Salários mínimos e gastos máximos
A valorização do salário mínimo transformou-se numa espécie de desígnio nacional. Claro que subsistem divergências quanto ao valor, mas o que antes era unia bandeira dos partidos de esquerda e dos sindicatos transformou-se agora num objectivo colectivo, que conta com o apoio do PSD e das confederações patronais. Até a Comissão Europeia deixou de fazer alertas sobre os malefícios do aumento do salário mínimo. Tal como o Negócios escreveu na semana passada, há vários factores que explicam esta mudança. Por um lado, a experiência recente de =lento do salário mínimo sem que se notassem efeitos negativos no emprego encoraja novos aumentos. Por outro, a percepção de que o crescimento das desigualdades está a alimentar os fenómenos populistas pela Europa fora toma os decisores políticos mais sensíveis aos mínimos salariais. Há também urna aprendizagem do lado das empresas. Todo o dinheiro gasto em aumentos para trabalhadores que ganham 600 euros (que não têm margem para poupar) traduzem-se numa subida proporcional do consumo destas famílias, o que beneficia as empresas que vivem do mercado interno. Por outro lado. o factor salarial é hoje menos determinante do que foi para a competitividade externa das empresas, corno demonstram os ganhos de quota de mercados das exportações portuguesas. Finalmente, as confederações patronais também sabem que podem obter contrapartidas relevantes quando aceitam aumentar o salário — veja-se o que aconteceu com a lei laborai na passada legislatura. O país pode, portanto, agradecer às confederações patronais por aceitarem agora o salário mínimo corno um instrume n to de justiça social. No entanto, não deve agradecer ao Governo. Um governo que se diz determinado em reduzir a pobreza pode fazer mais e onde a sua intervenção é decisiva e duradoura é do lado dos gastos destas famílias que sobrevivem com o salário mínimo e outras remunerações baixas, que são muitas vezes as que a nossa economia e as nossas empresas podem pagar. E do lado dos gastos há áreas fundamentais onde qualquer governo pode interferir. Nos transportes públicos, reduzindo as tarifas como já se começou a fazer, e aumentando a oferta; na melhoria do acesso efectivo aos cuidados de saúde no SNS: no reforço da rede pública de creches e de lares de idosos; no investimento num parque público de imóveis que crie oferta de rendas verdadeiramente acessíveis às classes médias e baixas. Claro que tudo isto implica mais investimento e despesa pública. A pergunta a que é mais difícil responder é se um país atolado em dívida pública e ainda traumatizado com a bancarrota de 2011 pode e está disposto apagar este preço para reduzir a pobreza. O resto é conversa.
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