As contas da TAP: não se deixe iludir
Cristina Neto de Carvalho
Professora da Católica Lisbon School of Business & Economics
O esforço que nos está a ser pedido, como contribuintes, para a TAP, representa 80% do IRC pago por todas as empresas portuguesas durante 2020 e implicará um acréscimo de 1,5% à nossa dívida pública.
26 fev 2021, ‘Observador’
Raro será o português que não lamentará o fecho da TAP. Mas temos de ser realistas: a TAP encontra-se numa situação económica e financeira deplorável, a qual se arrasta há anos e anos!
A consulta dos Relatórios e Contas do grupo TAP, disponíveis no site do grupo, mostra claramente que, pelo menos desde 2011 (a informação disponível não permite uma análise mais longa), o grupo reporta uma situação de falência técnica, com capitais próprios negativos e com dívidas elevadíssimas. Também a nível de resultados o grupo tem apresentado anualmente valores muito significativos de prejuízos. No período em análise, houve um único ano em que o grupo TAP reportou lucro, e de reduzido valor face à dimensão da empresa. Efetivamente, se somarmos os prejuízos obtidos ao longo destes nove anos (2011-2019), o valor total dos prejuízos é de 571 milhões de euros, face a um único ano de lucro, em 2017, de 23 milhões. Nem quero imaginar quais serão os dados de 2020!
Esta situação crítica não resulta, portanto, da atual pandemia, vem de longe. Os prejuízos brutais que se têm verificado ao longo de anos nas empresas detidas no Brasil (TAP – Manutenção e Engenharia e Aeropar Participações) nunca foram devidamente explicados. Entre 2011 e 2019, o grupo perdeu, nestas empresas, 477 milhões de euros apesar de todas as promessas de que o investimento iria ser rentável. Importa esclarecer, também, as razões para estas perdas tão significativas.
Também a apresentação frequente de medidas como EBIT, EBITDA e EBITAR, isto é, resultados antes de juros, impostos, depreciações e rendas, para justificar a viabilidade económica do grupo é enganadora pois ignora um conjunto vasto de despesas como as rendas das aeronaves em regime de leasing, o desgaste da frota própria, os juros dos empréstimos e os impostos. É como ouvir um particular dizer que se não tiver de suportar as despesas da renda da casa, dos juros dos empréstimos e dos impostos, tem o seu orçamento familiar equilibrado!
A situação da TAP seria insustentável se estivéssemos a falar de acionistas privados, com recursos limitados. Mas, neste caso, há um Estado, nós todos, que suportamos os prejuízos e a ineficiência da empresa. Perante os recursos escassos da nossa economia, há que alocá-los a empresas que sejam viáveis e capazes de gerar resultados. Qual o custo de oportunidade de manter a TAP? Ao apoiarmos a TAP e deixarmos cair empresas realmente viáveis, que não serão subsidiadas porque os recursos não chegam para todas, quantas empresas obrigaremos a fechar? E qual o impacto desta decisão no emprego e nas exportações?
Será que temos noção do esforço que teremos de fazer para manter o grupo a funcionar? Quatro mil milhões de euros, representam quatro meses da coleta de IRS de um ano. Se juntarmos a este valor os 8 mil milhões necessários para o BES, teremos um valor próximo da coleta de IRS de 2020! Um ano de IRS de todos os portugueses para sustentar estas duas companhias. Comparando com o IRC, o esforço que nos está a ser pedido, como contribuintes, para a TAP, representa 80% do IRC pago por todas as empresas portuguesas, durante 2020, e implicará um acréscimo de 1,5% à nossa dívida pública.
Precisamos, urgentemente, de conhecer qual o Plano de Reestruturação, qual o plano a longo prazo que o Governo tem para a TAP, no qual deverão estar equacionados cenários alternativos dentro de um contexto de incerteza.
Será que a TAP tem viabilidade em algum destes cenários?
Será que não faz sentido separar a TAP em duas partes: uma de serviço público, garantindo os voos nacionais, pelos quais poderia ser devidamente remunerada (incluindo através de uma subsidiação pelo Estado) e outra para as rotas sujeitas à concorrência no mercado internacional?
Mas será que a TAP consegue posicionar-se de forma competitiva num mercado altamente concorrencial em que nem nos “bons tempos” conseguiu ser viável? Será que os quatro mil milhões vão chegar?
Até que valor estará o Estado português disposto a pagar para salvar a TAP: cinco mil milhões, 10 mil milhões?
Os contribuintes portugueses têm o direito de saber a resposta a estas questões bem como de conhecer os planos e não podem ser tratados com silêncio e arrogância, sendo certo que o esforço financeiro será deles! Merecem um Estado transparente, sério e sem medo de debates e sugestões! Um Estado que defenda a economia com respeito pelo contribuinte português!
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