sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Ryanair vai contestar todas as decisões favoráveis ao plano da TAP.

 Ryanair quer contestar decisão de Bruxelas que reaprovou ajuda inicial dada à TAP. Empresa irlandesa lançou guerra jurídica contra apoios dados ao setor na Europa, mas ainda não conseguiu travá-los.

A Ryanair vai recorrer da decisão da Comissão Europeia que voltou a autorizar a ajuda inicial de 1.200 milhões de euros dada à TAP em 2020, segundo confirmou ao Observador fonte oficial da transportadora low-cost. Esta reaprovação, anunciada em julho último, permitiu ultrapassar a anulação conseguida pela ação inicial da Ryanair no Tribunal Geral da União Europeia.
Num comentário ao Observador, a companhia irlandesa é clara: “A Ryanair vai contestar o plano de reestruturação da TAP e vai enviar comentários à Comissão Europeia — que já expressou dúvidas sobre o plano — nas próximas semanas. Vamos recorrer de qualquer decisão da Comissão Europeia de aprovar o plano de reestruturação da TAP porque é discriminatório e recompensa a TAP por anos de prejuízos e má gestão financeira. Logo, a Ryanair vai continuar a sua campanha para promover a igualdade de condições de concorrência em Portugal para todas as companhias aéreas que estão a criar emprego e a trazer milhões de visitantes ao país”.
O caso da TAP é um entre vários processos que a Ryanair levou até ao Tribunal Geral Europeu de Justiça numa guerra jurídica contra empresas como a KLM e a Finnair e países como França, Suécia e Espanha. Do outro lado da mesa está também a poderosa DG Comp. A direção geral da concorrência europeia tem dado luz verde a injeções de muitos milhares de milhões de euros para manter à tona um dos setores mais castigados pela pandemia e são estas suas decisões que a empresa low-cost está a contestar.
A companhia irlandesa apresentou pelo menos 16 ações na justiça da União Europeia contra as ajudas concedidas pelos Estados às companhias aéreas nacionais e ao setor. Mas, apesar de alguns acórdãos favoráveis aos seus argumentos, a Comissão Europeia tem vindo a contornar o efeito das anulações voltando a autorizar os auxílios, aprofundando a fundamentação das decisões originais.
Mas a Ryanair não dá sinais de baixar os braços. Ainda esta terça-feira, o jornal Público revelava que a transportadora ia avançar com uma nova queixa contra a ajuda de 462 milhões aprovada por Bruxelas em abril a título de compensação por danos provocados pelas restrições a voos. Este será o terceiro processo da companhia irlandesa contra a TAP, sendo que os dois primeiros não impediram nem travaram até agora as ajudas públicas à transportadora portuguesa.
A cruzada pública contra as ajudas de Estado às companhias ditas de bandeira — por oposição às chamadas low-cost — não se limita aos tribunais e conduziu já a uma escalada verbal entre a Ryanair e o  ministro que tem a tutela da aviação, Pedro Nuno Santos — a quem o presidente executivo da companhia irlandesa desenhou um nariz de Pinóquio na última conferência de imprensa em Lisboa. Num discurso que terá como destinatários os contribuintes que financiam esses apoios, Michael O’Leary já equiparou o auxílio previsto para a TAP a “dinheiro deitado para a sanita”. Lá fora ficou famosa a comparação entre a alemã Lutfhansa e um “tio bêbado”.
Na primeira ação entregue ainda no ano passado contra o empréstimo de 1.200 mil milhões de euros do Estado à transportadora, a Ryanair até começou por conseguir um resultado favorável.
O Tribunal Geral da União Europeia aceitou alguns dos argumentos invocados — nomeadamente uma insuficiente fundamentação por parte dos serviços da Comissão de que a TAP não estava integrada num grupo que a poderia financiar (em alternativa ao Estado). E declarou mesmo nula a ajuda dada no ano passado. No entanto, suspendeu os efeitos dessa anulação com o argumento de que teria graves consequências económicas para Portugal, dando dois meses a Bruxelas para reformar a sua decisão.
Isso foi feito a 16 de junho, quando a Comissão Europeia reaprovou a ajuda já recebida pela TAP de 1.200 milhões de euros, numa nova decisão que responde às insuficiências de fundamentação apontadas no acórdão do Tribunal Europeu Com esta decisão, o processo iniciado pela ação da Ryanair foi dado como concluído, uma vez que não houve recurso por parte da companhia irlandesa, segundo a informação disponível no site do tribunal que dá o caso como concluído, mas em resposta ao Observador a empresa inglesa diz que vai contestar.
No mesmo dia em que anunciou a reaprovação do auxílio inicial dado à TAP, Bruxelas lançou uma investigação aprofundada ao pacote total de ajudas públicas, no valor de 3,2 mil milhões de euros, que incluem já o empréstimo original do Estado de 1,2 mil milhões de euros. Esta ajuda e o plano de reestruturação da TAP ainda não receberam a luz verde dos serviços europeus e termina esta semana o prazo para Portugal responder às dúvida e questões suscitadas.
Esta não foi, contudo, a primeira queixa da companhia low-cost contra a TAP a cair. Na leitura dos documentos publicados por Bruxelas sobre o processo de ajuda, é referida uma segunda queixa feita em janeiro contra a intenção então demonstrada pelo Governo de usar um regime jurídico só disponível para empresas públicas para impor a suspensão dos acordos de empresa sem o acordo dos trabalhadores.
A Ryanair alegou que estaria em causa uma ajuda de Estado porque este mecanismo legal não poderia ser aplicado a uma empresa privada. O regime legal em causa acabou por não ser usado, embora a possibilidade da sua utilização tenha sido um argumento decisivo para todos os sindicatos da TAP terem negociado acordos de emergência a suspender as convenções coletivas — o que se traduziu em cortes salariais e reduções de horários e perda de regalias.
Por outro lado, foi considerado que esta legislação, que implicou a declaração por parte do Governo da TAP como empresa em situação económica difícil, não envolvia dinheiros do Estado. A queixa caiu.
Vitórias relativas e as derrotas na Finnair, Austrian Airlines e apoios dados por Espanha
A TAP é mais uma batalha no conflito que opõe a companhia irlandesa a grande parte da aviação europeia, que, por força da Covid 19, passou a poder contar com ajudas públicas que antes estavam proibidas pelo exigente enquadramento da concorrência da União Europeia. O resultado obtido na primeira ação contra o auxílio à empresa portuguesa foi até uma das poucas vitórias que a companhia irlandesa conseguiu nesta cruzada. As outras foram contra a KLM e a Air Condor.
No caso da companhia holandesa, a ação contra o pacote de 3,4 mil milhões de euros de apoios conseguiu anular a aprovação dada pela Comissão Europeia em julho de 2020, mas, tal como na TAP, os efeitos desta anulação foram suspensos, dando a Bruxelas dois meses para emitir nova decisão sobre o caso.
A medida de apoio à liquidez da KLM foi reaprovada em julho, depois de a Comissão Europeia ter respondido às dúvidas levantadas pelo Tribunal Geral Europeu de Justiça, reforçando a fundamentação para considerar esta medida necessária, proporcional e adequada. Entre as matérias em causa estava a fundamentação para a KLM ser a única empresa beneficiária da ajuda holandesa e a razão pela qual não foi abrangida pelo apoio financeiro dado à parceira e acionista Air France. Neste caso, a Ryanair terá demonstrado a intenção de recorrer a uma instância superior, o Tribunal Europeu de Justiça.
A situação repetiu-se com o empréstimo do Estado alemão à transportadora charter Air Condor, cuja decisão positiva inicial foi também anulada na sequência de uma queixa da Ryanair. A compensação por danos causados pela Covid-19 no valor total de 525,3 milhões de euros foi novamente aprovada em julho deste ano, e depois de incorporadas as questões levantadas pela sentença do Tribunal Europeu e verificadas as perdas sofridas em consequência das restrições da pandemia. Tal como a TAP, a Air Condor já estava em dificuldade económica antes do Covid-19 e está a implementar um plano de reestruturação que neste caso já teve a luz da DG Comp.
A TAP, KLM e Air Condor foram até agora os casos em que as queixas da Ryanair tiveram algum efeito. Outras ações apresentadas no Tribunal Geral da União Europeia contra ajudas dadas a companhias aéreas ou ao setor da aviação foram simplesmente recusadas. Foi o que aconteceu com os auxílios de Estado à Finnair, companhia finlandesa e à Austrian Airlines. A companhia austríaca recebeu ajuda pública do Estado, apesar de ser parte do grupo Lufthansa, que, por sua vez, também teve direto a um pacote de apoios. O acórdão concluiu que não existia uma sobrecompensação por essa via.
A Ryanair viu também recusadas ações contra os pacotes de ajudas e isenções dados pela Suécia, Dinamarca e França às companhias aéreas para enfrentar a queda de receitas causada pela pandemia e que incluíam empréstimos e isenções ou adiamento do pagamento de taxas. As medidas de recapitalização de dez mil milhões de euros promovidas por Espanha para apoiar as empresas mais afetadas pela pandemia. A Ryanair contestava a natureza discriminatória da ajuda que beneficiou companhias aéreas como a Iberia, mas o Tribunal considerou que eram compatíveis com as regras europeias.
Nos casos em que as queixas foram recusadas, a Ryanair teve de pagar os custos da Comissão Europeia com o processo.

Ana Suspiro

Observador

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