Amy Coney Barrett
Hoje o Senado americano deve confirmar a nomeação da juíza Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal. O assunto é da maior importância, por se tratar da mais alta instância judiciária do país, para onde os magistrados são designados a título vitalício. Ou seja, a relação de forças entre juízes progressistas e conservadores após cada elevação ao Supremo perdura bem para lá do mandato do chefe de Estado que os tenha escolhido.
Por este alto tribunal passam questões tão relevantes quanto a legalidade ou não da interrupção voluntária da gravidez; acesso ao direito ao voto e regras de campanha; manutenção ou revogação do plano de saúde universal do anterior Presidente, conhecido por Obamacare; licenças de porte de arma; igualdade de salários entre homens e mulheres. Há 20 anos, até uma eleição presidencial foi decidida no Supremo, com o painel a mandar parar as recontagens de voto pedidas pelo candidato democrata, Al Gore, assim consolidando o triunfo de George W. Bush. Se pensarmos que Donald Trump se recusa a prometer aceitar os resultados do próximo dia 3 de novembro caso não vença, percebemos que muita gente olhe na direção do Supremo.
Barrett é a terceira nomeação de Trump para o Supremo em quatro anos e não há como questionar a legalidade do processo, que está a horas de se concluir. Quem decide é o Presidente, quem confirma é o Senado. A lei não fala em prazos e, se mexer no mais alto tribunal da nação a dias da ida às urnas faz erguer sobrolhos, mais haverá que erguê-los ao recordar que há quatro anos os republicanos (já então em vantagem no Senado) impediram Obama de nomear o juiz Merrick Garland quando abriu uma vaga por morte do veterano Antonin Scalia, o mentor de Barrett. Dizia o GOP (Grand Old Party, outro nome por que são conhecidos os republicanos) que era demasiado em cima das eleições para se nomear o juiz. Demasiado em cima significava, nesse longínquo ano de 2016, aproximadamente dez meses. Em 2020 uns dias já não é demasiado em cima.
Naquela ocasião acabou por ser Trump a designar o juiz Neil Gorsuch, em 2017. No ano seguinte chamou Brett Kavanaugh, quando se jubilou o magistrado Anthony Kennedy. Nos dois casos, tratou-se de um Presidente de direita a decidir a rendição de um magistrado de direita. Agora está em jogo a cadeira da falecida Ruth Bader Ginsburg, nome de maior prestígio entre os juízes liberais do Supremo, e a candidata de Trump é ultraconservadora. Tal reforçará a ala onde pontificam Clarence Thomas, Samuel Alito e o presidente do Tribunal, John Roberts, mais oscilante e que por vezes vota com o bloco liberal, este formado por Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan.
A incoerência entre o que o Partido Republicano pregava e o que se apresta a fazer motiva o único voto negativo previsto na sua bancada: o da senadora Susan Collins. Uma em 53. Os democratas são 47. Outra republicana que não gostou do sucedido e que este domingo votou contra a marcação da votação final para amanhã foi Lisa Murkowski. Não obstante, anunciou que no escrutínio final estará com Barrett. Nem Mitt Romney, ex-candidato presidencial (2012) que no passado mês de janeiro apoiou o processo de destituição contra Trump, furará a disciplina partidária. Barrett será, pois, a terceira mulher na presente composição do Supremo e a sexta ao todo, após Kagan, Sotomayor (escolhidas por Obama), Ginsburg (indigitada por Clinton e que morreu a 18 de setembro) e Sandra Day O’Connor (nomeada por Reagan em 1981, jubilada em 2006).
Quem é, então, Amy Coney Barrett? Conservadora, religiosa, determinada, mãe de sete, já lhe traçámos um perfil no Expresso e até explicámos o significado de um palavra rara: originalista. A promoção vem com caderno de encargos mas a própria garante não estar nas mãos de ninguém. Além da agenda que toca o seu eleitorado, Trump terá pensado na própria eleição presidencial. Se a contagem de votos for contestada, pode voltar a ser o Supremo a decidir quem manda no país. Para lá do plano formal, isso será legítimo? Por outro lado, será seguro presumir que o futuro grupo de seis magistrados conservadores apoiará o Presidente em todo e qualquer caso? Gorsuch e Kavanaugh já contrariaram mais de uma vez a vontade do chefe de Estado.
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