sexta-feira, 16 de setembro de 2022

A insustentável sustentabilidade da Segurança Social

Há uma ocasião em que é muito melhor receber já, ainda que menos, do que em receber tudo 2024. É a ocasião passar-se em Portugal.

13 set 2022, José Diogo Quintela, ‘Observador’

Em 1972, na Universidade de Stanford, o psicólogo Walter Mischel levou a cabo o que ficou para a posteridade como a “Experiência do marshmallow”. Nesse estudo, o investigador deixava uma criança sozinha numa sala, com um marshmallow à frente, dizendo-lhe que poderia comer logo a guloseima ou, caso se dispusesse a esperar, comer duas guloseimas mais tarde. Analisando o desenvolvimento futuro das crianças, o estudo concluiu que as que aguardavam pacientemente até comer o marshmallow apresentaram melhores resultados académicos, económicos e físicos ao longo da vida.

É um estudo famoso sobre recompensa diferida, embora as suas conclusões sejam cada vez mais postas em causa. Quer por outros investigadores, quer por António Costa. A forma como o Primeiro-Ministro apresentou o adiantamento de metade de uma pensão em Outubro, que depois será abatida a um futuro aumento a partir de 2024, mostra que há quem acredite que é preferível o proveito imediato, ainda que reduzido, ao recebimento futuro do valor total.

Tenho de admitir que, desta vez, Costa tem razão. Há uma ocasião em que é muito melhor receber já, ainda que menos, do que em receber tudo em 2024. É a ocasião passar-se em Portugal. Existem dois tipos de pessoas que são beneficiadas por adiantar o recebimento: crianças gulosas e impacientes e pensionistas portugueses. As primeiras não conseguem esperar; os segundos, não devem esperar. Sabe-se lá se, em 2024, a Segurança Social consegue pagar pensões? Mais vale ter meia pensão agora do que nenhuma em 2024.

O pensionista pode sentir que, ao receber adiantado em troca de aumentos futuros, está a matar a galinha dos ovos de ouro. Mas, na realidade, está é a garantir que ainda vê algum ouro. É que a galinha está com um cancro nas penas e vai falecer mais cedo ou mais tarde. O melhor é sacar já os ovos que se conseguirem tirar.

Os idosos portugueses têm razões para duvidar das promessas de António Costa, desde que na campanha eleitoral de 2019 ofereceu porrada a um velhinho, mas acabou por não conseguir dá-la. Porém, desta vez podem confiar à vontade. António Costa está a dizer a verdade quando promete que ninguém vai receber menos em Janeiro de 2024 do que recebeu em Dezembro de 2023. Se a Segurança Social estourar entretanto e o pensionista receber zero euros em Dezembro de 2023, é matematicamente impossível receber menos que isso no mês seguinte.

A questão é que a nossa sociedade está cada vez mais individualista. Há 30 anos, 4 contribuintes portugueses, sem se conhecerem de lado nenhum, juntavam-se ao fim do mês para partilhar um pensionista. Agora, ninguém divide nada com ninguém, cada um tem um reformado só para si. E a tendência é este egoísmo agravar-se, com os contribuintes mais novos a começarem a açambarcar mais pensionistas, os garganeiros.

A Segurança Social tornou-se num esquema de pirâmide. Duplamente: não só no sentido em que é preciso recrutar cada vez mais aderentes para sustentarem a despesa, mas também no sentido em que quem construiu as pirâmides foram escravos que não viram dinheirinho nenhum pelo trabalho que tiveram.

É por isso que a medida do Governo peca por defeito. Em vez de adiantar meia pensão, deviam era adiantar o dinheiro todo que é suposto o pensionista receber até morrer. Se há coisa que o cidadão português sabe é que é sempre melhor o dinheiro estar do seu lado do que no lado do Estado, que tem tendência em esbanjar em parvoíces.

Pelo menos, nunca houve um pensionista que, por exemplo, tenha desperdiçado o seu dinheiro na compra de uma companhia aérea falida.

E nem sequer precisou dos conselhos da Isabel Jonet para saber que isso seria estúpido.

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