segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A astúcia do dr. Costa, e a solidez democrática dos nossos ministr@s

CASO O DR. MARQUES MENDES NÃO ME TIVESSE EXPLICADO TUDO MUITO BEM, AINDA HOJE NÃO ENTENDERIA AQUELA IDEIA DE UMA APP SER OBRIGATÓRIA

COMENDADOR MARQUES DE CORREIA


O Dr. Marques Mendes encontrou-me na rua (ou melhor, eu encontrei o dr. Marques Mendes, porque ele é mais difícil de encontrar do que eu) e perguntei-lhe: “Ó Luís…” (eu conheço o dr. Marques Mendes ainda ele não era dr. nem Marques Mendes, conjunto que por inteira justiça pertencia a seu pai, dr. António Marques Mendes, e que ele naturalmente herdou). Mas, voltando ao tema, encontrei o ilustre vocalitivo (se plumitivo se refere a quem escreve, quem fala penso ser vocalitivo) e perguntei-lhe: “Ó Luís, o que é isto da app ser obrigatória e...” — ia eu a perguntar o que era uma app, quando ele, ainda mais rápido, respondeu: “O Costa não queria aquilo obrigatório, queria era abanar esta modorra dos portugueses, e fazer com que muitas mais pessoas instalassem a app, muitos mais médicos gerassem códigos e muitos mais infetados introduzissem esses códigos.”

Eu, sem perceber nada do que ele dizia, respondi: “Aaaahhh!” E ele disse: “Está a ver?” Respondi que não estava a ver a Clara de Sousa e despedimo-nos cordialmente.

Fui para casa estudar a resposta do ilustre aparecista (se publicista é o que publica em jornais e revistas, aparecista deve ser o que aparece na televisão). Depois de a compreender em toda a sua extensão, não tive dúvidas em concordar com ele. O dr. Costa (que também conheci antes de ser dr. e antes de ser Costa, conjunto que era pertença de seu pai, dr. Orlando da Costa, esse sim, publicista em todos os sentidos da palavra), o dr. Costa (António) é de facto habilidoso e inteligente. Numa palavra astuto! Como defensor extreme da democracia, nunca quis obrigar ninguém a nada.

Isso mesmo se verifica pelo exemplo que dá uma ministra do seu governo, ministra dileta, por ser da Modernização do Estado e da Administração Pública, a drª Alexandra Leitão (nunca a conheci noutra qualidade). A drª, quando lhe perguntaram se tinha a dita app, respondeu: “Com toda a simpatia vou declinar responder a essa pergunta. Porque acho que é uma questão do foro pessoal (...)”.

Infelizmente, o exemplo da drª Alexandra Leitão não é seguido por muitos agentes públicos que ainda não têm a modernidade do Estado interiorizada. Há poucos dias, num serviço do Estado pediram-me o Número de Identificação Fiscal e eu respondi: “Com toda a simpatia, vou declinar responder porque acho que é uma questão do foro pessoal.” Não aceitaram a resposta. O mesmo se passa quando perguntam o número da Segurança Social, já para não falar de coisas tão pessoais e íntimas como o nome do pai e da mãe (como se não pudesse passar sem eles) ou a morada (como se alguém tivesse algo a ver com isso) ou a data de nascimento (como se fosse elegante fazer uma pergunta dessas). Pelo contrário, e ao arrepio dos esforços que a drª Alexandra Leitão manifesta e publicamente faz, a Administração Pública quanto mais se moderniza, mais quer saber de nós, dos nossos segredos, das nossas entranhas. Por exemplo, para sacar um Cartão de Cidadão, coisa que só demora uns 12 anos, pedem-nos tudo, incluindo o número do telemóvel e o e-mail... depois informam-nos que podemos ir levantá-lo a um sítio qualquer, para o qual temos de telefonar para marcar; depois não atendem o telefone. Moderno deve ser, porque a malta nova nunca atende o telefone, vá lá saber-se porquê. Mas parece-me pouco eficiente.

Seja como for, o que importa é o sentimento de liberdade que perpassa todo o Governo! A defesa assoberbada da intimidade e privacidade! A batalha pela integridade de cada indivíduo, o grito inflamado contra a opressão. Eu vergo-me e vergar-me-ei diante tal maremoto de pensamentos, emoções, ações e, sobretudo, omissões. Que eu sou agradecido ao Governo por nos ensinar a liberdade e a inviolabilidade do nosso ser, do nosso eu.

Posto isto, vou revalidar a carta de condução, introduzindo o meu Cartão do Cidadão com um chip num computador para que tenham a certeza de que sou eu. O procedimento é simples para mim, pois já o tive de fazer para renovar o Cartão do Cidadão. Depois, vou ao sítio da Segurança Social, onde eles têm o meu nome, morada, números de contribuinte, da conta bancária, e do Cartão do Cidadão; endereço, endereço eletrónico, números do telefone fixo e do telemóvel e data de nascimento. Ocorre-me que não sabem das minhas doenças, mas que no BI-CSP (Bilhete de Identidade dos Cuidados de Saúde Primários) já devem saber as que tenho e as que vou ter. Não me peçam para revelá-las, porque é pessoal!

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