Já reparou que são as pessoas que se dizem defensoras da liberdade de expressão que mais atacam os comentários das redes sociais?
As pessoas que escrevem comentários sempre existiram, muito antes — milénios antes — das redes sociais. É essa, aliás, a palavra curta pela qual são designadas: são pessoas.
As pessoas sempre tiveram opiniões. É horrível, não é? Mas é humano e não há nada a fazer. Eis a outra palavra curta que se costuma usar para falar delas: são os outros.
É horrível, mas os outros só raramente pensam como nós.
Aliás, teimam em pensar o contrário. E pior: não nos respeitam, já não aguentam as nossas opiniões, estão fartos de nos aturar.
Em podendo desabafar — veja-se só —, desabafam. Mas por que carga de água é que lhes puseram à frente aquela caixinha de comentários?
A ocasião não faz só o ladrão.
Também faz o chatarrão, o respondão, o diz-que-não e outras palavras acabadas em “ão”.
Tem graça que são os apologistas da tolerância que se têm revelado os mais intolerantes. Então porque é que nunca se riem, não é?
Se calhar, porque já lhes custa sair do estado de permanente, apopléctica e apocalíptica indignação em que mergulham para pescar os lugares-comuns.
Outra questão é saber como é que estes ilustres personagens vêm a saber das redes sociais e dos reles comentários que lá se fazem?
Como é que arranjam tempo no meio de tantas doutas leituras para conspurcar os olhos com as fétidas efusões do povoléu?
Ou será que perscrutam as redes sociais à procura de palavrinhas de apreço?
Ou será que, na demanda de uns recados sumarentos dos correligionários, de umas pancadinhas nas costas e de uns gritos espontâneos de “ah, leão!”, são rudemente interrompidos por envios que não lhes agradam?
Pobres diabos.
Miguel Esteves Cardoso
Público • Domingo, 20 de Junho de 2021
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