No segundo Orçamento da maioria absoluta, há medidas para vários bolsos. Saiba quais as alterações que podem vir a mexer com as suas contas em 2023.
Beatriz Ferreira ; Edgar Caetano ; Ana Suspiro
No segundo orçamento da maioria absoluta, há várias mexidas em sede de IRS, aumentos das pensões que vão mesmo ficar aquém do que seriam se a lei não fosse alterada, aumentos à função pública que em muitos casos não compensam a perda de poder de compra, mas também reduções na retenção na fonte para quem tem créditos para habitação permanente. Orçamento traz ainda novos valores de subsídio de desemprego, (algumas) mudanças no abono de família e novidades na taxação dos lucros com investimentos em criptoativos, como a bitcoin.
Juntamos em 17 perguntas e respostas as principais medidas que vão mexer com o seu bolso.
Vou pagar mais ou menos de IRS no próximo ano?
O novo Orçamento do Estado traz várias novidades em sede de IRS. Para 2023, o Governo avança com a redução da taxa marginal do segundo escalão de 23% para 21%, com a consequente descida na taxa média nos restantes escalões (sem que a taxa marginal se altere). Segundo o Governo, serão cerca de dois milhões os agregados familiares que vão beneficiar desta mudança.
Os escalões de IRS (na parte do rendimento colectável) vão ser actualizados em 5,1%, abaixo da inflação prevista para este ano. O Governo aponta em 2022 para uma inflação de 7,4% e para 2023 de 4%.
Outra novidade é que o Governo promete mudar o sistema das retenções na fonte para que mensalmente cada contribuinte receba mais, acabando anualmente por receber menos reembolso (caso receba, ou pagar). O novo modelo será aplicado a partir de Julho.Vou ter mais dinheiro para pagar a prestação da casa?
Vou ter mais dinheiro para pagar a prestação da casa?
Uma das novidades deste Orçamento é um novo regime (voluntário) com que o Governo quer ajudar as famílias a atenuar o impacto da subida da Euribor e das prestações de crédito à habitação.
Quem tem créditos para habitação permanente e trabalha por conta de outrem vai poder alterar a sua posição nas tabelas de retenção na fonte, em um nível, no sentido de tornar um pouco menor a retenção que é feita todos os meses. Só quem ganha até 2.700 euros (brutos) mensais pode pedir este ajuste.
“Não é um apoio, é uma faculdade”, indicou o ministro das Finanças, reconhecendo que isso vai significar menores reembolsos quando fizer contas com o fisco no ano seguinte (ou pagamentos superiores, no caso de quem tem um saldo negativo na declaração anual de IRS). Para conseguir esta mudança do nível de retenção na fonte, o trabalhador terá de entregar uma declaração à entidade patronal.
Não avançou a possibilidade de dedução dos juros no IRS para todos (e não apenas a quem comprou casa até 2011) – uma hipótese que foi admitida por António Costa mas que ficou na gaveta. Há, também sobre o tema dos créditos à habitação, outras medidas que não estão no Orçamento mas que virão num diploma específico para a banca (medidas que já foram explicadas pelo secretário de Estado do Tesouro, João Nuno Mendes, no parlamento na semana passada).
A minha pensão vai mesmo subir menos do que dita a lei?
Sim. Foi um dos grandes temas durante a preparação do Orçamento do Estado para 2023 por significar uma limitação da lei da actualização das pensões: devido à elevada inflação e, argumenta o Executivo, para não pôr em causa a sustentabilidade do sistema, as pensões vão subir, em Janeiro, entre 3,43% e 4,43%, metade do que aumentariam se não fosse limitada a fórmula das pensões.
Assim, as pensões até 2 IAS (957,4 euros) vão subir 4,43%, enquanto as entre 2 e 6 IAS (2.872,2 euros) vão aumentar 4,07% e as acima de 6 IAS até 12 IAS (5.744,4 euros) crescem 3,53%. Acima de 12 IAS não há lugar a aumentos. Mas estes valores de actualização ainda não são definitivos: o ministro das Finanças, Fernando Medina, admitiu corrigi-los se a inflação média sem habitação registada em Novembro superar o estimado pelo Executivo.
Além disso, se em anos anteriores (desde 2017) usufruiu de um aumento extraordinário na sua pensão em Janeiro (por ter das pensões mais baixas), que complementou a actualização normal, isso não vai acontecer este ano.
Em relação aos mais idosos, há outra novidade: continua a trajectória para repor o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) acima do limiar da pobreza “de modo a reforçar a eficácia desta medida no combate à pobreza entre os idosos”. Serão abrangidas cerca de 170 mil pessoas.
Sou funcionário público. O aumento no meu salário vai compensar a perda de poder de compra?
Se ganhar o salário mínimo, sim. O Governo já tinha anunciado que o salário mais baixo no Estado vai subir 8%, de 705 euros para 761,58 euros, ou seja, mais 57 euros. Dado que o Executivo estima uma inflação anual de 7,4%, esta subida chegará para compensar a perda de poder de compra de 2022.
Outro grupo que também é compensado é o dos assistentes técnicos, que além de um aumento de, pelo menos, 52 euros transversal a todos os funcionários públicos terão um bónus no mesmo valor: isto é, terão um aumento em Janeiro de 104 euros para distanciar esta carreira da de assistente operacional. Trata-se de uma valorização média de 10,7%.
Os restantes trabalhadores terão aumentos que não chegam para impedir a perda de poder de compra. Quem ganha até cerca de 2.600 euros brutos receberá um aumento bruto de 52 euros e a partir desse montante de rendimento a subida é de 2%. Já o subsídio de refeição subirá 9% (o equivalente a 43 cêntimos) para 5,20 euros. Com este valor incluído, a valorização média será de 3,9% e de 5,1% se tivermos em conta progressões e promoções.
Atestar o depósito de combustível vai ficar mais caro ou mais barato?
O Governo mantém para 2023 os descontos fiscais que estão em vigor, para os combustíveis, pelo que a flutuação dos preços nos próximos tempos dependerá da evolução dos preços nos mercados internacionais, onde também tem influência a cotação do euro face ao dólar.
A proposta orçamental prevê uma perda de receita de 380 milhões de euros no imposto sobre os combustíveis no próximo ano. Esta é uma das medidas de política orçamental com mais impacto financeiro. O grosso deste valor, cerca de 335 milhões de euros, é relativo à descida da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos nos combustíveis rodoviários.
Não é claro, contudo, se o apoio se vai manter ao longo de todo o ano e se será da dimensão actual (que ultrapassa os 20 cêntimos por litro).
Vou pagar mais pelo passe mensal nos transportes? E pelos bilhetes na CP?
Vão ser congelados os valores dos passes mensais nos transportes, uma medida que custa ao Estado 66 milhões de euros. Em causa estão não só os preços dos passes urbanos mas, também, das viagens regionais e longo curso na CP, tal como o Governo já tinha anunciado quando apresentou o pacote anti-inflação.
A medida já tinha sido anunciada quando António Costa apresentou o pacote contra os efeitos da inflação, no início de Setembro. “Se não houvesse esta decisão teríamos um aumento de 8% nos passes no próximo ano”, garantiu o Governo, quando explicou esta decisão que vai estar em vigor ao longo de todo o ano de 2023, entre Janeiro e Dezembro.
O meu salário, que equivale ao mínimo nacional, vai subir quanto?
Se é funcionário público, como vimos, o salário mínimo vai subir quase 57 euros para os 761,58 euros. No sector privado, a subida é muito semelhante: o salário mínimo vai fixar-se nos 760 euros.
Vou receber o novo valor do salário mínimo. Isso quer dizer que fico isento de IRS?
Sim. O Governo também mexe no mínimo de existência, o patamar até ao qual um rendimento não paga IRS, fixando-o em 10.640 euros (equivalente ao novo salário mínimo vezes 14 meses). Ou seja, os rendimentos anuais até este valor não pagam imposto.
Ganho muito perto do salário mínimo. Vou ter um alívio no IRS?
Essa é uma das intenções do Governo: corrigir uma distorção que fazia com que as pessoas que ganham muito perto do salário mínimo ficassem a ganhar o mesmo do que alguém que recebe esse valor e não tem de pagar IRS. O que o Executivo faz agora é reformular as regras do mínimo de existência, deixando de aplicar a isenção no final da liquidação passando para uma “lógica de abatimento em fase anterior ao cálculo do valor do imposto a pagar”.
Ou seja, após a liquidação do imposto, os trabalhadores têm de ficar a ganhar o maior valor entre o salário mínimo nacional a 14 meses e 1,5 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais. Esta regra deixa de ser tida em conta “no final da liquidação do imposto”, como até aqui, e passa a ser considerada uma “lógica de abatimento em fase anterior ao cálculo do valor do imposto a pagar”, tendo em conta as deduções à colecta do trabalhador.
Fernando Medina deu um exemplo: se a regra se mantivesse, em 2023, um trabalhador que ganha 11.325 euros anuais (809 euros mensais) receberia em termos líquidos 10.640 euros. Com a reforma, vai receber 11.052 euros. O Executivo dá outros exemplos do que acontecerá em 2024, quando a reforma estiver concluída:
A reforma que o Governo pretende fazer ao mínimo de existência “terá efeitos já sobre os rendimentos de 2022 (através da declaração de IRS em 2023) e será alargada de forma faseada para os rendimentos de 2023 e de 2024”, diz o Executivo.
Relativamente a 2022, vão beneficiar titulares de rendimentos brutos anuais até cerca de 11.220 euros, enquanto que em 2023 será alargada até cerca de 13 mil euros anuais e em 2024 beneficiará pessoas até cerca de 14 000 euros (1.000 por mês), indica ainda o Executivo.
Em 2023, “o benefício por titular será, em média, 195 euros por ano, atingindo cerca de 425 euros para os titulares actualmente mais afectados”. E em 2024, “o benefício médio por titular aumentará para cerca de 230 euros por ano e o benefício máximo para cerca de 500 euros por ano”.
O subsídio de desemprego que recebo vai subir?
Sim, se receber o equivalente ao limite mínimo ou ao limite máximo. Tudo porque o Indexante de Apoios Sociais é actualizado em 8%. Este indexante serve de referência a diversas prestações sociais, incluindo o subsídio mínimo e máximo de desemprego, que sobem 40,77 euros e 88,75 euros, respectivamente, para 550,45 euros e 1.196,75 euros.
A actualização do IAS também influencia o subsídio social de desemprego, pago a quem esgotou o subsídio de desemprego a que tinha direito. Este subsídio corresponde ao valor mais baixo entre a remuneração de referência líquida do desempregado e 80% do IAS, se viver sozinho (que agora será 382,96 euros); ou o menor entre a remuneração de referência e 100% do IAS (478,7 euros), se viver com familiares do agregado.
Tenho dois filhos. Quanto vou poder receber em dedução de IRS?
Em 2023, o Governo completa a majoração da dedução ao IRS a partir do segundo filho. Nos agregados familiares com mais do que um dependente, haverá lugar a uma dedução de 900 euros a partir do segundo filho, um aumento de 150 euros face ao que acontece actualmente.
A medida aplica-se a crianças que tenham até seis anos de idade a 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o imposto, “independentemente da idade do primeiro dependente”. Este aumento da dedução está a ser feito de forma progressiva, desde 2022, ficando completo em 2023.
Recebo abono de família. Haverá mudanças?
Algumas. O Governo compromete-se a concluir, em 2023, o compromisso de atribuir, pelo menos, 600 euros por ano (50 euros mensais) às crianças que pertencem ao primeiro e segundo escalões do abono. Em 2023, o montante atribuído às crianças com mais de seis anos aumenta 41 euros para 50 euros.
Também o limite superior do 3.º escalão do abono de família foi aumentando “estruturalmente” de 1,5 para 1,7 IAS, o que vai permitir que 80 mil crianças “recebam mais abono, durante mais anos”.
Além do aumento do acesso a este escalão, a actualização do IAS tem efeitos nos outros escalões do abono de família, que determinam quem acede ao apoio.
Estou a entrar no mercado de trabalho. Que desconto vou ter no IRS Jovem?
O IRS Jovem vai ser reforçado, passando a prever uma isenção de imposto de 50% no primeiro ano (actualmente está nos 30% nos dois primeiros anos), 40% no segundo ano, 30% nos terceiros e quarto anos (está nos 20%) e 20% no último ano (está nos 10%).
O Governo também já tinha dito que serão aumentados os limites máximos do benefício em cada ano e explica agora em quanto:
No ano 1: de 7,5 x IAS em 2022 (3.324 euros) para 12,5 x IAS em 2023 (5.983,75 euros)
No ano 2: de 7,5 (3.324 euros) x IAS para 10 x IAS (4.787 euros)
No ano 3: de 5 x IAS (2.216 euros) para 7,5 x IAS (3.590,25 euros)
No ano 4: de 5 x IAS (2.216 euros) para 7,5 x IAS (3.590,25 euros)
No ano 5: de 2,5 x IAS (1.108 euros) para 5 x IAS (2.393,5 euros).
Sou bolseiro. Vou ter apoio para pagar alojamento perto da universidade?
Os alunos do ensino superior com menos rendimentos vão ter um apoio para alojamento até 288 euros por mês. A ajuda será alargada a “estudantes deslocados de agregados familiares com baixos rendimentos, ainda que não sejam bolseiros”.
Haverá assim “um apoio específico para suportar custos de alojamento a todos os estudantes deslocados do ensino superior público e privado provenientes de famílias que recebam o salário mínimo nacional”.
O apoio vai dos 221 euros até aos 288 euros, dependendo do concelho em que se situa a instituição de ensino superior.
Vivo fora de Portugal mas estou a pensar regressar. Que incentivos tenho?
Já se sabia antes da divulgação desta proposta de Orçamento do Estado que o Governo queria estender o Programa Regressar (que estava em em vigor até 2023) até ao fim do acordo de rendimentos (2026). Este programa dá benefícios no IRS aos sujeitos passivos que voltem a ser fiscalmente residentes em Portugal se não tiverem residido cá nos três anos anteriores mas que já tenham sido imediatamente antes desses três anos. Quem estiver neste programa beneficia de uma isenção de IRS sobre 50% dos rendimentos.
No acordo de rendimentos, no entanto, abre-se a porta a alterações no acesso ao programa, já que se pretende assegurar que o Regressar “se destina ao incentivo ao regresso de quadros qualificados e, em particular, de atracção de jovens”. Na proposta de Orçamento do Estado, conhecida esta segunda-feira, o Governo dispõe-se a “prosseguir e acompanhar” este programa.
Vou pagar imposto pelas mais-valias com bitcoin ou outros criptoativos?
Os lucros com investimentos em criptoativos, como a bitcoin ou outros, vão passar a ser taxados a 28% quando esses mesmos activos foram detidos durante um período inferior a 12 meses. Portugal é um dos últimos países europeus onde este tipo de mais-valias não é taxado mas isso vai mudar, a partir da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2023.
Num plano diferente, numa óptica mais empresarial, “em sede de IRS propõe-se a tributação dos rendimentos provenientes de operações com criptoativos como rendimentos empresariais e profissionais (no caso, por exemplo, de emissão de criptoativos, como seja por via da actividade de mineração) ou como incremento patrimonial (mais-valias), sem prejuízo do enquadramento nas restantes categorias, consoante os casos”.
O tabaco vai aumentar acima da inflação?
Sim. Ao contrário dos impostos sobre veículos ou de circulação ou dos produtos sobre bebidas alcoólicas, o imposto sobre o tabaco vai subir mais do que os 4% esperados para a inflação em 2023, com excepção dos charutos e das cigarrilhas que terão uma actualização de 4%.
Há mesmo alguns tipos de tabaco cujo imposto vai subir 6%. “Continua a observar-se um agravamento na tributação do tabaco aquecido quando comparado com o tabaco de corte fino destinado à elaboração de ‘cigarros de enrolar’, em todas as suas dimensões, isto é em relação ao elemento específico, ao ad valorem e à imposição mínima”, explica ao Observador a EY.
Nos cigarros o imposto vai evoluir diferentemente consoante o tipo de tabaco. O tabaco aquecido terá um agravamento de 6%.
Observador.