domingo, 9 de junho de 2019

Gestores de topo da TAP também queriam receber prémios

Comecemos pela polémica em torno da TAP para lhe revelar, em destaque na primeira página do Expresso, que os Gestores de topo da TAP também queriam receber prémios. Falamos dos bónus atribuídos em função do desempenho e pagos a trabalhadores da empresa, apesar dos prejuízos de 118 milhões de euros registados pela transportadora no ano passado. Como explicar a opção? Quem decidiu, porque decidiu e quem conhecia a decisão? E já agora, que papel tiveram os administradores nomeados pelo Governo que impediram que o prémio chegasse aos gestores de topo? Contamos-lhe os detalhes e abrimos caminho para outras dúvidas por esclarecer num caso que promete continuar a fazer correr tinta.

Guerra do Governo com accionista privado parece ter sido reduzida a uma alteração de regras de atribuição de bónus futuros. Administradores do Estado dizem ter sido enganados apesar de terem aprovado a atribuição de “poucos” prémios a altos quadros da empresa.

Afinal, havia outros: se a primeira proposta de atribuição de prémios tivesse visto a luz do dia, o valor pago pela TAP e que esteve no centro da polémica que rebentou esta semana seria muito maior. Além do bónus de €1,171 milhões que foi distribuído a quadros de topo da TAP, e apesar dos €118 milhões de prejuízo da transportadora aérea em 2018, estava previsto pagar prémios também à própria Comissão Executiva — o órgão que tem a gestão na mão, controlada pela Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa. A proposta não foi feita pela Comissão de Vencimentos e, confirmou o Expresso junto de três fontes diferentes, chegou a ser apresentada na reunião do Conselho de Administração a 21 de Março deste ano. Mas acabou por cair por terra, depois da oposição clara dos sete representantes do Estado — incluindo de Miguel Frasquilho, actual presidente da empresa, e de Lacerda Machado, amigo e padrinho de casamento de António Costa. Os restantes administradores nomeados pela Parpública são Ana Pinho, António Menezes, Bernardo Trindade e Esmeralda Dourado.

Nessa reunião, a única em que se falou do tema até esta semana, foi então chumbada uma distribuição de bónus mais generalizada, mas acabou por ser aceite uma excepção: havendo contractos individuais com cláusulas de atribuição obrigatória de prémios, era financeiramente mais pesado para a TAP pagar as indemnizações por não respeitar os contractos do que manter esses pagamentos, terão argumentado os administradores mais ligados a David Neeleman.

Essa excepção resultou nos tais 1,171 milhões pagos a cerca de 180 quadros superiores, divulgados esta semana na comunicação social. É aqui que reside a actual polémica. A posição do Governo na quinta-feira e a dos administradores nomeados para representar o Estado é a de que o problema está no universo a quem se decidiu, no final, pagar os prémios. Num comunicado enviado às redacções, onde estes responsáveis se descolam por completo da restante administração, afirmam que foram surpreendidos com o pagamento de prémios que “vão além do cumprimento das responsabilidades contratuais”.

Ainda assim, entre o momento em que os administradores que representam o Estado vetaram o pagamento de um conjunto de prémios, incluindo à comissão executiva, e o processamento dos mesmos, que veio a público esta semana, são muitas as interrogações que permanecem. Só essa clarificação permitirá perceber se este ‘caso TAP’ foi, afinal, uma falha de comunicação, uma capitalização política de um incidente, uma divergência de entendimento quanto ao que deve ser a gestão de uma empresa gerida por privados mas com 50% de capital público, ou mesmo um descurar do interesse público por parte dos representantes do Estado.

É que, sabe o Expresso, terá sido dito a estes administradores que levantaram reservas quanto aos prémios, que os casos excecionais seriam “poucos”. O ‘bolo’ global pago com o ordenado de maio apanhou de surpresa o acionista Estado e os seus representantes, que tinham ficado descansados com os tais “poucos” prémios. Ora, tendo em conta que cabe a uma administração fiscalizar a gestão executiva e, neste caso concreto, zelar pelo interesse público e pelo dinheiro dos contribuintes, as perguntas paras as quais ainda não há resposta são muitas: terá a administração deixado passar o pagamento dos prémios que não era possível evitar sem verificar que valores estavam exatamente em causa? Se assim foi, haverá legitimidade agora para reclamar uma quebra de confiança? Qual era o nível de pormenor que a gestão executiva fornecia à administração sobre políticas de atribuição de prémios? O que suscitou reserva dos representantes do Estado foi o valor em causa que seria pago em bónus ou o impacto político da medida? A gestão da TAP deu a conhecer à administração o programa de mérito que diz ter implementado em 2017?

Perante tantas perguntas, o silêncio é, nesta altura, ensurdecedor. Ainda assim o Expresso sabe que terá sido acordado já com Antonoaldo Neves que, futuramente, não se repetirá uma atribuição prémios deste nível —em anos de prejuízos. Quanto ao que já foi pago, o Estado ficou de mãos atadas perante o facto consumado.

Antonoaldo não recebe

A decisão de não atribuir prémios à gestão e de avançar apenas, quanto aos restantes quadros, com os bónus acordados em contratos individuais, terá ficado registada em anexo à ata da reunião de 21 março. Na ordem de trabalhos da assembleia geral (AG) de dia 28 desse mesmo mês, destinada a aprovar as contas de 2018, entre outras matérias, constava um ponto onde se submetia aos acionistas uma “nota informativa sobre a política de remunerações dos membros do conselho de administração da sociedade, aprovada pela comissão de vencimentos da sociedade”. Curiosamente, no site da TAP, na informação referente a essa mesma AG, o único documento que não consta é precisamente esse, a tal nota informativa. Segundo foi possível apurar a Comissão de Vencimentos decidiu não atribuir qualquer prémio aos administradores executivos, facto transmitido à AG.

Numa comunicação feita esta semana aos trabalhadores, a gestão de Antonoaldo Neves justificou esta atribuição de prémios com o novo programa de mérito da empresa, lançado em 2017, e que assenta na avaliação “dos resultados da empresa, das áreas e individuais”. A primeira componente não se verificou mas a justificação para o pagamento destes prémios estará nos resultados conseguidos por estes trabalhadores nas outras componentes. A gestão da TAP deixou ainda um recado ao Governo, o de que “a promoção de uma cultura de mérito, alto desempenho e entrega de resultados continuará a ser uma prioridade da Comissão Executiva”, defendendo ainda ter a “absoluta convicção de que o programa de mérito foi fundamental” para a redução de custos e aumento de receitas conseguidos em 2018.

Como é que esta filosofia de gestão se irá conjugar com a indignação do Governo não se sabe. Antes do silêncio entretanto instituído, o Governo, através do Ministério de Pedro Nuno Santos, num comunicado enviado às redações na quinta-feira, acusou a comissão executiva da TAP de “quebra de confiança” e “desrespeito”. Mas a tensão entre o Estado e David Neeleman já era visível antes.

Nem de propósito, no ano passado, a propósito da avaliação do Tribunal de Contas ao regresso do Estado ao capital da TAP, o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, então liderado por Pedro Marques, defendia enfaticamente os méritos do modelo encontrado: “O processo de reconfiguração da reprivatização foi regular, eficaz e eficiente, tendo permitido assegurar ao Estado um papel fulcral (...) de definição das decisões estratégicas da TAP SGPS e de monitorização efetiva dos atos de gestão diária praticados praticados pela gestão executiva”.

* Com David Dinis, João Vieira Pereira e Miguel Santos Carrapatoso

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