quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A questão não é em quem não se vota. É não votar.

Meio século de voto feminino sem restrições, sistemas de quotas e leis de paridade para confirmar que também há mulheres nos boletins de voto não chegaram para garantir que os portugueses votam nelas.

  Uma primeira-ministra, 39 ministras e 69 presidentes de câmara eleitas é o saldo de quase 50 anos de democracia em Portugal.

Não por falta de escolha ou de medidas que forcem o equilíbrio nas listas. Simplesmente os portugueses que votam – mulheres incluídas – preferem votar em homens.

Esta estatística é reveladora de um problema bem mais grave do que o da paridade – mas que também a condiciona: desde 1979, a abstenção nas eleições tem subido sustentadamente, sendo cada vez menos aqueles que elegem os supostos representantes de todos os portugueses. Seja para as autárquicas (45% em 2017), para a Assembleia da República (51,4% em 2019) ou para a presidência (60,8% em Janeiro deste ano), a abstenção é que verdadeiramente ganha eleições neste país. E nem sequer entremos pelas europeias, que definem a nossa voz nos centros de decisão europeus e há 30 anos que não merecem a atenção de mais de um terço dos cidadãos deste triângulo periférico e cada vez mais atrasado relativamente aos seus parceiros de continente.

  Os portugueses deixaram de votar. Não vêem utilidade em fazê-lo, não se reveem nos partidos, nas suas propostas ou naqueles que lhes dão voz, não encontram ideias de valor nos programas eleitorais ou implesmente não entendem que demitir-se de participar na escolha é abrir espaço a que decidam por eles – quantas vezes contra eles. E com essa falta de ação não só viabilizam e precipitam o enfraquecimento da democracia como a pobreza intelectual daqueles que se disponibilizam para arepresentar.

  O que é mais grave, porém, nem é o comportamento dessa metade dos portugueses que não vai às urnas. É que quem está em posições de liderança pública não veja nesse afastamento da participação política e cívica sinais de alarme, caminhando alegremente em direção ao abismo – por distração, por ignorância ou por preferir empenhar as possibilidades que o país teria se contasse com todos os seus a troco de manter um status quo podre que alimenta a clientela estabelecida.

  Ter apenas metade dos eleitores a escolher os destinos do país e quem decide sobre o futuro de todos é pior que mau. Sobretudo quando grande parte desses que se abstêm são os mais jovens, aqueles que vão herdar os efeitos das decisões tomadas, que não querem viver de esmolas mas não conseguem emprego com salários que lhes permitam sair de casa dos pais antes dos 35 anos, que acabam por preferir emigrar porque este país é cada vez menos para eles. Esses que não votam – cujo intervalo se alargou para a faixa dos 18 aos 44 anos – já têm os objetivos de sustentabilidade (económica, ambiental, social) gravados no ADN. Esses que não se reveem neste sistema político são nativos digitais e movem-se pelo sentido de pertença a algo maior do que eles, não pela garantia de empregos para a vida. Esses que não participam não precisariam de quotas para eleger mais mulheres. Mas para eles ninguém fala. E não há quem verdadeiramente se preocupe com isso.

Joana Petiz

Subdiretora do Diário de Notícias

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