quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O estado das escolas é o reflexo do estado do país

Os governos socialistas são há 30 anos os maiores e mais apaixonados promotores dos grandes grupos privados nas áreas da saúde e da educação. Não liguem ao que o PS diz. Vejam o que o PS faz.

O PS dirige o país desde 1995, com excepção de dois curtos períodos em que o PSD chegou ao poder em circunstâncias precárias, primeiro em 2002 e depois em 2011. Desde Cavaco Silva que a direita não consegue apresentar um programa de Governo em condições economicamente favoráveis, razão pela qual foi sendo enxotada para a oposição após legislaturas episódicas e austeras de três ou quatro anos. Henrique Raposo chamou a isto “a grande era socialista (pós-1995)”. É um bom nome. E qual é o resultado dessa “grande era socialista”, nas áreas fundamentais do Estado, como a saúde e a educação? Está bem à vista: uma degradação brutal das condições do SNS e da escola pública e um impressionante crescimento do ensino e da saúde privados.

Já o disse várias vezes, mas vale sempre a pena repetir, a ver se entra: os governos socialistas são há 30 anos os maiores e mais apaixonados promotores dos grandes grupos privados nas áreas da saúde e da educação (excepção feita aos desgraçados com contractos de associação, atropelados no tempo da "geringonça"). Não liguem ao que o PS diz. Vejam o que o PS faz. Eis os resultados das suas políticas: 400 mil alunos em escolas privadas que, de ano para ano, aumentam o seu domínio no ranking escolar (há três anos consecutivos que não existe uma única escola pública no top 30); e mais de três milhões de portugueses com seguros de saúde, o que obviamente deu origem a uma explosão de hospitais privados, que crescem como cogumelos nas grandes áreas urbanas.

Convém lembrar aos mais distraídos, ou a quem nunca perdeu a fé no Partido Socialista (em geral, acumulam), que o Estado português oferece esses serviços gra-tui-ta-men-te aos seus cidadãos. E ainda assim, mesmo com a possibilidade de gastar zero euros em hospitais e ensino, há centenas de milhares de pais, e milhões de portugueses, que ao mesmo tempo que suportam uma das mais altas cargas fiscais da OCDE, fazem o sacrifício extra de pôr os filhos na escola privada e de investir num seguro de saúde. A isto António Costa chama um “Estado social forte” e “imprescindível”.

Caros professores em luta: António Costa obteve maioria absoluta há menos de um ano. Não fui eu que votei nele. Não sei se há quem pense que a luta dos professores, ou a luta dos médicos, ou a luta dos enfermeiros, é apenas uma questão sectorial, independente da estratégia (ou falta dela) do Governo para o país. Não é. Isto anda tudo ligado. A escola pública já teve professores a mais, agora tem professores a menos; já foi uma auto-estrada de progressões na carreira, agora é um engarrafamento de professores estagnados; já teve uma falta de exigência obscena quanto à sua avaliação, agora parece que os afoga em burocracia. Tudo vai balançando sem sentido entre um extremo e outro, ditado pelas políticas centralistas do Ministério da Educação.

Ironia das ironias: quando o Governo aposta na autonomia das escolas e numa maior participação dos municípios, são os professores que dizem “não”. Porquê? Porque temem que o nepotismo e a pequena corrupção manchem a contratação dos professores. Perante as últimas dez capas do Correio da Manhã, quem sou eu para os desmentir? Donde, de um lado, temos um país que não suporta mais centralismo; do outro, o receio de que a ausência de centralismo traga mais corrupção. O impasse é total. E é por isso que jamais se resolverá o grande problema da gestão das escolas sem primeiro se resolver o gigantesco problema da gestão do país.

João Miguel Tavares

O autor é colunista do PÚBLICO

Sem comentários: