Há dois anos que o Ministério Público não detecta problemas nas 328 declarações de rendimentos e património de governantes, autarcas e deputados, mas a SÁBADO encontrou centenas de falhas e omissões, incluindo declarações nunca entregues e a estranha prática do Tribunal Constitucional de rasurar o nome das mulheres dos ministros.
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Veja mais notíciasMais presidentes de câmara, menos ministros e secretários de Estado. Quando em 2018 a SÁBADO fez pela primeira vez um ranking da riqueza dos políticos com base nas declarações entregues pelos próprios no Tribunal Constitucional (TC), no top 30 estavam apenas quatro autarcas. Cinco anos depois, quase duplicaram: são agora sete, espalhados por todo o País. Em sentido contrário, o Governo passou a ser composto por pessoas menos abonadas. Em 2018, um terço do top 30 (seis secretários de Estado e quatro ministros) vinha do Governo. Hoje, esse peso caiu para metade. O primeiro ministro é o mesmo, António Costa.
Nestas contas está Pedro Nuno Santos, que deixou de ser ministro durante a produção deste artigo, e de quem somámos uma riqueza pessoal de €393.070, ainda que não tivesse sido possível apurar o valor patrimonial (que não deverá ser de monta) dos 50% que possui de um imóvel rústico. Não são tidos em conta também os valores dos seus dois automóveis (um Land Rover Defender, de 2020, e um BMW 325, de 1987), bem como da sua mota Ducati, de 2018. Ainda assim, de notar que Pedro Nuno Santos deverá reassumir o seu lugar de deputado no parlamento.
Pela mesma razão, também está ainda nestas contas o seu secretário de Estado Hugo Santos Mendes, que se demitiu igualmente e que tem um património de €376.180. Pelo contrário, não está incluída Alexandra Reis, Ex-secretária de Estado do Tesouro, que não tinha entregado no TC a sua declaração – tomou posse a 2 de Dezembro e tinha 60 dias para o fazer. Na declaração, que ainda terá de entregar (os políticos são obrigados a preencher a declaração quando entram e quando saem de funções), Alexandra Reis tem de incluir os €500 mil da polémica indemnização da TAP que motivou a sua queda, bem como a de Pedro Nuno Santos e de Hugo Santos Mendes.
Regressando ao top 30, referência ainda para os deputados, que continuam a ter a mesma proporção de há cinco anos (50%) e a pertencer aos mesmos partidos (PS e PSD), com excepção de um elemento da Iniciativa Liberal (tal como em 2018 havia um do CDS).
No total, foi possível apurar uma riqueza de €76.708.895 nos 328 políticos analisados (governantes, deputados, presidentes dos governos regionais e autarcas das principais cidades do País). Em média, cada um tem €255 mil de riqueza, que se pode traduzir em imóveis, participações sociais, depósitos ou activos financeiros.
Destes 328 políticos, há 21 cuja riqueza é zero, ou seja, não têm casas em seu nome, não têm acções ou empresas, nem aplicações financeiras e contas à ordem que ultrapassem os limites de saldo obrigatórios para declaração – até 50 salários mínimos nacionais (€32.250). Entre estes 21 há deputados do PSD, PS, Chega, IL e PCP, além de Isabel Almeida Rodrigues, secretária de Estado da Igualdade e Migrações. No campo oposto, há 11 políticos com mais de 1 milhão de euros em património.
Por diversas razões, este valor global de €76,7 milhões de euros é apenas um ponto de partida para se ter uma ideia da riqueza dos políticos portugueses. Nestas contas não é considerado o valor comercial actual dos carros, motas, aeronaves e barcos, que também têm de ser declarados ao TC.
Por outro lado, os políticos não são obrigados a declarar contas à ordem com saldo inferior aos já referidos 50 salários mínimos nacionais, embora alguns o façam. Também não são obrigados a declarar os activos das empresas de que são sócios, bem como os recheios das suas casas, nomeadamente as obras de arte – a não ser que se considere que tais bens estão incluídos na rubrica da declaração chamada “Outros Elementos do Ativo Patrimonial”, que ninguém preenche (com uma exceção, como veremos mais à frente neste artigo).
Sobretudo, os políticos não têm de declarar quanto valem as casas e terrenos que possuem. Apenas alguns indicam o valor patrimonial tributário. Para este artigo, esse foi o principal assunto dos 244 emails que a SÁBADO enviou para tentar preencher lacunas de informação. À maior parte deles não recebemos resposta.
Em resultado (sobretudo) dessa falta de indicação de valores patrimoniais, houve 91 declarações que considerámos incompletas, ou seja, não foi possível apurar a totalidade da riqueza do político em causa. A estes devem somar-se as 29 declarações em que não foi possível apurar qualquer valor, de todo, por falta de informação.
Um exemplo das 91 declarações incompletas é a do primeiro-ministro, cujos valores patrimoniais de três apartamentos não foi possível apurar. Refira-se que António Costa, que vive numa casa arrendada na freguesia de Benfica, em Lisboa, prepara-se para se mudar para o apartamento que comprou a poucas centenas de metros, no condomínio Fábrica 1921, ainda em fase de acabamento. Costa declarou ao tribunal que o T1 lhe custou €276.050 em planta, tendo adiantado, a título de sinal, €248.445.
Marcelo Rebelo de Sousa, que também vive, há largos anos, numa casa arrendada, não tem imóveis em seu nome. O Presidente da República declarou apenas €140.311 em contas e aplicações financeiras, bem como um Mercedes.
Augusto Santos Silva, segunda figura do Estado, presidente da Assembleia da República, tem um património de €148.626, sendo a maior parte referente a imobiliário com a mulher. Em produtos bancários declarou €42.411, além de três automóveis (Opel Corsa, Toyota Corolla e Toyota Yaris).
Luís Montenegro, líder do PSD desde maio, não é político em funções, não tem declaração recente entregue. A declaração do seu antecessor, Rui Rio, que abandonou a política, não foi considerada para este artigo. Ao contrário da de Jerónimo de Sousa, que saiu da liderança do PCP e do parlamento há poucas semanas, no fim de novembro. O comunista é um dos 21 políticos com património zero.
No Bloco de Esquerda, Catarina Martins tem um património de €12.200, sem contar com o valor dos seus três imóveis – não respondeu ao email da SÁBADO sobre essa dúvida. A deputada bloquista, que é dona de um Skoda Fabia Break, de 2011, devia €74.825 à CGD. André Ventura, do Chega, tem apenas declarado um depósito à ordem com €72.462. Rui Tavares, do Livre, tem €36.002 de valor patrimonial tributário da sua casa, além de um Citroën C3, de 2007. E deve €193.683 aos bancos. Inês Sousa Real, do PAN, tem uma riqueza declarada de €82.011, que se resume à copropriedade de dois imóveis. Em contraste, tem €256.651 em passivo bancário. A deputada declarou que o marido tem participação em três empresas – Inês Sousa Real já foi sócia em duas delas, de produção de frutos vermelhos, o que motivou polémica em 2021 devido às alegadas práticas de cultura intensiva dessas empresas.
Nenhum destes líderes partidários chega perto do da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, que é o 18º mais rico, com um património apurável de €809.861, ainda que deva €791.095 aos bancos. Cotrim, que está demissionário da IL, tem três automóveis declarados (Mercedes, Ford e BMW). Rui Rocha, candidato a suceder-lhe, tem um património de €238.630 (e um Audi A3) – deve €81.847 aos bancos. Carla Castro, também candidata, tem €167.140 de património pessoal e €332.587 de dívidas bancárias.
Maridos e mulher apagados
Cinco anos depois de a SÁBADO ter feito pela primeira vez este levantamento dos rendimentos e património que os políticos declaram ao Tribunal Constitucional (TC), tudo se mantém igual quanto ao preenchimento das declarações e ao seus acesso público. Os políticos continuam a poder preencher os formulários à mão, por vezes com caligrafia cerrada, ou em letra miudinha, ou de forma tão ténue que parecem escritos a lápis.
O acesso às declarações só pode ser feito presencialmente na sede do tribunal, em Lisboa, mediante um pedido prévio e após marcação para data possível dentro da agenda do TC, tendo o interessado acesso apenas a fotocópias dos originais (o que dificulta ainda mais a leitura de algumas declarações) expurgadas à mão pelos funcionários do Tribunal dos dados pessoais dos políticos.
Esse expurgo de dados pessoais pode ir ao limite de serem rasurados os nomes dos cônjuges. Por exemplo, quem for ao TC consultar a declaração de Fernando Medina de 29 de julho de 2022 não consegue saber quem é a sua mulher, porque o nome está rasurado. Academicamente, se não se souber o nome da mulher de um ministro (ou de um presidente de câmara) não se consegue saber, por exemplo, se é sócia de alguma empresa, que por sua vez pode ser contemplada com a adjudicação de um contrato pelo ministério (ou pela câmara) do marido, o que pode ser uma clara violação da lei (no caso a 52/2019, que regula o exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos).
Também estão rasurados pelo TC os cônjuges dos ministros António Costa Silva, Elvira Fortunato, Catarina Sarmento e Castro, João Cravinho, João Costa e Helena Carreiras.
A SÁBADO pediu uma justificação ao TC, que respondeu que está a “aplicar a Lei 52/2019, nomeadamente a alínea a) do nº2 do artigo 17º”. Esta alínea diz que “não são objeto de consulta ou acesso público os seguintes elementos da declaração: a) Dados pessoais sensíveis como a morada, números de identificação civil e fiscal, números de telemóvel e telefone, e endereço eletrónico”. Ou seja, além dos exemplos dados na lei, o Tribunal Constitucional engloba ainda na expressão “dados sensíveis” o nome dos cônjuges dos ministros.
Outra questão prende-se com a filosofia do preenchimento, que é autodeclarativo (ou seja, os políticos declaram o que querem, sem necessidade de fazer prova com documentos). E a fiscalização apresenta falhas – por exemplo, é possível que um autarca, um ano depois de passado o prazo legal, ainda não tivesse apresentado a sua declaração e apenas o tivesse feito depois de a SÁBADO perguntar o que se estava a passar.
Aconteceu com Isilda Gomes, que a 26 de setembro de 2021 foi eleita para o seu terceiro mandato em Portimão. Tendo 60 dias, por lei, para apresentar a sua declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos, não o fez. Em outubro de 2022, quando a SÁBADO pediu pela primeira vez ao TC a sua declaração mais recente, foi-nos entregue uma que datava de 2017.
Após vários emails de insistência, a autarca ligou-nos para justificar o lapso, prometendo que enviaria dias depois por escrito, por email, o que aconteceu. Assim fez, no dia 19 de dezembro de 2022: “A declaração já se encontra no Tribunal Constitucional, tendo sido preenchida online. Quanto às razões que me levaram a não a apresentar, prende-se com o facto de no mês seguinte à minha tomada de posse termos vendido uma moradia, por força da morte do meu marido. Acontece que como perdi o meu filho mais velho, o herdeiro é o meu neto, que é menor. Isso obriga a pedir uma autorização ao tribunal para se poder efetivar a venda. O pedido deu entrada no tribunal em dezembro de 2021. Como esperava que o processo fosse rápido, faria a declaração com a informação correta. Fui aguardando e o facto é que a partir de uma determinada altura, acabei por me esquecer.”
O mesmo aconteceu com o presidente da câmara de Viana do Castelo, mas neste caso parece não haver desfecho ainda. A última declaração de Luís Nobre é de 2017, informa-nos o Tribunal Constitucional, das várias vezes que perguntámos nos últimos meses. Ou seja, falta a de 2021 (recorde-se que, como os políticos só têm de apresentar declarações quando cessam funções e tomam posse, os autarcas só o fazem de quatro em quatro anos).
Enviámos um email no dia 9 de dezembro a Luís Nobre, de que não houve resposta. No dia 19, depois de termos confirmado de novo junto do TC que nada havia atualizado, ligámos para a câmara e insistimos. Na tarde desse dia, a secretária respondeu por email: “O senhor presidente encarrega-me de informar que até ao presente, tem as declarações todas submetidas, não se encontrando nada em falta.” Em resumo, o autarca diz que entregou no Tribunal Constitucional, mas este garante que nada recebeu.
As declarações que não existem
Estas situações estendem-se aos deputados, que tomaram posse a 29 de março de 2022 e tinham até fim de maio para declarar os seus rendimentos, interesses e património. Por exemplo, Graça Reis, do PS, não tem declaração entregue desde 2019, informou-nos o TC.
Também não tem endereço de email no site do parlamento, pelo que alertámos o líder da bancada socialista, Eurico Brilhante Dias, e pedimos que lhe reenviasse o nosso email. “Essas questões devem ser enviadas à Comissão de Transparência [da Assembleia da República]. Eles podem esclarecer”, disse-nos o deputado de volta, a 28 de novembro. Respondemos-lhe que a responsabilidade da declaração era dos próprios deputados e pedimos de novo que reencaminhasse o email. Não sabemos se o fez, nem obtivemos qualquer esclarecimento de Graça Reis. O TC referiu-nos que foi notificada da falta.
Tal como foi Tatiana Homem de Gouveia, deputada do PS, sem declaração entregue. Pedimos ao líder parlamentar que lhe reencaminhasse o nosso email. Sem resposta. Outro exemplo, a deputada socialista Rosa Isabel Cruz, também sem endereço eletrónico atribuído. A 30 de novembro pedimos a Eurico Brilhante Dias que reencaminhasse as nossas questões à deputada, que declarou contas bancárias sem referência a qualquer montante, bem como 2.240 ações, mas nenhuma referência ao seu valor de mercado, assim como quatro imóveis sem valor patrimonial. Não obtivemos resposta. Outro caso na bancada do PS: Martina Jesus. Declarou 10 imóveis, mas não está referido em que cidade e qual o seu valor patrimonial. Sem email, pedimos a Brilhante Dias que fizesse a ponte. Sem resposta. A assessoria de imprensa do grupo parlamentar do PS não conseguiu em tempo útil esclarecer os casos.Os barcos e os terrenos-mistério
Devido a estas omissões, Martina Jesus e Rosa Isabel Cruz fazem parte das 91 declarações que considerámos incompletas. Luís Nobre, Tatiana Homem de Gouveia e Graça Reis pertencem a outra categoria, a das declarações inexistentes.A dificuldade em obter este tipo de dados não é extensível a todos. No Governo, por exemplo, vários ministros e secretários de Estado prontificaram-se a esclarecer à SÁBADO dúvidas com os seus apartamentos (onde ficam e o respetivo valor patrimonial). E não só. Pedro Nuno Teixeira, secretário de Estado do Ensino Superior, declarou 278 mil ações de várias empresas cotadas (cujo nome é rasurado pelo TC), mas sem valor atribuído. “O valor a 25/11/2022 era de €139.712,96”, respondeu-nos.
Pedro Nuno Teixeira tinha ainda uma singularidade: foi o único entre 328 políticos a identificar no património um valor em obras de arte (€65.000) e em livros (€45.000). Perguntámos-lhe o que era e porque o fez. Respondeu o gabinete: “Foi meramente uma preocupação de transparência. Os livros foram comprados ou oferecidos ao longo de muitos anos. A maioria relaciona-se com a atividade de docente universitário e investigador (desde 1995). Os demais são literatura e ensaio em várias áreas. Nenhum deles tem individualmente um valor monetário significativo e o Secretário de Estado não possui livros raros ou com valor significativo no mercado bibliófilo. Quanto às obras de arte, foram compradas ou oferecidas ao longo dos anos. Não possui nenhuma obra de valor particularmente elevado, sendo a maioria serigrafias ou gravuras, cujo valor monetário individual é pouco significativo. Incluem-se ainda alguns quadros e duas tapeçarias.”Outro exemplo, Bernardo Ivo Cruz. O secretário de Estado da Internacionalização declarou uma “embarcação de recreio”. Pedimos ao seu gabinete que nos esclarecesse, porque a referência era vaga e tanto poderia ser um iate de luxo ancorado em Monte Carlo, ou outra coisa. Era outra coisa: “Trata-se de um veleiro de 8 metros de 1973, comprado em segunda mão em 2007 e de momento atracado na doca seca do Seixal.”
De referir que, além do governante, só dois políticos declaram possuir barcos, ambos deputados do PSD: João Moura e Rui Cristina.
Menos claro, apesar das várias insistências, foi o presidente da câmara municipal de Sintra, Basílio Horta, cujo património, como se pode ver nos rankings, se destaca dos demais. Na globalidade, o autarca é o mais rico dos políticos portugueses e na tabela específica do património imobiliário apenas é ultrapassado, por pouco, pela deputada Mónica Quintela. Mas se Basílio Horta esclarecesse um pormenor, estaria também aí em primeiro. Trata-se de um “prédio urbano” no Algarve (Albufeira) e “três terrenos urbanos” num dos concelhos mais caros e ricos do País (Cascais), todos detidos em copropriedade com a mulher. Quanto valem? Basílio Horta não o revelou na declaração ao TC, ao contrário do que fez relativamente aos outros imóveis que possui.
Numa troca de emails com a SÁBADO, começou por responder: “Relativamente a estes imóveis [prédio e terrenos] foi apresentada, oportunamente, contestação aos valores patrimoniais, estando em curso a respetiva tramitação no âmbito da autoridade tributária.” Porque o fez? “Decorreu da desadequação da solução então preconizada pela administração tributária.” Concluímos então que o senhor presidente não quer revelar os valores dos terrenos e do prédio? “A vossa conclusão não é correta, pois eu não posso indicar um valor que ainda não está fixado.” Como é que o senhor presidente contesta o que não está fixado? Não houve mais respostas.
O que é feito da Entidade?
Em 2019, a criação da Entidade para a Transparência – que é “um órgão independente que funciona junto do TC e tem como atribuição a apreciação e fiscalização da declaração única de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos” – poderia ajudar a esclarecer estes problemas e dúvidas. Nunca saiu do papel.
Porquê? “Porque o Tribunal Constitucional nunca fez finca-pé ao parlamento”, diz à SÁBADO Paulo de Morais, presidente da Associação Frente Cívica. A sua tese é que “a Entidade para a Transparência tem o problema de estar sob a ilharga do TC”: “Grande parte dos seus juízes são nomeados pelo parlamento e por isso o Tribunal é reverente. A maior parte dos deputados não querem que a Entidade para a Transparência funcione e o Tribunal não quer fiscalizar quem os nomeia.” Paulo de Morais diz que a Entidade é “um nado-morto, foi feita em ano de eleições [2019], e para não funcionar”.
Um dos motivos para que a Entidade nunca tenha saído do papel é a sede. “O Governo inscreveu no Orçamento despesa para a En- tidade, mas o Tribunal Constitucional andou a escolher um sítio que tinha de ser digno – porque tinha de ser digno, não podia ser num prédio normal”, diz à SÁBADO Nuno Cunha Rolo, presidente da associação Transparência e Integridade. “O Tribunal sempre achou inadequadas as várias propostas vindas do Governo. Só que a Entidade para a Transparência é um órgão administrativo, não é um órgão de soberania. Porque é que não pode ser num prédio?” Paulo de Morais, por sua vez, acha que tudo “não passa de uma desculpa, porque o Estado tem milhares de edifícios”.
A 8 de novembro o TC terá dado início ao processo. Em comunicado, anunciou que o plenário de juízes “aprovou a possibilidade de instalação provisória da Entidade para a Transparência em espaço a arrendar na cidade de Coimbra”. O TC garantiu também que “até ao final do corrente ano” iria “proceder à nomeação da Direção da Entidade”. O que não aconteceu. Questionado no dia 28 de dezembro, o Constitucional respondeu à SÁBADO que “estão em curso as diligências necessárias para que, em breve, sejam conhecidos os detalhes relativos ao funcionamento da Entidade da Transparência – tanto no que toca às instalações como à composição da sua direção”.
Outro motivo para o atraso foi o salário do presidente. Segundo noticiou o Observador em outubro de 2022, o presidente do TC, João Caupers, enviou uma carta em junho de 2021 ao presidente da Assembleia da República (Ferro Rodrigues na altura) onde dizia que seria “apropriado” que a Entidade fosse presidida “por um magistrado” e que tal era a condição para lhe dar “indispensável independência”. Problema: os estatutos da Entidade não preveem que o presidente possa ter a remuneração de origem. “Consideradas as diferenças remuneratórias em causa, isto vale por dizer que nenhum magistrado aceitará, previsivelmente, exercer ali funções” escreveu Caupers na carta, reproduzida pelo jornal. O presidente do Constitucional sugeria a Ferro Rodrigues, a quem tratava na carta por “estimado amigo”, que a lei fosse alterada, o que não aconteceu.
A este propósito Nuno Cunha Rolo realça que a lei não diz que o presidente tem de ser um juiz e não entende esta judicialização de certas funções. “Colocar um juiz como gestor… Noutros países não vemos juízes a dirigir estas entidades. Um juiz é um técnico, decide sobre aquilo que lhe entregam. Ou então temos a sorte de ser escolhido alguém com conhecimentos da administração pública, com liderança, com mundividência.”
Paulo de Morais faz uma crítica semelhante, mas relativa à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, que é composta por deputados, que assim se autofiscalizam. “A comissão devia ser composta por pessoas de fora do parlamento, ou mista, como acontece em Inglaterra. Ou como acontece nas comissões de ética das universidades.”MP: zero problemas em 2020 e 2021
Enquanto a Entidade para a Transparência não nasce, quem dentro do TC faz a fiscalização das declarações são os magistrados do Ministério Público (MP) ali alocados. No artigo de 2018 da SÁBADO eram citados os relatórios-síntese do MP, que discriminavam certo tipo de ações tomadas. Por exemplo, em 2017 foram pedidos “304 esclarecimentos” aos políticos sobre as suas declarações. Mais importante: “Há a registar a participação, através do envio da respetiva certidão, de 24 ocorrências: 14 relativas à cessação de funções, 6 relativas a início e cessação de funções e 1 relativa a início de funções. Em resultado (…) foram julgadas pelos tribunais administrativos, com decisão transitada em julgado, um total de 20 ações: 19 procedentes (16 inibições para o exercício de cargo, 2 perdas de mandato e 1 inibição) e 1 improcedente.”
No relatório mais recente do MP, de 2021, esta segunda parte não existe. Nem no de 2020. O gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República esclareceu à SÁBADO a razão: “Nos anos 2020 e 2021 não foram propostas quaisquer ações. Com efeito, tem-se verificado por parte dos titulares de cargos políticos um cumprimento mais rigoroso das obrigações declarativas bem como tempestividade no suprimento de deficiências ou esclarecimento de dúvidas suscitadas pelas declarações.”
Por todo o exposto, não é surpresa que o GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção, estrutura do Conselho da Europa), continue a avaliar negativamente a forma como Portugal previne e combate a corrupção em relação a deputados, juízes e procuradores.
No último relatório, de 2021, saudou a criação em 2019 da Entidade para a Transparência (que não funciona ainda), bem como do Código de Conduta dos Deputados, que regula por exemplo que ofertas podem receber, embora o GRECO realce que “o âmbito dos contactos permitidos entre os deputados e terceiros não foi devidamente abordado”. Mais: “Nem o Código nem o Estatuto dos Deputados estabelecem sanções para atos indevidos, o que põe em dúvida a eficácia do mecanismo de fiscalização.”
Marco Alves Com Diogo Machado, Íris Fernandes e Raquel Lito
Soma do património imobiliário, das participações sociais em empresas e de contas e ativos financeiros. Valores de 2021, exceto autarcas (2020) e presidentes de governos regionais (2019).
https://www.sabado.pt/sabado-interactivo/detalhe/seis-graficos-que-explicam-a-riqueza-dos-politicos