quarta-feira, 8 de março de 2023

Escolas e comboios parados. As pessoas estão fartas das greves?

Os professores estão em greve há várias semanas. Funcionários judiciais e da CP também. Sociólogo avisa que efeitos de greves longas podem ser nefastos para o poder negocial por reduzirem o apoio popular.

Irá a duração prolongada das greves afectar as reivindicações dos profissionais? Elísio Estanque, sociólogo, investigador e professor na Universidade de Coimbra, crê que os grevistas têm mérito nas reivindicações que fazem, mas avisa que greves longas (como as dos professores ou funcionários judiciais ou da CP) contribuem para a redução do apoio popular, essencial para a negociação.
Estanque começa por recordar que "os sectores do funcionalismo público e dos transportes são, sem dúvida, dos que na última década estiveram mais activos na acção reivindicativa e grevista", dando o exemplo dos pilotos, trabalhadores da TAP ou camionistas, além do dos professores, enfermeiros ou médicos.
Relativamente à actual greve dos professores, o sociólogo detalha que "há particularidades que se devem a uma liderança que ganhou impacto e prestígio entre os professores", referindo-se aos líderes sindicais deste sector, que conseguem galvanizar os professores para fazerem greve.
Estanque, que acredita existirem "boas razões para os professores estarem descontentes e exaustos", lembra, no entanto, que "evidentemente que o prolongamento excessivo da paralisação atinge largos milhares de famílias que (mesmo compreendendo as razões da greve) começam a cansar-se da situação que se reflecte e prejudica as suas vidas".
E este cansaço é bastante prejudicial, já que "o poder societal é uma das principais fontes de poder dos sindicatos", segundo o especialista. "Acontece que nos últimos tempos a sociedade olha com desconfiança para a acção sindical, para as lideranças que se perpetuam ao longo de décadas, para a influência partidária e para o aproveitamento político dos sindicatos e das acções grevistas. Com excepção dos assalariados directamente envolvidos, a sociedade reage com desconfiança, principalmente os sectores directamente atingidos e que vêem as suas vidas e rotinas prejudicadas", explica o sociólogo à SÁBADO, dando as greves dos transportes ou dos professores como exemplos.
O sociólogo acredita que o "campo mediático também não é isento de responsabilidade no ambiente criado em torno do Governo PS e do primeiro-ministro" e com os manifestantes. Ao mesmo tempo, Estanque acredita que "os casos lamentáveis envolvendo figuras do actual governo precipitaram um desgaste prematuro que prejudica a tomada de medidas e as reformas prometidas que contribuem para o actual ruído na conjuntura política", defendendo que a imagem do Governo está cansada e poucos são os que acreditam que tenha verdadeiras soluções a apresentar.
Elísio Estanque fala ainda do papel dos sectores mais radicais (da extrema-direita em particular) que "estimulam e manobram [o descontentamento dos portugueses] no sentido de aumentar a instabilidade no país, esperando daí retirar vantagem política". "De um lado temos as legítimas reivindicações relacionadas com a indiferença do poder ao longo de décadas face aos milhares de professores em permanente situação de vulnerabilidade, com vínculos precários e outros com a progressão nas carreiras bloqueada. De outro lado, temos o aproveitamento político, os grupos organizados que estão mais focados no desgaste do Governo ou mesmo na criação da instabilidade e caos social", analisa Estanque.
O sociólogo sublinha ainda que "nos últimos anos, greves no sector público e nos transportes tornaram-se recorrentes" e que têm como principais reivindicações "salários, salários em atraso, horários de trabalho, carreiras profissionais". No entanto, verifica-se uma "crescente descoincidência entre sectores com maior degradação das condições de trabalho e mais precários (com pouca capacidade organizativa e reivindicativa), e os sectores mais estáveis da força de trabalho com maior capacidade negocial e de mobilização, como são os casos de professores, funcionários públicos e em alguns segmentos industriais mais qualificados, caso da Autoeuropa, por exemplo, onde em 2017 ocorreu uma paralisação que durou semanas, embora com várias interrupções, e que terminou com um acordo que concedeu algumas garantias ".

Diogo Barreto
Sábado

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