sábado, 4 de março de 2023

Da valorização do escudo ao controlo de preços: as 15 medidas do plano anti-inflação de Cavaco Silva em 1980

Com a inflação acima dos 20% há três anos consecutivos, o Governo Sá Carneiro, com Cavaco Silva na pasta das Finanças, apresenta um pacote anti-inflação em Fevereiro de 1980, pouco mais de um mês depois de entrar em funções. O Expresso recorda as 15 medidas desse plano



Sónia M. Lourenço

A inflação em Portugal atingiu no ano passado valores que não eram vistos no país há décadas, com uma média anual de 7,8%. Mas, para quem viveu em Portugal na segunda metade dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado, este valor é até modesto. Basta notar que entre 1977 e 1979 a inflação no país situou-se sempre acima dos 20%.

Foi esse o contexto, amplificado por um novo choque petrolífero a assolar a economia mundial, em que o Governo de Francisco Sá Carneiro - com Aníbal Cavaco Silva como ministro das Finanças - elegeu, em 1980, o combate à inflação como uma das principais prioridades da sua política económica.

Na noite de 9 de Fevereiro desse ano, pouco mais de um mês depois de o Executivo ter tomado posse, Cavaco Silva fez uma comunicação ao país através da emissão da RTP - na época, canal único - apresentando as 15 medidas do pacote anti-inflação do Governo, aprovado nesse mesmo dia em conselho de ministros. E que iam desde a revalorização do escudo, até ao controlo de preços de bens essenciais e de consumo generalizado, passando por medidas na área laboral, nomeadamente para conter a subida dos salários.

O Expresso recorda-lhe as 15 medidas apresentadas por Cavaco Silva na noite de 9 de Fevereiro de 1980, para travar a inflação.

1 - Revalorização do escudo em 6%

Depois das desvalorizações dos anos anteriores - até por recomendação do Fundo Monetário Internacional - o Governo avança com uma revalorização da divisa portuguesa em 6% logo em Fevereiro. Contudo, tendo em vista garantir a competitividade externa da indústria portuguesa e contrariar movimentos especulativos contra o escudo, o Executivo decide manter o regime de desvalorização deslizante do escudo - em vigor desde 1977 -, ao ritmo de 0,75% ao mês. Só no Verão desse ano, quando era já certo que a inflação iria ficar abaixo da meta dos 20%, o ritmo de desvalorização deslizante baixa para uma taxa de 0,5% ao mês.

2 - Manutenção das despesas de consumo público nos níveis de 1979

As despesas de consumo público do Orçamento Geral do Estado e dos Fundos e Serviços Autónomos da Administração Central para 1980 não poderiam exceder, em termos reais, o montante dos respectivos orçamentos de 1979.

Ao mesmo tempo, passa a ser mais apertado o crivo das deslocações ao estrangeiro de funcionários do sector público administrativo e empresarial e o montante anual das respectivas despesas em moeda estrangeira durante o ano de 1980 não poderia exceder o montante efectivamente despendido em 1979.

3 - Novas admissões na Administração Pública mais controladas

Outro objectivo desta legislação era promover a redistribuição dos efectivos e racionalizar a gestão do pessoal.

Neste âmbito, são suspensas, temporariamente, as alterações dos quadros de pessoal dos serviços públicos que implicassem aumento das dotações orçamentais globais atribuídas pelo Orçamento Geral do Estado e é condicionado de forma mais rigorosa o recurso aos contractos de prestação eventual de serviços e aos contractos de tarefa.

4 - Limitação do montante de subsídios às empresas públicas

O montante global dos subsídios não reembolsáveis a atribuir às empresas públicas em 1980 não poderia exceder o montante total dos subsídios autorizados no âmbito do Orçamento Geral do Estado para 1979 e depende de análise rigorosa pelo Ministério da tutela, bem como do Ministério das Finanças e do Plano.

5 - Combater actuações especulativas, lucros ilícitos, e práticas contra a saúde pública

Alarga-se a actuação da prevenção e repressão a outros sectores para além da actividade comercial ou equiparada, introduzindo-se sanções mais pesadas no que se relaciona com crimes e contravenções. E estabelecem-se princípios no que toca a penas e normas processuais, visando facilitar a investigação e o julgamento dos processos.

6 - Manutenção do regime de preços máximos em bens essenciais e de consumo generalizado

O Governo mantém o regime de preços máximos, aplicável não só aos bens essenciais cujos preços são subsidiados pelo Orçamento Geral do Estado, mas também a outros produtos de consumo generalizado com importância nas despesas familiares ou nos custos de produção daqueles bens. A sujeição de um produto ao regime de preços máximos é acompanhada de acções correctoras no abastecimento, visando eliminar eventuais desequilíbrios entre oferta e procura.

7 - Alteração dos limites a partir dos quais as empresas estão sujeitas ao regime de preços declarados

Este regime impõe que as empresas com determinada facturação só possam pôr em prática novos preços desde que os aumentos pretendidos sejam justificados por aumentos dos custos.

8 - Limitar acréscimos salariais considerados custos para empresas abrangidas pelo controlo de preços

O Governo define que nas empresas abrangidas pela legislação sobre controlo de preços, não deverão considerar-se como componentes do custo os acréscimos de massa salarial que ultrapassem os níveis aceites para a formação dos custos em 31 de Dezembro de 1979, para além de um valor a estabelecer em função das perspectivas de evolução da inflação. Assim, o excedente não considerado como custo deverá ser absorvido pela própria empresa.

9 - Análise fiscal mais apertada para combater especulação e lucros ilícitos

As pessoas singulares e colectivas que forem autuadas por crimes antieconómicos e contra a saúde pública, além de terem de responder nos termos legais pela prática desses crimes, passam a ser objecto de exame rigoroso ao cumprimentos das suas obrigações fiscais. Em causa estão crimes como açambarcamento, especulação, contrabando, descaminho, fraude, venda de géneros alimentícios avariados, falsificação de géneros alimentícios e abate de reses impróprias para consumo.

O Governo avisa que os exames rigorosos ao cumprimentos das obrigações fiscais serão extensivos, no caso das sociedades autuadas, aos respectivos administradores, gerentes e sócios maioritários. E salienta que as liquidações adicionais de impostos, bem como a instauração, instrução e julgamento dos respectivos processos, terão carácter prioritário.

10 - Fundamentação às convenções colectivas de trabalho

O Ministério do Trabalho exige fundamentação económico-financeira meramente demonstrativa do acréscimo da massa salarial nos casos em que este se harmonize com o objectivo prioritário do Governo de reduzir o ritmo de crescimento dos preços. A meta do Governo era baixar a inflação para os 20%. Contudo, exige fundamentação económico-financeira claramente justificativa dos acréscimos de massa salarial nos casos em que aqueles acréscimos seja susceptíveis de comprometer o objectivo de reduzir o ritmo de crescimento dos preços. O objectivo é conter os aumentos salariais, sem contudo impor um tecto salarial, ao contrário do que tinha acontecido entre 1977 e 1979.

11 - Fundamentação económico-financeira para portarias de regulamentação do trabalho

A emissão de portarias de regulamentação do trabalho fica dependente de fundamentação económico-financeira justificativa dos aumentos salariais consagrados.

12 - Limitação dos aumentos salariais nas empresas do Estado

No sector empresarial do Estado só serão permitidos aumentos salariais ou a consagração de prestações complementares que sejam comportáveis pela situação económico-financeira das empresas e que se coadunem com o objectivo prioritário de reduzir o ritmo de crescimento dos preços.

13 - Responsabilização dos conselhos de gerência das empresas públicas na negociação colectiva

Segundo o Governo, será definida de forma clara a área de intervenção dos conselhos de gerência das empresas públicas nos processos de contratação colectiva e serão proibidas medidas de actualização salarial genérica da iniciativa dos conselhos de gerência nas empresas já abrangidas por regulamentação colectiva de trabalho.

14 - Concretização com urgência de medidas para aumentar a produtividade

Em causa estão medidas como o estímulo à fixação de prémios que se fundamentem no mérito do trabalhador no desempenho das suas funções, o desenvolvimento de acções de qualificação e responsabilização profissionais e o apoio às empresas na racionalização dos métodos de trabalho e produção.

15 - Controlo do absentismo

O Governo avança com intensificação do controlo do absentismo, principalmente através da realização de inquéritos com vista ao diagnóstico da situação real, à coordenação do direito do trabalho com direito da segurança social, com base nas normas relativas ou relacionáveis com o absentismo, com intenção de moralização das normas relativas à justificação de faltas.

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