A 2ª vaga está a revelar os erros de quem manda na Saúde e na luta contra a pandemia. Novos dados são finalmente divulgados, mas outros essenciais não existem. Sacudir a água do capote para cima dos cidadãos é fácil, mas não vai resultar.
O REI VAI NU (e hoje não é o PR…)
A chegada da 2ª vaga fez desaparecer a tolerância pública – tão portuguesa – com a falta de competência, arrogância e o limitado sentido democrático de quem manda na Saúde em Portugal. De repente, começou a ler-se e ouvir-se nos media o que muitos me diziam sotto voce, e de que me fiz eco, já desde finais de abril.
Os exemplos são inúmeros. Entre os mais recentes, e por exemplo, (i) uma carta publicada no Público e assinada por 6 bastonários da Ordem dos Médicos, pelo menos um deles da área socialista, (ii) declarações numa entrevista televisiva do ex-Ministro socialista Adalberto Campos Fernandes, (iii) textos de jornalistas e comentadores respeitados, (iv) e no plano dos cidadãos uma sondagem que revela que em 4 meses, o saldo da confiança em relação à falta de confiança na DGS passou de 50% para 3% (e isto antes da passada semana).
Começaram a ouvir-se com mais insistência críticas de epidemiologistas, investigadores, médicos de saúde pública, em relação à ineficiência, caos, falta ou retenção de informação, e que ao longo dos meses as mensagens foram contraditórias, confusas, pouco ou nada transparentes.
Também nos últimos dias comecei a ler e ouvir que a estratégia de comunicação é errada, que o foco da comunicação é demasiado genérico e ineficiente, como aliás eu antes referira aqui.
A questão não é a reta intenção da Ministra e da DGS, pois de boas intenções está o inferno cheio. A questão é a incapacidade de montar e fazer executar uma estratégia, de a comunicar bem aos cidadãos, e não apenas pela necessidade de respeitar a soberania popular, mas também porque sem credibilização nunca haverá a adesão do público.
Não se esquece que a tarefa é dura e difícil, que a equipa que dirige a saúde não foi escolhida para gerir uma pandemia, que o cansaço deve ser muito elevado, como se compreende. Como disse o Secretário de Estado adjunto da Saúde, talvez pensando em nós e não no Governo, “O cansaço de todos é legítimo, mas não pode legitimar o nosso fracasso”.
Sacudir a água do capote para cima dos cidadãos não é justo, não serve para desculpabilizar e é contraproducente. Quem está na frente de batalha há quase 7 meses, mereceria melhores generais.
Foi por antecipar tudo isso (pois os sinais desde finais de abril eram óbvios) que em 5 de maio comecei a criticar a estúpida teoria de que durante uma guerra se não mudam generais, pois nessa altura já se percebia a inadequação da equipa. E depois tudo se foi agravando de um modo exponencial.
OS GRAVES EXEMPLOS DE INCOMPETÊNCIA E CAOS
Veja-se o caso do Conselho Nacional da Saúde Pública. Nunca foi convocado pela Ministra – soube-se agora – desde início de março.
E, no entanto, é esta a missão do CNSP: “é um dos pilares do Sistema de Vigilância em Saúde Pública (SP), constituindo-se como o órgão consultivo do Governo no âmbito da prevenção e do controlo das doenças transmissíveis e, em especial, para análise e avaliação das situações graves, nomeadamente surtos epidémicos de grande escala e pandemias”.
Pasme-se, os seus membros foram designados pela Ministra em 30 de janeiro de 2020. Ou seja, a Ministra nem sequer acha que valha a pena ouvir quem ela própria nomeou, o que é um sinal pouco democrático de autoritarismo e de arrogância. Aparentemente, ela não ouve ninguém que a possa criticar e por isso o Bastonário dos médicos referiu há dias que o Presidente da República está a fazer esta semana o que a Ministra nunca fez.
Mas há um exemplo mais grave – que os bastonários dos médicos referem: o “Plano Integrado Outono-Inverno para o SNS”. Em vez de ter sido apresentado em junho/julho, ainda em 7 de setembro estava em preparação, disse a Ministra, e só em 21 de setembro (ou seja, na véspera do início do Outono…) foi divulgado. Mas ontem o atual bastonário revelou que “ainda não está fechado”. Era como se a Casa Chanel lançasse a moda do outono-inverno em plena época natalícia…
Pior, e mais um sinal de arrogância, o Plano nunca foi posto a debate, e contém medidas (por exemplo criar uma “task force de resposta aos doentes não-Covid”, criar zonas “covid free”, aumentar o tempo dedicado ao atendimento nos centros de saúde) que deveriam existir e estar no terreno há meses.
Não admira por isso que o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, tenha dito de imediato – e cito do Público – que “a rede covid e não covid e os mapas de risco epidemiológico, já deveriam estar implementados” e que “falta gestão operacional”. E também que o Plano “não diz quais os recursos que vão ser afectos e quais as áreas que vão ficar dedicadas à covid, a partir de que níveis serão accionadas as unidades free covid ou quantas camas terão”. Quanto à task force para doentes não covid, refere que será constituída por membros das ARS que “têm estado sempre envolvidas e que se mostraram incapazes de reactivar a resposta”.
E os 6 bastonários dos médicos (em 14 de outubro) escrevem, e cito: “os números dispensam adjetivos: neste período covid-19, houve 100 mil cirurgias atrasadas no SNS, a que se junta um milhão de consultas nos hospitais, milhares de rastreios que ficaram por fazer, designadamente em oncologia, 17 milhões de meios e exames de diagnóstico e terapêutica, cinco milhões de consultas presenciais nos cuidados de saúde primários. O número de óbitos não-covid disparou, com mais 7144 mortes entre março e setembro do que a média dos mesmos meses dos últimos cinco anos”.
ALGUNS OS DADOS COMEÇAM A SER DIVULGADOS, MAS FALTAM OS ESSENCIAIS
Mas nem tudo é péssimo. Finalmente foi dada resposta a duas das perguntas que venho fazendo há muitas semanas: o Público pôde informar no passado sábado que cada doente ficou em média internado em enfermaria 18 dias (em março) e 10 dias (em agosto) e em UCI o número de dias passou de 28 para 15. O que são boas notícias (e seriam melhores se fossem explicadas as causas disso).
Sabe-se finalmente agora que, de março a outubro, foram apenas internados em todo o País 7186 pessoas em enfermaria e 930 em UCI, o que compara com mais de 2000 mortos e cerca de 100 000 positivos confirmados.
Até aos 60 anos somos 7,4 milhões e há 74191 pessoas confirmadas como positivos.
Assim, em 6 meses, com menos de 60 anos, terão estado, por cada 10 000 pessoas, 100 positivos, desses 3 em enfermaria (2743 pessoas), 0,4 em UCI (311 pessoas), e morreram 0,13 (100 pessoas).
Mas continuamos a não saber quantos deles tinham comorbibilidades.
Na fixa etária acima dos 60 anos, somos 2,9 milhões e há 25800 pessoas confirmadas como positivos.
Assim, em 6 meses, com mais de 60 anos, terão estado, por cada 10000 pessoas, 88 positivos (menos 12% que abaixo dos 60 anos), e desses 15 em enfermaria (4443 pessoas), 2,1 em UCI (619 pessoas), e morreram 7 (2081 pessoas).
Ou seja, e em resumo, acima dos 60 anos somos apenas 40% do total dos que têm menos de 60 anos, mas apesar disso houve ou há 500% mais em enfermaria e em UCI. E morreram 2000% mais.
Estes resultados só agora, que nos deram mais informação, se revelam. E mostram que, ao contrário do que se imaginava, a pandemia é ainda muitíssimo pior para os mais velhos do que para os menores de 60 anos.
Considero que a pandemia é perigosa, pode deixar sequelas, exige cautelas (máscaras, distanciamento social, desinfeção de mãos). Não sou “negacionista”. Mas também não sou “paniquista”.
E, graças a Deus, esta não é uma tragédia cósmica; sobretudo quando se recorda que, em 19 de janeiro de 2019, o DN noticiava a morte de 500 pessoas no dia 14 desse mês de gripe (vírus AH3), “especialmente idosos”, no que teria sido “um dos dias com mais mortes da última década”, ou seja algo evento mais recorrente do que se desejaria.
Como resulta destes dados, finalmente acessíveis, parece claro que a pandemia é grave, mas controlável com boas políticas públicas, se os recursos e energias forem aplicados na proteção dos grupos de risco, o que exigiria informação que a DGS parece que não tem ou não sabe encontrar.
É que a DGS revelou (o que o Público aceitou com acrítica compreensão) que não é possível perceber se houve alteração na idade das pessoas internadas em 6 meses, e – mais grave, e ao contrário do que ocorre noutros países - “não foi possível ter informação sobre as doenças prévias mais prevalentes”, “remetendo a DGS para os hospitais” o jornalista!
Estas minhas perguntas continuam por isso sem resposta. Mas, pior, como é possível definir uma estratégia de combate e de comunicação se estas básicas informações não são conhecidas pela DGS?
Mas tudo parece ser ainda pior: chegam-me informações fidedignas de que o tratamento dos dados é na prática impossível porque o que a DGS tem é caótico, lacunar e por vezes repetido.
Talvez isso explique a cambalhota do Primeiro-Ministro, que no dia 13 de outubro afirmava que não havia problemas e no dia 15 entrou em pânico. Ninguém o tinha informado. Razão tem o provérbio popular, “quem não sabe é como quem não vê”.
COSTA NO SEU LABIRINTO
Parece que os peixes começam a apodrecer pela cabeça. Políticos não são peixes, mas acabam parecidos devido ao pânico que chegou a S. Bento, com as “trapalhadas” (disse o Professor Reis Novais), e a “estupidez” (disse Daniel Oliveira e repetiu Manuel Loff) como decidem.
Realmente, a disparatada proposta de tornar obrigatório ter sempre ligado o telemóvel e nele instalada a app “Stayaway Covid” deve ter começado como uma “chico-espertice”.
Creio que a ideia seria culpar a Assembleia da República pelo que se irá passar, perante a antecipada e evidente recusa em aceitar esta solução pelos eleitos do povo. Mas hoje em dia até os ministros que estão em grupo de risco sugerem que não vão instalar a app!
António Costa – antes de recuar - tentou responder com novos disparates em cima dos velhos disparates, que evoluem desde “só é obrigatório se não cumprirem” até “é obrigatório, mas não é fiscalizado”. Ricardo Araújo Pereira tratou bem do tema (mais adequado para um humorista), que faz lembrar a histórica explicação do então comentador Marcelo sobre se o aborto era crime ou não era…
Já começam a ser erros em excesso para um grande político. Será que alguém me consegue explicar o que está a passar-se?
Ou será que quem tem razão é Fernando Pessoa: “disperso, nada é inteiro/Ó Portugal, hoje és nevoeiro...”
O ELOGIO
A Marcelo Rebelo de Sousa pelas audiências que está a fazer esta semana para tomar o pulso à Saúde, não ouvindo apenas quem a Ministra levava ao Infarmed.
Escusava era de nos oferecer o seu corpo crístico a ser vacinado. Mas, ao menos para a minha geração, isso teve uma utilidade. Apesar do exercício, afinal ele não está mais musculado do que nós…
LER É O MELHOR REMÉDIO
A excelente entrevista feita a Paulo Portas por Maria João Avillez é de leitura obrigatória. Portas lançou no domingo a sua candidatura a Belém para 2026, dando o melhor apoio possível vindo da Direita à reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, começando assim a vestir os sapatos do futuro “defunto”.
Por vezes as respostas dele roçam a hagiografia, e outras vezes não conseguem disfarçar completamente as críticas nem as transformar em elogios. Mas não acredito que fosse ou seja possível fazer melhor.
Dada a inexistência objetiva do candidato liberal, o eleitorado que se não deixe apanhar por André Ventura e o seu populismo e que não queira abster-se, tem aqui o vademécum perfeito para se convencer a votar no presidente da República.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
O Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) afirmou que os testes nasofaríngeos para detetar contaminados têm “fiabilidade elevada”, pois possuem “uma sensibilidade de aproximadamente 100%” e “uma especificidade [E] de entre 91% e 100%”. Como se sabe, quanto maior for a especificidade do teste, menor é a probabilidade de um falso positivo.
O matemático Tiago Mendes (que não conheço, mas tem um doutoramento em Oxford) fez cálculos sobre uma hipótese em que a prevalência de falsos negativos é de 5% e de falsos positivos é só de 1%. Mesmo assim, conclui e explica que “para uma margem de erro pré-teste 5 vezes maior para falsos negativos do que para falsos positivos, a margem de erro pós-teste, e para valores de prevalência de 2-10% e E= a 99%, é 10 a 75 vezes menor do que a de falsos positivos”.
A pergunta é óbvia: será que o INSA pode responder ao estudo do Professor Tiago Mendes? É que, para um leigo como eu, o raciocínio deste professor é cristalino; e, se assim for, se calhar a realidade dos chamados infetados pode ser muito mais baixa do que a DGS todos os dias revela…
A LOUCURA MANSA
O Observador publicou no sábado um texto intitulado “Ana Gomes, a irresponsável e perigosa candidata que aspira a ocupar Belém”, escrito pelo ex-Embaixador da União Europeia em Cabo Verde, Pinto Teixeira.
Com base em rumores, Ana Gomes acusou-o publicamente de corrupção e crimes quejandos à volta de um terreno onde construiu uma casa na Cidade da Praia.
Dois anos depois, ele foi ilibado de todas as acusações, e o artigo descreve em detalhe tudo o que passou. Infelizmente este é o grave padrão dos populistas que também a define. Seria uma loucura mansa não ler o artigo antes de votar…
Expresso
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