domingo, 13 de junho de 2021

O que fazem Mário Nogueira e Ana Paula Vitorino juntos neste texto?

Todas as projecções internacionais — da Comissão Europeia, da OCDE, do FMI — apontam no mesmo sentido: enquanto que os Estados Unidos, a Ásia e a generalidade dos países europeus vão ter já índices de recuperação económica substanciais neste ano, Portugal continuará com indicadores negativos; seremos o último país europeu a recuperar da crise e a alcançar os números de 2019; seremos aquele que mais dinheiro do PRR (a chamada “bazuca”) irá alocar ao próprio Estado, e que este, na sua imensa sabedoria e visão, destinará, mais do que qualquer outro, a obras públicas, estradas, contratação de funcionários e despesas de funcionamento; e seremos, entre todos os 27 da UE, o que menos investirá na transição ambiental — objectivo definido por Bruxelas e também apregoado por nós, como sendo o principal a obter com os PRR (nisso investiremos 24% dos fundos, contra os 35% da Eslováquia, que logo nos precede, os 46% da Espanha, a meio da tabela, ou os 91% da Dinamarca, talvez o país mais civilizado do mundo).

Estas projecções contêm em si todo um programa: o programa de um país falhado e que não se importa de continuar a sê-lo. De um país que nunca aprendeu com os sucessivos erros cometidos, de um país que se prepara alegremente para desperdiçar mais uma oportunidade oferecida pela generosidade alheia, nada envergonhado em viver eternamente de mão estendida, nada incomodado por ver outros partirem de trás e fazerem mais em menos tempo e com menos dinheiro.

Na semana passada, tivemos mais um eloquente exemplo desta maneira de estar e de gerir, que não motivou a indignação pública que se justificaria numa sociedade saudável. Aconteceu que, uma semana depois do ranking das escolas nacionais ter revelado a situação de catástrofe e humilhação a que chegaram as escolas públicas após décadas a investir nelas milhares de milhões, o Governo promoveu uma cerimónia solene para anunciar mais um plano para a Educação e mais um investimento na escola pública: €900 milhões. Quando seria legítimo esperar que o primeiro-ministro e o ministro da Educação tivessem uma palavra, já não digo de desculpas, mas, ao menos de justificação para o que o ranking revelara, eis que eles nada acharam que fosse devido dizer aos alunos, aos pais, aos contribuintes, sobre o imenso desperdício levado a cabo por aquele que é o sector que mais dinheiro custa ao país há 30 anos. Nada, apenas despejar mais dinheiro sobre o assunto. E, com cada vez menos alunos no ensino primário e secundário, anunciaram mais 8 mil funcionários auxiliares e mais 3300 professores (a acrescentar aos 3 mil que já tinham entrado a mais no ano passado) e ainda mais €670 milhões para “infra-estruturas” (o que faltará ainda às escolas, santo Deus?). E quando se mencionou a hipótese por muitos falada (até pelo BE) de prolongar o ano lectivo para recuperar as aprendizagens perdidas com o confinamento, António Costa foi lesto a vir em defesa das sagradas e longas férias dos professores: “As férias fazem parte do processo lectivo e são desde logo um direito de quem trabalha nas escolas.” E só depois, lembrando-se dos alunos, ainda acrescentou: “As férias são também importantes para as próprias crianças, que muitas vezes não aprendem só na escola, aprendem na vida em geral.” Os Cabeças no Ar não diriam melhor: “No meio dos amigos/ Aprende-se muito mais/ Do que em todos os manuais” (‘A Seita Tem um Radar’).

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>

ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Mas se porventura António Costa e Tiago Brandão Rodrigues pensavam que estes milhões de euros a mais e estes milhares de professores e auxiliares a mais chegariam para contentar o soba do ensino público nacional, logo, e mais uma vez, tiveram de se desiludir. Sem perder tempo, Mário Nogueira declarou que tudo isto ficava “aquém das expectativas” e era “parra sem uva”. O homem que há 14 anos lidera a Fenprof, que há 31 anos trocou os seus breves dez anos de professor do ensino especial primário por uma carreira vitalícia de sindicalista (o que não o impediu de atingir o topo da carreira de professor e classificado como ‘bom’), o homem que há tempos decretou que o actual ministro (como todos os outros que enfrentou e paralisou) “não tem condições nenhumas para se manter no cargo”, jamais está satisfeito com o que quer que lhe dêem ou aos professores que representa.

Mário Nogueira é talvez o português que mais danos causaram a Portugal nas últimas décadas. A sua luta incessante e vitoriosa por uma escola pública de onde estivessem arredados critérios de mérito e responsabilização, de onde estivessem ausentes factores de avaliação dos professores em função da dedicação e dos resultados, são a causa primeira para a constante queda das escolas públicas no ranking nacional. Para alguém que nunca produziu um pensamento estruturado sobre educação ou aprendizagem, a quem nunca se ouviu uma palavra em benefício dos métodos de ensino para os alunos, ele conseguiu uma proeza notável: arrastar atrás de si toda a classe dos professores, a quem convenceu que era a escola que estava ao serviço deles e não eles ao serviço da escola; que o fim último do ensino público, no qual o país investiu tudo o que tinha e não tinha, era principalmente, quando não unicamente, o de servir os professores. E com esta estratégia de ‘luta’, este comunista condenou várias gerações de crianças à impreparação e à exclusão, contribuindo assim decisivamente para cavar mais fundo o maior fosso de injustiça que uma sociedade pode produzir e que a escola pública tem por missão combater: as diferenças de berço. Os filhos cujos pais têm meios para isso — ou que, por vezes, sacrificam tudo o resto para isso — fogem à ditadura da mediocridade instalada pela Fenprof; os outros, não têm escolha que não o destino a que os condena a escola visionada por Mário Nogueira. E com o seu método de luta, assente na impunidade do abstencionismo, na irrelevância do mérito e na leviandade e entusiasmo com que convoca greves constantes — que paralisam, não apenas as escolas, mas também os pais e os empregos dos pais — ele pode olhar-se ao espelho todas as noites com a satisfação de quem sabe ter cumprido a sua missão. Desgraçada missão, a de perpetuar o nosso atraso!

2 Está visto que jamais nos livraremos do casal Vitorino/Cabrita, esses dedicados servidores públicos. No caso da nomeação dela para a Entidade Reguladora da Mobilidade (coisa cuja utilidade de todo desconheço), dizem por aí que não está em causa a sua competência, mas a sua independência para a função. Bem, sobre a independência ou isenção, nem vale a pena falarmos: salta à vista que é à prova de bala. O que me intriga é a suposta competência. Em vão, vasculhei o seu currículo em busca de qualquer coisa que me tivesse escapado, além daquilo que recordo: que instalou um clima de autoritarismo e terror no Ministério do Mar, que defendeu com unhas e dentes o vergonhoso projecto do Terminal de Contentores de Alcântara e que promoveu a construção do horrível mamarracho do novo terminal para paquetes de Santa Apolónia, ao que parece destinado a tornar-se, a prazo, um ruinoso elefante branco. Concluí que é muito competente a gastar dinheiros públicos. De facto, nesta perspectiva, não consigo vislumbrar ninguém mais competente e isento do que ela para conter os ímpetos de esbanjador de dinheiro dos contribuintes do seu amigo, camarada, aliado e ministro Pedro Nuno Santos.

3 E agora respondo à pergunta do título acima: o que fazem Mário Nogueira e Ana Paula Vitorino juntos neste texto? Estão juntos porque cada um no seu terreno de jogo, cada um em dimensões diferentes e com objectivos diferentes, ambos representam bem um país que não se livra dos seus males, das suas razões de atraso, das suas esperanças mortas.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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