagrupamento familiar e, desde o ano passado, começaram a chegar mais mulheres e filhos. Os dados do SEF, de resto, refletem esta realidade. Em 2018, foram concedidos 59 pedidos de reagrupamento familiar só no concelho de Odemira. E os números provisórios para este ano já praticamente duplicaram: somam-se 115 autorizações.

Com 33 dias de vida, Dhruv é um dos mais jovens habitantes de Odemira. O pai, Sunil Kumar, de 33 anos, chegou ao Alentejo vindo da Índia em 2016; a mãe, Mamta Rani, de 27, no final do ano passado. Os três moram numa casa térrea tipicamente alentejana, na povoação de Galeado. Sunil é supervisor de túneis, que é como por aqui se chama às estruturas amovíveis que suportam o plástico (só as fixas são estufas). Os vizinhos portugueses estão sempre a perguntar-lhes pelo bebé e ofereceram-lhes roupas. “Por mim, ficava aqui a vida inteira”, confessa Sunil. O aumento da população, sente-o no quotidiano: “Até os bancos passaram a limitar o número de abertura de contas diárias!”

Mitos sobre belaretas

Maria José, de 69 anos, e Arménio Lourenço, de 75, dedicam-se ao artesanato em madeira há mais de 30 anos. Vivem em São Miguel, a escassos seis quilómetros da praia de Odeceixe. Logo à entrada da povoação, um letreiro improvisado anuncia um restaurante tailandês. “Agora, só cheira àquelas comidas deles com caril”, queixa-se a artesã, antes de confessar nunca ter experimentado gastronomia asiática. “Acabou-se o sossego”, sentencia Arménio. “Às vezes ouço dizer que eles andam por aí a fazer belaretas… Sabe o que são belaretas? São asneiras”, explica Maria José. “Fazem festas e há brigas”, acrescenta.

Arménio Lourenço não tem dúvidas de que os alentejanos “só não ralham mais contra a presença dos imigrantes porque ganham muito dinheiro com eles”. Apesar do muito que ouve dizer, a verdade é que o casal nunca testemunhou qualquer situação nem teve nenhum problema com a comunidade estrangeira. No incidente mais mediático, as vítimas foram os imigrantes. Em maio deste ano, cinco guardas da GNR foram detidos, acusados de espancar um grupo de homens de origem hindu no final do ano passado.

Enquanto representante da comunidade nepalesa, Shiva Bhakta Wagle, de 39 anos, tem recebido poucas queixas. “Em 100 pessoas, há uma ou duas antipáticas. Às vezes, alguns portugueses acham que não têm emprego por nossa causa, mas não é verdade”, esclarece, sentado numa esplanada no centro de Odemira. “Já houve dois ou três casos de brigas entre os imigrantes, mas isso são coisas que acontecem...”

Há quatro meses, Shiva conseguiu finalmente trazer a mulher e os dois filhos para Odemira. Está muito satisfeito por ter arrendado uma casa com três quartos por 550 euros. A autarquia de Odemira estima que o aumento do preço de venda e de arrendamento na região ronde os 30 por cento. “Normalmente, num quarto ficam duas a quatro pessoas, é muito complicado...”

Shiva é motorista numa empresa agrícola, mas já apanhou fruta, um trabalho que não considera difícil. “O calor, sim, é insuportável”, confessa. Habitualmente, um apanhador de fruta recebe entre 600 e 700 euros, por oito horas diárias de trabalho, cinco ou seis dias por semana. Mais do que o salário, algumas pessoas procuram Portugal por ser relativamente fácil conseguir a legalização, diz: “Basta trabalhar e ir ao SEF, mas está difícil conseguir marcação, talvez só daqui a seis meses...”

Uma das alterações mais substanciais da Lei dos Estrangeiros foi aprovada no início deste ano e protege os imigrantes que se encontrem em Portugal a trabalhar e a descontar para a Segurança Social há pelo menos 12 meses, permitindo que possam ter autorização de residência, mesmo que não tenham entrado no país de forma legal. No triénio entre 2016 e 2018, de acordo com o SEF, foram identificados apenas 34 cidadãos estrangeiros em situação ilegal no concelho de Odemira.

O presidente da Junta de Freguesia de Vila Nova de Milfontes, Francisco Lampreia, afirma ter conhecimento de empresas que fazem contratos de trabalho fictícios apenas com o objetivo de legalizar os imigrantes. “Paga-se muito por esses contratos falsos, fala-se em cinco mil euros; é uma forma de dar a volta à lei. O Governo tem conhecimento destas situações”, garante. Também na Câmara Municipal de Odemira se reconhece a existência destes casos, já “transmitidos às autoridades”.

Francisco Lampreia garante que “não existe xenofobia ou falta de vontade”. O problema, diz, é o Sudoeste Alentejano não ter recebido mais meios para acolher tanta gente. “Os serviços públicos estão entupidos.” O autarca, eleito pelo PS, também teme o impacto da imigração no turismo. “As pessoas procuram-nos pela tranquilidade, e tanta gente na região pode ter um efeito negativo”, nota. “Há pessoas que não se sentem à vontade quando aparecem grupos de homens estrangeiros na praia, a olharem para as mulheres.” Não fotografar as raparigas na praia é uma das regras habitualmente ensinadas aos imigrantes.

Aos ouvidos de Rudolf Muller, responsável pelo alojamento turístico do Monte da Choça, em São Teotónio, nunca chegaram relatos de cancelamentos por causa dos imigrantes. O luso-suíço explica sempre aos seus clientes o contexto da região, para que não fiquem surpreendidos ao encontrar os supermercados cheios de asiáticos. Reconhece que pode haver algum impacto no turismo, porque muitas pessoas passaram a arrendar os quartos e as casas particulares aos imigrantes, o ano inteiro. No entanto, o alojamento turístico continua a crescer – só este ano surgiram mais 230 camas.

Fundador da Rota Vicentina, um conjunto de trilhos pedestres ao longo da costa, Rudolf admite que quem está ligado ao turismo não gosta das estufas. “Ficamos preocupados com a destruição paisagem, mas sermos contra as estufas não significa que sejamos contra os imigrantes. Eles vieram trabalhar.” Com as caminhantes da Rota Vicentina já aconteceram algumas situações desconfortáveis, mas nunca problemáticas. “Às vezes, as turistas estrangeiras cumprimentam-nos e eles vão atrás delas. Para evitar esse choque cultural, temos de explicar que quando uma mulher os cumprimenta, isso não quer dizer nada.”

O luso-suíço acredita que grande parte da população enfrenta um dilema: “Quase todos têm críticas a fazer mas, ao mesmo tempo, quase todos beneficiam desta explosão da agricultura.” Dizendo-se “muito feliz” por viver num País onde os movimentos de extrema-direita não têm expressão, apenas lamenta as “barbaridades” publicadas em alguns blogues. “Não é verdade que as praias do Alentejo estejam inseguras ou que as pessoas sejam molestadas. Tenho um alojamento turístico e nunca me chegou uma queixa”, assegura. “Pode haver casos de curiosos que aparecem nas praias de nudismo, mas nunca houve problemas graves.” Já este ano a Procuradoria-Geral da República (OGR) veio garantir que “não foi, até ao momento, reportada qualquer situação de aumento de participações de crimes sexuais praticados por estrangeiros e imigrantes” na costa alentejana.

Em Aljezur, a apenas 40 quilómetros de Odemira, a coreógrafa Madalena Victorino desenvolveu um projeto artístico com o intuito de aproximar a comunidade imigrante e os habitantes locais. Foi há três anos e na altura verificou que o encontro entre as pessoas ainda estava por fazer. “Assim, abre-se espaço aos mitos e aos medos”, analisa. Os “insatisfeitos criam um universo de exclusão e agarram-se a histórias de lutas e de alcoolismo, mas nunca vi nada disso. São pessoas muito pacíficas e amigáveis. Têm uma postura de grande respeito pelo sítio onde estão”.

A morar em Aljezur, vila onde há várias décadas residem muitos estrangeiros, sobretudo europeus, a coreógrafa confessa que teve grande dificuldade em mobilizar os alentejanos para integrarem o espetáculo que fez com os imigrantes. “Há muita gente com um discurso quase racista.” Três anos depois, prepara-se para dar início a um novo projeto de integração através da arte e tem esperança de que a abertura da população agora seja maior. “Temos de continuar a construir o mundo em conjunto. Não há outra opção.”

http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2019-10-12-Alentejo-viagem-a-uma-vila-onde-cabem-68-nacionalidades

Não há maioria absoluta, mas há animal ferocíssimo.

Agora percebo o receio de "mexicanização". Por este andar, mais uma ou duas legislaturas e os espanhóis são meninos para construir um muro na fronteira para impedir que passemos a salto para Badajoz.

Sem qualquer dúvida, António Costa foi o grande vencedor das eleições de domingo. Se é verdade que Costa não conseguiu maioria absoluta para o Partido Socialista – como José Sócrates alcançou em 2005 -, a verdade é que, depois da refrega no Terreiro do Paço com aquele senhor idoso, Costa provou ser um animal, não meramente feroz, mas ferocíssimo. Felizmente, não foram os apaniguados que o primeiro-ministro nomeou em 2017 para a Protecção Civil que trataram da segurança do PS durante a campanha. Caso contrário, na sexta-feira passada, mais de dois anos depois da catástrofe, o incêndio de Pedrógão Grande teria feito mais uma vítima.

O que ainda não ouvi a nenhum analista político é que este episódio é um sinal claro de que a legislatura que agora começa será bem diferente da anterior. Se nos últimos quatro anos o governo tudo fez para convencer os portugueses que tinham desapertado o cinto, este incidente com o cidadão sénior antecipa que nos próximos quatro anos é muito real o perigo de António Costa nos fazer chegar a roupa ao pêlo.

Se dúvidas havia, ficou comprovado que o líder do PS é muito habilidoso. A forma como ele se adapta a cada situação é esplêndida. Por exemplo, quando foi visitar José Sócrates à prisão de Évora, é difícil sequer imaginar a quantidade de patranhas que Costa escutou acerca do que sucedeu enquanto foi número dois do executivo de Sócrates. E no entanto, a sua única reacção na altura foi um sereníssimo afiançar que Sócrates “Luta por aquilo que acredita ser a sua verdade”. Desta vez, só por causa de uma aldrabicezita proferida por um idoso, Costa queria logo tirar de esforço do velhote. Quando bastava ter tido umas palavras simpáticas, daquelas que o caracterizam, do género: “O senhor está a dizer aquilo que acredita ser a sua verdade. Mas daqui a dez minutos, provavelmente, já nem se lembra que falou comigo. São aquelas coisas aborrecidas da idade, não é?”

Este episódio, na antevéspera das eleições, trouxe à memória a frase cunhada por Jorge Coelho em 2001 segundo a qual “Quem se mete com o PS leva”. Descobrimos agora, dezoito anos depois, que o que ficou para a história foi apenas a parte inicial do dito. Pelos vistos, a frase completa é “Quem se mete com o PS leva e não interessa cá se são velhos, ou se são velhas. Vai tudo a eito!”

O novo parlamento terá, pela primeira vez, uma deputada do Livre e um deputado do Chega. E como que celebrando o processo democrático em curso, a deputada do Livre, Joacine Moreira, garantiu já que “não há lugar para a extrema-direita” na Assembleia da República. O que é bizarro, porque significa, ou que o Chega não é de extrema-direita, ou que Joacine Moreira vai propor a António Costa um acordo em que, em troca da aprovação dos orçamentos de estado, o primeiro-ministro dá-lhe umas lições sobre como correr com opositores políticos à pancada, para ela aplicar no André Ventura assim que se cruzarem no hemiciclo. Mas, por acaso, eu estou de acordo com a Joacine. Também não desejo a extrema-direita da Assembleia. O que me faz mesmo espécie é por que razão — não estando nós dispostos a tolerar a presença de um deputado de extrema-direita — toleramos a presença de tantos deputados de extrema-esquerda.

Aqui há uns meses, o ex-ministro Poiares Maduro dizia temer a “mexicanização” da política portuguesa. Agora percebo o seu receio. Por este andar, mais uma ou duas legislaturas e os espanhóis são meninos para começar a construir um muro na fronteira para impedir que passemos todos a salto para Badajoz.

Tiago Dores

Da China com Amor

Os Estados Unidos encontram-se, de facto, mergulhados numa profunda crise. Sabemos que a coisa está mesmo feia quando cabe a um indivíduo com o currículo de Donald Trump ser a reserva moral da nação.

O título original da película de 1963 protagonizada pelo estiloso James Bond era, na verdade, From Russia with Love e não From China with Love. Mas se o nome original em inglês não é o mais apropriado para este caso, já a versão portuguesa é arrepiantemente sugestiva: Ordem para Matar. Pois é, além de toda a sorte de bugigangas a tuta-e-meia, por estes dias o que vem mais da China são sinais claros do tipo de afecto com que o estado chinês pretende acarinhar o resto do mundo. De início parece um abraço mesmo muito fraterno; depois o aperto começa a ficar ligeiramente desconfortável; quando dermos por isso, estamos a acordar de um mata-leão já como funcionários da linha de montagem de uma fábrica da Huawei em Pegões, com uma carga horária de 170 horas semanais e direito a um feriado por ano, a 22 de Dezembro, para festejar o dia em que, nos saudosos idos de 2011, o estado português ofereceu ao seu congénere chinês a EDP.

Vem esta muito gira distopia a propósito da polémica em curso na liga norte-americana de basquetebol, a NBA, depois de um dirigente dos Houston Rockets ter tido o desplante de enviar — imaginem só — um tweet pró-democracia de apoio à luta pela liberdade em Hong Kong. “Fight For Freedom, Stand With Hong Kong” foi o dislate tweetado e prontamente apagado. Ainda assim tarde de mais, pois a ira do governo chinês e das empresas chinesas (passe a redundância) já se tinha feito sentir, sob a forma de corte imediato de vários patrocínios à NBA.

Perante isto, como reagiram jogadores, treinadores e dirigentes da NBA? Dou-vos três hipóteses. Hipótese A: disseram “Levem daqui o vosso dinheiro sujo, comunas d’um raio! Não precisamos de vocês para nada, pá!” Hipótese B: mandaram o governo chinês dar uma volta, enquanto afirmavam orgulhosamente que a América é a terra da liberdade. Hipótese C: reagiram de forma tão mariquinhas que mais pareciam umas autênticas meninas. E a reposta certa é: nenhuma das hipóteses acima. As duas primeiras não podiam ser, porque a NBA jamais correria o risco de ferir a susceptibilidade de um governo totalitário que lhe põe bom dinheirinho nos bolsos. A terceira podia perfeitamente ser, mas a NBA jamais o admitira para não correr o risco de ferir as susceptibilidades da turba do politicamente correcto.

A reacção da NBA chegou pela voz de, entre outros, um dos seus jogadores mais famosos, LeBron James. LeBron garantiu não só que o dirigente dos Houston Rockets está mal informado sobre este tema, como também que muitas coisas negativas podem advir da liberdade de expressão. Confirma-se, portanto, não ser à toa que se costuma dizer “Na América, tudo é possível”. Pelos vistos, até é possível latagões com mais de dois metros de altura terem, afinal, o porte moral de um vulgar roedor doméstico. Aliás, em honra deste fã indefectível, a República Popular da China já alterou o seu calendário e tudo. A 25 de Janeiro de 2020, em vez de se celebrar o início do Ano do Rato, comemorar-se-á a entrada no Ano do LeBron James.

A propósito desta controvérsia, Donald Trump veio acusar — e bem — vários elementos da NBA de se terem acobardado e de serem coniventes com a China relativamente a Hong Kong. E assim se percebe que os Estados Unidos se encontram, de facto, mergulhados numa profunda crise. Sabemos que a coisa está mesmo feia quando cabe a um indivíduo com o currículo de Donald Trump ser a reserva moral da nação.

Tiago Dores – Observador