Carlos Rodrigues Lima , Raquel Lito , Bruno Faria Lopes
Depois de ter dominado o mundo do futebol através da Olivedesportos, o empresário aventurou-se no negócio dos media. Os bancos colocaram-lhe dinheiro nas mãos, mas declarou falência há dois anos, com dívidas de 750 milhões. O DCIAP está a investigar os contornos da insolvência da Controlinveste.
Já teve o universo do futebol na mão, foi um dos maiores accionistas de grandes empresas e aventurou-se no mundo dos media. Esta é a história de Joaquim Francisco Alves Ferreira de Oliveira, 74 anos, que em 2005 atingiu o pico da montanha dos negócios, mas acabaria, depois de anos a saltar de financiamento em financiamento, por avançar para a insolvência da Controlinveste SGPS com uma dívida perto dos 750 milhões de euros.
O processo não lhe tirou o sono, já que continua activo na Olivedesportos e na Sport TV, ao mesmo tempo que negoceia com um dos chamados “fundos-abutre” que comprou as suas dívidas ao Novo Banco e ao Millennium BCP. Contactado pela SÁBADO, Joaquim Oliveira recordou que nunca deu uma entrevista, nem tenciona dar. Bem-disposto, apenas declarou: "Só 50% do que escrever sobre mim será verdade"
Segundo a petição inicial do processo de insolvência da Controlinveste SGPS – a holding do grupo que agrupava as várias participações de Joaquim Oliveira nos media e nos direitos desportivos –, esta sociedade tinha uma dívida directa de 44 milhões de euros e, ao mesmo tempo, “era responsável, por via de garantias prestadas (…) pela dívida bancária contraída por sociedades do grupo” junto do Millennium BCP e Novo Banco, “que à data de 30 de Setembro de 2018 ascendia” a quase 750 milhões de euros. Decompondo os números: 406 milhões ao Millennium BCP, 141 milhões ao Novo Banco e 195 milhões à Olivedesportos, empresa que financiava outras dentro do próprio grupo.
Ao Juízo do Comércio de Lisboa, a Controlinveste SGPS argumentou que a “dívida bancária foi contratada em condições de mercado em que actuava” e em “linha com a tesouraria gerada pelas respectivas actividades”. O valor em causa resultou, segundo a empresa, de dois negócios: aquisição de acções da Portugal Telecom e na antiga PT Multimédia (que viria dar origem à actual Zon); e à aquisição e desenvolvimento do negócio dos media, com a compra da Lusomundo Media, em 2005.
Este último negócio, segundo um antigo administrador da Portugal Telecom que pediu o anonimato à SÁBADO, foi o princípio do fim de Joaquim Oliveira. “E não foi por falta de aviso”, recordou o mesmo gestor, acrescentando que, à época, já se vislumbravam alguns sinais de quebra acentuada nas publicações compradas por Joaquim Oliveira, como o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. “O JN chegou a ser o jornal mais vendido do País, mas com uma lógica muito local. Em 2005, já tinha sido ultrapassado, o DN chegou a vender 80 mil exemplares, mas estava nos 30 mil”, referiu o mesmo gestor, para quem a vontade de Joaquim Oliveira em deter um grupo empresarial de media “pode ter tido mais a ver com o facto de ele, depois de muitos anos no problemático mundo do futebol, se querer afirmar como um legítimo grande empresário, com prestígio”.
Alavancado pela banca
Com uma dívida tão elevada, o acordo entre Joaquim Oliveira e os bancos credores passou pela assunção por parte da Controlinveste da dívida directa e de algumas das suas participadas, como a Controlinveste Media e a Olivedesportos, “de forma a viabilizar a continuação da actividade” destas, ainda geradoras de algumas receitas. Actualmente, Joaquim Oliveira preserva a Olivedesportos, a agência de viagens Cosmos e uma parte do capital da Sport TV, mantendo-se nesta última como presidente do conselho de administração.
As duas grandes dívidas do mundo empresarial de Joaquim Oliveira – ambas à banca, uma ao Novo Banco, outra ao BCP – foram, entretanto, parar às mãos do fundo norte-americano Davidson Kempner. O fundo-abutre comprou ao Novo Banco no final de 2019 a carteira de crédito malparado chamada Nata 2, que agrupava grandes devedores ao banco herdados da gestão de Ricardo Salgado – a sexta maior dívida que seguiu no pacote era de 138,9 milhões de euros e pertencia à Controlinveste e à Olivedesportos. A dívida estava em incumprimento total e foi vendida com fortíssimo desconto pelo Novo Banco, segundo apurou a SÁBADO (a carteira Nata 2 foi vendida, em termos globais, com um desconto próximo de 90%).
O fundo norte-americano foi, depois, ter com o BCP para negociar a compra da outra dívida do universo de Oliveira, a maior de todas – e, segundo apurou a SÁBADO junto de duas fontes, comprou-a também a desconto. Praticamente, tudo o que sobrava da dívida inicial de 548 milhões de euros à banca passou para o Davidson Kempner, que durante o processo de compra negociado com os bancos já andava em conversas com Joaquim Oliveira para perceber quanto é que este poderia pagar.
Uma fonte conhecedora do processo indica que a situação destas dívidas está “resolvida”, ou seja, o empresário arranjou dinheiro – que terá indicado pertencer a “investidores” – para pagar uma parte do valor nominal das dívidas ao fundo. Como o Davidson Kempner comprou as duas dívidas com um desconto significativo aos bancos, Oliveira beneficiou, na prática, de um forte perdão sobre a enorme dívida que devia à banca. E os dois bancos sustiveram perdas conjuntas de centenas de milhões de euros, entre a venda do malparado e as imparidades sobre aqueles maus créditos já constituídas antes.
Atento ao que, nos últimos anos tem ocorrido nos bancos com injecção de dinheiro público, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) também começou a investigar a falência da Controlinveste SGPS. Em Novembro de 2019, por ofício “confidencial”, a procuradora Rita Simões pediu ao juiz do Comércio cópias da “petição inicial, da sentença de insolvência, bem como da decisão de qualificação da insolvência”. Em Julho de 2020, a mesma procuradora do DCIAP pediu “cópia integral do processo, incluindo anexos e apensos”. O que foi deferido em Agosto daquele ano.
Segundo informações recolhidas pela SÁBADO, os créditos concedidos pelo Novo Banco à Controlinveste e a respectiva renegociação dos mesmos estão a ser analisados no DCIAP. Os procuradores pretendem saber se houve ou não um tratamento de favor com prejuízo dos contribuintes, um pouco à semelhança das suspeitas que correm contra Luís Filipe Vieira, Ex-presidente do Benfica. Fonte do DCIAP adiantou à SÁBADO que ainda não terá sido aberto um inquérito formal, encontrando-se o caso na fase de uma “averiguação preventiva”.
Boa vida, mais relaxada
O (Ex-)dono da bola pode já ter perdido o império de transmissões de futebol e dos media, mas mantém velhos hábitos. Bom garfo, Joaquim Oliveira é amigo do centenário Sr. Emílio – dono da Adega da Tia Matilde, na rua da Beneficência, em Lisboa. Uma das filhas do ancião confirma à SÁBADO a assiduidade do cliente VIP, entre os vários que preenchem a galeria de fotos nas paredes. “Vem cá com muita frequência. Prefere a nossa caldeirada de peixe [entre €26 e €29].”
De adega só tem o nome. Distinguido pelo Guia Michelin, o restaurante é conhecido como a cantina dos benfiquistas “empedernidos”, diz um deles, onde o falecido “King Eusébio tem uma mesa” – intocável. Não que Joaquim Oliveira revele a preferência clubística, mostra-se imparcial, mas nos últimos tempos preocupa-se com o destino dos encarnados. Foi tema de conversa em Outubro de 2020, antes da queda de Luís Filipe Vieira. “Ele veio à nossa mesa e sentou-se a beber um copo de vinho. Estavam iminentes as eleições do Benfica”, conta António Lourenço, economista no parlamento.Generoso à mesa
Os seus destinos cruzaram-se em Setembro de 1999, quando a Olivedesportos estava no auge. À época, António Lourenço presidia o grupo desportivo parlamentar e precisava de suportes para os painéis publicitários dos patrocinadores (mais de 100). O torneio com 28 equipas da Europa, no estádio nacional, poderia ficar comprometido por esta questão logística. Mas de um dia para o outro foi desbloqueada por Joaquim Oliveira – gratuitamente. “Dois camiões foram lá descarregar os suportes, quisemos pagar-lhe, mas ele disse que era o seu contributo, modesto, para as duas causas do torneio: de Timor e da candidatura de Portugal ao Euro 2004”, prossegue o economista. Semanas depois, foram almoçar à Tia Matilde. António tencionava pagar a conta, mas Joaquim fintou-o. “O dono disse-me que ele já tinha pago. Retribuí em Novembro desse ano, quando lá fomos almoçar.”
Nesta rotina de décadas, o empresário senta-se à mesa – a mesma – na companhia dos filhos (Rolando António, Gabino José e Susana). A cara é a de sempre: inexpressiva. Comenta-se até no meio da banca que ele daria um exímio jogador de póquer porque é difícil interpretá-lo. “Não é homem de gargalhadas ou sorriso aberto. Ou está com ligeiro sorriso ou sério, mas consegue a proeza de manter a cara com que celebrou o milénio. Os anos não passam por ele”, relata quem o viu na ocasião, em Junho último.A rotina do golfe
Além da Adega da Tia Matilde, o empresário nortenho frequenta o Solar dos Presuntos (reabriu esta semana, dia 24), o Gambrinus e a marisqueira O Miguel (na doca de Setúbal), onde em tempos os dirigentes do Vitória de Setúbal falavam com outros dos clubes de Lisboa da Primeira Liga. Homem de poucas palavras, à defensiva – pelo menos à mesa das negociações (quando hesita é o filho Rolando, formado em Gestão, quem toma a palavra) –, sempre se movimentou bem nas esferas de elite. Sendo uma delas a 2 km de casa: o Clube de Golfe Estoril. “É um tipo divertido, com as melhores anedotas”, reforça um amigo sobre o acervo de piadas (mais de mil) que Joaquim Oliveira vai recebendo por telemóvel e reencaminhando.
Sai equipado da moradia em Bicesse, resguardada por muros altos e com um minicampo de golfe, outro de futebol, piscina e amplos jardins. Chega ao clube por volta das 10h e cumprimenta os praticantes no campo ou à entrada das instalações. José Bento dos Santos (presidente da assembleia do clube) gaba-lhe a simpatia: “Vi-o nas últimas semanas, não há nenhuma vez que não pergunte pelo vinho que produzo: Quinta do Monte d’Oiro. Joga com variadíssimas pessoas.”
Há quem se recorde dele a dar tacadas de charuto na boca, estilo Churchill, numa modalidade considerada “dificílima” pelos pares. “Movimenta-se por todo o lado e sabe guardar a discrição”, descreve outra fonte. Desde a pandemia, é menos visto na vizinhança pela idade de risco (74 anos). “Tem mais cautelas.” Mas quando circula na rua, de máscara, aparenta estar saudável. A juntar ao golfe, treina com um personal trainer. “Sempre se preocupou com isso. Teve um aneurisma, há sete ou oito anos, mas ficou bem”, dizem. Seguiu-se outro susto, um problema vascular que os amigos dissociam dos problemas de endividamento. O porto de abrigo é em casa, junto da mulher de sempre. Irene é descrita como “uma ótima mãe de família”. Também avó, com 10 netos.
“Pode estar adormecido, mas não está desatento a oportunidades de negócio”, refere à SÁBADO um gestor desportivo, para quem Joaquim Oliveira ainda poderá aproveitar a entrada em força do 5G para se aventurar no negócio do streaming. Atualmente, Oliveira concentra as suas participações na Olivemedia, Unipessoal, sociedade criada em 2018, já com a falência da Controlinveste no horizonte. Esta sociedade apresenta, segundo as últimas contas, ativos no valor de 19 milhões de euros em participações financeiras e Joaquim Oliveira continua ligado, como vogal do conselho de administração, a algumas empresas do grupo por si criado, mas agora liderado pelo filho mais velho, Rolando Oliveira. O segundo filho, Gabino Oliveira, tem-se dedicado à área das novas tecnologias e apostas online.
Os amigos da política e negócios
A compra da Controlinveste parecia, assim, tornar-se no seu bilhete de entrada no clube dos grandes empresários da capital, o culminar de uma carreira que começou na Pensão Estrelinha, propriedade da sua mãe, dona Lucinda, onde dividiu com o irmão, António Oliveira, o trabalho do quotidiano: lavar pratos e servir às meses. Só que, enquanto António mostrou, desde cedo, talento com os pés, Joaquim aventurou-se no mundo dos negócios. Primeiro, em Luanda, com uma cervejaria e uma sapataria que manteve até a guerra civil eclodir em Angola no pós-independência. Já regressado a Lisboa, fez sociedade com o irmão numa charcutaria e explorou um bar de striptease no Porto, o Zimbo.
Mas, em 1984, fundou com António a Olivedesportos. Joaquim antecipou o filão dos direitos de televisão do futebol e da publicidade estática, um mercado por explorar em Portugal, mas já com um considerável volume de negócios no estrangeiro. Dois anos mais tarde, em pleno Mundial México 86, foi visto a carregar os painéis de publicidade dos treinos da seleção. Afinal, os clientes queriam aparecer nas reportagens de televisão ou nas fotografias dos jornais. Nos anos seguintes, comprou à quase totalidade dos clubes da I Divisão os direitos de transmissão dos jogos em casa, revendendo-os à RTP. O que lhe valou alcunhas como o “FMI do futebol” ou o “São Martinho de Penafiel”, esta última numa alusão ao santo padroeiro da cidade de onde Joaquim é natural. Sem capacidade negocial, os clubes recorriam ao dinheiro da Olivedesportos que os financiava em épocas de aperto a troco dos direitos dos jogos.
A chegada da televisão privada ao mercado, em 1992, provocou-lhe um ligeiro abalo no negócio, já que o então diretor de programas, Emídio Rangel, fez uma aliança com um recém-eleito presidente do SL Benfica: João Vale e Azevedo, que, após tomar posse, cumpriu a promessa eleitoral: rasgar os contratos com a Olivedesportos.
Seguiram-se os processos judiciais, mas Joaquim Oliveira nunca avançou contra o Benfica. Preferiu concentrar as atenções em Vale e Azevedo. Com a chegada de Manuel Vilarinho à presidência do clube, as relações com Joaquim Oliveira regressam à normalidade, isto é, com o empresário a deter os direitos de transmissão dos jogos dos encarnados em casa. Num sinal de boa-fé, Oliveira converteu os dois milhões de euros que o Benfica lhe devia em ações da Benfica Multimedia, procurando assim enterrar o machado de guerra.
No ano passado, com as ações do Benfica a atingirem os cinco euros, Joaquim Oliveira deu ordem de venda aos 2,7% que detinha. José António Santos, o Rei dos Frangos, foi o comprador na Bolsa, numa estratégia de aquisição de ações que está a ser investigada pelo Ministério Público na operação Cartão Vermelho, que levou à detenção de Luís Filipe Vieira.
A relação com Vieira foi cordial e de alguma proximidade até 2012, ano em que o Benfica decide avançar para a criação de um canal – a Benfica TV – e não renova o contrato com Joaquim Oliveira. Consequência: queda nas subscrições da Sport TV. E, em 2015, novo abalo: o então presidente da Liga Mário Figueiredo decidiu abrir guerra ao lóbi da Olivedesportos, considerando que os clubes deveriam centralizar na Liga as negociações dos direitos de futebol, já que Joaquim Oliveira terá chegado a controlar, além dos direitos desportivos, a publicidade estática de 14 dos 18 clubes da primeira divisão. Em 2015, a Autoridade da Concorrência veio a declarar como nulos os contratos existentes, fazendo com que os clubes negociassem diretamente com as operadoras. O que obrigou a família de Joaquim Oliveira a procurar outras fontes de rendimento, como as apostas online (ver caixa nestas páginas).
A zanga com o irmão
Também naquele ano, a Olivedesportos perdeu um contrato importante: a Federação Portuguesa de Futebol (FPF). “Até 2015, a FPF recebia 4,2 milhões/ano dos direitos da seleção A. Depois de ter sido criado um departamento que passou a negociar diretamente com as televisões, a receita passou para 27 milhões/ano”, referiu à SÁBADO uma fonte da FPF. As negociações foram duras, até porque, no início da carreira, Fernando Gomes, presidente da FPF, chegou a trabalhar para Joaquim Oliveira. “Deixaram de se falar durante uns bons tempos, mas quando Fernando Gomes esteve doente, Joaquim Oliveira foi dos primeiros a ir visitá-lo ao hospital”, recordou a mesma fonte.
No meio de guerras empresariais, Joaquim travou uma familiar: a zanga com o seu irmão, António Oliveira. A separação terá ocorrido em 2004, terminando com Joaquim a comprar por 35 milhões de euros a posição do irmão no império da Olivedesportos. O que parecia morto e enterrado ressuscitaria, porém, em 2012, com António Oliveira, numa entrevista à RTP, a voltar ao ataque: “O presidente da Federação é colocado por um lóbi fortíssimo que existe em Portugal. O presidente da Liga é colocado por interesses do lóbi que domina o futebol em Portugal. [Esse lóbi é] a Olivedesportos, obviamente.”
Oliveira, o António, chegou mesmo a admitir ter sido só contratado para selecionador nacional – entre 1995 e 1996 e entre 2001 e 2002 – por influência da Olivedesportos. “O meu mérito estava lá porque tinha sido bicampeão [com o FC Porto], mas até disso duvidei. (...) Uma das pessoas que me fizeram perceber foi Gilberto Madail. Dava a impressão de que estava lá porque era da Olivedesportos.”
A prosperidade nos negócios está intimamente ligada à sua capacidade de fazer amigos. Exemplo disso mesmo é uma lista de convidados para o aniversário, em 2011, da sua mulher, Irene Oliveira, com quem está casado há mais de 40 anos. Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, Carlos Santos Ferreira, Miguel Sousa Tavares, Manuel Pinho, Zeinal Bava, Luís Pacheco de Melo, Dias Loureiro, Miguel Relvas e o então deputado do PSD Luís Campos Ferreira são alguns dos nomes que constam dessa lista que foi apreendida no âmbito do processo-crime aberto pelo Ministério Público às viagens ao Euro 2016 pagas pela Olivedesportos (ver abertura da semana).O porco e o leitão
O problema de Joaquim Oliveira, e de outros empresários ligados à comunicação social, é que, a partir de 2008, “a área dos media viu-se fortemente afetada pelo advento das publicações eletrónicas na era da Internet e da massificação dos meios informáticos em detrimento das edições impressas”, como se refere no processo de insolvência, o que levou a uma quebra de 50% das receitas, sobretudo afetadas pela crise financeira de 2008 que se prolongou até 2017.
A corrida à Lusomundo não foi fácil. Além de Oliveira, os espanhóis da Prisa (dona do El País) também estavam em campo. Politicamente, Portugal atravessava um vazio: Santana Lopes, no final de 2004, tinha sido “demitido” de primeiro-ministro pelo Presidente Jorge Sampaio e disputava as legislativas com José Sócrates, que, nos bastidores, comentava-se, preferia a opção pelos espanhóis, tradicionalmente mais próximos do PS.A 30 de março de 2005, a PT anunciaria a venda da Lusomundo Media à Olivedesportos por 300 milhões de euros. O dinheiro foi emprestado pelo BCP, então liderado por Jardim Gonçalves, mas o pivô de toda a estrutura de financiamento foi o administrador Alípio Dias. No dia seguinte, o então deputado socialista Augusto Santos Silva manifestava “estranheza” pela “rapidez e oportunidade com que o negócio tinha sido feito, até porque, e apesar de estar em causa um negócio entre privados, o País atravessava “uma época de transição política”.
O facto de a Autoridade para a Concorrência ter demorado quase um ano a dar luz verde ao negócio terá levado Joaquim Oliveira a comentar entre amigos: “Comprei um porco, arrisco-me a ficar com um leitão.” Depois do negócio concluído, Miguel Horta e Costa, então presidente da Portugal Telecom, comentou com Joaquim Oliveira: “Comprou 2% da faturação do grupo [PT] e 98% dos problemas.”
Com acesso fácil ao crédito no BES, Joaquim Oliveira reforçou a sua posição acionista na PT e na PT Multimédia. Nesta última fê-lo através de uma empresa sediada em Gibraltar, a Colaney, que só uns anos após se ter tornado acionista de referência da PTM é que o seu beneficiário foi conhecido, convertendo-se, em 2014, numa das maiores devedoras do BES/Caimão.Andrómeda e Triângulo
Um documento interno do BES de 2006 e que dizia respeito a uma proposta de reestruturação do crédito em causa, a que a SÁBADO teve acesso, refere que a sociedade em causa foi financiada durante vários anos pelos BES e pelo BESI.
“Os financiamentos concedidos pelos BES e pelo BESI tiveram início em junho e dezembro de 2000, tendo como objetivo, respetivamente, o financiamento da aquisição de ações da PTM.com e da PT Multimédia.” No mesmo documento, refere-se que as garantias aos financiamentos passavam pelas próprias ações daquelas sociedades e por “avais pessoais de Joaquim Oliveira, Rolando Oliveira e respetivas mulheres”.
A proximidade entre Joaquim Oliveira e o BES ficou clara em 2013, quando o BES e o Millennium BCP (MBCP) levaram a cabo o que ficou, internamente, conhecido como Projeto Andrómeda. Talvez inspirados na mitologia grega, ambos os bancos terão acreditado conseguir salvar a Controlinveste do monstro marinho com a ajuda dos empresários António Mosquito (angolano) e Luís Montez . Fonte próxima de Oliveira rejeita, contudo, a tese da proximidade com Ricardo Salgado, dizendo que, ao contrário do que se possa pensar, o grande financiador do grupo foi o Millennium BCP e não o BES. “Ele nunca se deixou enfeudar com fulano ou beltrano. Falava com toda a gente e avaliava caso a caso a sua política de alianças”, acrescentou um amigo de longa data.
O Memorando de Entendimento do tal "Projeto Andrómeda" foi assinado em novembro de 2013 por seis intervenientes: Controlinveste, António Mosquito, Luís Montez, BES, Millennium BCP e Banco Atlântico. Esta última instituição financeira surgiu como representante de Mosquito e Luís Montez.
O documento previa a entrada de novos investidores através de um aumento de capital da sociedade controlada por Joaquim Oliveira, sendo que os bancos credores (BES e Millennium BCP) converteriam parte da dívida em capital. Só que, ao mesmo tempo que dava um sinal público de pretender investir no negócio dos media em Portugal, depois de já ter comprado a construtora Soares da Costa, António Mosquito assinou com o BES e o Millennium um acordo de opção de venda das ações da Controlinveste, pelo menos, por 50% do valor da subscrição.
Por sua vez, Luís Montez assegurou, no Acordo Parassocial anexo ao Memorando de Entendimento, a integração de ativos por si detidos na área dos media (sobretudo rádios) no grupo, os quais ficariam sujeitos a uma análise por entidade independente quanto ao seu valor de mercado.
Por trás de toda a engenharia político-financeira terá estado Daniel Proença de Carvalho, até como representante do investidor angolano António Mosquito. Aliás, a 25 de março de 2014, foi do email de Daniel Proença de Carvalho, que assumiria a presidência do conselho de administração da Controlinveste, que saiu uma proposta de comunicado para os demais intervenientes no negócio. “A empresa passa a ter uma estrutura de capitais reforçada, e a ambição de crescer nos mercados em que está inserida e de conquistar novos mercados nos espaços da lusofonia”, lia-se. “Consideramos que está excelente”, comentou Miguel Maya por email, administrador do MBCP, atualmente presidente do banco.
Ao mesmo tempo, os bancos procuravam outras soluções para injetar mais capital no grupo Controlinveste. A Operação Triângulo – que passava pela entrada da antiga PT e da ex-Zon no capital da Sport TV – resultou, precisamente, dessa necessidade. Outro documento interno do ex-Banco Espírito Santo, a que a SÁBADO teve acesso, previa uma entrada de 106 milhões de euros na esfera de Joaquim Oliveira. Porém, o dinheiro já tinha destino traçado: amortização da “totalidade dos apoios intercalares concedidos pelo BES e pelo BCP de agosto de 2012 a setembro de 2013”, os quais se situavam nos 105 milhões de euros. Perante este cenário, o BES aceitava avançar com novos financiamentos a Joaquim Oliveira, desde que o empresário e o seu filho Rolando Oliveira mantivessem os respetivos avais pessoais. Certo é que, apesar de todos os percalços na gestão do grupo de media e os problemas de tesouraria de algumas das suas empresas, Joaquim Oliveira nunca deixou um ordenado em atraso.
Na alta-roda dos negócios, Joaquim Oliveira passava (hábito que mantém) muito tempo ao telefone. Armando Vara, então administrador do Millennium BCP, era um dos seus interlocutores (e amigos) prediletos. Conheceram-se quando Vara foi secretário de Estado e organizou uma espécie de excursão de Lisboa a Vinhais, de onde é natural, para jornalistas e alguns empresários participarem na Feira do Fumeiro. Em 2009, ambos foram escutados no processo Face Oculta e as conversas acabaram por ser divulgadas. Oliveira processou o jornal Sol, mas perdeu. O que não perdeu, mas tenta esconder, é a sua condição de adepto do FC Porto.
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