quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Estamos muito longe de sermos uma democracia.

Henrique Neto

O ano de 2022 está a chegar ao fim, sem grandes razões para deixar saudades à generalidade dos portugueses. Foi mais um ano em que cresceu a pobreza das famílias, em que o país se continuou a atrasar relativamente a outros países europeus do nosso campeonato, seja na questão do crescimento económico, seja na distribuição do rendimento das famílias em unidades de poder de compra.

Porventura mais grave, durante 2022 acentuou-se o modelo político de crescimento do poder do Estado à custa do papel da sociedade e da economia. Ou seja, o Governo do PS, confrontado com cada vez mais frentes de mau funcionamento dos serviços públicos e com as dificuldades crescentes das famílias na habitação, nos transportes, na saúde e a sofrerem uma forte redução do seu poder compra devido aos efeitos do crescimento da inflação, decidiu-se pela continuação de políticas sociais de subsidiação.

Não posso afirmar se esta política do Governo se deve a preocupações sociais legítimas, sem dúvida necessárias no actual contexto, ou se é apenas a continuação de políticas anteriores de manter dependentes do Estado sectores da sociedade mais próximas do partido no poder. Mas nem isso é muito relevante agora, porque as dificuldades das famílias portuguesas no actual contexto são reais e muito graves. Todos os relatos que nos chegam diariamente das instituições de solidariedade social sobre situações de fome, de dificuldades na habitação, do crescimento do número de cidadãos estrangeiros sem condições de sobrevivência dignas em Portugal, revelam de forma crescente um panorama preocupante relativamente ao nosso futuro colectivo. Ou seja, a questão é, principalmente, a de saber se esta política do Governo de acorrer às dificuldades da população portuguesa através de dádivas avulsas do Estado é sustentável e, pessoalmente, penso que não é por várias razões:

Economia

O que seria normal num país normal, seria o crescimento da economia, da produção nacional, do investimento, da produtividade e dos salários, com o resultado das famílias dependerem menos do Estado para a sua sobrevivência e deixando margem para o Governo melhorar a sua própria organização e produtividade, contribuindo pelo seu lado para a modernização do país e para a competitividade nacional. É isso que ao longo dos tempos foi feito pelos países de democracia avançada da União Europeia e não por uma economia controlada por decisões avulsas do Estado.

Organização

Infelizmente, a organização não é o forte do actual Governo, o que é bem visível no caos instalado no Serviço Nacional da Saúde, na resolução dos graves problemas existentes na educação, nos trágicos atrasos na Justiça e no facto de serem precisos cada vez mais funcionários e com menor produtividade em geral. Pior, os sucessivos programas de ajuda social são geralmente complexos, cobrem uns enquanto outros ficam de fora, envolvem diversos ministérios e serviços durante tempos variáveis, um verdadeiro quebra-cabeças organizativo que indicia falhas, descontentamento e alguma anarquia. A crescente tentação de isolar a administração pública dos cidadãos e das suas necessidades é um passo mais no mau caminho.

• Leia este artigo na íntegra na edição em papel desta semana já nas bancas

jornaldiabo

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Ao pé disto Santana era de chocolate como aqueles chapeuzinhos que se dão às crianças

Maria João Avillez

Mas não temos aqui um PR, interessado em oferecer a governação ao seu partido original.


O novo par do Executivo, o aparatoso Galamba e a jovem que o acompanha pertencem ambos à galáxia privativa do “pedronunismo”: de que é que Costa tem medo?

1 - Prodigioso: com o mesmo guião, os mesmos protagonistas, os mesmos actores nos mesmos papéis, começou uma outra peça política. Protagonistas velhos para novas circunstâncias. O governo saltou da letargia para a ficção alimentada por uma segunda ficção que é Belém achar verosímil a primeira. Só Pedro Nuno se apressou a trocar expeditamente o mito do “responsável governante” que nunca foi, pela mística do “sucessor exitoso” que as pitonisas — e os pitonisos — do PS garantem que será. Não me espanta que garantam: que interessa a acumulação dos desastres governativos do Ex-ministro e dos milhões atirados pela borda fora da TAP, comparada com a possibilidade de acabar de vez com um PS que sempre conhecemos? Sepultando-o de vez e fazendo do “novo” (?) um partido socialista oficialmente de esquerda radical, em mandamentos e escolhas. Ao pé desta ansiada mutação que interessa que os portugueses continuem a pagar os milhões que Pedro Nuno Santos desperdiçou e sofram com as promessas que não cumpriu?

A peça continuará em cartaz por tempo indeterminado, enquanto nos bastidores Pedro Nuno Santos não deixará cair o estatuto de “protagonista”. Se conseguir, far-lhe-á um arranjão, agora que está à solta na pele (que no seu íntimo nunca largou) de general-guerrilheiro com tropas.

2 - Se, à excepção do general-guerrilheiro, tudo se mantém, o que mudou então? Mudou a natureza das coisas: pela primeira vez António Costa foi atingido em cheio. À vista desarmada a vulnerabilidade fez uma “fracassante” entrada em cena. Passou a ser um dado da governação: o chefe do governo é vulnerável, o governo está irreversivelmente vulnerabilizado. Além disto, que é muitíssimo, o factor dúvida — do qual a política não gosta — oficializou-se: o PS não sabe o que pensar, as suas gentes não sabem como proceder. Duvidam. Balançam. As divisões internas subiram à luz do dia, saindo da penumbra onde germinavam. A mediocridade socialista – governativa e partidária — é indisfarçável, está na montra do país. António Costa — não é novidade — não é fadado para o mau tempo e vem aí pior tempo. O fastio com que tem governado passou a desnorteio e agora estacionou numa espécie de “fechamento” que as suas temerárias e desclassificantes nomeações governamentais desta semana exibem desapiedadamente: o novo par do Executivo, o aparatoso Galamba e a jovem que o acompanha, pertencem à galáxia privativa do “pedronunismo”: de que é que Costa tem medo, ele que não costuma tê-lo? (Não se invoquem os “equilíbrios internos”. Por favor).

3 - Em face desta degradação que todos os dias nos confunde pela velocidade do seu galope sobram duas perguntas não despiciendas: António Costa conseguirá sair dos escombros de si próprio? Olhando para o seu entricheiramento que começou pelos amigos do peito — que depois tratou mal – passou depois para ajudantes, se agora para servos e “factotum”, custa a crer que consiga. As coisas estão, porém, mais nas suas mãos do que nas do Presidente da República, embora aos distraídos pareça o contrário. O primeiro-ministro tem muito tempo pela frente mas pouquíssimo para dar um golpe de rins, respirar fundo e agarrar em Portugal com ambas as mãos. Se não o fizer, acaba politicamente. Mesmo que dure.

4 - Ouvi elogiar o speech de Belém, no primeiro dia deste ano: que o Presidente deixara o discurso politicamente amável e edolcurante e “desta vez” se zangara. Não me parece que o Chefe de Estado tenha usado — com consequências úteis — da responsabilidade e autoridade que tem para denunciar os lesivos efeitos que a governação tem provocado no país. A sua suposta exigência nunca”cobre” a dramática acumulação desses efeitos. Sim, deixou avisos, acendeu luzes intermitentes, mostrou desagrado; aparentou severidade e autoridade, o que não é o mesmo do que as exercer. Fez os serviços mínimos. A forma pode ter iludido, o fundo, não: o Chefe de Estado não pediu contas, não avisou que iria pedir (e o embaraço era escolher por onde pedi-las). Numa só coisa se pode – se deve — segui-lo: o ter afugentado de imediato a lamúria por eleições antecipadas. Qualquer pessoa normalmente constituída — e não só Luis Montenegro – concordará com o seu “não”.

Isso, esta cidadã agradece-lhe. (Achando que começa a ser difícil lidar com a quantidade de doidos com responsabilidades que grassa pelo país.)

“Crash and burn”!

Alexandra Reis é o perfeito paradigma que serviu de bandeira de campanha do Partido Socialista e representou, na perfeição, a estratégia das novas oportunidades. Desde logo, porque, apesar de engenheira de formação (na área da electrónica), conseguiu palmilhar caminho noutras vertentes, chegando ao Tesouro, depois de ter passado pelos recursos humanos. É um percurso bonito, até porque faz ruir uma data de mitos como aquele “convém que percebas um bocadinho do lugar que vais ocupar”. Ou seja, da próxima vez que esteja a perder cabelo e com as pestanas a queimar porque o seu filho tem média negativa e só pode entrar em optometria veterinária para gatos cor-de-rosa num politécnico de Arrabaldes-de-Baixo e você achar que aquilo é desemprego na certa e vai ter que pôr algum da sua reforma para complementar o RSI, não desanime, que o petiz pode sempre chegar a presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública qualquer. Pouco tardará a termos talhantes como ortopedistas ou cabeleireiros como farmacêuticos. E está bem, porque isto de termos advogados e economistas como caixas de supermercado, não pode ser de sentido único. Portugal na frente no reino da paridade e igualdade de oportunidades.

Voltando à Alexandra, cujo percurso profissional foi feito, maioritariamente, na área das compras, passando pela PT, REN e Netjets antes de sentar o bendito na TAP. O facto de grande parte dessas empresas ter capital estatal, é mera coincidência, seguramente… Assim, chegada em 2017, foi em 2020 que chegou a funções executivas, já com o actual Governo em funções e não sob gestão do grupo Barraqueiro. Mas percebe-se a confusão dos “media”, já que, ao que parece, a sua nomeação foi uma completa barraca, porquanto rapidamente foi de lá corrida… Entretanto, e com a dita nomeação, passou a receber um vencimento ao nível dos jogadores de futebol, apesar da pandemia e das dificuldades financeiras da empresa, intervencionada pelo Estado. O que também se compreende, não tanto pelas explicações de Pedro Nuno Santos, à data, mas porque dispunha do toque de Midas: despediu quase 3000 pessoas da TAP, que, a partir de então, se tornou muito mais eficiente e passou a dar lucros extraordinários. Aliás, basta olhar para os interessados a fazer filas e ofertas pornográficas, com o Governo a recusar vender a galinha dos ovos de ouro…

O facto de ser amiga de Stéphanie (não a princesa do Mónaco, mas a Governanta de Lisboa, casada com Medina que tutela a TAP), é, seguramente, outra coincidência que nada pesou na nomeação e, menos ainda, na posterior indigitação para a NAV (mas já lá vamos…)!

Não se tendo aguentado em funções, sai Alexandra da TAP, fosse por vontade da empresa (como diz a própria), fosse por vontade própria (como comunicou a TAP à CMVM, por escrito, nos termos da lei e em documento oficial). Sabendo que ia para a fila do desemprego, Alexandra tratou de comprar uns sapatinhos confortáveis (presume-se que os mesmos que usou na tomada de posse do Executivo) por seiscentos euros, não sem antes assegurar a indemnização que lhe apontou a porta da rua. Numa negociação meio marroquina, começou por pedir um milhão e meio (de euros, não de dinares), para acertar em quinhentos mil. Arrebatado, lá se tratou de formalizar verbalmente o acordo já que o documento que o deveria titular ninguém sabe onde ele pára e teima em não aparecer. Também não é preciso, que são todas pessoas de bem e a palavra é para cumprir…

Garante Alexandra que jamais aceitaria um euro a que não tivesse direito e que não fosse legal, devolvendo-o, se fosse o caso, imediatamente. Fica uma novidade e um esclarecimento gratuito para a (Ex)governante: se a conduta fosse ilegal, a devolução não é um acto de boa-fé ou demonstração de seriedade. É crime e dá cadeia! Lá está: é das coisas que um secretário de Estado do Tesouro deveria saber…

jornaldiabo

Deixem estragar, senão vem o Chega e estraga

Uma coligação PS/Chega para a cada vez mais acelerada agonia do regime democrático é o que se anuncia até ao fim da legislatura. Habituem-se.

Pedro Nuno Santos não faz grande falta no Governo. Como ministro das Infra-estruturas e Habitação, o seu legado é uma crise habitacional dramática, agravada pela transformação do imobiliário em produto de exportação para clientes de Vistos Gold e de abébias fiscais para estrangeiros ou "nómadas digitais" – políticas problemáticas, até pelos riscos de corrupção e lavagem de dinheiro sujo, que o PS nunca contrariou e alegremente promoveu –, sem qualquer avanço na regulação eficaz do mercado ou na oferta de habitação pública.

Na sua proclamada paixão pela ferrovia, o balanço é um conjunto de obras a falhar prazos e a derrapar custos, desaproveitando a chuva de dinheiro europeu que lhe permitiu anunciar muito, mas concretizar pouco. No novo aeroporto de Lisboa foi o que se viu: um anúncio histórico a romper uma indecisão de 50 anos, rompido ao fim de 50 minutos. E na TAP, pior ainda: uma bomba-relógio de 3200 milhões de euros, entregue a uma gestão predatória, mais empenhada nas vantagens pessoais dos administradores do que na recuperação da empresa.
Claro que Pedro Nuno Santos teve a elevação de se demitir, face ao escândalo indefensável de Alexandra Reis e da sua escalada da TAP para a NAV e para o Governo. Só essa noção básica de responsabilidade política deixa-o uns furos acima de Fernando Medina, a quem bastou dizer que não sabia de nada para que a sua ignorância táctica o salvasse. Um ministro das Finanças tontinho é mesmo o que o país precisa. Nos Governos de António Costa, uns são decididamente filhos e outros enteados.
Também foi simpático para Pedro Nuno vermos quem veio para o seu lugar: João Galamba, o amigo de Sócrates sob escrutínio judicial que fez amizades nos lóbis da energia e que agora as fará nos lóbis da construção; e Marina Gonçalves, que mais uma vez demonstra a estreiteza dos mecanismos de recrutamento de António Costa: do partido para os gabinetes ministeriais, dos gabinetes ministeriais para as secretarias de Estado, das secretarias de Estado para os ministérios, numa escalada que premeia a obediência e fidelidade ao chefe. Pouco inspirador.
O que faz com que tantos suspirem por Pedro Nuno é a recordação do seu papel na Geringonça como agregador das esquerdas e, num plano mais estrutural, a admiração viciosa que Portugal continua a ter por políticos autoritários, que cortam a direito – um estilo de voz grossa com antecedentes bem-sucedidos, de Costa e Sócrates a Cavaco, até ao remoto Salazar. Uma medida, enfim, da fragilidade da nossa democracia e da nossa queda para o iliberalismo como remédio mal-amanhado para a falta de instituições sólidas e eficazes.
Sucede que todo o caso de Alexandra Reis é exemplar dos custos de termos más instituições e demasiada concentração de poderes, precisamente os traços de regime que as lideranças afoitas de políticos como Pedro Nuno Santos agravam. Alexandra Reis ilustra o sistema de carreiras clientelares que tomou conta da gestão pública em Portugal, nas direcções-gerais, reguladores e empresas do Estado, onde se progride por nomeação governamental feita por fidelidade ao chefe, sem demonstração de currículo ou competência técnica.
Há décadas que a Administração Pública autónoma e competente tem vindo a ser enfraquecida e esvaziada, por vários Governos. O PS assalta esse poder institucional do Estado para o distribuir pelos amigos; o PSD assalta-o para o privatizar aos amigos. Se alguém acha que um dos vícios é menos nocivo e mais defensável do que o outro, boa noite e bons sonhos.
Neste contexto, as reacções da oposição ao último caso da TAP não vão além do oportunismo imediatista, procurando capitalizar votos para uma eleição que não vem a caminho (e que os próprios só exigem porque sabem que ninguém vai topar o seu bluff), sem perceber a dimensão estrutural de um caso que demonstra, mais do que as trapalhadas de um Governo, um Estado em desagregação. É também por isso que eleições antecipadas não serviriam de nada: a oposição que as exige não percebe, ela própria, o que tem de mudar.
Fora da oposição, também é proibido fazer perguntas. O PS já decretou o assunto como encerrado (o PS tem mais jeito para "encerrar" assuntos do que para resolvê-los) e quem insistir no escrutínio é arrumado como "chegano" pela matilha do partido no poder, nas declarações públicas, caixas de comentário e redes sociais.
O Chega transformou-se no grande álibi do PS. A cada caso de caciquismo, a cada escândalo de má gestão, a cada mancha de opacidade, a cada negócio mal explicado, PS e Governo arrumam o assunto com um apelo à resignação e ao medo, insistindo que a discussão pública é uma ferramenta de promoção da extrema-direita. O Chega, por sua vez, retribui o favor, cavalgando a degradação das instituições democráticas como ativo eleitoral. Funcionou lindamente para os dois partidos nas últimas eleições. Continuará a funcionar até que o próprio regime democrático esteja reduzido a uma caricatura disforme.
Que se lixe o país. António Costa e André Ventura têm uma relação simbiótica de promoção cruzada para obtenção de poder pessoal. Costa argumentando que é preciso deixar espatifar o país e as suas instituições, porque senão vem o Chega espatifá-las. E Ventura demonstrando que há cada vez menos para salvar; e que mais vale partir a loiça. O pântano de que António Guterres fugiu há mais de 20 anos é hoje o habitat natural da política portuguesa. Sem um sobressalto democrático (que terá de vir de fora dos partidos), estamos em maus lençóis.

João Paulo Batalha

sabado

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O ministro socialista perfeito segundo António Costa

Não recruta ministros na sociedade civil pela mais simples das razões – porque não quer. Porque acha que é uma má ideia. Porque considera um risco desnecessário.


Existe a ideia de que António Costa já não consegue recrutar ministros na sociedade civil, fora dos círculos políticos do Partido Socialista. Essa ideia parece-me totalmente errada. Num país dominado pelo Estado, em que a administração pública gasta anualmente cerca de 50% do PIB português, ser ministro da República pode ser um mau investimento durante um intervalo limitado de tempo – infelizmente, ganha-se mal a servir a pátria –, mas costuma ser um excelente investimento para o futuro. Basta comparar as carreiras profissionais dos ministros antes e depois de passarem pelo governo.

António Costa não recruta ministros na sociedade civil pela mais simples das razões – porque não quer. Porque acha que é uma má ideia. Porque considera um risco desnecessário. É uma escolha totalmente deliberada; não é por falta de opções – é por estratégia política. Aliás, quando na conferência de imprensa desta segunda-feira ele foi confrontado com o facto de os novos ministros saírem de dentro do seu Governo, António Costa respondeu que a anterior secretária de Estado (Alexandra Reis) “não estava no Governo e não tinha experiência governativa”. Que é como quem diz: vejam no que deu ir recrutar gente nova à sociedade civil, sem qualquer tarimba política.

Costa justificou a escolha de João Galamba e de Marina Gonçalves salientando três características fundamentais, que ambos partilham. Reparem bem nelas, porque acredito que está mesmo a falar a sério: “São duas pessoas com experiência governativa” e “que (1) conhecem os meandros da administração, que (2) não se embaraçam com as exigências da transparência e da burocracia necessárias à boa contratação pública, e que (3) dão garantias de que não haverá descontinuidade na execução das políticas”.

Este é o retracto do ministro socialista perfeito. 1) Alguém que domine a administração pública; 2) alguém que domine a burocracia do pilim europeu; 3) alguém que resista à tentação de pensar pela própria cabeça, ao ponto de alterar o rumo político definido. E tudo isto, claro, sem se deixar “embaraçar” com as “exigências de transparência” – uma estranhíssima expressão, na qual a transparência surge mais como um obstáculo que é preciso saber ultrapassar do que como uma necessidade elementar dos sistemas democráticos.

Eis o resumo da tese de António Costa sobre os novos nomeados: dois excelentes burocratas socialistas que fazem o que ele manda. E que, claro, asseguram a “boa execução dos fundos europeus”. Num Governo sem ideias e num Estado sem dinheiro, o bom ministro é o bom funcionário que sabe distribuir com competência o dinheiro de Bruxelas. Entre escolher ministros para melhorar a vida do país ou escolher ministros para melhorar a sua vida, António Costa não hesita.

E, no entanto, há um certo gosto em brincar com o fogo; um estranho prazer em arriscar mortais em cima do arame. A não ser que tenha acontecido a João Galamba na Secretaria de Estado da Energia o mesmo que a São Paulo na estrada de Damasco – uma epifania que o transformou em homem novo –, o novo ministro das Infra-estruturas tem fama (e proveito) de ser um barril de pólvora de pavio curto. Ventura já veio aquecer o ambiente com a história das investigações ao negócio do lítio, que surgiram há dois anos, desapareceram, e ninguém sabe em que ponto se encontram. António Costa, pelos vistos, mete as mãos no fogo por Galamba. Rezem por ele, porque basta um fósforo no Correio da Manhã – e bum.

João Miguel Tavares

Publico

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A QUALIDADE DA GESTÃO DA TAP

A notícia:

TAP gasta 20 milhões de euros a converter e reconverter avião

A TAP decidiu converter dois aviões de passageiros em cargueiros mas, um ano e meio depois, só um deles está a voar. O outro regressou ao hangar para voltar ‘à estaca zero’. Esta decisão terá custado aos cofres da TAP mais de 18 milhões de euros, aos quais acrescem os custos de estacionamento.”


Comentário:

O lucro médio que um passageiro representa para uma companhia aérea é de 4 euros (não sabia, pois não?).

Portanto esta decisão da gestão da TAP foi equivalente a perder 4,5 milhões de passageiros!

Fixe os nomes dos ‘administradores executivos’ da TAP:

  • Chief Executive Officer: Christine Ourmières-Widener
  • Chief Financial Officer: João Weber Gameiro
  • Chief Operations Officer: Ramiro Sequeira
  • Chief Corporate Officer: Alexandra Reis
  • Chief Commercial Officer:  Sílvia Mosquera

O acontecimento do ano é também o mais perigoso

Após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.

Toda a gente é unânime em considerar que a invasão russa da Ucrânia é o “acontecimento do ano”. Mas há que acrescentar outra coisa: é o acontecimento mais perigoso desde que Hitler invadiu a Polónia em 1939, provocando a II Guerra Mundial. Insisto: muito e muito perigoso, porque apesar dos lugares comuns sobre como “tudo tem solução, basta querer”, nesta altura não tem a “solução” que as pessoas estão a pensar, e a que tem é igualmente muito perigosa, embora isso não seja argumento para não a defender.

Essa solução é a vitória da Ucrânia sobre a Federação Russa, sobre Putin, porque a alternativa, a derrota da Ucrânia não é uma verdadeira solução e não acaba com nada. O dilema dos nossos dias é que qualquer solução, mesmo negociada, que não seja uma de derrota ou de vitória não é possível por muito que em abstracto seja desejável. Há uma forte razão para que haja este dilema: após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.


A indemnização de 500 mil euros
Na casuística que tem sido ofensiva da comunicação social, com colaboração secundária dos partidos, em particular o PSD, contra o governo misturam-se coisas sérias com irrelevâncias e má-fé. Mas o caso da indemnização dos 500 mil euros, mesmo que a história esteja mal contada como está, mesmo que seja legal como avalizou o Presidente, é inaceitável sob todos os pontos de vista. Moral, para começar, embora a moral tenha costas largas e eu não gosto de a utilizar como argumento. Mas se o que se passou não foi imoral, imoral de abusivo seja em que circunstâncias for, pode esticar-se a legalidade para maximizar as vantagens. Tal só é possível, claro, com a conivência de cima e o carneirismo dos debaixo.
Quando for grande quero ficar dois anos numa empresa paga pelos contribuintes, sair, seja porque me correram, seja porque quis, ir para outra igual na hierarquia do mando, e receber meio milhão…


A sorte para os ucranianos…
…foi ter Biden na Casa Branca. Em toda a sua carreira Biden era um dos raros políticos americanos que sabia alguma coisa sobre política externa e um “atlantista” de toda a vida. Conheci-o pessoalmente nessas andanças da OTAN e era tido como um senador que não se limitava a chegar às reuniões e a ter um estatuto de primeiro entre os pares, como acontecia por regra nas delegações americanas, mas que participava e mostrava genuíno interesse. Se há coisa que ele sabe, é o que é que Putin quer, e por que razão não se lhe deve dar o que ele quer. De forma aliás bastante intransigente, porque nestas matérias as hesitações pagam-se caro.


Não sei se o diabo ainda faz tratos como fez com Fausto…
…mas presumo que no caso vertente, como não é pela Gretchen, fique mais barato do que uma alma inteira. Eu explico-me esperando que a mensagem chegue a Mefistófeles. Do meu lado direito está uma pilha de livros que não foram para as estantes porque estão na categoria dos livros “que eu queria ler”. Do meu lado esquerdo, idem. Ambas estão no limite do equilíbrio, uma tem 200 livros mais ou menos, a outra cerca de 150. Acumularam-se nos últimos dois anos. Incluem uma antologia de Joan Didion, vários volumes da tradução da Bíblia de Frederico Lourenço, o último volume publicado da biografia de Staline de Stephen Kotkin, cerca de 1000 páginas, e a grande edição Landmark da História da Guerra do Peloponeso de Tucídides. Isto só para nomear alguns dos livros que mesmo antes de irem para esta pilha já foram folheados e lidos, um ensaio, um capítulo, as primeiras páginas (de Tucidides, para responder à minha curiosidade sobre como é que começa um grande livro clássico…).
Se há sítio que tenho a certeza Mefistófeles, o diabo que apareceu a Fausto, frequenta são as redes sociais, onde eu não estou porque para aprendizes menores de diabo, esgotam-me a paciência. Por isso se alguém lhe chamar a atenção de que preciso de tempo para ler isto tudo e mais alguma coisa, podemos fazer um tracto. Razoável, claro.

José Pacheco Pereira

Sábado

A indemnização milionária

Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta.

O episódio da indemnização milionária dada pela TAP à secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, é um exemplo acabado do estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.

Do que conhecemos ao momento que escrevo, terça-feira, dia 27, restam poucas dúvidas sobre o que representa este episódio em matéria de percepção pública do estado desta democracia, tão maltratada pelas redes de nepotismo, amiguismo e clientelismo que dominam os partidos de poder em Portugal, melhor dizendo, PS e PSD.
Em primeiro lugar, foi encapotada uma renúncia de Alexandra Martins ao lugar, portanto, sem direito a indemnização, num acordo de conveniências – que urge conhecer - entre as partes.
Por outro lado, a lei que a gestora da TAP Alexandra Martins andou a aplicar, enquanto responsável pelos recursos humanos da empresa, a centenas ou milhares de trabalhadores, foi a chamada lei laboral “da troika”. Traduzindo: uma lei que alterou radicalmente, em desfavor do trabalhador, as regras de indemnização por cessação de contracto de trabalho. Miraculosamente, pelo que se sabe, a senhora secretária de Estado escapou à severidade da dita lei.
As actuações da secretária de Estado, da TAP e do próprio Governo tresandam a duplicidade moral. Também a duplicidade política, traduzida na falência absoluta de todos os critérios de decência e, eventualmente, da lei, por parte de dois ministros do Governo.
Pedro Nuno Santos deve explicar se conhecia ou não os termos do acordo entre a então gestora da TAP e esta empresa, no momento em que a convidou para presidente da NAV.
Se conhecia é muito grave. Significa que pactuou com a mentira de mascarar uma renúncia contratual num acordo de partes. Significa, também, que pactuou com uma lógica de administração danosa, um crime previsto e punido pela lei penal, ao aceitar que o mesmo patrão, o Estado, pague uma indemnização milionária e depois contrate, para outra empresa, em termos não menos milionários. Sabendo, é claro, que isso não seria neutro numa empresa em que os contribuintes já meteram para cima de 3,2 mil milhões de euros, que despediu a torto-e-a-direito, que se rege por regras de direito público, onde deve ser exemplar. Espera-se o douto entendimento do Ministério Público.
Se não sabia da indemnização é igualmente grave. Coloca-se, obviamente, a questão de saber o que anda o ministro a fazer no cargo. É um problema político para o Governo, mais um, e um espinho brutal cravado no futuro de um ministro e de um político que aspira a ser líder do PS e primeiro-ministro.
Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, tem de explicar o que é que conhecia, afinal, de toda esta história mal contada. Tem de dissipar o ruído de algo que não o compromete, ainda, mas que lhe coloca, para já, um problema político muito complicado. Deve clarificar, desde logo, se conta ou não com Alexandra Reis para dirigir a reprivatização da TAP. Mas deve também clarificar o que sabia da trajectória da gestora. Se conhecia a indemnização, se o incomoda um potencial conflito de interesses pelo facto de a sua mulher, alto quadro da TAP até Fernando Medina ser ministro das Finanças, ter trabalhado em contacto estreito com Alexandra Martins.
Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública, o eleitorado, e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e, sobretudo, sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta. É um episódio grave que traduz um dos problemas da democracia portuguesa. A mensagem é simples e letal, em matéria de confiança nas instituições e no regime. Se estás longe ou mesmo na periferia das esferas de influência do poder e do dinheiro, estás dependente da vontade do imperador. Recebes umas esmolas e umas graças imperiais de vez em quando. Se estás perto da centralidade do poder, estás perto de Deus e do Imperador, das suas graças, da simpatia, da cumplicidade, do favor, da cunha, do jeitinho, da atenção, da informação privilegiada, da assinatura decisiva, da “construção” da vontade que molda a lei aos acordos de conveniência. E isso, num espírito republicano e laico, socialista, social-democrata, de esquerda ou de direita, é inaceitável. Espera-se do Governo e de todos os socialistas o mesmo músculo que têm evidenciado no combate a ameaças da democracia, como o Chega e outras…

Eduardo Dâmaso

Sábado

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

De Belém a Bruxelas

O escândalo de corrupção no Parlamento Europeu é gravíssimo. Com uma grande diferença em relação ao que temos por cá: em Bruxelas não se varre a sujeira para debaixo do tapete.

Dificilmente podia ser mais grave o caso de corrupção que abalou o Parlamento Europeu. Estamos a falar de uma deputada – a vice-presidente do Parlamento Eva Kaili –acusada de vender o cargo, colocando o seu poder de influência, as suas posições políticas e a sua capacidade de determinar a agenda em Bruxelas ao serviço de quem lhe pagava, em malas de dinheiro vivo. Tudo embrulhado com ONG de fachada que serviam para mascarar a agenda corrupta e criar relações de simpatia com gente influente nos círculos europeus.

Mais grave ainda é a identidade do alegado corruptor: um Estado estrangeiro, o Qatar, que não se terá inibido de infiltrar uma das principais instituições da União Europeia, num ataque frontal à soberania dos Estados-membros. Isto depois do escândalo de corrupção na FIFA para ganharem a organização do Mundial de 2022. A ofensiva de charme com que o emirado quis comprar uma posição respeitável no mundo saiu-lhe definitivamente mal. Antes de tudo isto, ninguém sabia o que era o Qatar; agora todos sabem; e sabem que não é flor que se cheire. Tanto dinheiro gasto para descobrirem que não se compra a respeitabilidade.
À escala portuguesa, onde não nos faltam casos sob investigação, a única coisa que me ocorre de dimensão comparável é a Operação Marquês, em que o Ex-primeiro-ministro José Sócrates é acusado de ter posto o cargo à venda, conduzindo as políticas públicas do país em favor de quem lhe assegurava o enriquecimento pessoal. Escusamos de comparar a eficiência com que as autoridades portuguesas e belgas investigaram cada um dos casos, ou a celeridade com que os tribunais agora farão o julgamento – seria demasiado deprimente para o nosso lado.
O que interessa comparar, no entanto, é a resposta das instituições envolvidas nos casos de corrupção, cá e lá. No Parlamento Europeu, o grupo parlamentar socialista, de que fazia parte Eva Kaili, expulsou-a imediatamente da bancada (o PASOK grego também a destituiu do partido) e anunciou até que se constituirá como "parte lesada" no processo judicial, para que possa pedir reparação do mal que a deputada causou à sua família política. Por cá, no caso Sócrates e em tantos outros, moita-carrasco. Os partidos agarram-se ao chavão "à Justiça o que é da Justiça", cruzam os dedos e não fazem nada.
Foi aliás essa a reacção do ministro dos Negócios Estrangeiros: confrontado com o caso, à entrada de um Conselho de Ministros da UE em Bruxelas, João Gomes Cravinho mostrou-se preocupado, mas não foi além de apelar a que tudo se investigue. Questionado sobre a reforma dos mecanismos de integridade nas instituições europeias – nomeadamente, a criação de um organismo independente de ética há muito exigido por organizações não-governamentais e finalmente prometido pela Comissão Europeia, em resposta ao escândalo – o ministro não se mostrou muito para aí virado. Os tribunais que resolvam.
Não admira: na mesma ocasião, Gomes Cravinho foi questionado sobre a bizarra decisão de, em 2021, quando era ministro da Defesa, ter nomeado para a presidência da empresa ETI - Empordef Tecnologias de Informação o Ex-director-geral de Recursos da Defesa Alberto Coelho, já então sob suspeita de corrupção e agora apanhado na Operação Tempestade Perfeita, sobre o negócio pornográfico das obras no Hospital Militar de Belém, que derraparam dos 750 mil para os 3,2 milhões de euros. Sobre a sua responsabilidade política directa e objectiva na promoção de um homem que já estava sob suspeita, desviou para canto com a sonsice habitual nestes casos, despachando que "este é o momento da justiça e acho que não nos devemos envolver com comentário político sobre um procedimento judicial".
É essa a grande diferença entre Belém e Bruxelas. Em Belém, quando alguém rouba nas obras de um hospital especial para a Covid, cai um silêncio sepulcral, quase religioso, sobre as responsabilidades políticas: os portugueses têm de engolir a ladainha "à Justiça o que é da Justiça" e assistir à inércia institucionalizada de quem tinha a obrigação de pôr ordem na casa. Em Bruxelas, apesar de tudo, as instituições reagem: "o Parlamento Europeu está sob ataque, a democracia europeia está sob ataque", disse a presidente do Parlamento, Roberta Metsola, no plenário da instituição em Estrasburgo. "Este é um teste aos nossos valores e aos nossos sistemas. Não haverá impunidade, não varreremos nada para debaixo do tapete", acrescentou, ao anunciar uma reforma das normas e controlos internos sobre a actividade dos deputados e os riscos de corrupção na instituição.
Em contraste, o que vimos do presidente do Parlamento português, Augusto Santos Silva, foi o elogio ao Qatar pelo apoio que deram à retirada de afegãos na fuga aos talibãs – precisamente um dos argumentos que Eva Kaili desfiava em defesa do emirado. A diferença é que a eurodeputada grega impingia a propaganda oficial a troco de malas de dinheiro, enquanto Augusto Santos Silva o fez apenas para ter bilhetes para a bola.
Por cá, a mesma família socialista que se constituiu assistente no processo belga contra Eva Kaili manteve-se muda e surda sobre o caso Sócrates, e tantos outros. O silêncio, o encobrimento e a fuga à responsabilidade mantêm-se a regra em resposta a casos de corrupção. O sistema judicial é o álibi atrás do qual se escondem os que têm a obrigação de prevenir a corrupção e fortalecer as instituições democráticas e quem quiser reformas internas, responsabilização política e mecanismos de integridade é populista. Quando a democracia soçobrar sob o peso desta brutal inércia, os que a fizeram cair dirão que a culpa é de quem não alinhou na lei do silêncio e violou o código de omertà da República.

João Paulo Batalha

Sábado

Isto já começa a parecer um Governo de Santana Lopes.

Havendo tantas diferenças, porque é que a sensação de desgoverno é a mesma? Porque é que o novo executivo parece uma geringonça sem parafusos?

João Miguel Tavares

João Miguel Tavares

28 de Dezembro de 2022,

Marcelo chamou-lhe “vícios originais”. A frase completa é: “Está em causa um processo de reajustamento do Governo muito acelerado. Isso significa ter a noção de que é preciso ir mudando orgânica e pessoas, e que houve vícios originais ou soluções que não provaram num espaço de tempo muito curto.” Tenho pena que os jornalistas não tivessem pedido ao Presidente da República para desenvolver esta tese dos “vícios originais”, curiosíssima expressão que mereceria muita hermenêutica. Mas se Marcelo não fez esse trabalho, fazemos nós por ele.

Em nove meses de maioria absoluta – convém sublinhar o “maioria absoluta” –, já saíram do Governo um ministro (Marta Temido) e sete secretários de Estado. Temido, como bem sabemos, saiu desgastadíssima e nada contente. No Ministério da Economia, dois secretários de Estado acabaram corridos em câmara lenta após terem discordado publicamente do ministro. Já Miguel Alves, antigo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, foi defenestrado após o psicodrama do Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha se ter arrastado durante mais de duas semanas.

Para o seu lugar entrou o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes, o que obrigou a uma remodelação no Ministério das Finanças. Foi na sequência dessa remodelação que Alexandra “500k” Reis foi resgatada à NAV e nomeada secretária de Estado do Tesouro – para ser demitida 25 dias depois, com António Costa a rezar para que a exibição pública da sua cabeça faça esquecer as danças duvidosas de Pedro Nuno Santos e de Fernando Medina nos bastidores da TAP.

Pergunta: alguma vez se viu coisa semelhante a esta? A resposta é “sim”. Viu-se em 2004, quando Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro, e se queixava do “bebé” que estava “na incubadora” a levar “estalos” dos “membros da família”. Lembram-se? “Este é um Governo a quem ninguém deu quase o direito de existir antes de ele nascer”, lamentou Santana em Novembro de 2004, “e que, depois de nascer através de um parto difícil, teve que ir para uma incubadora e vinham alguns irmãos mais velhos e davam-lhe uns estalos e uns pontapés”.


Na altura, a inesquecível metáfora da incubadora surgiu na sequência de um artigo assassino do irmão mais velho Cavaco Silva no Expresso (“A boa e a má moeda”), no qual ele pedia que os “políticos competentes” afastassem os “incompetentes”. Jorge Sampaio fez-lhe a vontade: 24 horas depois, anunciava a dissolução do Parlamento. E assim – importa jamais esquecer – nasceu a maioria absoluta de José Sócrates.

Há quatro grandes diferenças entre a situação de António Costa em 2022 e a de Santana Lopes em 2004. 1) O parto de Costa foi uma maioria absoluta. 2) Costa não é Santana. 3) Marcelo não é Sampaio. 4) Quem está actualmente na incubadora não é o Governo – é o país. Mas havendo tantas diferenças, então porque é que a sensação de desgoverno é a mesma? Porque é que o novo executivo parece uma geringonça sem parafusos?

É aqui que entram os “vícios originais”. Dedicar-lhes-ei o meu próximo artigo, até porque é uma excelente forma de terminar o ano. Mas posso deixar duas pistas. Vício original 1: Costa não sabe o que fazer com a maioria absoluta, porque ela só atrapalha quem não quer mudar nada. Vício original 2: Quem gere o país como se fosse a mercearia do Partido Socialista rodeia-se de velhos amigos e gente da família, porque a fidelidade é mais importante do que a competência. Só que (claro) não é.

O autor é colunista do PÚBLICO

O PEDRO NUNO SANTOS

É QUE ‘TEM RAZÃO’

A barafunda e a desorganização parecem totais e os políticos em posições de poder – actuais ou passadas – têm tido uma de duas posições:

· Escondem-se para ver se ninguém se lembra deles

· Fogem quais ratos num navio em perigo de se afundar

E – no meio disto tudo – António Costa parece que está de férias e não fala e Marcelo vai passear para o Brasil!

MEU DEUS!

RAZÃO tinha Pedro Nuno Santos quando aqui há uns meses – na ausência de António Costa do país – tentou tomar conta DISTO, ‘decretando’ uma solução para o/s aeroporto/s.

Aparentemente ‘falhou o timing’, mas talvez não tenha sido mais que uma declaração de intenções e um apalpar da fruta para ver se estava madura.

Ao ter sido mantido no governo (o que é INACREDITÁVEL e mostra que Portugal de facto evoluiu dum PAÍS para a condição de um SÍTIO à beira-mar plantado) ficou a saber que a fruta estava quase madura e na primeira oportunidade que lhe apareceu, foi-se embora, para preparar a equipa para a vindima.

Vão ser tempos interessantes!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

GUIA DE PRODUTOS ESSENCIAIS PARA UM CARRINHO DE COMPRAS COM QUALIDADE NUTRICIONAL, SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL.

Governo de Espanha – Ministério do Consumo

Este documento apresenta uma proposta para produtos essenciais saudáveis,
frescos e processados, para formar um cesto de compras nutricionalmente de qualidade,
saudável e sustentável. A lista dos produtos seleccionados está definida no anexo I.

  • Para a elaboração desta proposta, foram tidos em conta:
    • Relatório do Comité Científico da AESAN sobre recomendações alimentares sustentáveis e as particularidades da dieta mediterrânica.
    • Trabalhos anteriores desta Agência com outros organismos, em relação à oferta
    de comida para pessoas desfavorecidas.
  • Trabalho anterior sobre impostos saudáveis.
    Na selecção estas recomendações e trabalhos foram tidos em conta, tanto para
    a distribuição dos produtos nas três refeições diárias -pequeno-almoço, almoço e jantar, contemplando também a possibilidade de usar alguns deles como um lanche ou uma ceia, como em modo de consumo, para completar uma ingestão diária nutricionalmente equilibrada por grupos alimentares saudáveis.

 
1. Legumes e frutas, que devem constituir a principal ingestão diária nas três refeições, e também como um lanche saudável. Os sazonais são preferíveis, e
vegetais, frescos e congelados.

2. Cereais (pão, arroz, massa…), que são consumidos diariamente e são recomendados para serem integral, tendo em conta que representam um importante contributo da energia.

3. As batatas e outros tubérculos podem ser consumidos diariamente, mas a sua contribuição
nutricional é muito limitado, por isso é recomendado que seja limitado, dado que a sua
A principal contribuição é calórica.

4. No que diz respeito às fontes proteicas, tanto animais como vegetais, existe uma ampla
gama de alimentos para contemplar, que pode ser combinado tanto diariamente como semanalmente para garantir a contribuição das proteínas de uma forma variada e acessível.

a. Leguminosas destacam-se por ser uma fonte acessível de proteína, com baixo
O impacto ambiental, que pode ser consumido diariamente, e em diferentes preparações, pelo que são muito versáteis.
b. Os frutos secos têm a particularidade de uma ingestão calórica elevada, por isso
o seu consumo, que pode ser diário, deve ser ajustado aos consumos calóricos.

c. O peixe é uma fonte de proteína no âmbito da dieta mediterrânica;
Especificamente, peixes oleosos ricos em gorduras saudáveis. Pode ser incluído
Apresentações enlatadas, preferencialmente naturais ou com azeite ou girassol.
d. Ovos, de preferência de galinhas ao ar livre, como critério de bem-estar
animal.
e. A carne, sendo a mais saudável aves e coelho. Pode ser incluído produtos magros congelados ou enlatados com baixo teor de sal.

5. Pratos preparados: devem ter uma presença reduzida no carrinho de compras e devem ser fabricados com os produtos acima indicados, minimamente processados e com um teor muito baixo de gorduras saturadas, sal ou açúcares adicionados.

Água da torneira é a bebida de eleição. Por isso, as bebidas não são recomendadas na cesta básica.

Para uma alimentação saudável, recomenda-se a seguinte distribuição dietética das categorias acima referidas.

• 50% de frutas e legumes.
• 25% de cereais, preferencialmente cereais integrais.
• 25% de proteína, lembrando que as leguminosas e os frutos secos são uma fonte de proteínas saudáveis.
Como complemento e recomendação que poderia acompanhar esta medida de promoção do catálogo de produtos básicos da compra, em linha com a situação actual de alto custo de energia, pode ser concluído com recomendações para a elaboração destes produtos. Assim, é preferível preparar-se cozinhando ou vaporizando e a utilização de micro-ondas e panela do ponto de vista do consumo de energia dos aparelhos domésticos. É também aconselhável, neste sentido, preparar grandes quantidades que são congeladas, e consumir mais tarde. Apresentações que minimizam consumo de energia em casa (por exemplo, leguminosas cozidas).

ANEXO 1




GUÍA DE PRODUCTOS ESENCIALES PARA UNA CESTA DE LA COMPRA NUTRICIONALMENTE DE CALIDAD, SALUDABLE Y SOSTENIBL

Os corruptos vão à escola

Gerou-se finalmente um ponto de consenso nacional no combate à corrupção: ir às escolas chatear criancinhas. Uma bela lição de hipocrisia paternalista.

Virou moda: no último dia 9 de Dezembro, o Dia Internacional Contra a Corrupção, a ministra da Justiça foi a uma escola em Elvas, acompanhada das altas autoridades na matéria, ensinar aos jovens que é feio roubar. Eles se calhar não sabiam; ficaram a saber. A própria Estratégia Nacional Anticorrupção tem como prioridade central a educação contra a corrupção nas escolas. Melhor dizendo: a educação nas escolas contra a corrupção. Porque, como adivinha o leitor, não é nas escolas que está o núcleo duro da corrupção em Portugal.

Apesar disso, é nas escolas que é preciso "apostar", explicam-nos as lideranças políticas – e não só: uma associação cívica, a All4Integrity, dedica grande esforço à educação contra a corrupção nas escolas (perdão, à educação nas escolas contra a corrupção), inclusivamente distribuindo certificados de Escolas Embaixadoras Anticorrupção às que mais zelosamente ensinarem aos jovens que é feio roubar. Eles se calhar não sabiam; ficam a saber.

Se tivesse eu de desenhar uma Estratégia Nacional Anticorrupção, seguramente centrá-la-ia nos partidos políticos, no Parlamento e no Governo. É lá que se fazem as leis e os favores (e as leis de favor, e os favores nas leis). É lá que se distribuem milhões às empresas dos camaradas. É lá que se negoceiam benefícios fiscais, acesso a fundos europeus e esquemas de contratação pública (agora relaxados porque o que conta é "executar"). É lá que se assinam concessões a 30 ou 40 anos com rendas garantidas. E é lá que se traficam influências e dinheiro sujo para os partidos e para os comissionistas dos partidos.

Mas, em Portugal, a "aposta" é nas escolas, esse antro de corrupção. Pelo que se tornou rotineiro ver entidades oficiais e oficiosas ensinar à tenra juventude que todos temos um corrupto dentro de nós que é preciso reprimir com contrição e temor a Deus. Chama-se pedagogia contra a corrupção. Prevenção pela ética política não há. Repressão eficaz no sistema penal não há. Sanções disciplinares para funcionários, ou regulatórias para empresas, que não morram na prescrição dos recursos dilatórios, não há. Recuperação de activos não há. Que não nos falhe ao menos a pedagogia nas escolas, esse antro de corrupção.

Este festival de doutrinação infantil parte de um pressuposto errado: o de que o combate à corrupção em Portugal falha porque ninguém sabe como fazê-lo; e que é nas escolas que se aprende. Só que não é verdade. O problema não é quem tem de combater a corrupção não saber fazê-lo. É não querer fazê-lo.

É verdade que continua a haver uma enorme iliteracia sobre governança e sistemas de ética e integridade nas organizações. Mas esse é um analfabetismo que tem de se resolver nas instituições, com os adultos que nelas trabalham e que com elas interagem; não se resolve pregando missinhas moralistas às crianças. Primeiro, porque essa abordagem não passa de hipocrisia paternalista: como registou o estudo recentemente publicado sobre ética política, o termo que os cidadãos mais associam à palavra "corrupção" não é "crianças". É "políticos". Fazer das escolas o lugar consensual de combate à corrupção é escolher deliberadamente o alvo errado e adiar o problema por uma geração, fingindo que se está a fazer alguma coisa.

A segunda razão pela qual a "aposta" nas escolas é uma cretinice ingénua (ou, pior, um circo degradante) é que alimenta a noção de que a corrupção é um "mal cultural" português (ou "sulista", ou "católico") que está entranhado no nosso sangue, que já não vamos a tempo de limpar dos nossos ossos mas, com esforço e dedicação, conseguiremos apagar da pele dos nossos meninos. Outra bela treta. Qualquer cidadão médio, qualquer ser humano, tem um instinto natural para detetar a injustiça e reagir – e nisto, aliás, ninguém tem um mais afinado detetor de balelas do que um miúdo de 16 anos.

Ninguém gosta de engolir desaforos ou pactuar com abusos. Se os portugueses praticam a cunha e o favor é porque as instituições que nos deviam servir com abertura, celeridade e eficácia não funcionam – obrigando o cidadão a ver os seus direitos esvaziados ou a negociar com a balbúrdia, tentando safar alguma coisa que o ajude a seguir com a sua vida. A ética que nos falta não é a ética individual dos "homens bons" – seja lá isso o que for. É uma ética institucional que estabeleça regras claras, procedimentos transparentes, sistemas de controlo e mecanismos de responsabilização. Uma instituição sólida – melhor dizendo, uma democracia digna do nome – não é a que depende de uns quaisquer super-cidadãos ou homens puros. É a que sabe defender-se, sempre que algum impuro pisa o risco.

O papel de uma estratégia anticorrupção não é produzir heróis, com prémios públicos ou discursos de virtude. Essa abordagem é boa para os populistas autoritários. O combate à corrupção tem de ser abordado como uma questão de política pública, assente em objetivos concretos, com medidas práticas levadas a cabo por instituições capacitadas dentro de prazos bem definidos. Trata-se de criar uma democracia centrada em instituições capazes de nos tratar a todos por igual; não em líderes centrados nas suas bases de apoio e nas suas tribos clientelares. É muito difícil perceber isto?

Essa cultura que, mais do que cultura anticorrupção, é cultura democrática, não se cria nas escolas a dizer às crianças "resolvam vocês isto, porque nós já desistimos". Cria-se com instituições fortes, transparência e prestação de contas aos cidadãos, sem lideranças complacentes, nomeadas por "confiança política" ou cooptadas por "reconhecido mérito" de entre a corte de elites endogâmicas que se passeiam há décadas (eles, os filhos deles, os amigos deles e os filhos dos amigos deles) nos corredores do poder.

Faz sentido irmos às escolas, sim, para falar de democracia, não para pregar moral. Ensinar o que é a Constituição, como se faz uma lei, a diferença entre um tribunal de primeira instância e um tribunal de recurso, quais são, como funcionam e como deviam funcionar as instituições que governam a nossa vida. Os nossos filhos não são parvos, são apenas jovens. Não precisamos de os aborrecer com lições beatas sobre o que é ser bom cidadão. Eles dispensam o paternalismo. Gente crescida: tenham noção e eduquem-se a vocês primeiro.


João Paulo Batalha

https://www.sabado.pt/