sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Portugal Alzheimer SA

O antigo ministro da Economia não chegou, que se saiba, ao ponto de Rodrigo Rato, o ministro do PP espanhol que montou uma máquina de roubar o erário público espanhol. Pinho limitou-se a receber uma avença do amigo e patrão Ricardo Salgado. E mais uns agradecimentos em espécie da EDP pelas rendas que o seu Ministério lhe deu.

Manuel Pinho fez-nos o favor de lembrar que existe. Nada melhor para fazer uma viagem ao tempo do Portugal Alzheimer SA – com todo o respeito pelos que padecem desta doença –, imortalizado agora pelo seu amigo Ricardo Salgado, que se apresenta como um velhinho sem memória, de raciocínio lento e ouvido duro. A vida é implacável com pobres e ricos, ainda que as mazelas cheguem mais tarde a estes, sempre protegidos pelos cuidados de saúde que o dinheiro pode pagar. Mas, enfim, fiquemo-nos em Pinho, o homem que abriu uma página na Internet para se defender, qual Dreyffus dos tempos modernos e que, seguindo as pisadas do seu outro amigo Sócrates, um injustiçado que escreve e publica como se não houvesse amanhã, exibindo os seus conhecimentos mais recentes de Filosofia e Direito, vai também publicar um livro. E o que diz Pinho? Simples, diz o que todas as pessoas de fortuna e influência que se encontram debaixo da alçada da justiça: que empobreceram na política, que a sua vida acabou (Pinho diz estar confinado há nove anos), que estão a ser difamados.

Enfim, na linha do que todos disseram – de Vara a Sócrates; de Pinho a Salgado; de Bava a Granadeiro; de Mexia a Santos Ferreira ou Nuno Vasconcellos, e por aí adiante. A bancarrota que Portugal sofreu em 2011 foi por causa da crise internacional, o GES/BES caíram por causa da dita crise, a Portugal Telecom nunca existiu, os grandes projetos de obras públicas, qualquer coisa como 20 mil milhões de euros, que nos iam endividar até ao século 25, nunca foram pensados nem defendidos por ninguém, os famosos projetos de interesse nacional, os tais selos de qualidade que o Ministério da Economia dava e que o PS quer agora, mais coisa, menos coisa, reproduzir na área dos media, não iam encher o litoral português de mais betão… Enfim, estamos todos como o doutor Salgado, já um pouco com a memória afetada, como diria a distinta deputada Constança Urbano de Sousa, de raciocínio lento e incapacidade de cumprir rotinas… Entrámos todos, primeiro como clientes e consumidores, depois como pagadores e, finalmente, como doentes, nesse extraordinário mundo do Portugal Alzheimer.
Os 14.963 euros mensais pagos por Salgado
Felizmente, por vezes, ainda persistem alguns momentos de lucidez nesse mundo evanescente para onde os Pinhos e os Salgados deste mundo nos querem levar. Pela minha parte, ouvindo alguns discursos circulares na esfera do poder sobre a malandragem que na justiça e nos jornais anda a dar cabo da vida de honestos cidadãos, os melhores de entre nós, como costumam dizer, que simplesmente se dedicaram a servir Portugal como ministros ou qualquer outra coisa da República, lembro-me sempre do inefável Pinho. O antigo ministro da Economia não chegou, que se saiba, ao ponto de Rodrigo Rato, o ministro do PP espanhol que montou uma máquina de roubar o erário público espanhol. Rato foi muito competente nisso. Não, Pinho limitou-se a receber uma avença do amigo e patrão Ricardo Salgado. E mais uns agradecimentos em espécie da EDP pelas rendas que o seu Ministério lhe deu.
Este bravo homem, enquanto dedicava aos portugueses e a Portugal alguns dos melhores anos da sua vida, pobrezinho, recebia uma avença mensal de Ricardo Salgado de 14.963 euros. Através do famoso saco azul do Grupo Espírito Santo, Pinho recebeu em duas contas na Suíça e através de dois offshores, a Mesete II e a Tartaruga Foundation, a generosa soma de 1,27 milhões de euros. O bolo dividiu-se entre a dita avença e um “prémio” de 500 mil euros, recebido dois meses depois de ter tomado posse como ministro da Economia. Mas não se ficou por aqui. Pinho saiu do governo por causa da célebre investida de corninhos a um deputado do PCP e logo regressou ao BES, onde acabou como administrador e com uma reforma, aos 55 anos de idade, equivalente a 100% do salário pensionável, qualquer coisa como 62 mil euros por mês.
Enquanto ministro, Pinho e o seu Ministério distribuíram incansavelmente os tais projetos de interesse nacional aos interesses do GES e de outra rapaziada na esfera dos interesses do doutor Salgado. Passe a redundância dos interesses porque, na verdade, não estava outra coisa em causa senão o interesse particular dos ditos sobre o interesse coletivo de todos nós. Em certos países mal-afamados, como os EUA ou a própria Inglaterra, a abundante prova indireta que ressalta deste caso judicial, chegaria para meter o senhor Pinho na cadeia por uns anos. Por cá, não serve. Falar nisto é um atentado contra a presunção de inocência… É certo que, a não ser o seu amigo Sócrates, já nenhum socialista de bom senso o defende. Mas o silêncio do PS sobre este e muitos outros casos da sua única maioria absoluta continua a ser uma vergonha que ofende os valores do velho partido laico, republicano e socialista que Mário Soares defendia.
Se não for pelos fumos e odores de corrupção que deste caso exalam, que seja, ao menos, para evitar futuramente tamanho conflito de interesses, tamanha falta de vergonha, tamanho sentimento de grotesca impunidade, tamanha falta de integridade no exercício de cargos políticos. E nem vale a pena ir às benesses que recebeu da EDP, como aquele penacho universitário provinciano pago nos EUA. Basta que fiquemos pela avença dos 14.963 euros mensais paga pelo doutor Salgado ao então ministro Pinho.
Não consta que futuros Pinhos não possam florescer, mesmo com a tão propagandeada e pomposamente chamada Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Para os salvar, existirá sempre esse Portugal Alzheimer SA, que não tem paralelo na capacidade e na competência de construir e propagandear as narrativas da impunidade.
A beleza cristalina de Patrícia Mamona
Um salto espetacular, uma medalha olímpica, uma inteligência que se manifesta em todo o seu esplendor racional e emocional. Patrícia Mamona, na beleza cristalina da sua capacidade atlética e de um discurso autêntico, mostra que nos pode levar longe a força da vontade e do trabalho. Da capacidade de lutar e não desistir. Mostra como o talento tem de ser suavemente trabalhado e regado todos os dias, como se fosse uma frágil flor.
Foi um salto redentor para os que procuram todos os dias bons motivos de orgulho para se sentirem portugueses. Para se esquecerem, pelo menos temporariamente, desse Portugal Alzheimer SA que vive de proteger quem vampiriza os recursos do País e que impede que muitas Patrícias Mamonas, Évoras, Pichardos, Pimentas, Dongmos ou Obikwelus floresçam. Sim, também é por causa dessa gente que o desporto permanece um parente pobre na sociedade portuguesa. Patrícia Mamona é um dos melhores motivos para que procuremos um outro Portugal, de esperança e seriedade, de exigência e qualidade. Parabéns, Patrícia!
Pedro Tamen
Um grande homem, um grande tradutor e poeta, um português de exceção. Morreu mas deixa um legado muito importante na vida cultural deste País. O mais clássico dos poetas contemporâneos portugueses foi também um homem fortemente envolvido na edição, na gestão cultural e no jornalismo literário. Merece ganhar essa eterna luta entre a memória e o esquecimento, que todos os artistas travam, e não deixar de ler os seus livros é a melhor homenagem que se lhe pode fazer.

Eduardo Dâmaso

Sábado

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