O COMENTÁRIO de Miguel Pinheiro (‘Observador’)
O Governo respondeu ao caso Pedro Nuno Santos com uma confusão, uma omissão, uma falsidade, um erro e uma artimanha.
Quando se distorce assim a realidade é porque se tem medo da verdade.
10 out 2022, (‘Observador’)
Para os espíritos inocentes que ainda tivessem dúvidas, o caso Pedro Nuno Santos mostrou, de forma clara e irrefutável, que este Governo de maioria absoluta de António Costa acredita, com todas as suas forças, que a propaganda é mais poderosa do que a realidade. Para responder à notícia do Observador sobre o facto de uma empresa de Pedro Nuno Santos e do pai ter feito um contracto público com o Estado, os socialistas usaram uma confusão, uma omissão, uma falsidade, um erro e uma artimanha. Utilizando esses cinco recursos da baixa política, o Governo tentou criar um nevoeiro suficientemente espesso para permitir ao ministro ganhar o número de dias suficiente para que esta polémica seja, eventualmente, consumida por outra polémica, ou por outro caso, ou por outra notícia. Esta maioria absoluta entende que, para sobreviver politicamente, só precisa de negar a realidade o tempo que for necessário para o país desistir, por cansaço ou distracção.
Tendo em conta a persistente desfaçatez do Governo, talvez seja um serviço ao debate público esclarecer e desmontar esta estratégia anti-polémicas.
A confusão. O que está em causa é muito simples, mesmo que nos queiram convencer que é complicado. Tanto na anterior lei das incompatibilidades como na actual, estão previstas três situações muito diferentes:
- Aquela em que um político detém, por si só, mais de 10% de uma empresa — aí, a sociedade não pode celebrar nenhum contracto público;
- Aquela em que são apenas os familiares de um político a deter mais de 10% de uma empresa — aí, segundo o parecer da PGR relativo à lei antiga, a sociedade só podia celebrar contractos públicos que não estivessem na dependência do ministro;
- Aquela em que o político detém, conjuntamente com um familiar, mais de 10% de uma empresa — aí, tal como na primeira situação, a sociedade não pode celebrar nenhum contracto público, tenha o político em causa 9%, 1% ou 0,1% da empresa.
No caso de Pedro Nuno Santos está em causa a terceira situação: o ministro das Infra-estruturas tem 1% da empresa, o seu pai tem 44% e a mãe tem 5%. Não há nenhuma dúvida sobre isto, mas, na primeira resposta à investigação do Observador, antes mesmo da publicação da notícia, o Ministério das Infra-estruturas tentou logo lançar a confusão dizendo duas coisas:
- Disse que o ministro não tem, por si só, 10% da empresa e que, por isso, não está em causa a primeira situação — claro que não está, ninguém afirmou que estava;
- E disse que, no caso de empresas detidas apenas por familiares, a contratação pública só estava proibida, segundo o parecer, se fosse feita na dependência do ministro — o que é verdade, mas não é relevante, porque também não é essa a situação de Pedro Nuno Santos.
Reparem na habilidade: para contornar o primeiro ponto, o ministério refere que o ministro tem uma participação, mas de apenas 1%; para contornar o segundo ponto, esquece a participação de 1% do ministro. Tudo isto para fazer de conta que não sabem que há uma terceira situação prevista na lei — precisamente aquela que se aplica ao ministro e que o deixa em dificuldades.
A falsidade. Esta confusão tem por objectivo dar credibilidade a uma falsidade: o ministro Pedro Nuno Santos argumenta que um parecer da Procuradoria sobre a lei anterior diz respeito à sua situação e o coloca dentro da legalidade. Nenhuma das duas coisas é verdade. Como o parecer é sobre a situação em que são apenas os familiares de um político a deter mais de 10% de uma empresa, e como no caso do ministro a empresa é detida, “conjuntamente”, por familiares e pelo próprio ministro, então o objecto desse parecer não se aplica ao processo do governante. Ou seja: Pedro Nuno Santos defende-se com um parecer que não o defende.
A omissão. No dia a seguir à publicação da notícia do Observador, o ministério de Mariana Vieira da Silva veio tentar defender o ministro Pedro Nuno Santos através de uma nota à comunicação social. Trata-se de um documento oficial da Presidência do Conselho de Ministros — e desafia a credulidade de qualquer
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