É a quarta vez em 11 anos que Portugal ocupa a 33.ª posição no ranking do Índice de Percepção da Corrupção. Neste período de tempo esta é a pior marca. Vistos gold são uma das causas.
Marta Moitinho Oliveira e Infografia | PÚBLICO
A percepção sobre a corrupção que existe em Portugal manteve-se em 2022 ao mesmo nível que existia no ano anterior, mas no ranking mundial que compara 180 países Portugal perdeu um lugar quando se olha para a tabela que classifica os países e os ordena desde os mais transparentes aos mais corruptos. Esta trajectória colocou Portugal na 33.ª posição pela quarta vez em 11 anos, naquele que é a pior marca nesse conjunto de tempo. O programa vistos gold, cuja avaliação foi anunciada por António Costa há quase três meses, contribui para o aumento dos riscos de corrupção, considera a Transparência Internacional.
A conclusão pode ser retirada do Índice de Percepção da Corrupção para 2022, publicado esta terça-feira pela Transparência Internacional, uma coligação mundial de Organizações Não Governamentais (ONG) anticorrupção. De acordo com o relatório, Portugal obteve 62 pontos em 2022, o que corresponde à 33.ª posição no ranking mundial. Este registo permite concluir que a percepção sobre a corrupção no ano passado manteve-se estável em relação ao ano imediatamente anterior, quando o índice também tinha alcançado 62 pontos, mas a posição no ranking baixou um lugar quando comparada com a 32.ª posição conseguida em 2021.
A análise de uma série mais longa - a começar em 2012, o que permite juntar 11 anos de registo, mostra que o índice para Portugal se tem mantido estável. O ponto mais baixo aconteceu em 2020 quando somou 61 pontos e o mais alto em 2015 e 2018 quando registou 64 pontos.
Porém, a classificação na tabela, que depende também das movimentações dos outros países, variou mais. Em 2022, tal como em 2020, 2013 e 2012, Portugal ficou na 33.ª posição na tabela - a pior marca em 11 anos. O melhor resultado no ranking aconteceu em 2015 quando Portugal obteve a 28.ª posição.
Face à União Europeia, Portugal encontra-se com uma pontuação abaixo, já que este conjunto de países consegue 66 pontos, contra os 62 de Portugal.
A Transparência Internacional considera que "a escala do problema é enorme", já que a média global não se altera há 11 anos "e mais de dois terços dos países (122, no total) têm um sério problema de corrupção, com uma pontuação abaixo de 50".
A Dinamarca volta a encabeçar o índice deste ano, com 90 pontos, mais dois do que no ano passado, seguida da Nova Zelândia e Finlândia, com a mesma pontuação (87). Síria, Sudão do Sul (13) e Somália (12) continuam nos últimos lugares.
Entre os restantes países de língua portuguesa, Angola obteve 33 pontos, mais quatro do que em 2021, mas ainda longe do meio da tabela, ocupando a posição 116. No caso do Brasil, o índice marcou 38 pontos, sem alteração face a 2021, colocando este país no lugar 94 da tabela.
Estratégia e vistos gold
No relatório produzido para 2022, a Transparência Internacional assinala que, em Portugal, "a Estratégia Nacional Anticorrupção (ENAC) foi lançada sem directrizes ou plano de monitorização, resultando em fraca aplicação e implementação lenta de medidas dirigidas à prevenção da corrupção no sector público".
A ENAC, criada durante o segundo Governo de António Costa, tem como objectivos melhorar o conhecimento, a formação e as práticas institucionais em matéria de transparência e integridade; prevenir e detectar os riscos de corrupção na acção pública; comprometer o sector privado na prevenção, detecção e repressão da corrupção; reforçar a articulação entre instituições públicas e privadas; e garantir uma aplicação mais eficaz e uniforme dos mecanismos legais em matéria de repressão da corrupção, melhorar os tempos de resposta do sistema judicial e assegurar a adequação e efectividade da punição.
Nuno Cunha Rolo, presidente da Transparência Internacional Portugal e responsável pelo capítulo para Portugal, considera que os resultados deste índice para Portugal "decorrem da continuada incapacidade de sucessivos governos e governantes perceberem a imensa riqueza das lideranças e políticas anticorrupção, abertas, transparentes, participadas e íntegras, tanto no sistema político e administrativo, quanto nos sectores da economia e sociedade".
Este responsável acrescenta que "os casos recentes que se vão sucedendo nos media a ritmo vertiginoso, muito se devem à falta de vontade e visão políticas – no Governo e no Parlamento - em matéria de anticorrupção, transparência e integridade”.
A Transparência Internacional Portugal salienta que já antes "havia alertado para as deficiências da Estratégia Nacional Anticorrupção, nomeadamente por ignorar praticamente por inteiro a questão da corrupção política".
Outro dos problemas apontados pelo relatório com implicações na percepção da corrupção em Portugal prende-se com o regime dos vistos gold, devido ao aumento dos riscos de corrupção e ao facto de colocar pressão no mercado imobiliário. Segundo Karina Carvalho, directora executiva da Transparência Internacional Portugal, “o exemplo vistos gold é paradigmático das falhas identificadas porque coloca a nu não apenas a crónica falta de diligência devida, de controlo e de avaliação, suportada por sucessivos governos, mas sobretudo a enorme resistência em instituir a prevenção da corrupção, da fraude e do branqueamento de capitais enquanto política pública”.
A responsável acrescenta que “em muitas outras áreas, desde logo a da contratação, fundamental para o crescimento do país, mas também para a sua defesa e segurança, vemos uma atitude displicente por parte dos principais responsáveis políticos ante o comportamento escandaloso, e até mesmo criminoso, de quem foi mandatado para proteger o interesse público e o dinheiro" dos contribuintes.
Há quase três meses, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou que o Governo estava a avaliar o regime que concede autorizações de residência a estrangeiros em troca de investimento no país em capitais, imobiliário ou criação de emprego. O chefe do executivo considerou que o regime de vistos gold "provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir e que neste momento não se justifica mais manter".
Sobre Portugal, o relatório refere ainda que o sector da defesa precisa de "maior transparência e supervisão, fazendo notar que processos de contratação envoltos em secretismo e práticas de transparência financeira deficientes enfraquecem as salvaguardas contra a corrupção nas instituições de defesa" em Portugal.
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