quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A idoneidade moral para o exercício da advocacia

Paulo Graça - Ex-presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados – Expresso

Concordo que não tendo condições éticas e morais, não mais possa exercer a profissão.

Reflexo da concepção tradicional da advocacia como profissão fundada nos mais elevados valores éticos, exige-se que, para o ser, o advogado possua e faça prova de idoneidade moral e a mantenha ao longo da sua vida profissional: são, aliás, os atributos de idoneidade mora, integridade, probidade, lealdade e independência que elevam o advogado da categoria de mero prestador de serviços à de servidor do Direito e da justiça, que o legislador sempre lhe reconheceu e fez sucessivamente consignar nos vários diplomas que, ao longo dos tempos, fixaram o seu estatuto profissional.

A inscrição como advogado exige que o candidato possua requisitos de idoneidade moral (artigo 188º do Estatuto da Ordem dos Advogados), a saber, que não tenha sido condenado por crime gravemente desonroso; esteja no pleno gozo dos seus direitos civis; não tenha sido declarado incapaz de administrar a sua pessoa e bens por sentença transitada em julgado; não esteja numa situação estatutariamente indicada como de incompatibilidade ou inibição para o exercício da advocacia, e ainda, caso tenha sido magistrado ou trabalhador com vínculo de emprego público, não tivesse, na sequência de processo disciplinar, sido demitido, aposentado, reformado ou colocado na inactividade por falta de idoneidade moral.

A posse destes requisitos não é exigida apenas para a inscrição: norma regulamentar (artigo 3º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 21 de Dezembro de 2015) exige-os também como pressuposto de deferimento do levantamento da suspensão, ou seja, para aquelas situações em que alguém, tendo estado inscrito como advogado, requereu e obteve a suspensão da inscrição, por exemplo para ingressar na magistratura, e pretende regressar à advocacia.

Sob o ponto de vista do procedimento, ocorre, porém, uma diferença, consoante as causas de inidoneidade: enquanto, na generalidade das situações, a averiguação da inidoneidade é feita no âmbito dos conselhos de deontologia, mediante um processo com uma estrutura semelhante ao processo disciplinar (artigos 177º e 178º do Estatuto da Ordem dos Advogados e 3º, n.os 2 a 4, do Regulamento de Inscrição), no caso de magistrados ou trabalhadores em funções públicas que, na sequência de processo disciplinar, tenham sido demitidos, aposentados, reformados ou colocados em inactividade por falta de idoneidade moral, compete aos conselhos regionais, à vista do documento que comprove qualquer destes factos, o indeferimento do requerimento de inscrição ou do levantamento de suspensão.

As sanções expulsivas na Função Pública ou na magistratura supõem a prática de actos de tal forma graves que tornam inviável o exercício das funções de natureza pública até ali exercidas.

Coerentemente, por expressa imposição legal, esse elevado desvalor social torna os seus destinatários inidóneos para o exercício da advocacia. Acresce, no caso específico dos Ex-magistrados, que, atenta a particularidade de o seu múnus se reconduzir à administração da justiça, função para cujo exercício a Constituição da República Portuguesa proclama ser o patrocínio forense elemento essencial, não fazer sentido que quem tenha sido julgado indigno de exercer tal função possa, afinal, participar dessa administração sob outra veste.

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