João Miguel Tavares
Os porteiros do regime fazem tudo para não deixar entrar novos clientes, e quando estes conseguem, à custa de muito esforço, passar da porta, os porteiros do regime fazem tudo para não os deixar dançar. Os porteiros da discoteca Urban Beach têm fama de ser tipos difíceis, mas os porteiros da Assembleia da República não são mais fáceis. Aquilo que se está a passar no Parlamento, com PS, Bloco de Esquerda, Partido Comunista e Os Verdes (que nunca na vida foram a votos fora da barriga de aluguer marxista-leninista) a fazerem uma panelinha para silenciar os deputados do Chega, da Iniciativa Liberal e do Livre, é um desrespeito escandaloso pela democracia e pelos votos dos portugueses. Ainda por cima, é uma decisão profundamente estúpida; tão estúpida, aliás, que chega a ser ofensiva para qualquer inteligência mediana. Chega, Iniciativa Liberal e Livre podem começar já a esfregar as mãos de contentes e a organizar manifestações nos corredores de São Bento durante os debates quinzenais, para grande felicidade das televisões. Não há nada mais telegénico do que a justa indignação e os gritos de censura, sobretudo quando 999 em cada 1000 portugueses estarão de acordo que até André Ventura, depois de ter sido eleito, tem direito a resmungar no Parlamento contra pedófilos e imigrantes; e até Joacine Katar Moreira, apesar das suas dificuldades, tem direito a esgotar o tempo das suas intervenções da maneira que bem entender. Chama-se a isso democracia, deu muito trabalho a conquistar, merece ser respeitada, e não há regimento parlamentar que se sobreponha a ela, como bem percebeu o presidente da Assembleia, Ferro Rodrigues, justiça lhe seja feita. É um absurdo silenciar três deputados com a desculpa de que não são um grupo parlamentar, até porque a melhor forma de os transformar num grupo parlamentar é mesmo fazendo tudo para que não abram a boca. A pressão política e mediática vai obviamente ser insustentável, a esquerda vai obviamente ceder e os três novos partidos vão obviamente poder falar nos debates quinzenais, como têm direito. Não lhes estão a fazer favor nenhum — bem pelo contrário. O regime faz tudo para proteger os partidos que já estão na Assembleia da República, seja em termos financeiros, seja em termos mediáticos (quem está fora do Parlamento não tem direito a participar nos principais debates televisivos, e portanto tem de fazer um esforço colossal para se fazer ouvir), seja em termos eleitorais, por causa do método de Hondt e devido à inexistência de um círculo nacional. Querem fazer umas continhas simples? Vamos dividir o número de votos de cada partido pelo número de deputados que conseguiu obter. Chega e Iniciativa Liberal tiveram quase 68 mil votos e obtiveram um deputado. O Livre teve 57 mil votos. O PAN teve 174 mil votos e quatro deputados — bastaram-lhe 43.500 votos para eleger um deputado. O CDS precisou de um pouco mais: 44.400 votos por cada deputado. O PCP: 27.700 votos por deputado. O Bloco: 26.300 votos. O PSD: 18.500 votos. O PS teve 1,9 milhões de votos e 108 deputados: bastou-lhe 17.600 votos para eleger um deputado. (Quanto aos Verdes, zero votos chegaram, como sempre, para eleger dois deputados.) Isto significa uma coisa muito simples: em número de votos, André Ventura e João Cotrim de Figueiredo valem quase quatro vezes mais do que um deputado do PS. Repito: quatro vezes mais. Donde, a esquerda que cale a boca, tenha vergonha na cara e deixe os pequenos partidos falar.
Publico
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