quarta-feira, 20 de novembro de 2019

"Em poucos anos a canábis medicinal vai notar-se no PIB português", diz Ex-presidente do Infarmed Eurico Castro Alves, agora ligado ao sector.

Em entrevista, Eurico Castro Alves, Ex-presidente do Infarmed, agora com interesses em empresas do sector, fala do potencial da canábis medicinal – para a economia e, sobretudo, para os doentes.

Eurico Castro Alves, director do departamento de cirurgia no Centro Hospitalar do Porto e Ex-presidente do Infarmed (entre 2012 e 2015), à medida que se familiarizou com a ultra-promissora indústria mundial da canábis medicinal, constatou que milhares de doentes, incluindo em Portugal, “se abasteciam [de canábis] no mercado negro para se tratarem” ou menorizarem os sintomas das suas doenças, como cancros ou problemas do foro neurológico. Ora, “isso é que eu acho uma vergonha. O Estado tem a obrigação de proporcionar os meios às pessoas para que estas possam ter acesso a todos os tratamentos, o melhor que existe”.
Em entrevista ao Observador, o médico, que foi secretário de Estado da Saúde no (curtíssimo) segundo Governo de Pedro Passos Coelho, defende que esta é uma indústria que pode trazer enormes benefícios para os doentes e para a economia nacional — não só na produção e desenvolvimento de medicamentos à base de canábis mas, também, desde já, porque Portugal pode aproveitar o movimento de ensaios clínicos que serão essenciais para que estes medicamentos sejam testados e cheguem ao mercado (um mercado gigantesco a nível mundial).

O especialista nota que “já temos algumas dezenas de empresas a investir em Portugal, empresas de grande dimensão mundial que estão cá para investir, para crescer e para desenvolver. E as que não estão, estão para chegar”. Em Outubro, Eurico Castro Alves assumiu um cargo não-executivo na Symtomax, uma empresa que já tem 105 hectares para exploração (indoor e outdoor) em Beja. “É como um corolário da minha actividade como médico e, sobretudo, como cidadão que quer desenvolver e criar novas oportunidades para os nossos cidadãos. É algo que farei a tempo muito parcial, mas em que estarei disponível para ajudar com aquilo que tenho para dar”. Porque “Portugal poder ser um hub para o resto da Europa, que é um mercado com 500 milhões de consumidores”, afirma.
Foi presidente do Infarmed entre 2012 e 2015, período em que foi feita boa parte da regulação existente sobre a canábis medicinal em Portugal, cuja lei entrou em vigor no início de 2019. É justo considerá-lo o principal responsável pelo crescimento deste sector em Portugal?
Pode não ser justo dizer dessa forma porque, normalmente, as coisas grandes e boas que acontecem são fruto do trabalho de uma equipa. E, aqui, foi exactamente esse o caso. Houve influência política, influência regulamentar, dos órgãos legislativos. As leis andam sempre atrás dos costumes da sociedade e aqui passou-se isso mesmo: percebeu-se que a comunidade científica começava a notar que havia evidências, algumas evidências — faltam muitas mais –, de que havia interesse terapêutico numa determinada componente da canábis. Isso é que despoletou todo o processo. Eu fui mais um. Colaborei activamente, porque desempenhava funções que eram decisivas, dei um contributo importante mas o resultado — que considero ser uma mais-valia para a nossa sociedade — é um resultado da colaboração de muitos agentes das mais diversas áreas da nossa sociedade.
Mas tem de haver uma visão, de perceber o potencial de algo…
Sim, tem de haver visão e alguma liderança. Comecei a ter um contacto, muito cedo, com as vantagens dos canabinóides em termos médicos. Comecei a perceber a grande utilidade que isso iria ter e, sobretudo, o factor que me tornou mais adepto deste tipo de terapêuticas foi perceber que já havia milhares de doentes que recorriam ao mercado negro para tratar as suas doenças. E isso é que não acho legítimo. Acho que o Estado tem a obrigação de proporcionar os meios às pessoas para que estas possam ter acesso a todos os tratamentos, o melhor que existe.
Como médico, quais são, então, as vantagens da canábis para uso medicinal?
Como médico, e baseado na experiência que tenho tido com a informação científica, acho que estamos perante um grande avanço terapêutico. Mas, como com todas as novidades, temos de olhar para elas com sabedoria, com cautela, e temos, sobretudo, de basearmo-nos em evidências científicas para garantir, sempre, a segurança dos utentes e, ao mesmo tempo, aproveitar o benefício terapêutico.

Observador - Edgar Caetano

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