segunda-feira, 18 de novembro de 2019

30 mil Kms pelo mundo, 250 mesas e 1100 relatórios por ano. Falámos com o chefe dos inspectores Michelin

José Vallés é o novo responsável máximo por quem dá e tira as famosas estrelas na Península Ibérica. Numa oportunidade única, o Observador falou com ele sobre critérios, polémicas e o futuro.

O seu nome é José Vallés, é catalão e é o chefe dos inspectores do Guia Michelin que estão destacados para Portugal e Espanha. Não se sabe muito mais que isso, apenas que terá uma série de anos de experiência nas áreas da hotelaria e da restauração.  A sua aparência é desconhecida e são poucos os que o conseguiriam identificar numa sala de refeições cheia de gente — e ainda bem. Um dos pré-requisitos essenciais para se trabalhar para a famosa instituição que todos os anos, há mais de um século, atribui as tão desejadas estrelas Michelin, é o anonimato. Se ninguém deve saber quem são os inspectores, para evitar tratamentos diferenciados, o responsável por todos eles mais discreto ainda tem de ser.

Com poucos dias a faltar para a cerimónia de atribuição das estrelas que vão vigorar durante o ano de 2020 (serão conhecidas dia 20), o Observador conseguiu a oportunidade rara de falar com esta pessoa que conhece bem de perto todos os meandros da gastronomia ibérica, pelo menos, e que é o responsável final pela entrega ou retirada das estrelas que tanto influenciam um negócio ou carreira.
Numa conversa que se dividiu em dois momentos — primeiro por e-mail e depois por telefone –, José Vallés falou sobre um pouco de tudo apesar de diplomaticamente contornar alguns casos mais concretos. Mesmo assim deu para perceber melhor como são escolhidos os inspectores do guia, como funciona o dia a dia de cada um, quais serão as novidades portuguesas para o ano que se aproxima e até foram dadas umas luzes sobre a tão falada (aparente) diferença de critérios na distinção de restaurantes portugueses e espanhóis.

O José ocupa o cargo de chefe dos inspectores Michelin na Península Ibérica há quase um ano. Como tem sido a experiência até agora? Tem sido o esperado ou teve alguma surpresa?
Tudo muito positivo. Após 25 anos de experiência como inspector do guia Michelin, a actividade e o trabalho de criação anual do guia já fazem parte do meu modo de vida. Por outro lado, também é verdade que actualmente existe um dinamismo no sector que nos obriga a enfrentar novos desafios.
Qual é o seu papel, ao certo?
Basicamente é gerir a equipa que temos em Espanha e Portugal  de modo a que consigam executar as diferentes funções de selecção em coordenação com outros países e com os objectivo de fazer evoluir o Guia Michelin (GM). Além de transmitir os valores do GM, comuns em todos os países, claro. Também participo na selecção e classificação dos restaurantes em cada edição.
Como funciona o processo de recrutamento de inspectores para o guia Michelin? Quantos têm a avaliar a Península Ibérica no momento?
Os inspectores que trabalham para o GM são técnicos de turismo ou recebem treino semelhante em escolas de hotelaria, com vários anos de experiência no sector. O novo inspector inicia um período de formação de seis meses, durante o qual será treinado nos diferentes critérios para entregar estrelas, bem como nos critérios para designar categorias de conforto ou avaliar outros serviços. Durante esses seis meses, ele viajará com os inspectores mais veteranos da casa, comendo em mesas diferentes, antes de lhe ser atribuída uma área. O número de inspectores dedicados à avaliação da Península Ibérica varia de acordo com as necessidades e é difícil especificá-lo à medida que mais e mais colaborações com inspectores de outros países vão acontecendo. A nossa última contratação fará, em breve, dois anos de casa.
O que pode explicar sobre como funciona o trabalho de um inspector?
É um trabalho de dedicação e muita paixão. Hotéis, restaurantes, turismos rurais, estabelecimentos novos ou já existentes entram na selecção anual. A cada ano, um inspector que viaja anonimamente, come em restaurantes cerca de 250 vezes e passa cerca de 150 noites em hotéis. Cada um também visita mais de 800 estabelecimentos e escreve 1.100 relatórios. No total cobre cerca de 30.000 quilómetros. Os inspectores têm de ser verdadeiramente apaixonados por este trabalho.
Um restaurante pode pedir para ser inspecionado ou vocês só visitam aqueles que descobrem sozinhos?
Claro que nos podem pedir para visitar um restaurante. É um dos métodos que temos para conhecer novos projectos e restaurantes e é um complemento importante aos nossos próprios métodos de encontrar novidades. Antes, essas novidades chegavam-nos mais através de contactos pessoais com os funcionários da indústria hoteleira, no local, com recomendações e conversas com eles. Hoje em dia essa informação está intimamente ligada a uma pesquisa nas redes sociais, nos média, etc. … É bom saber onde fica uma boa cozinha, embora, obviamente, seja depois da nossa visita que decidimos com total independência se preenche os nossos critérios de selecção e é recomendável para GM.
O que procura um inspector Michelin? Quais são os vossos critérios para atribuir estrelas?
Os critérios de selecção para um restaurante ser distinguido são bem conhecidos e estão resumidos em cinco pontos: qualidade do produto, controle de pontos de cozedura e texturas, equilíbrio e harmonia de sabores, personalidade da cozinha e regularidade.

Diogo Lopes

https://observador.pt/especiais/30-mil-kms-pelo-mundo-250-mesas-e-1100-relatorios-por-ano-falamos-com-o-chefe-dos-inspetores-michelin/

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