Foi uma tentativa de fazer humor,
mas não teve graça. Nenhuma. A
frase, infeliz, despropositada e
inoportuna de António Costa
quando vê aprovado o Plano de Recuperação
e Resiliência merece uma análise
mais profunda, não tanto ao que foi dito,
mas mais ao que significa. (Noutros tempos,
a resposta poderia ter sido: “Qual é a
pressa?” Mas sabemos todos o que aconteceu
ao senhor que não tinha pressa em
convocar “directas” e depois um congresso.
Ele sabia que ia perder o partido e o poder.
Como veio a acontecer.)
Costa tem pressa em pôr a mão na massa.
Comportou-se, com aquela frase,
como alguém que acaba de ganhar o Euromilhões,
e a primeira pergunta que faz à
Santa Casa é quando é que pode ir ao banco.
Porque este dinheiro não “custou a ganhar”,
caiu dos céus de Bruxelas, uma espécie
de lotaria europeia. Faz falta, é necessário,
vai ajudar na recuperação depois
da segunda crise em menos de dez anos,
mas nunca há dinheiro grátis.
Costa, na sua tentativa de fazer humor,
mostrou-se o verdadeiro português. E
disso não nos podemos queixar. Estamos
a fazer o que, na prática, sempre fizemos
ao longo da nossa história: esfregar as
mãos e começar a gastar o dinheiro que
chega, venha de onde vier. Foi assim com
o ouro do Brasil, com as sedas e especiarias
do Oriente, com a árvore das patacas
de Macau, com as remessas de emigrantes
durante o Estado Novo, com a adesão
à CEE nos anos 1990, com o acesso a dinheiro
a “fundo perdido” nos últimos 30
anos, com os resgates das troikas que, por
três vezes, nos invadiram e, agora, com o
PRR. Tudo igual. Haja dinheiro e vamos
gastá-lo. Depressa.
Ontem, Costa veio garantir que as “irregularidades
e as fraudes”, segundo contas
da própria UE, são residuais e que se a Europa
olha para nós como “bem cotados”
em matéria de “fugas e desvios”, não devemos
ser nós a desconfiar de nós mesmos e
a achar que haverá, desta vez, “fraudes e irregularidades”
em barda. O governo garante
que não, que não haverá. O Presidente
da República já criou uma brigada
para fiscalizar a aplicação dos fundos e a
própria UE estará como polícia do dinheiro
para não deixar nenhum governo pôr o
pé em ramo verde.
Mesmo que as “irregularidades e fraudes”
venham a ser uma ínfima fracção,
dada, ainda assim, como perdida logo à
partida, a necessidade de Costa vir dizer
que, se os outros não olham de lado para
Portugal, não precisamos de nos preocupar,
tenta, desde logo, desfazer a percepção
de que o primeiro-ministro sabe que existe.
A percepção de que os fundos vão chegar
e vão ser gastos, e depressa. E, daqui a uns
anos, quando olharmos pa ra trás, estará
tudo, ou quase tudo, na mesma. Porque,
repito, esta é a lotaria europeia que saiu a
Portugal. Sem esforço, apenas como reforço
para ajudar – e não para solucionar – a
sair duma crise social, económica, financeira
e pandémica que nos assolou.
A segunda questão, é, então, que se já
podemos “ir ao banco” e se as “fraudes e
irregularidades” serão residuais, onde e
como vai ser gasto o dinheiro? Depois de
garantida a “boa aplicação”, convém saber
para onde irá esse dinheiro que está
“no banco”. E o plano é vagamente vago e
suficientemente palavroso para dar para
tudo. O “verde” e a “digitalização” estão no
topo das prioridades. E bem. Depois, segue
no plano o reforço do Estado, o aumento
do número de “funcionários”, a
gestão dos fundos nas mãos do mesmo
Estado e a nossa suspeita de que, feitas as
candidaturas, os programas e as ideias, o
dinheiro vai acabar sempre nas mãos dos
mesmos.
Na história dos países nunca há “últimas
oportunidades”. Há sempre mais
dias, depois de hoje vem amanhã, e assim
sucessivamente até ao fim dos tempos.
Por isso, não alinho em últimas oportunidades.
Mas esta, sem dúvida, chega numa
altura de mudança de paradigma. E, por
si só, merecia mais reflexão, mais partilha
de responsabilidades, maior transparência
e uma justa, equilibrada e, sobretudo,
reprodutiva distribuição dos tiros que serão
disparados pela “bazuca”.
“Já posso ir ao banco”?
Não. Só em Agosto.
Qual é a pressa?
Pedro Cruz - jornalista
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