quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Sem escrúpulos nem remorsos.

Se for vítima de um crime, quem lhe garante que não lhe calhará um juiz corrupto? Pelos vistos, ninguém. Vejamos: Vaz das Neves, Ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, acusado de corrupção e abuso de poder, repudia qualquer processo disciplinar. Primeiro porque não sabia que, estando jubilado, não podia realizar uma arbitragem privada (e nas próprias instalações desse tribunal), depois porque conselheiros do Supremo e desembargadores de "reconhecido mérito" sempre o fizeram, disse.

Eis quem presidiu a um tribunal de segunda instância uma década a justificar a sua própria transgressão com um “ignorava a lei”, inadmissível para qualquer cidadão (princípio geral do direito desde os romanos), grotesco na boca de um actor judicial. A sério? Desconhecia?

E um cirurgião operar num hospital público um doente do privado, cobrando-lhe com essa tabela? Que achará? Já alegar que também todos faziam (sobretudo “os de mérito”, como se patente fosse via verde) é não apenas infantilóide como muito desadequado face à beca.

Mas há mais. Quanto à atribuição de processos do empresário de futebol José Veiga e do angolano Álvaro Sobrinho, Vaz das Neves explicou que não foi electrónica, apenas por “actos de gestão”. Ou seja, mediante casos tão intricados, o  juiz justifica a rejeição da norma, do modo aleatório (garante de maior transparência), com mera secretaria. Entre isto, a ignorância da lei e “os outros também”, conclui-se que o jubilado com uma das mais alta pensões de sempre ou

é um bebézinho ou é perverso. Venha o diabo e escolha.

Sublinhe-se que Vaz das Neves – que se confessa sem ponta de arrependimento – é apenas um exemplar do visco que desfila, pusilânime e impante, pelos corredores do poder, embaraçando e lesando Portugal e os portugueses. Pois os tribunais podem ser centrais de negócios encabeçadas por vendilhões alheios à ética e que desdenham nas incompatibilidades ou conflitos de interesses. E esta elite pútrida lá vai mutuamente protegendo-se na redoma – por isso mais de um ano após o início da investigação da Operação Lex, que passa pelo referido Vaz das Neves e por Orlando Nascimento (seu sucessor e cúmplice), foi aplicada uma suspensão de sete meses ao primeiro e de quatro meses ao segundo.

Ou seja, perante a violação do dever de imparcialidade e de prossecução do interesse público impostos aos juízes, as sanções disciplinares são pífias.

E é se não forem anuladas pelos recursos, claro. Por isso, será Rui Gonçalves, outro juiz envolvido na Operação Lex (não deveria estar suspenso?!), a analisar o recurso de um dos assistentes do julgamento de Rui Pinto. E por isso Orlando Figueira, depois de em 2018 ter

sido condenado a quase sete anos de prisão por corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documentos, volta agora a ser procurador no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa. Recebeu quase um milhão de euros do ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente para arquivar o processo em que este era acusado por branqueamento de capitais e em 2021 irá administrar justiça. Como é possível?! Perceba-se que enquanto se tolerar esta irmandade tóxica, enquanto se admitir que aqueles que deveriam

servir-nos e proteger-nos funcionem como cartéis, estamos perdidos no mundo. E muito mal acompanhados.

Joana Amaral Dias

Psicóloga clínica. Escreve
de acordo com a antiga ortografia.

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