Aníbal Cavaco Silva
Publico
30 de Setembro de 2022
É fundamental que os partidos da oposição, as instituições da sociedade civil e a comunicação social contribuam para que o primeiro-ministro e o Governo saiam da situação de imobilismo e encontrem um rumo que permita que Portugal volte, dentro de 10 anos, à 15.ª posição em termos de desenvolvimento entre os 27 países da União Europeia em que se encontrava em 2002, depois de ter caído nos anos recentes para o 21.º lugar.
Em Abril deste ano escrevi que, ao fim de seis meses de vida do Governo de maioria absoluta do PS, talvez já existisse informação objectiva que possibilitasse uma avaliação da sua coragem política para fazer as reformas decisivas para colocar a economia portuguesa numa trajectória de crescimento sustentável superior à dos países da União Europeia nossos concorrentes. Tal é indispensável para que Portugal deixe de ser um país de salários mínimos, com uma classe média empobrecida, pensões de reforma que não permitem uma vida digna e serviços públicos de saúde e educação de baixa qualidade.
Passados seis meses, não posso deixar de concordar com Ricardo Reis, um dos economistas portugueses mais respeitados internacionalmente, quando afirma que o Governo, “apesar de todas as promessas, continua sem anunciar uma verdadeira reforma cuja intenção seja abanar a economia”.
O Governo, pelo contrário, tem sido abundantemente qualificado na comunicação social como um conjunto desarticulado e desorientado de ministros desgastados, sem rumo, sem ambição e vontade reformista, um governo à deriva navegando à vista.
A situação é tanto mais preocupante quando existem estudos sobre as reformas que devem ser feitas para colocar o país numa rota de crescimento económico e melhoria do nível de vida dos portugueses promovidos por instituições credíveis, como a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Francisco Manuel dos Santos e a Sedes.
Seria normal que um Governo de maioria absoluta, confrontado com a trajectória de empobrecimento relativo em que o país se encontra, adotasse como uma das suas primeiras prioridades o desenvolvimento de uma estratégia reformista de médio e longo prazo, o que se justificava ainda mais pela pandemia e a guerra na Ucrânia.
É do interesse colectivo que ocorra com urgência uma mudança de atitude do Governo do PS, na medida em que se prevê que se mantenha em funções até 2026. A possibilidade de essa mudança se verificar depende muito do primeiro-ministro e do Conselho de Ministros. A sua acção é decisiva para a qualidade da governação.
Ao primeiro-ministro cabe um papel chave: liderar a política geral do executivo e coordenar, orientar e estimular a acção dos ministros no sentido da realização dos objectivos definidos e garantir a coerência das políticas.
Por outro lado, é igualmente importante a credibilidade do Conselho de Ministros como o centro do processo político de decisão, por onde devem passar todas as grandes decisões e onde se consolida a convergência de posições e o princípio da solidariedade governamental, devendo o primeiro-ministro reservar para si o controlo da respectiva agenda.
No entanto, há hoje o receio de que os comportamentos politicamente reprováveis de alguns membros do Governo que, a par do caos no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, têm marcado a vida do executivo, possam tolher a acção do primeiro-ministro e do Conselho de Ministros e acentuar a sua tendência para a inércia.
Dois deles não podem ser levados à categoria de fait-divers, por aquilo que revelam de negativo para a visão reformista que ao Governo se exige.
Por um lado, a gravidade da afronta política do ministro das Infra-estruturas ao primeiro-ministro sobre a questão do novo aeroporto de Lisboa. Quem já exerceu essa função sabe que o primeiro-ministro não podia deixar de demitir o ministro. Ao não fazê-lo, evidenciou falta de força política – a razão é ainda uma incógnita –, pondo em causa a sua autoridade e, ao mesmo tempo, atingindo a credibilidade do Conselho de Ministros e o respeito pela colegialidade que o deve caracterizar. O ministro, por sua vez, saiu inequivocamente reforçado como candidato à sucessão do primeiro-ministro como líder do PS.
O segundo comportamento politicamente reprovável teve como protagonista a ministra da Agricultura. Ao ser confrontada com a crítica da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) sobre a falta de apoios públicos perante a seca extrema que afetava o país afirmou publicamente: “É melhor perguntar porque é que, durante a campanha eleitoral, a CAP aconselhou os eleitores a não votar no PS”.
Tratou-se de uma declaração inqualificável e a crítica vinda dos mais variados quadrantes foi, em geral, direcionada à pessoa da ministra e centrada na sua falta de bom senso político, uma qualidade da maior importância para um membro do Governo, a par da capacidade de relacionamento com a sociedade civil, como escrevi em devido tempo.
A gravidade da declaração da ministra vai, no entanto, para além da sua pessoa, ao contrário da falta de bom senso revelada pela secretária de Estado da Administração Interna ao afirmar, perante o drama dos fogos florestais, que, segundo os algoritmos, “ardeu 70% do que era suposto arder” ou da ministra da Presidência que, face ao incêndio que devastou cerca de 25% do Parque Nacional da Serra da Estrela, ao anunciar um plano de recuperação dos estragos, afirmou que a serra iria “ficar melhor do que estava”.
Todavia, não deixa de ser preocupante o alastramento da falta de bom senso político entre os membros do executivo como se tem vindo a verificar.
As palavras proferidas pela ministra da Agricultura não podem deixar de reflectir uma convicção enraizada na sua mente de que os apoios financeiros do Governo ao sector privado devem ser orientados prioritariamente para os apoiantes do PS e para aqueles que se abstêm de criticar o executivo. É razoável presumir que uma tal convicção só pode resultar da cultura política por ela apreendida nas reuniões do Conselho de Ministros.
A resposta da ministra às críticas da CAP é, portanto, particularmente grave e perigosa por aquilo que pode revelar de arbitrariedade e abuso do poder por parte do Governo e, consequentemente, negativa para a definição e implementação de uma estratégia reformista indispensável ao crescimento económico e aumento da produtividade. E não haja ilusões de que, sem isso, Portugal continuará a ser um país de salários baixos e classe média empobrecida em que os jovens qualificados e empreendedores fogem para o estrangeiro. Se assim for, no final da década a imprensa continuará a lamentar que Portugal seja um dos países da União Europeia com maior risco de pobreza ou exclusão social, como aconteceu há duas semanas.
Nestas circunstâncias, é fundamental que os partidos da oposição, as instituições da sociedade civil e a comunicação social contribuam para que o primeiro-ministro e o Governo saiam da situação de imobilismo e encontrem um rumo que permita que Portugal volte, dentro de 10 anos, à 15.ª posição em termos de desenvolvimento entre os 27 países da União Europeia em que se encontrava em 2002, depois de ter caído nos anos recentes para o 21.º lugar.
Os partidos da oposição, através de propostas consentâneas com aquele objectivo e de um escrutínio intenso do Governo, denunciando erros, omissões, mentiras e a prática do PS de vetar a chamada de ministros às comissões parlamentares.
As instituições da sociedade civil, através da evidência das consequências para o futuro do país da ausência de uma política de reformas estruturais ambiciosa e persuadindo o Governo a mudar de rumo.
A comunicação social, através de um escrutínio da acção do Governo para além da respiração do dia-a-dia, num quadro de verdade e de independência em relação ao poder político que a deve caracterizar.
Se o fizerem, os portugueses e eu, em nome dos meus filhos e netos em particular, temos razões para lhes estarmos profundamente gratos.
https://www.publico.pt/2022/09/30/opiniao/opiniao/ajudar-governo-encontrar-rumo-certo-2022306
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