quinta-feira, 24 de junho de 2021

A culpa é das redes.

Já reparou que são as pessoas que se dizem defensoras da liberdade de expressão que mais atacam os comentários das redes sociais?

As pessoas que escrevem comentários sempre existiram, muito antes — milénios antes — das redes sociais. É essa, aliás, a palavra curta pela qual são designadas: são pessoas.

As pessoas sempre tiveram opiniões. É horrível, não é? Mas é humano e não há nada a fazer. Eis a outra palavra curta que se costuma usar para falar delas: são os outros.

É horrível, mas os outros só raramente pensam como nós.

Aliás, teimam em pensar o contrário. E pior: não nos respeitam, já não aguentam as nossas opiniões, estão fartos de nos aturar.

Em podendo desabafar — veja-se só —, desabafam. Mas por que carga de água é que lhes puseram à frente aquela caixinha de comentários?

A ocasião não faz só o ladrão.

Também faz o chatarrão, o respondão, o diz-que-não e outras palavras acabadas em “ão”.

Tem graça que são os apologistas da tolerância que se têm revelado os mais intolerantes. Então porque é que nunca se riem, não é?

Se calhar, porque já lhes custa sair do estado de permanente, apopléctica e apocalíptica indignação em que mergulham para pescar os lugares-comuns.

Outra questão é saber como é que estes ilustres personagens vêm a saber das redes sociais e dos reles comentários que lá se fazem?

Como é que arranjam tempo no meio de tantas doutas leituras para conspurcar os olhos com as fétidas efusões do povoléu?

Ou será que perscrutam as redes sociais à procura de palavrinhas de apreço?

Ou será que, na demanda de uns recados sumarentos dos correligionários, de umas pancadinhas nas costas e de uns gritos espontâneos de “ah, leão!”, são rudemente interrompidos por envios que não lhes agradam?

Pobres diabos.

Miguel Esteves Cardoso

Público • Domingo, 20 de Junho de 2021

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