sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Novo posto de Cristiano Ronaldo no Real Madrid: garantia bancária.

A propósito da mudança de CR7 de Itália para Inglaterra, fui buscar esta estória, de quando passou de Inglaterra para Espanha.

Publicado em 26 Julho 2011 às 10:47

É o futebolista mais caro de todos os tempos. Agora, pode ser posto ao serviço da solvabilidade dos bancos espanhóis. “Ronaldo nos fundos de resgate”, titula o Süddeutsche Zeitung que explica que o grupo de caixas de aforro Bankia, junto do qual o Real Madrid se endividou muito para poder pagar a transferência do jogador português, está a tentar um empréstimo junto do Banco Central Europeu. O BCE exigiu garantias, o banco propôs… Ronaldo e o brasileiro Kaka, ambos jogadores do clube madrileno. Em 2009, o Real contraiu um empréstimo de 76,9 milhões de euros para pagar, respetivamente, 100 milhões de euros ao Manchester United, e 60 milhões ao Milan AC.

“Chegaremos ao ponto de o BCE aceitar como garantia um dos dois jogadores?”, pergunta o diário de Munique. “Teoricamente, nada está excluído. Primeiro, é preciso que a Bankia esteja falida e, depois, que o Real não pague os seus empréstimos, que estão assegurados pelos ganhos em publicidade e direitos de transmissão televisiva. É verdade que o Real Madrid tem dívidas que ascendem a várias centenas de milhões de euros. Mas, em Espanha, desde há muito tempo que são mestres em resgatar os clubes de futebol com dinheiros públicos – como se fossem bancos.”

Novo posto de Cristiano Ronaldo no Real Madrid: garantia bancária - VoxEurop

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A queda de Joaquim Oliveira, o “São Martinho de Penafiel”

Carlos Rodrigues Lima , Raquel Lito , Bruno Faria Lopes

Depois de ter dominado o mundo do futebol através da Olivedesportos, o empresário aventurou-se no negócio dos media. Os bancos colocaram-lhe dinheiro nas mãos, mas declarou falência há dois anos, com dívidas de 750 milhões. O DCIAP está a investigar os contornos da insolvência da Controlinveste.

Já teve o universo do futebol na mão, foi um dos maiores accionistas de grandes empresas e aventurou-se no mundo dos media. Esta é a história de Joaquim Francisco Alves Ferreira de Oliveira, 74 anos, que em 2005 atingiu o pico da montanha dos negócios, mas acabaria, depois de anos a saltar de financiamento em financiamento, por avançar para a insolvência da Controlinveste SGPS com uma dívida perto dos 750 milhões de euros.

O processo não lhe tirou o sono, já que continua activo na Olivedesportos e na Sport TV, ao mesmo tempo que negoceia com um dos chamados “fundos-abutre” que comprou as suas dívidas ao Novo Banco e ao Millennium BCP. Contactado pela SÁBADO, Joaquim Oliveira recordou que nunca deu uma entrevista, nem tenciona dar. Bem-disposto, apenas declarou: "Só 50% do que escrever sobre mim será verdade"
Segundo a petição inicial do processo de insolvência da Controlinveste SGPS – a holding do grupo que agrupava as várias participações de Joaquim Oliveira nos media e nos direitos desportivos –, esta sociedade tinha uma dívida directa de 44 milhões de euros e, ao mesmo tempo, “era responsável, por via de garantias prestadas (…) pela dívida bancária contraída por sociedades do grupo” junto do Millennium BCP e Novo Banco, “que à data de 30 de Setembro de 2018 ascendia” a quase 750 milhões de euros. Decompondo os números: 406 milhões ao Millennium BCP, 141 milhões ao Novo Banco e 195 milhões à Olivedesportos, empresa que financiava outras dentro do próprio grupo.
Ao Juízo do Comércio de Lisboa, a Controlinveste SGPS argumentou que a “dívida bancária foi contratada em condições de mercado em que actuava” e em “linha com a tesouraria gerada pelas respectivas actividades”. O valor em causa resultou, segundo a empresa, de dois negócios: aquisição de acções da Portugal Telecom e na antiga PT Multimédia (que viria dar origem à actual Zon); e à aquisição e desenvolvimento do negócio dos media, com a compra da Lusomundo Media, em 2005.
Este último negócio, segundo um antigo administrador da Portugal Telecom que pediu o anonimato à SÁBADO, foi o princípio do fim de Joaquim Oliveira. “E não foi por falta de aviso”, recordou o mesmo gestor, acrescentando que, à época, já se vislumbravam alguns sinais de quebra acentuada nas publicações compradas por Joaquim Oliveira, como o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. “O JN chegou a ser o jornal mais vendido do País, mas com uma lógica muito local. Em 2005, já tinha sido ultrapassado, o DN chegou a vender 80 mil exemplares, mas estava nos 30 mil”, referiu o mesmo gestor, para quem a vontade de Joaquim Oliveira em deter um grupo empresarial de media “pode ter tido mais a ver com o facto de ele, depois de muitos anos no problemático mundo do futebol, se querer afirmar como um legítimo grande empresário, com prestígio”.

Alavancado pela banca

Com uma dívida tão elevada, o acordo entre Joaquim Oliveira e os bancos credores passou pela assunção por parte da Controlinveste da dívida directa e de algumas das suas participadas, como a Controlinveste Media e a Olivedesportos, “de forma a viabilizar a continuação da actividade” destas, ainda geradoras de algumas receitas. Actualmente, Joaquim Oliveira preserva a Olivedesportos, a agência de viagens Cosmos e uma parte do capital da Sport TV, mantendo-se nesta última como presidente do conselho de administração.
As duas grandes dívidas do mundo empresarial de Joaquim Oliveira – ambas à banca, uma ao Novo Banco, outra ao BCP – foram, entretanto, parar às mãos do fundo norte-americano Davidson Kempner. O fundo-abutre comprou ao Novo Banco no final de 2019 a carteira de crédito malparado chamada Nata 2, que agrupava grandes devedores ao banco herdados da gestão de Ricardo Salgado – a sexta maior dívida que seguiu no pacote era de 138,9 milhões de euros e pertencia à Controlinveste e à Olivedesportos. A dívida estava em incumprimento total e foi vendida com fortíssimo desconto pelo Novo Banco, segundo apurou a SÁBADO (a carteira Nata 2 foi vendida, em termos globais, com um desconto próximo de 90%).
O fundo norte-americano foi, depois, ter com o BCP para negociar a compra da outra dívida do universo de Oliveira, a maior de todas – e, segundo apurou a SÁBADO junto de duas fontes, comprou-a também a desconto. Praticamente, tudo o que sobrava da dívida inicial de 548 milhões de euros à banca passou para o Davidson Kempner, que durante o processo de compra negociado com os bancos já andava em conversas com Joaquim Oliveira para perceber quanto é que este poderia pagar.
Uma fonte conhecedora do processo indica que a situação destas dívidas está “resolvida”, ou seja, o empresário arranjou dinheiro – que terá indicado pertencer a “investidores” – para pagar uma parte do valor nominal das dívidas ao fundo. Como o Davidson Kempner comprou as duas dívidas com um desconto significativo aos bancos, Oliveira beneficiou, na prática, de um forte perdão sobre a enorme dívida que devia à banca. E os dois bancos sustiveram perdas conjuntas de centenas de milhões de euros, entre a venda do malparado e as imparidades sobre aqueles maus créditos já constituídas antes.
Atento ao que, nos últimos anos tem ocorrido nos bancos com injecção de dinheiro público, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) também começou a investigar a falência da Controlinveste SGPS. Em Novembro de 2019, por ofício “confidencial”, a procuradora Rita Simões pediu ao juiz do Comércio cópias da “petição inicial, da sentença de insolvência, bem como da decisão de qualificação da insolvência”. Em Julho de 2020, a mesma procuradora do DCIAP pediu “cópia integral do processo, incluindo anexos e apensos”. O que foi deferido em Agosto daquele ano.

Segundo informações recolhidas pela SÁBADO, os créditos concedidos pelo Novo Banco à Controlinveste e a respectiva renegociação dos mesmos estão a ser analisados no DCIAP. Os procuradores pretendem saber se houve ou não um tratamento de favor com prejuízo dos contribuintes, um pouco à semelhança das suspeitas que correm contra Luís Filipe Vieira, Ex-presidente do Benfica. Fonte do DCIAP adiantou à SÁBADO que ainda não terá sido aberto um inquérito formal, encontrando-se o caso na fase de uma “averiguação preventiva”.

Boa vida, mais relaxada
O (Ex-)dono da bola pode já ter perdido o império de transmissões de futebol e dos media, mas mantém velhos hábitos. Bom garfo, Joaquim Oliveira é amigo do centenário Sr. Emílio – dono da Adega da Tia Matilde, na rua da Beneficência, em Lisboa. Uma das filhas do ancião confirma à SÁBADO a assiduidade do cliente VIP, entre os vários que preenchem a galeria de fotos nas paredes. “Vem cá com muita frequência. Prefere a nossa caldeirada de peixe [entre €26 e €29].”
De adega só tem o nome. Distinguido pelo Guia Michelin, o restaurante é conhecido como a cantina dos benfiquistas “empedernidos”, diz um deles, onde o falecido “King Eusébio tem uma mesa” – intocável. Não que Joaquim Oliveira revele a preferência clubística, mostra-se imparcial, mas nos últimos tempos preocupa-se com o destino dos encarnados. Foi tema de conversa em Outubro de 2020, antes da queda de Luís Filipe Vieira. “Ele veio à nossa mesa e sentou-se a beber um copo de vinho. Estavam iminentes as eleições do Benfica”, conta António Lourenço, economista no parlamento.
Generoso à mesa
Os seus destinos cruzaram-se em Setembro de 1999, quando a Olivedesportos estava no auge. À época, António Lourenço presidia o grupo desportivo parlamentar e precisava de suportes para os painéis publicitários dos patrocinadores (mais de 100). O torneio com 28 equipas da Europa, no estádio nacional, poderia ficar comprometido por esta questão logística. Mas de um dia para o outro foi desbloqueada por Joaquim Oliveira – gratuitamente. “Dois camiões foram lá descarregar os suportes, quisemos pagar-lhe, mas ele disse que era o seu contributo, modesto, para as duas causas do torneio: de Timor e da candidatura de Portugal ao Euro 2004”, prossegue o economista. Semanas depois, foram almoçar à Tia Matilde. António tencionava pagar a conta, mas Joaquim fintou-o. “O dono disse-me que ele já tinha pago. Retribuí em Novembro desse ano, quando lá fomos almoçar.”
Nesta rotina de décadas, o empresário senta-se à mesa – a mesma – na companhia dos filhos (Rolando António, Gabino José e Susana). A cara é a de sempre: inexpressiva. Comenta-se até no meio da banca que ele daria um exímio jogador de póquer porque é difícil interpretá-lo. “Não é homem de gargalhadas ou sorriso aberto. Ou está com ligeiro sorriso ou sério, mas consegue a proeza de manter a cara com que celebrou o milénio. Os anos não passam por ele”, relata quem o viu na ocasião, em Junho último.
A rotina do golfe

Além da Adega da Tia Matilde, o empresário nortenho frequenta o Solar dos Presuntos (reabriu esta semana, dia 24), o Gambrinus e a marisqueira O Miguel (na doca de Setúbal), onde em tempos os dirigentes do Vitória de Setúbal falavam com outros dos clubes de Lisboa da Primeira Liga. Homem de poucas palavras, à defensiva – pelo menos à mesa das negociações (quando hesita é o filho Rolando, formado em Gestão, quem toma a palavra) –, sempre se movimentou bem nas esferas de elite. Sendo uma delas a 2 km de casa: o Clube de Golfe Estoril. “É um tipo divertido, com as melhores anedotas”, reforça um amigo sobre o acervo de piadas (mais de mil) que Joaquim Oliveira vai recebendo por telemóvel e reencaminhando.
Sai equipado da moradia em Bicesse, resguardada por muros altos e com um minicampo de golfe, outro de futebol, piscina e amplos jardins. Chega ao clube por volta das 10h e cumprimenta os praticantes no campo ou à entrada das instalações. José Bento dos Santos (presidente da assembleia do clube) gaba-lhe a simpatia: “Vi-o nas últimas semanas, não há nenhuma vez que não pergunte pelo vinho que produzo: Quinta do Monte d’Oiro. Joga com variadíssimas pessoas.”
Há quem se recorde dele a dar tacadas de charuto na boca, estilo Churchill, numa modalidade considerada “dificílima” pelos pares. “Movimenta-se por todo o lado e sabe guardar a discrição”, descreve outra fonte. Desde a pandemia, é menos visto na vizinhança pela idade de risco (74 anos). “Tem mais cautelas.” Mas quando circula na rua, de máscara, aparenta estar saudável. A juntar ao golfe, treina com um personal trainer. “Sempre se preocupou com isso. Teve um aneurisma, há sete ou oito anos, mas ficou bem”, dizem. Seguiu-se outro susto, um problema vascular que os amigos dissociam dos problemas de endividamento. O porto de abrigo é em casa, junto da mulher de sempre. Irene é descrita como “uma ótima mãe de família”. Também avó, com 10 netos.

“Pode estar adormecido, mas não está desatento a oportunidades de negócio”, refere à SÁBADO um gestor desportivo, para quem Joaquim Oliveira ainda poderá aproveitar a entrada em força do 5G para se aventurar no negócio do streaming. Atualmente, Oliveira concentra as suas participações na Olivemedia, Unipessoal, sociedade criada em 2018, já com a falência da Controlinveste no horizonte. Esta sociedade apresenta, segundo as últimas contas, ativos no valor de 19 milhões de euros em participações financeiras e Joaquim Oliveira continua ligado, como vogal do conselho de administração, a algumas empresas do grupo por si criado, mas agora liderado pelo filho mais velho, Rolando Oliveira. O segundo filho, Gabino Oliveira, tem-se dedicado à área das novas tecnologias e apostas online.

Os amigos da política e negócios

A compra da Controlinveste parecia, assim, tornar-se no seu bilhete de entrada no clube dos grandes empresários da capital, o culminar de uma carreira que começou na Pensão Estrelinha, propriedade da sua mãe, dona Lucinda, onde dividiu com o irmão, António Oliveira, o trabalho do quotidiano: lavar pratos e servir às meses. Só que, enquanto António mostrou, desde cedo, talento com os pés, Joaquim aventurou-se no mundo dos negócios. Primeiro, em Luanda, com uma cervejaria e uma sapataria que manteve até a guerra civil eclodir em Angola no pós-independência. Já regressado a Lisboa, fez sociedade com o irmão numa charcutaria e explorou um bar de striptease no Porto, o Zimbo.
Mas, em 1984, fundou com António a Olivedesportos. Joaquim antecipou o filão dos direitos de televisão do futebol e da publicidade estática, um mercado por explorar em Portugal, mas já com um considerável volume de negócios no estrangeiro. Dois anos mais tarde, em pleno Mundial México 86, foi visto a carregar os painéis de publicidade dos treinos da seleção. Afinal, os clientes queriam aparecer nas reportagens de televisão ou nas fotografias dos jornais. Nos anos seguintes, comprou à quase totalidade dos clubes da I Divisão os direitos de transmissão dos jogos em casa, revendendo-os à RTP. O que lhe valou alcunhas como o “FMI do futebol” ou o “São Martinho de Penafiel”, esta última numa alusão ao santo padroeiro da cidade de onde Joaquim é natural. Sem capacidade negocial, os clubes recorriam ao dinheiro da Olivedesportos que os financiava em épocas de aperto a troco dos direitos dos jogos.
A chegada da televisão privada ao mercado, em 1992, provocou-lhe um ligeiro abalo no negócio, já que o então diretor de programas, Emídio Rangel, fez uma aliança com um recém-eleito presidente do SL Benfica: João Vale e Azevedo, que, após tomar posse, cumpriu a promessa eleitoral: rasgar os contratos com a Olivedesportos.
Seguiram-se os processos judiciais, mas Joaquim Oliveira nunca avançou contra o Benfica. Preferiu concentrar as atenções em Vale e Azevedo. Com a chegada de Manuel Vilarinho à presidência do clube, as relações com Joaquim Oliveira regressam à normalidade, isto é, com o empresário a deter os direitos de transmissão dos jogos dos encarnados em casa. Num sinal de boa-fé, Oliveira converteu os dois milhões de euros que o Benfica lhe devia em ações da Benfica Multimedia, procurando assim enterrar o machado de guerra.
No ano passado, com as ações do Benfica a atingirem os cinco euros, Joaquim Oliveira deu ordem de venda aos 2,7% que detinha. José António Santos, o Rei dos Frangos, foi o comprador na Bolsa, numa estratégia de aquisição de ações que está a ser investigada pelo Ministério Público na operação Cartão Vermelho, que levou à detenção de Luís Filipe Vieira.

A relação com Vieira foi cordial e de alguma proximidade até 2012, ano em que o Benfica decide avançar para a criação de um canal – a Benfica TV – e não renova o contrato com Joaquim Oliveira. Consequência: queda nas subscrições da Sport TV. E, em 2015, novo abalo: o então presidente da Liga Mário Figueiredo decidiu abrir guerra ao lóbi da Olivedesportos, considerando que os clubes deveriam centralizar na Liga as negociações dos direitos de futebol, já que Joaquim Oliveira terá chegado a controlar, além dos direitos desportivos, a publicidade estática de 14 dos 18 clubes da primeira divisão. Em 2015, a Autoridade da Concorrência veio a declarar como nulos os contratos existentes, fazendo com que os clubes negociassem diretamente com as operadoras. O que obrigou a família de Joaquim Oliveira a procurar outras fontes de rendimento, como as apostas online (ver caixa nestas páginas).

A zanga com o irmão
Também naquele ano, a Olivedesportos perdeu um contrato importante: a Federação Portuguesa de Futebol (FPF). “Até 2015, a FPF recebia 4,2 milhões/ano dos direitos da seleção A. Depois de ter sido criado um departamento que passou a negociar diretamente com as televisões, a receita passou para 27 milhões/ano”, referiu à SÁBADO uma fonte da FPF. As negociações foram duras, até porque, no início da carreira, Fernando Gomes, presidente da FPF, chegou a trabalhar para Joaquim Oliveira. “Deixaram de se falar durante uns bons tempos, mas quando Fernando Gomes esteve doente, Joaquim Oliveira foi dos primeiros a ir visitá-lo ao hospital”, recordou a mesma fonte.
No meio de guerras empresariais, Joaquim travou uma familiar: a zanga com o seu irmão, António Oliveira. A separação terá ocorrido em 2004, terminando com Joaquim a comprar por 35 milhões de euros a posição do irmão no império da Olivedesportos. O que parecia morto e enterrado ressuscitaria, porém, em 2012, com António Oliveira, numa entrevista à RTP, a voltar ao ataque: “O presidente da Federação é colocado por um lóbi fortíssimo que existe em Portugal. O presidente da Liga é colocado por interesses do lóbi que domina o futebol em Portugal. [Esse lóbi é] a Olivedesportos, obviamente.”
Oliveira, o António, chegou mesmo a admitir ter sido só contratado para selecionador nacional – entre 1995 e 1996 e entre 2001 e 2002 – por influência da Olivedesportos. “O meu mérito estava lá porque tinha sido bicampeão [com o FC Porto], mas até disso duvidei. (...) Uma das pessoas que me fizeram perceber foi Gilberto Madail. Dava a impressão de que estava lá porque era da Olivedesportos.”
A prosperidade nos negócios está intimamente ligada à sua capacidade de fazer amigos. Exemplo disso mesmo é uma lista de convidados para o aniversário, em 2011, da sua mulher, Irene Oliveira, com quem está casado há mais de 40 anos. Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, Carlos Santos Ferreira, Miguel Sousa Tavares, Manuel Pinho, Zeinal Bava, Luís Pacheco de Melo, Dias Loureiro, Miguel Relvas e o então deputado do PSD Luís Campos Ferreira são alguns dos nomes que constam dessa lista que foi apreendida no âmbito do processo-crime aberto pelo Ministério Público às viagens ao Euro 2016 pagas pela Olivedesportos (ver abertura da semana).
O porco e o leitão
O problema de Joaquim Oliveira, e de outros empresários ligados à comunicação social, é que, a partir de 2008, “a área dos media viu-se fortemente afetada pelo advento das publicações eletrónicas na era da Internet e da massificação dos meios informáticos em detrimento das edições impressas”, como se refere no processo de insolvência, o que levou a uma quebra de 50% das receitas, sobretudo afetadas pela crise financeira de 2008 que se prolongou até 2017.
A corrida à Lusomundo não foi fácil. Além de Oliveira, os espanhóis da Prisa (dona do El País) também estavam em campo. Politicamente, Portugal atravessava um vazio: Santana Lopes, no final de 2004, tinha sido “demitido” de primeiro-ministro pelo Presidente Jorge Sampaio e disputava as legislativas com José Sócrates, que, nos bastidores, comentava-se, preferia a opção pelos espanhóis, tradicionalmente mais próximos do PS.A 30 de março de 2005, a PT anunciaria a venda da Lusomundo Media à Olivedesportos por 300 milhões de euros. O dinheiro foi emprestado pelo BCP, então liderado por Jardim Gonçalves, mas o pivô de toda a estrutura de financiamento foi o administrador Alípio Dias. No dia seguinte, o então deputado socialista Augusto Santos Silva manifestava “estranheza” pela “rapidez e oportunidade com que o negócio tinha sido feito, até porque, e apesar de estar em causa um negócio entre privados, o País atravessava “uma época de transição política”.
O facto de a Autoridade para a Concorrência ter demorado quase um ano a dar luz verde ao negócio terá levado Joaquim Oliveira a comentar entre amigos: “Comprei um porco, arrisco-me a ficar com um leitão.” Depois do negócio concluído, Miguel Horta e Costa, então presidente da Portugal Telecom, comentou com Joaquim Oliveira: “Comprou 2% da faturação do grupo [PT] e 98% dos problemas.”
Com acesso fácil ao crédito no BES, Joaquim Oliveira reforçou a sua posição acionista na PT e na PT Multimédia. Nesta última fê-lo através de uma empresa sediada em Gibraltar, a Colaney, que só uns anos após se ter tornado acionista de referência da PTM é que o seu beneficiário foi conhecido, convertendo-se, em 2014, numa das maiores devedoras do BES/Caimão.
Andrómeda e Triângulo

Um documento interno do BES de 2006 e que dizia respeito a uma proposta de reestruturação do crédito em causa, a que a SÁBADO teve acesso, refere que a sociedade em causa foi financiada durante vários anos pelos BES e pelo BESI.
“Os financiamentos concedidos pelos BES e pelo BESI tiveram início em junho e dezembro de 2000, tendo como objetivo, respetivamente, o financiamento da aquisição de ações da PTM.com e da PT Multimédia.” No mesmo documento, refere-se que as garantias aos financiamentos passavam pelas próprias ações daquelas sociedades e por “avais pessoais de Joaquim Oliveira, Rolando Oliveira e respetivas mulheres”.
A proximidade entre Joaquim Oliveira e o BES ficou clara em 2013, quando o BES e o Millennium BCP (MBCP) levaram a cabo o que ficou, internamente, conhecido como Projeto Andrómeda. Talvez inspirados na mitologia grega, ambos os bancos terão acreditado conseguir salvar a Controlinveste do monstro marinho com a ajuda dos empresários António Mosquito (angolano) e Luís Montez . Fonte próxima de Oliveira rejeita, contudo, a tese da proximidade com Ricardo Salgado, dizendo que, ao contrário do que se possa pensar, o grande financiador do grupo foi o Millennium BCP e não o BES. “Ele nunca se deixou enfeudar com fulano ou beltrano. Falava com toda a gente e avaliava caso a caso a sua política de alianças”, acrescentou um amigo de longa data.
O Memorando de Entendimento do tal "Projeto Andrómeda" foi assinado em novembro de 2013 por seis intervenientes: Controlinveste, António Mosquito, Luís Montez, BES, Millennium BCP e Banco Atlântico. Esta última instituição financeira surgiu como representante de Mosquito e Luís Montez.
O documento previa a entrada de novos investidores através de um aumento de capital da sociedade controlada por Joaquim Oliveira, sendo que os bancos credores (BES e Millennium BCP) converteriam parte da dívida em capital. Só que, ao mesmo tempo que dava um sinal público de pretender investir no negócio dos media em Portugal, depois de já ter comprado a construtora Soares da Costa, António Mosquito assinou com o BES e o Millennium um acordo de opção de venda das ações da Controlinveste, pelo menos, por 50% do valor da subscrição.
Por sua vez, Luís Montez assegurou, no Acordo Parassocial anexo ao Memorando de Entendimento, a integração de ativos por si detidos na área dos media (sobretudo rádios) no grupo, os quais ficariam sujeitos a uma análise por entidade independente quanto ao seu valor de mercado.
Por trás de toda a engenharia político-financeira terá estado Daniel Proença de Carvalho, até como representante do investidor angolano António Mosquito. Aliás, a 25 de março de 2014, foi do email de Daniel Proença de Carvalho, que assumiria a presidência do conselho de administração da Controlinveste, que saiu uma proposta de comunicado para os demais intervenientes no negócio. “A empresa passa a ter uma estrutura de capitais reforçada, e a ambição de crescer nos mercados em que está inserida e de conquistar novos mercados nos espaços da lusofonia”, lia-se. “Consideramos que está excelente”, comentou Miguel Maya por email, administrador do MBCP, atualmente presidente do banco.
Ao mesmo tempo, os bancos procuravam outras soluções para injetar mais capital no grupo Controlinveste. A Operação Triângulo – que passava pela entrada da antiga PT e da ex-Zon no capital da Sport TV – resultou, precisamente, dessa necessidade. Outro documento interno do ex-Banco Espírito Santo, a que a SÁBADO teve acesso, previa uma entrada de 106 milhões de euros na esfera de Joaquim Oliveira. Porém, o dinheiro já tinha destino traçado: amortização da “totalidade dos apoios intercalares concedidos pelo BES e pelo BCP de agosto de 2012 a setembro de 2013”, os quais se situavam nos 105 milhões de euros. Perante este cenário, o BES aceitava avançar com novos financiamentos a Joaquim Oliveira, desde que o empresário e o seu filho Rolando Oliveira mantivessem os respetivos avais pessoais. Certo é que, apesar de todos os percalços na gestão do grupo de media e os problemas de tesouraria de algumas das suas empresas, Joaquim Oliveira nunca deixou um ordenado em atraso.
Na alta-roda dos negócios, Joaquim Oliveira passava (hábito que mantém) muito tempo ao telefone. Armando Vara, então administrador do Millennium BCP, era um dos seus interlocutores (e amigos) prediletos. Conheceram-se quando Vara foi secretário de Estado e organizou uma espécie de excursão de Lisboa a Vinhais, de onde é natural, para jornalistas e alguns empresários participarem na Feira do Fumeiro. Em 2009, ambos foram escutados no processo Face Oculta e as conversas acabaram por ser divulgadas. Oliveira processou o jornal Sol, mas perdeu. O que não perdeu, mas tenta esconder, é a sua condição de adepto do FC Porto.

Sábado


Comboio pode ligar Lisboa e Sevilha em três horas e meia por 100 milhões.

 

Associação espanhola diz que basta electrificar 200 quilómetros de via férrea na Extremadura para pôr Sevilha a três horas e meia de Lisboa. Basta aproveitar as infra-estruturas já existentes.

Não é preciso mais alta velocidade, nem milhares de milhões de euros de investimento, nem décadas de obras, para conseguir que o comboio ligue Lisboa a Sevilha em três horas e meia.

A Associação Cívica Cidade de Badajoz debruçou-se sobre os projectos ferroviários em curso nos dois lados da fronteira e diz que basta electrifi car e melhorar ligeiramente o traçado da velha linha que liga Mérida a Los Rosales (Sevilha) para que Portugal e a Extremadura fiquem muito mais próximos da Andaluzia.

A abordagem é pragmática e resulta da constatação de que a linha Évora –Badajoz, em construção, vai ter velocidades próximas dos 300km/h e que, no curto prazo, o troço Pinhal Novo-Évora será modernizado para velocidades de 200km/h. Isso permitirá que de Lisboa até Badajoz o comboio passe a demorar apenas 1h35 e para Mérida 1h55.

De Mérida para sul é que a situação é mais complicada. Um velho caminho-de-ferro corre durante 204 quilómetros desde aquela cidade até Los Rosales, nos arredores de Sevilha, em via única, com velocidades que por vezes não passam dos 60km/h e com um troço 􀃆final bastante sinuoso para atravessar a Sierra Norte de Sevilla.

Mas a Associação Cívica Cidade de Badajoz sublinha que entre Mérida e Guadalcanal o traçado é feito em planície, com longas rectas, pelo que é fácil, com a electrificação, dotá-lo para patamares de 150/160 km/h. De Guadalcanal até Los Rosales, dizem que “intervenções simples podem aumentar a velocidade acima dos 100km/h”. Uma velocidade baixa que seria depois compensada por uma solução que é um verdadeiro ovo de Colombo: daí até Sevilha a velha linha é paralela à secção final da linha de alta velocidade Madrid-Sevilha, pelo que bastaria instalar um intercambiador (que permite adaptar os rodados do comboio a uma bitola diferente) para que os 34 quilómetros finais fossem percorridos a 250km/h na linha do Ave (Alta Velocidade).

Contas feitas, este estudo que resulta de uma iniciativa cidadã, diz que é possível pôr Lisboa a duas horas de Mérida, duas horas e meia de Zafra e três horas e meia de Sevilha.

Tudo isto, aproveitando os investimentos em curso e já programados, bastando acrescentar-lhe a electrificação e melhoria do troço que liga Mérida a Sevilha. O documento diz que “a electrificação de um quilómetro de via férrea custa em média 500 mil euros, pelo que o custo estimado de electrificar Mérida–Los Rosales seria de 102 milhões de euros, mais 10 milhões para instalar o intercambiador.

“O Estado espanhol teria de investir menos de 0,01% do seu orçamento anual [456 mil milhões de euros em 2021] durante um período de dois a três anos para revolucionar o transporte ferroviário no Sudoeste e ligar

três regiões com uma população de mais de 19 milhões de pessoas e que recebem um total de 60 milhões de turistas por ano”, diz o estudo. E sublinha que este é um custo adicional mínimo (face ao que já está em curso ou programado), tendo em conta os benefícios que traz. E esses benefícios estendem-se para todo o Sul de Espanha, muito além da simples ligação Lisboa–Sevilha.

Com um único transbordo, Lisboa ficaria a menos de quatro horas de Córdova, cinco horas de Granada e de Jerez de la Frontera e a cinco horas e 50 minutos de Granada. O documento releva que entre Lisboa e Sevilha e entre Lisboa e Málaga há quase 60 voos semanais e que “uma boa relação ferroviária tornaria possível dispensá-los em grande medida”. E recorda o óbvio: “Uma ligação ferroviária é muito mais amiga do ambiente, conveniente e útil para uma maior proporção da população e do território.”

Contactado pelo PÚBLICO, Alejandro Vargas, da Associação Cívica Cidade de Badajoz, diz que já enviou o estudo preliminar para o Adif (Administrador de Infra-estruturas Ferroviárias espanhol) e para o Governo português, mas que ainda não obteve resposta.

Este activista reconhece que esta proposta não está alinhada com aquilo que tem sido a política espanhola para a ferrovia, assente sobretudo na alta velocidade em detrimento da rede convencional. “Espanha tem-se centrado em conectar Madrid com as principais cidades em alta velocidade, mas é suposto que comecem agora a ligar outras zonas e a dar mais atenção à ferrovia convencional. Não estamos a pedir uma obra faraónica, mas sim uma intervenção bastante simples com uma enorme relação custo-benefício”, conclui.

Carlos Cipriano - Publico

A proposta espanhola para ligar Lisboa a Sevilha






Sem escrúpulos nem remorsos.

Se for vítima de um crime, quem lhe garante que não lhe calhará um juiz corrupto? Pelos vistos, ninguém. Vejamos: Vaz das Neves, Ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, acusado de corrupção e abuso de poder, repudia qualquer processo disciplinar. Primeiro porque não sabia que, estando jubilado, não podia realizar uma arbitragem privada (e nas próprias instalações desse tribunal), depois porque conselheiros do Supremo e desembargadores de "reconhecido mérito" sempre o fizeram, disse.

Eis quem presidiu a um tribunal de segunda instância uma década a justificar a sua própria transgressão com um “ignorava a lei”, inadmissível para qualquer cidadão (princípio geral do direito desde os romanos), grotesco na boca de um actor judicial. A sério? Desconhecia?

E um cirurgião operar num hospital público um doente do privado, cobrando-lhe com essa tabela? Que achará? Já alegar que também todos faziam (sobretudo “os de mérito”, como se patente fosse via verde) é não apenas infantilóide como muito desadequado face à beca.

Mas há mais. Quanto à atribuição de processos do empresário de futebol José Veiga e do angolano Álvaro Sobrinho, Vaz das Neves explicou que não foi electrónica, apenas por “actos de gestão”. Ou seja, mediante casos tão intricados, o  juiz justifica a rejeição da norma, do modo aleatório (garante de maior transparência), com mera secretaria. Entre isto, a ignorância da lei e “os outros também”, conclui-se que o jubilado com uma das mais alta pensões de sempre ou

é um bebézinho ou é perverso. Venha o diabo e escolha.

Sublinhe-se que Vaz das Neves – que se confessa sem ponta de arrependimento – é apenas um exemplar do visco que desfila, pusilânime e impante, pelos corredores do poder, embaraçando e lesando Portugal e os portugueses. Pois os tribunais podem ser centrais de negócios encabeçadas por vendilhões alheios à ética e que desdenham nas incompatibilidades ou conflitos de interesses. E esta elite pútrida lá vai mutuamente protegendo-se na redoma – por isso mais de um ano após o início da investigação da Operação Lex, que passa pelo referido Vaz das Neves e por Orlando Nascimento (seu sucessor e cúmplice), foi aplicada uma suspensão de sete meses ao primeiro e de quatro meses ao segundo.

Ou seja, perante a violação do dever de imparcialidade e de prossecução do interesse público impostos aos juízes, as sanções disciplinares são pífias.

E é se não forem anuladas pelos recursos, claro. Por isso, será Rui Gonçalves, outro juiz envolvido na Operação Lex (não deveria estar suspenso?!), a analisar o recurso de um dos assistentes do julgamento de Rui Pinto. E por isso Orlando Figueira, depois de em 2018 ter

sido condenado a quase sete anos de prisão por corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documentos, volta agora a ser procurador no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa. Recebeu quase um milhão de euros do ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente para arquivar o processo em que este era acusado por branqueamento de capitais e em 2021 irá administrar justiça. Como é possível?! Perceba-se que enquanto se tolerar esta irmandade tóxica, enquanto se admitir que aqueles que deveriam

servir-nos e proteger-nos funcionem como cartéis, estamos perdidos no mundo. E muito mal acompanhados.

Joana Amaral Dias

Psicóloga clínica. Escreve
de acordo com a antiga ortografia.

O que podemos fazer para evitar o desperdício alimentar em casa.

Não só por uma questão de economia, mas também de sustentabilidade do planeta, está ao nosso alcance reduzir o desperdício alimentar.

Na União Europa são desperdiçadas milhões de toneladas de alimentos anualmente. Está nas nossas mãos conseguir reduzir esta quantidade através de pequenas acções, como, por exemplo, planear melhor as nossas refeições. Conheça os conselhos da EUFIC – European Food Information Council.


1 Compre apenas o que necessita – lista de supermercado ajuda a evitar cair na tentação e comprar o que não necessita realmente.

2 Compreenda a importância das validades: “consumir até” e “consumir de preferência antes de” pode fazer a diferença na hora de deitar fora um alimento.

3 Evite colocar no prato demasiada quantidade de alimento.

4 Utilize os alimentos que tem à sua disposição (local e da época tem menos impacto ambiental).

5 Conheça o tipo de bolores (alimentos mais secos com bolor têm mais probabilidade de aproveitamento). 6 Partilhe alimentos excedentários com outros à sua volta. Reutilize o desperdício de alimentos frescos, por exemplo, e, caso não seja possível, faça compostagem.

Na casa das minhas avós não havia desperdício

Em casa das minhas avós, os jantares de restos eram uma alegria. Havia carnes frias ao lado das fatias da que sobrara do assado de há uns dias, ovos mexidos com restos de peixe, batata e cebola na mais deliciosa roupa velha que já provei, pequenos empadões e saladas com tudo o que de fresco era aproveitável. Um festim, especialmente para nós, os miúdos, que vivíamos aquilo como uma espécie de piquenique à mesa, em que cada um se servia do que mais gostava – e raramente sobrava alguma coisa para contar a história. “Há meninos a morrer à fome em África” era a frase repetida semanalmente na escola à minha geração, para nos tentar convencer a não deitar comida fora – que nos tais jantares da casa das avós era argumento dispensável, porque eram os melhores petiscos que nos podiam pôr à frente.

Tendo-se perdido o toque de aventura que a idade adulta tende a embaciar, esses hábitos de guardar os restos e aproveitá-los em tempo útil mantivemo-los todos os primos, efeito conjugado do empenho das avós e da imagem dos bebés subnutridos que nos chegavam por um dos dois canais de televisão, cujas notícias não se submetiam à necessidade de garantir audiências.

Essas imagens de fome não desapareceram.

Nem são exclusivo de África, por mais que nos tentemos concentrar a responder à última mensagem de WhatsApp para não termos de cruzar olhares com o pedinte que espera a solidariedade de um dos clientes do supermercado para comer.

Há 27 anos dedicada a ajudar esses que lutam todos os dias por uma refeição, Isabel Jonet tem sido uma voz notável nos alertas para situações de miséria que se propagam silenciosamente na vizinhança de cada um de nós, sobretudo numa altura em que a crise pandémica cortou rendimentos e obliterou meios de subsistência a famílias inteiras. “Há muitos que nem sabiam como agir, a quem pedir ajuda”, revelava há meses a responsável do Banco Alimentar, que se tem desdobrado em ações para garantir que consegue responder à medida de todos os que procuram a rede de emergência alimentar – perto de meio milhão de portugueses, de acordo com os últimos números. Lembrava, noutra ocasião: “O desperdício alimentar é um absurdo económico que tem impactos ambientais e sociais imensos e que é preciso combater com seriedade.” De acordo com a Food and Agriculture Organization (FAO), todos os anos são desperdiçadas 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço de tudo o que é produzido é inutilizado. Isto acontece igualmente nos países ricos e nos pobres. Não havendo dados verificados para Portugal, as estimativas apontam para que, em média, cada português deite para o lixo 100 kg de comida todos os anos.

Há um drama económico, social e ambiental nestes números. Que são incompreensíveis numa sociedade supostamente mais desperta para os seus problemas e mais disposta a fazer o melhor pelo planeta. E que são óbvios na sabedoria das avós, que nos diziam, enquanto cerziam umas calças de trazer por casa, punham cotoveleiras em camisolas antigas ou faziam banquetes a partir de restos: “Aquilo que se estraga ninguém aproveita.”

A conversa das avós pode não fazer tudo, mas essa experiência tantas vezes desprezada em nome de práticas supostamente sustentáveis e bem intencionadas, mas sem efeito prático, tem o grande valor de nos abrir os olhos e travar a mão mole para o desperdício.

Joana Petiz
Subdiretora do Diário de Notícias

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

“PSP e GNR têm muito mais problemas do que o SEF.”

O que este Sr., não refere é as práticas abusivas sobre estrangeiros, que não se queixam ás autoridades (porque o SEF é uma); este Sr. não refere práticas discriminatórias sobre os turistas/imigrantes; sobre a corrupção; etc. É curiosamente tendencioso os números apresentados, pois compara a natureza da PSP e GNR que basicamente actuam a nível nacional e aí a propensão dos lesados é diferente, (embora se saiba que os portugueses não são de apresentar queixas, pois tem medo de represálias!!!) com o SEF, que trata basicamente com estrangeiros e putativos imigrantes, que tem medo e sabem que podem ser barrados por qualquer coisa…

Há advogados que tem medo de falar, sobre o que passam os seus clientes, principalmente no aeroporto. Vi isso, tal como todo o país viu, num programa de TV, sobre o caso de Lhor!


Opinião

De: Acácio Pereira - Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (SCIF SEF).

O recente relatório de actividades de 2020 da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) vem somar mais razões de peso para impedir a intenção de António Costa de destruir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), fundindo-o com a PSP, com a GNR e com a Polícia Judiciária no que respeita às funções policiais. A razão é simples: tanto a GNR como a PSP têm muito mais práticas de abuso de autoridade, discriminatórias, violentas e violadoras dos deveres de conduta referenciadas do que o SEF.

A tentativa de destruição do SEF teve origem na total incapacidade do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, de gerir politicamente o episódio hediondo da morte de Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa. Perante um incidente tão grave, Eduardo Cabrita e a então directora Nacional do SEF nada fizeram durante oito longos meses: quando essa inação se tornou intolerável perante a opinião pública e a posição de Eduardo Cabrita passou a ser politicamente insustentável, o primeiro-ministro fugiu em frente procurando destruir um serviço especializado nos domínios da imigração, fronteiras e asilo para salvar a cabeça do ministro.

O problema desta fuga para a frente é, em primeiro lugar, o prejuízo que causa ao país por meras razões de (má) táctica política.

Mas torna-se ainda mais insustentável quando pretende transferir competências para forças e serviços que têm muitos mais problemas de ilegalidade na sua actuação e de direitos humanos – sem comparação! – do que o serviço que se pretende destruir. Como toda a gente sabe, a morte do cidadão ucraniano foi um episódio isolado e absolutamente singular. Mesmo que se lhe junte a meia-dúzia de queixas não provadas e que ficaram caladas durante anos e a que os órgãos de comunicação deram enorme projecção mediática em 2020, ficamos com a escala dos problemas de um serviço que, antes da pandemia, lidava pessoalmente com mais de 20 milhões de pessoas por ano. É necessário que se tenha a noção real de que nenhuma outra polícia ou serviço público interage com um volume de pessoas desta dimensão!

Para ser exacto e citar os números expressos na página 11 do relatório de 2020 da IGAI: a GNR teve 335 ocorrências denunciadas e certidões extraídas; a PSP 530, e o SEF 58, das quais 35 são relacionadas com tempos de espera em atendimentos para questões documentais nas instalações de todo o país.

O que se passa na GNR e na PSP é de outra natureza, essa expressa no volume, recorrência e persistência de ocorrências.

– Mortes: na GNR, 1; na PSP, 1; no SEF, 1.

– Ofensas à integridade física: na GNR, 69; na PSP, 126; no SEF, 1.

– Crimes contra a liberdade pessoal e sexual: na GNR, 4; na PSP, 6; no SEF, 0.

– Práticas discriminatórias: na GNR, 1; na PSP, 12; no SEF, 0.

Ou seja: aquilo que no SEF foi episódico e único, na PSP e na GNR é estrutural.

Não faz por isso sentido entregar a gestão dos riscos de segurança associados às redes de tráfico de seres humanos que exploram imigrantes em Portugal, bem como a gestão de fronteiras, a forças que, para além de não terem qualquer know-how de prevenção e combate a este tipo de crime ou experiência na protecção das suas vítimas, têm no seu modo corrente de actuação problemas graves de direitos humanos.

A questão não é em quem não se vota. É não votar.

Meio século de voto feminino sem restrições, sistemas de quotas e leis de paridade para confirmar que também há mulheres nos boletins de voto não chegaram para garantir que os portugueses votam nelas.

  Uma primeira-ministra, 39 ministras e 69 presidentes de câmara eleitas é o saldo de quase 50 anos de democracia em Portugal.

Não por falta de escolha ou de medidas que forcem o equilíbrio nas listas. Simplesmente os portugueses que votam – mulheres incluídas – preferem votar em homens.

Esta estatística é reveladora de um problema bem mais grave do que o da paridade – mas que também a condiciona: desde 1979, a abstenção nas eleições tem subido sustentadamente, sendo cada vez menos aqueles que elegem os supostos representantes de todos os portugueses. Seja para as autárquicas (45% em 2017), para a Assembleia da República (51,4% em 2019) ou para a presidência (60,8% em Janeiro deste ano), a abstenção é que verdadeiramente ganha eleições neste país. E nem sequer entremos pelas europeias, que definem a nossa voz nos centros de decisão europeus e há 30 anos que não merecem a atenção de mais de um terço dos cidadãos deste triângulo periférico e cada vez mais atrasado relativamente aos seus parceiros de continente.

  Os portugueses deixaram de votar. Não vêem utilidade em fazê-lo, não se reveem nos partidos, nas suas propostas ou naqueles que lhes dão voz, não encontram ideias de valor nos programas eleitorais ou implesmente não entendem que demitir-se de participar na escolha é abrir espaço a que decidam por eles – quantas vezes contra eles. E com essa falta de ação não só viabilizam e precipitam o enfraquecimento da democracia como a pobreza intelectual daqueles que se disponibilizam para arepresentar.

  O que é mais grave, porém, nem é o comportamento dessa metade dos portugueses que não vai às urnas. É que quem está em posições de liderança pública não veja nesse afastamento da participação política e cívica sinais de alarme, caminhando alegremente em direção ao abismo – por distração, por ignorância ou por preferir empenhar as possibilidades que o país teria se contasse com todos os seus a troco de manter um status quo podre que alimenta a clientela estabelecida.

  Ter apenas metade dos eleitores a escolher os destinos do país e quem decide sobre o futuro de todos é pior que mau. Sobretudo quando grande parte desses que se abstêm são os mais jovens, aqueles que vão herdar os efeitos das decisões tomadas, que não querem viver de esmolas mas não conseguem emprego com salários que lhes permitam sair de casa dos pais antes dos 35 anos, que acabam por preferir emigrar porque este país é cada vez menos para eles. Esses que não votam – cujo intervalo se alargou para a faixa dos 18 aos 44 anos – já têm os objetivos de sustentabilidade (económica, ambiental, social) gravados no ADN. Esses que não se reveem neste sistema político são nativos digitais e movem-se pelo sentido de pertença a algo maior do que eles, não pela garantia de empregos para a vida. Esses que não participam não precisariam de quotas para eleger mais mulheres. Mas para eles ninguém fala. E não há quem verdadeiramente se preocupe com isso.

Joana Petiz

Subdiretora do Diário de Notícias

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Os talibãs de trazer por casa.

O “fascismo” é muito perigoso, sobretudo quando é imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os comunistas o apoiarem. Contra nós.


Nos últimos dias, correu no Twitter o seguinte texto sobre os talibãs: “A concretização da invencibilidade (enquanto um estiver vivo, haverá resistência), da irmandade, da crença na bondade do que estão a fazer. Se isto desculpa atrocidades? Não. Mas torna-os dignos de um segundo olhar. E, para já, não houve atrocidades.” [corrigi os erros de português]

Adivinhe quem escreveu isto: a) Um talibã; b) Dois talibãs; c) Um discípulo de Charles Manson; d) Charles Manson; e) Um comediante; f) Ninguém. A resposta certa poderia ser qualquer das opções anteriores. Não é nenhuma delas. A autoria desse momento apetitoso para a psiquiatria é uma senhora que, ao que me disseram, é advogada e assina uma coluna no “Expresso”. Uma investigação mais aprofundada, que me demorou cerca de meio minuto, acrescentou que a senhora é do Bloco de Esquerda e aparece em retractos sorridentes ao lado do dr. Costa. Em suma, o texto acima foi escrito pelo exacto tipo de criatura que se esperaria que o escrevesse.

A criatura em questão, aliás, não se satisfez com a primeira exaltação dos talibãs e, a título de polimento, juntou-lhe esta: “Os talibãs afirmam que actuarão de maneira diferente, que não haverá violência, que, dentro da lei islâmica, respeitarão os direitos das mulheres.” Sei que continua a parecer sátira. Sabemos que não é. Existem mesmo espécimes que não resistem à sedução de um bando de selvagens devotos da opressão, da tortura e da morte. Chamam-se comunistas e é indiferente a estirpe a que pertencem.

A tal senhora, que não nomeio para não publicitar trogloditas, não está sozinha. Ao longo da semana, formal ou informalmente, surgiram por aí inúmeras manifestações de relativização ou simpatia face aos talibãs. Do PCP ao BE, passando pelas zonas menos envergonhadas do PS actual, não se pouparam esforços para celebrar a derrota do “neoliberalismo” e a tomada de Cabul pelas forças “progressistas” (cito um candidato autárquico). E não, não estamos a falar de um daqueles movimentos patetas que prescrevem a virgindade antes do casamento. Trata-se dos talibãs, os bons e velhos talibãs das barbas e do surro, das castrações públicas e da escravização das mulheres, dos genocídios literais e simbólicos, que de resto já retomaram as tradições que os celebrizaram.

Não há nada de novo. Se de um lado temos um psicopata a degolar infelizes e do lado oposto um infeliz degolado, os comunistas nunca se baralham na escolha. Lembram-se da última vez em que os comunistas hesitaram a decidir entre o totalitarismo e a democracia? Aconteceu há oitenta anos e apenas porque puderam opor-se a um regime assassino em prol de um regime assassino similar. Caso os nazis não tivessem violado o pacto germano-soviético, os comunistas negariam hoje o Holocausto com a ênfase com que negam o Holodomor, o Gulag e a bestialidade que calhar.

Nem sequer é fidelidade ao leninismo: é repulsa a tudo o que for suspeito de índices mínimos de liberdade, decência e tolerância, o que em geral coincide com os sistemas ocidentais. Talvez seja engraçado recordar que, em 1996, os talibãs que os comunistas agora acarinham arrastaram pelas ruas o cadáver amputado do sr. Najibullah, em tempos o matraquilho do Kremlin na presidência do Afeganistão. As recordações abundam. Recentemente, notei numa destas crónicas a infalível preferência dos comunistas pela barbárie em detrimento da civilização. É facílimo de acertar no Totobola dos tarados: Palestina vs. Israel – 1; Argentina vs. Reino Unido – 1; EUA vs. Iraque – 2; Terrorismo vs. Humanidade – 1; etc. Se repararam, limitei-me a referir situações em que o encanto dos comunistas vai inteirinho para governos, grupos ou filosofias inequivocamente f-a-s-c-i-s-t-a-s, louváveis logo que ameacem o que merece ser preservado. Dos governos, grupos ou filosofias assumidamente comunistas não vale a pena falar. Vale a pena constatar que, havendo possibilidade de miséria e massacre, os camaradas não desiludem.

A propósito, a senhora que reclama compreensão e “um segundo olhar” para tresloucados aproveitou o espaço no “Expresso” para esclarecer: “Os Talibãs, no que os opôs e opõe aos Estados Unidos, têm algumas razões que devem ser ouvidas.” Embora lhes ouça as razões, a senhora não aprecia os talibãs por eles próprios e sim por serem inimigos dos EUA e a antítese do “espírito” que os EUA, e afinal o Ocidente em peso, representam. O evidente fervor sanguinário é despiciendo se comparado com o abençoado ódio ao mundo em que vivemos – nós e, inexplicavelmente, fanáticas do calibre da tal senhora.

É isto que custa entender, a insistência dos talibãs de trazer por casa em frequentar sociedades que detestam. Conheço (à distância, salvo seja) poucos comunistas que se mudaram da Europa ou da América do Norte para Cabul, Gaza, Caracas ou Pyongyang. Nem sequer nas férias. A que pretexto andam por cá a suportar o imperialismo, o materialismo, o consumismo, o neoliberalismo, o machismo, a homofobia e os abusos climáticos se podiam viver felizes num dos paraísos alternativos à disposição? É verdade que Portugal está a aproximar-se rapidamente dos paraísos, mas ainda falta um bocadinho.

Alguns, talvez apressadamente, sugerem que os comunistas não se vão embora na medida em que gostam de usufruir das vantagens do capitalismo e, altruístas, deixar que outros sofram as maravilhas de um despotismo a sério. É uma teoria. A minha teoria é diferente: os comunistas permanecem aqui para, altruístas, nos alertar acerca dos perigos do “fascismo”. O “fascismo” é muito perigoso, sobretudo quando é imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os comunistas o apoiarem. Contra nós.

Alberto Gonçalves

Observador

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Teoria e prática da lunaticidade

O que ainda ninguém disse sobre os manifestantes que insultaram o vice-almirante Gouveia e Melo em Odivelas é que não é fácil ser um chalupa. Condena-se o comportamento daquelas pessoas, critica-se a sua ignorância, lamenta-se a sua agressividade.

Muito bem, mas não ignoremos o principal: é muito difícil ser um chalupa.

Requer um esforço que deve ser valorizado.

Em princípio, o chalupa tem de escolher entre ficar sem amigos ou ter apenas amigos chalupas. Até porque, mesmo dentro do grupo dos chalupas, há chalupas que são demasiado chalupas para outros chalupas. Certos chalupas, por exemplo, rejeitam as vacinas, mas consideram chalupa a alegação de que o 5G permite registar, numa base de dados secreta, os movimentos das pessoas vacinadas. No entanto, estas manifestações congregam vários tipos de chalupa, que toleram as manias absurdas dos outros chalupas. Esta é uma lição que deveríamos aprender com os chalupas.

Os chalupas que mais respeito são os que não rejeitam apenas esta vacina mas todas – e, já agora, rejeitam toda a medicina ocidental. Nunca tomaram uma vacina, mas também nunca ingeriram um antibiótico, nunca entraram num hospital, nunca se submeteram a uma intervenção cirúrgica. Os cientistas que nos impingem esta vacina são os mesmos que nos recomendam as outras, além de nos sugerirem também todas as outras drogas e procedimentos médicos, pelo que não faz sentido confiar neles para umas coisas e desconfiar em relação a outras. Portanto, o chalupa mais coerente é o que rejeita a ciência médica por inteiro. Infelizmente, é difícil conhecer um destes chalupas. Tenho constatado que, por coincidência, têm uma esperança de vida muito reduzida. Mas, em sua defesa, deve dizer-se que nunca passaram pelo embaraço de entabular um diálogo como este, que mantive há dias com um amigo chalupa:

Ele: Apanhei Covid.

Eu: Estás vacinado?

Ele: Não.

Eu: Porquê?

Ele: Não acredito nos médicos.

Eu: E agora?

Ele: Estou com alguma dificuldade em respirar.

Acho que vou ao médico.

Eu: A um desses médicos nos quais não acreditas?

Ele: Sim.

A conversa decorreu sem que ele se melindrasse com o meu acinte, o que indica uma admirável incapacidade de sentir vergonha. Embora o facto também possa ser atribuído à falta de oxigenação que ele próprio diagnosticou. Seja como for, não é possível respeitar este tipo de chalupa. A lunaticidade até é pitoresca e tolera-se. A incoerência é que aborrece.

Até porque atafulha os hospitais.

visao@visao.pt

POR RICARDO ARAÚJO PEREIRA

Desconfiar do plano de reestruturação da TAP…

É "duvidoso que esteja previsto no plano de ajuda uma partilha de encargos adequada e satisfatória", diz o executivo comunitário. Logo, "a Comissão tem dúvidas nesta fase de que a reestruturação é proporcional e limitada ao mínimo necessário.”

Ryanair vai contestar todas as decisões favoráveis ao plano da TAP.

 Ryanair quer contestar decisão de Bruxelas que reaprovou ajuda inicial dada à TAP. Empresa irlandesa lançou guerra jurídica contra apoios dados ao setor na Europa, mas ainda não conseguiu travá-los.

A Ryanair vai recorrer da decisão da Comissão Europeia que voltou a autorizar a ajuda inicial de 1.200 milhões de euros dada à TAP em 2020, segundo confirmou ao Observador fonte oficial da transportadora low-cost. Esta reaprovação, anunciada em julho último, permitiu ultrapassar a anulação conseguida pela ação inicial da Ryanair no Tribunal Geral da União Europeia.
Num comentário ao Observador, a companhia irlandesa é clara: “A Ryanair vai contestar o plano de reestruturação da TAP e vai enviar comentários à Comissão Europeia — que já expressou dúvidas sobre o plano — nas próximas semanas. Vamos recorrer de qualquer decisão da Comissão Europeia de aprovar o plano de reestruturação da TAP porque é discriminatório e recompensa a TAP por anos de prejuízos e má gestão financeira. Logo, a Ryanair vai continuar a sua campanha para promover a igualdade de condições de concorrência em Portugal para todas as companhias aéreas que estão a criar emprego e a trazer milhões de visitantes ao país”.
O caso da TAP é um entre vários processos que a Ryanair levou até ao Tribunal Geral Europeu de Justiça numa guerra jurídica contra empresas como a KLM e a Finnair e países como França, Suécia e Espanha. Do outro lado da mesa está também a poderosa DG Comp. A direção geral da concorrência europeia tem dado luz verde a injeções de muitos milhares de milhões de euros para manter à tona um dos setores mais castigados pela pandemia e são estas suas decisões que a empresa low-cost está a contestar.
A companhia irlandesa apresentou pelo menos 16 ações na justiça da União Europeia contra as ajudas concedidas pelos Estados às companhias aéreas nacionais e ao setor. Mas, apesar de alguns acórdãos favoráveis aos seus argumentos, a Comissão Europeia tem vindo a contornar o efeito das anulações voltando a autorizar os auxílios, aprofundando a fundamentação das decisões originais.
Mas a Ryanair não dá sinais de baixar os braços. Ainda esta terça-feira, o jornal Público revelava que a transportadora ia avançar com uma nova queixa contra a ajuda de 462 milhões aprovada por Bruxelas em abril a título de compensação por danos provocados pelas restrições a voos. Este será o terceiro processo da companhia irlandesa contra a TAP, sendo que os dois primeiros não impediram nem travaram até agora as ajudas públicas à transportadora portuguesa.
A cruzada pública contra as ajudas de Estado às companhias ditas de bandeira — por oposição às chamadas low-cost — não se limita aos tribunais e conduziu já a uma escalada verbal entre a Ryanair e o  ministro que tem a tutela da aviação, Pedro Nuno Santos — a quem o presidente executivo da companhia irlandesa desenhou um nariz de Pinóquio na última conferência de imprensa em Lisboa. Num discurso que terá como destinatários os contribuintes que financiam esses apoios, Michael O’Leary já equiparou o auxílio previsto para a TAP a “dinheiro deitado para a sanita”. Lá fora ficou famosa a comparação entre a alemã Lutfhansa e um “tio bêbado”.
Na primeira ação entregue ainda no ano passado contra o empréstimo de 1.200 mil milhões de euros do Estado à transportadora, a Ryanair até começou por conseguir um resultado favorável.
O Tribunal Geral da União Europeia aceitou alguns dos argumentos invocados — nomeadamente uma insuficiente fundamentação por parte dos serviços da Comissão de que a TAP não estava integrada num grupo que a poderia financiar (em alternativa ao Estado). E declarou mesmo nula a ajuda dada no ano passado. No entanto, suspendeu os efeitos dessa anulação com o argumento de que teria graves consequências económicas para Portugal, dando dois meses a Bruxelas para reformar a sua decisão.
Isso foi feito a 16 de junho, quando a Comissão Europeia reaprovou a ajuda já recebida pela TAP de 1.200 milhões de euros, numa nova decisão que responde às insuficiências de fundamentação apontadas no acórdão do Tribunal Europeu Com esta decisão, o processo iniciado pela ação da Ryanair foi dado como concluído, uma vez que não houve recurso por parte da companhia irlandesa, segundo a informação disponível no site do tribunal que dá o caso como concluído, mas em resposta ao Observador a empresa inglesa diz que vai contestar.
No mesmo dia em que anunciou a reaprovação do auxílio inicial dado à TAP, Bruxelas lançou uma investigação aprofundada ao pacote total de ajudas públicas, no valor de 3,2 mil milhões de euros, que incluem já o empréstimo original do Estado de 1,2 mil milhões de euros. Esta ajuda e o plano de reestruturação da TAP ainda não receberam a luz verde dos serviços europeus e termina esta semana o prazo para Portugal responder às dúvida e questões suscitadas.
Esta não foi, contudo, a primeira queixa da companhia low-cost contra a TAP a cair. Na leitura dos documentos publicados por Bruxelas sobre o processo de ajuda, é referida uma segunda queixa feita em janeiro contra a intenção então demonstrada pelo Governo de usar um regime jurídico só disponível para empresas públicas para impor a suspensão dos acordos de empresa sem o acordo dos trabalhadores.
A Ryanair alegou que estaria em causa uma ajuda de Estado porque este mecanismo legal não poderia ser aplicado a uma empresa privada. O regime legal em causa acabou por não ser usado, embora a possibilidade da sua utilização tenha sido um argumento decisivo para todos os sindicatos da TAP terem negociado acordos de emergência a suspender as convenções coletivas — o que se traduziu em cortes salariais e reduções de horários e perda de regalias.
Por outro lado, foi considerado que esta legislação, que implicou a declaração por parte do Governo da TAP como empresa em situação económica difícil, não envolvia dinheiros do Estado. A queixa caiu.
Vitórias relativas e as derrotas na Finnair, Austrian Airlines e apoios dados por Espanha
A TAP é mais uma batalha no conflito que opõe a companhia irlandesa a grande parte da aviação europeia, que, por força da Covid 19, passou a poder contar com ajudas públicas que antes estavam proibidas pelo exigente enquadramento da concorrência da União Europeia. O resultado obtido na primeira ação contra o auxílio à empresa portuguesa foi até uma das poucas vitórias que a companhia irlandesa conseguiu nesta cruzada. As outras foram contra a KLM e a Air Condor.
No caso da companhia holandesa, a ação contra o pacote de 3,4 mil milhões de euros de apoios conseguiu anular a aprovação dada pela Comissão Europeia em julho de 2020, mas, tal como na TAP, os efeitos desta anulação foram suspensos, dando a Bruxelas dois meses para emitir nova decisão sobre o caso.
A medida de apoio à liquidez da KLM foi reaprovada em julho, depois de a Comissão Europeia ter respondido às dúvidas levantadas pelo Tribunal Geral Europeu de Justiça, reforçando a fundamentação para considerar esta medida necessária, proporcional e adequada. Entre as matérias em causa estava a fundamentação para a KLM ser a única empresa beneficiária da ajuda holandesa e a razão pela qual não foi abrangida pelo apoio financeiro dado à parceira e acionista Air France. Neste caso, a Ryanair terá demonstrado a intenção de recorrer a uma instância superior, o Tribunal Europeu de Justiça.
A situação repetiu-se com o empréstimo do Estado alemão à transportadora charter Air Condor, cuja decisão positiva inicial foi também anulada na sequência de uma queixa da Ryanair. A compensação por danos causados pela Covid-19 no valor total de 525,3 milhões de euros foi novamente aprovada em julho deste ano, e depois de incorporadas as questões levantadas pela sentença do Tribunal Europeu e verificadas as perdas sofridas em consequência das restrições da pandemia. Tal como a TAP, a Air Condor já estava em dificuldade económica antes do Covid-19 e está a implementar um plano de reestruturação que neste caso já teve a luz da DG Comp.
A TAP, KLM e Air Condor foram até agora os casos em que as queixas da Ryanair tiveram algum efeito. Outras ações apresentadas no Tribunal Geral da União Europeia contra ajudas dadas a companhias aéreas ou ao setor da aviação foram simplesmente recusadas. Foi o que aconteceu com os auxílios de Estado à Finnair, companhia finlandesa e à Austrian Airlines. A companhia austríaca recebeu ajuda pública do Estado, apesar de ser parte do grupo Lufthansa, que, por sua vez, também teve direto a um pacote de apoios. O acórdão concluiu que não existia uma sobrecompensação por essa via.
A Ryanair viu também recusadas ações contra os pacotes de ajudas e isenções dados pela Suécia, Dinamarca e França às companhias aéreas para enfrentar a queda de receitas causada pela pandemia e que incluíam empréstimos e isenções ou adiamento do pagamento de taxas. As medidas de recapitalização de dez mil milhões de euros promovidas por Espanha para apoiar as empresas mais afetadas pela pandemia. A Ryanair contestava a natureza discriminatória da ajuda que beneficiou companhias aéreas como a Iberia, mas o Tribunal considerou que eram compatíveis com as regras europeias.
Nos casos em que as queixas foram recusadas, a Ryanair teve de pagar os custos da Comissão Europeia com o processo.

Ana Suspiro

Observador

De Graça, até injecção na testa juvenil.

 

Os jovens têm risco quase nulo de contrair problemas graves devido à Covid. E os adultos estão vacinados. Mas os jovens também têm de ser vacinados. Para proteger os adultos. Que estão vacinados.

E quando já ninguém acreditava que ela ainda tivesse algum move na manga capaz de nos surpreender, eis que a Dra. Graça Freitas dá mais uma daquelas suas guinadas violentíssimas — com consequências irreparáveis ao nível da ciática, estou convicto —, avançando para a vacinação de toda a miudagem entre os 12 e os 15 anos e contradizendo o que havia referido escassos dias antes. Vai-se a ver e, afinal, é mesmo absolutamente necessário vacinar contra a Covid jovens sem qualquer espécie de maleita, para os quais o risco da doença está ainda mais perto de zero do que a credibilidade das autoridades de saúde do nosso querido Portugal.

Portanto, a ver se eu percebi bem. Os jovens têm um risco quase nulo de contrair problemas graves devido à Covid. E os adultos estão vacinados. Ainda assim, os jovens também têm de ser vacinados. Para proteger os adultos. Que, por sua vez, já estão vacinados. Sim, mas e se a vacina não for assim tão eficaz a proteger os adultos? Então, mas se há dúvidas sobre a eficácia da vacina, para que é que estamos a vacinar os jovens? Que, ainda por cima, não precisam da vacina para nada. Creio serem tudo estupendas questões. Para as quais, lamento, mas não será aqui que encontrarão respostas.

Enfim, recordam a expressão “Os jovens são o futuro”? Recordam, não é? Só que isso era no passado. No presente, a máxima que se impõem é, antes, “Os adultos são o vexame”. Isto porque é mesmo muito provável que, em tempo algum, adultos tenham imposto riscos desnecessários às crianças — como dar-lhe a vacina da Covid — para se protegerem, a si próprios, de hipotéticas, e muitíssimo pouco letais, maleitas. Mas que subida honra esta, a de ser um homem crescido nos dias que correm.

Agora, atenção. Se a ideia é injectar substâncias nos organismos dos petizes com o único propósito de deixar os adultos sossegados, porquê ficar pela mera injecção da vacina contra a Covid? Acho perfeitamente viável ir mais longe ao nível do contributo que os catraios podem dar para que os adultos fiquem bem mais tranquilos. Um mero exemplo. Porque não tornar obrigatória, para todos os adolescentes, uma injecção semanal de anestesia de dentista? Daquelas que deixam a boca à banda dias a fio. Já viram o acréscimo de bem-estar que tal proporcionaria a todos nós, adultos? Imaginem os putos não conseguirem articular duas palavras seguidas durante toda a adolescência. Eia, o que isto nos poupava de ideia parvas, pedidos estapafúrdios e remoques insolentes. Tumba, hoje vou sonhar com o dia em que a DGS aprovará esta medida.

Bom, mas em nome do rigor e da verdade — meus inseparáveis companheiros de jornada — convém esclarecer que esta mudança de opinião da Dra. Graça Freitas, no sentido de vacinação universal dos jovens entre os 12 e os 15 anos, foi solidamente fundamentada. E não, não me refiro aos três supostos estudos científicos que a imprensa garante terem estado na base da mudança de orientação da DGS. Mas quais estudos científicos? Quem é que quer cá saber de estudos científicos para alguma coisa? Eh pá, quando o nosso Comandante Supremo das Forças Hipocondríacas, Marcelo Rebelo de Sousa, diz que é para vacinar os putos a eito, toca a por o braço à mercê da seringa, molecada. E sem fitas, ou ainda apanham por cima.

Mas pronto, diz que é sempre possível ver as coisas de uma perspectiva optimista. A mim, a única que me ocorre neste momento é a de que, pelo menos, não estamos em Cabul. Embora se, por hipótese, estivesse em cima da mesa termos de optar entre Portugal ser governado por um executivo talibã, ou, em alternativa, termos como Presidente da República Donald Trump, ainda o diabo não tinha sequer pensado em esfregar um olho e já o Bloco de Esquerda tinha seleccionado a opção 1.

Tiago Dores – observador

Preços da gasolina na Europa.

Actualmente, os preços mais altos dos combustíveis na Europa são encontrados em países como Noruega, Bélgica, Islândia, Itália, Grécia e Portugal, com o custo por litro variando de cerca de € 1,49 a € 1,77 por litro.

Os menores preços dos combustíveis no momento são encontrados na Bulgária, Turquia, Roménia, Polónia, Chipre e Hungria, com todos chegando abaixo de € 1,12, por litro.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Censor – um novo filme lembra um episódio sombrio no passado cinematográfico britânico

No início de 1982, começaram a aparecer relatos na imprensa sobre a natureza horrível de alguns dos filmes que estavam disponíveis em lojas de vídeo recém-estabelecidas no Reino Unido. Apelidados de "vídeo nasties" por um jornalista de tabloides, acredita-se que esses filmes pertencem a uma nova onda de filmes de terror extremo que chegam ao Reino Unido dos EUA e da Europa.

Os jornais despertavam temores sobre esses filmes, argumentando que suas representações gráficas de sexo e violência levariam a comportamentos rebeldes e criminosos. Como resultado, um pânico moral eclodiu, levando a um novo sistema de classificação para filmes lançados em vídeo no Reino Unido.

Um novo filme de terror ambientado na década de 1980 apresenta ao público uma visão sombriamente romantizada desse pânico, e um período sombrio na história britânica que alcançou um status quase mitológico. Censor foi aclamado pelo Festival de Cinema de Sundance como "uma ode fiel e criativa à estética dos anos 1980 e uma carta de amor distorcida e sangrenta para a era dos vídeos".

O filme de estreia de Prano Bailey-Bond segue Enid Baines (Niamh Algar), um censor de cinema que trabalha para o British Board of Film Censors no auge do vídeo, causa pânico moral. Enid é assombrada pelo desaparecimento de sua irmã e, após exposição prolongada a vídeos violentos, começa a suspeitar do diretor de um desses filmes de seu sequestro no que se torna uma sangrenta descida à loucura.

A ideia de que o filme pode prejudicar seu espectador foi um dos princípios centrais da campanha contra as naties do vídeo, e o filme emprega essa ideia para grande efeito. Embora, na realidade, o pânico moral tenha sido desenhado ao longo das linhas da classe social e aqueles considerados vulneráveis aos efeitos nocivos das nações de vídeo não eram os censores, mas as crianças da classe trabalhadora.

Vídeo caseiro prejudicial

Home video era um novo meio que Hollywood estava inicialmente desconfiado. Isso significava que os grandes estúdios demoraram a entregar seus filmes em fita. Em seu espaço, os independentes surgiram com novos filmes baratos e ousados.

Por um tempo, o vídeo caseiro não foi regulamentado, o que significa que não havia regras sobre o que poderia torná-lo em um filme ou quem poderia alugá-los. Isso porque a indústria não se sentou dentro da alçada legal do British Board of Film Censors (BBFC), e filmes que muitas vezes tinham sido recusados um lançamento teatral foram disponibilizados em vídeo.

Filmes que o BBFC considerou muito violentos, como The Last House on the Left (1972), de Wes Craven, foram direto para o vídeo. Abrindo a porta para uma série de filmes com títulos hiperbólicos e arte de capa gráfica que prometia representações liberais de sexo sem censura e violência.

"Nasties" eram tudo, desde melodramas violentos, filmes de exploração nazista até filmes de terror tradicionais. Embora os próprios filmes compartilhassem poucas características unificadas, havia uma crença, instigada e perpetuada pela imprensa, de que eles uniformemente se deleitavam em "assassinato, estupro múltiplo, carnificina, sado-masoquismo, mutilação de mulheres, canibalismo e atrocidades nazistas".

Filmes como Holocausto Canibal, O Assassino perfurador e The Evil Dead viraram notícia de primeira página, apresentados como uma explicação para o declínio social. Os cruzados morais assumiram a causa e todos os tipos de crime foram atribuídos ao vídeo.

O Daily Mail liderou uma campanha para "banir os vídeos sádicos" em que a ideia de que crianças estavam sendo expostas a vídeos violentos apareceu centralmente. Eles falaram do "estupro da mente de nossos filhos" e compararam o efeito da exposição à violência nesses vídeos com o efeito das drogas. Todos os cantos da imprensa defendiam a crença de que a exposição a vídeos violentos levaria a um colapso na sociedade e que, criticamente, os mais em risco pela ameaça que o vídeo representava eram os de famílias da classe trabalhadora.

Proteja as crianças

Assistir vídeos no Reino Unido foi um tempo predominantemente de passe da classe trabalhadora. A decisão de disponibilizar gravadores de vídeo através de esquemas de aluguel através de empresas como Radio Rentals e Domestic Electric Rentals democratizou o que poderia ter sido um produto de luxo elitista.

Tal acessibilidade significava que os consumidores da classe trabalhadora se tornaram adotantes iniciais da plataforma como uma alternativa econômica ao cinema, e os distribuidores começaram a lançar filmes para atrair diretamente esse público. No entanto, um efeito colateral imprevisto desse sucesso foi que permitiu que a mídia girasse uma narrativa de famílias da classe trabalhadora infecciosa que estavam expondo seus filhos ao sexo e à violência. Esses cruzados morais classificam as classes trabalhadoras como imaturas e incapazes de compreender ou determinar conteúdo apropriado para visualização em sua própria casa.

Respondendo à indignação, o Ministério Público compilou uma lista de 72 filmes considerados processáveis sob a Lei de Publicações Obscenas (1959). Destes, 39 tiveram processos contra eles em eventos que levaram à introdução da Lei de Gravações de Vídeo (1984).

Este ato provocaria o fim do mercado de vídeo caseiro não regulamentado e veria que todos os lançamentos no Reino Unido carregam uma classificação fornecida pelo British Board of Film Censors. Ironicamente, no que talvez seja o maior período de censura ao cinema da história britânica, o conselho passaria por uma mudança de nome para o Conselho Britânico de Classificação cinematográfica para "refletir o fato de que a classificação desempenha um papel muito maior na obra do conselho do que a censura". Com a introdução do ato, o pânico desapareceu tão rápido quanto tinha chegado.

Muitos dos filmes que foram a fonte do pânico passaram por uma reavaliação e agora são celebrados como clássicos cult. Dario Argento, Wes Craven, Abel Ferrara, Lucio Fulci e Tobe Hooper tiveram seus filmes confiscados sob a Lei de Publicações Obscenas e são todos diretores célebres agora. Até Mesmo Sam Raimi, um diretor que talvez seja mais conhecido agora por seu trabalho com a Marvel nas primeiras séries do Homem-Aranha e agora a continuação de Dr. Strange, começou com o célebre vídeo desagradável The Evil Dead.

Censor certamente se beneficiou da reavaliação desses filmes, apreciados ao invés de denunciados por violência gráfica que canaliza uma estética dos anos 1980. Se tivesse saído nos anos 80, poderia ter entrado na lista de 72 vídeos.

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O endividamento dos consumidores foi fortemente restrito na 1940 para conter a inflação – é hora de fazê-lo novamente.

Tem-se falado muito sobre um potencial aumento da inflação à medida que os países levantam restrições pandêmicas e buscam retomar a actividade económica normal. Nos últimos meses, os preços dos EUA subiram mais de 5% em relação ao ano anterior. No Reino Unido, o crescimento dos preços tem sido mais lento e foi ainda ligeiramente abaixo das expectativas para Julho,mas é provável que acelere novamente.

Compradores em uma fila lá fora na década de 1940

Esta situação se assemelha muito ao que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial. Então, como agora, os governos foram confrontados com consumidores ansiosos por gastar e a indústria ainda não está pronta para atender à demanda dos consumidores. Considerando que em 2021 as empresas e suas cadeias de suprimentos estão lutando para atender à demanda imprevisível em meio às restrições do COVID, em 1945 os produtores precisaram de tempo para retornar aos negócios como de costume após anos de fabricação para a guerra.

Com a inflação se aproximando, os funcionários tiveram a coragem de impor controles ousados ao crédito ao consumidor para conter a demanda. Isso pode parecer impensável no clima de hoje, mas há boas razões para fazer isso de novo.

O que aconteceu depois da guerra

Os EUA e o Reino Unido introduziram controles durante a guerra, tanto para reduzir a demanda inflacionária, alimentada pelo crédito, quanto para redirecionar recursos financeiros para a defesa nacional. O presidente dos EUA Franklin Roosevelt resumiu a política em 1942:

O Federal Reserve introduziu restrições aos credores. Para a compra de aluguel, que comumente financiava carros e eletrodomésticos, os consumidores eram obrigados a pagar 33% do preço antecipadamente e pagar o resto ao longo de 12 meses. O governo também restringiu as contas de crédito no varejo, exigindo que elas fossem pagas em 90 dias.

O Reino Unido introduziu controles semelhantes,limitando o crédito para a compra de mercadorias que exigiam importações de metais estrangeiros caros. Isso encolheu o crédito de compra-aluguel para 10% do seu total pré-guerra.

Após a guerra, os EUA e o Reino Unido mantiveram esses controles para conter a demanda por mercadorias em um momento em que permaneceram em oferta limitada. Os controles também foram sobre moderar os picos e cochos do ciclo de negócios. As autoridades acreditavam que o crédito ao consumidor havia impulsionado o crescimento e a inflação durante as retomadas anteriores, mas aprofundaram a queda quando os consumidores pararam de gastar seus ganhos e não conseguiram ou não conseguiram emprestar. Acreditava-se que isso prolongava a grande depressão.

As décadas seguintes

Os EUA levantaram seus controles primeiro. O governo tinha lutado para impor as regras durante a guerra e, posteriormente, enfrentou uma reação comercial contra o poder do governo, incluindo objeções aos controles de crédito. Como um grupo de banqueiros explicou ao Congresso em 1947: "A regulação do crédito ao consumidor pela autoridade federal é desnecessária, ineficaz, anti-americana, antissocial, inconsistente e impraticável".

Os controles dos EUA expiraram em 1949, foram brevemente revividos para a guerra da Coreia em 1950-53, mas extintos posteriormente. No entanto, os controles permaneceram parte do debate político. Já em 1980, o Presidente Jimmy Carter reimpuseu-os brevemente para combater a inflação.

Os controles permaneceram mais consistentemente em vigor no Reino Unido, onde a luta contra a inflação se misturou com os esforços para defender a libra. Além de manter as restrições de compra de aluguel, o governo mais tarde limitou o valor que os cidadãos poderiam gastar em cartões de crédito no exterior. Havia também um malfadado "espartilho de crédito", que exigia que os bancos fizessem depósitos especiais no Banco da Inglaterra contra novos empréstimos na década de 1970. Os governos conservadores e trabalhistas continuaram experimentando controles de crédito até 1982.

No continente, osgovernos do pós-guerra favoreceram uma gestão econômica mais direta, mas isso poderia levar a políticas semelhantes. Na França, por exemplo, o Conselho Nacional de Crédito impôs controles ao consumidor em 1948 e manteve-os até 1979, ocasionalmente exigindo pagamentos de até 50%.

Em todos esses países, os controles de crédito restringiram o endividamento dos consumidores e ajudaram a controlar a inflação durante a década de 1940 e além. Eles também garantiram que o crescimento dos salários, em vez de empréstimos ao consumidor, impulsionaria a prosperidade do pós-guerra.

A era moderna

No início da década de 1980, a mania da desregulamentação varreu esses controles à medida que o novo liberalismo econômico adotado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher tomou o centro das atenções. Os controles de crédito foram vistos como indesejáveis intervenções estatais, e sem dúvida permanecem tabu hoje.

Além da ideologia, os governos estarão relutantes em considerar controles quando estiverem desesperados por um boom de gastos dos consumidores. Como no pós-guerra, muitos consumidores estão sentados em grandes reservas de dinheiro de economizar muito mais do que o habitual durante a pandemia.

Embora tenham reduzido os gastos com crédito no início da pandemia, pagando saldos em vez de incorrer em novos, os gastos com crédito aceleraram desde então. O endividamento dos consumidores tem sido o motor do crescimento econômico nos últimos anos e será visto como vital para alcançar uma recuperação da pior desaceleração da memória viva.

Dívida do consumidor como % do PIB

No entanto, os argumentos de longo prazo a favor dos controles suportam a nova audiência. O crédito impulsiona o crescimento, mas também a instabilidade na forma de booms e bustos, e desigualdade, porque os consumidores gastam em vez de economizar - tornando mais difícil para as pessoas construir riqueza. E enquanto o crédito aumenta o poder de compra das pessoas, quando os suprimentos são reduzidos, também causa inflação.

A pandemia, como a guerra, oferece um momento único para reconsiderar nossa economia dependente da dívida. Os trabalhadores, capacitados pela atual escassez de mão-de-obra, exigem salários mais altos. Os salários, não os débitos, são a base adequada do poder aquisitivo do consumidor.

Os governos podem ter mais facilidade em implementar e supervisionar controles de crédito na era digital. Os controles também podem ser úteis para abordar novas metas, incluindo o combate às mudanças climáticas, limitando o crédito por produtos intensivos em carbono (e geralmente restringindo os impulsos mais desperdiçados do capitalismo de consumo).

Finalmente, muitos dos mais pobres na sociedade usam empréstimos excessivos para sobreviver. Os governos encontraram maneiras de proteger os mais vulneráveis nas profundezas da pandemia. Eles poderiam continuar a fazê-lo, em vez de depender de crédito privado exploratório.

À medida que os consumidores dos EUA aumentavam os empréstimos após o término dos controles em meados da década de 1950, o economista John Kenneth Galbraith perguntou:"O cobrador de contas ou o advogado de falências podem ser a figura central da boa sociedade?" Deveríamos fazer essa pergunta de novo.

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Sean H Vanatta, Universidade de Glasgow